Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1808/09.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:DEFESA CONTRA DEMORAS ABUSIVAS (ARTº 670º CPC)
Sumário:- Se ao relator parecer manifesto que o sujeito processual , com determinado requerimento, pretende obstar ao cumprimento do julgado, à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, deve lançar mão do procedimento previsto no artº 670º CPC (ex 720º) determinando a extracção de translado e a remessa imediata do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:REC. Nº 1808/09.7BELSB
(12169/15)


O ora Reclamante A……… por requerimento de 08.02.2019 a fls. 398/SITAF vem arguir a nulidade do acórdão de 24.01.2019, proferido nesta instância de recurso.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Importam à decisão os seguintes actos praticados no presente processo:

A. O Reclamante A........, com os sinais nos autos, interpôs acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido contra a Conservatória dos Registos Centrais no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
B. Por sentença do TAC de Lisboa de 04.03.2013, foi emitido julgado de improcedência e absolvida do pedido a Entidade Demandada.
C. Inconformado, o ora Reclamante A........ interpôs recurso.
D. Neste Tribunal, por decisão singular do Relator de 09.10.2018 foi julgado improcedente o recurso e confirmada a sentença proferida.
E. O ora Reclamante A........ pediu prolação de acórdão pela Conferência.
F. Por acórdão deste Tribunal de 22.11.2018 foi julgado improcedente o recurso e confirmada a sentença proferida.
G. O ora Reclamante A........ por requerimento de 06.12.2018 a fls. 369/SITAF veio arguir a nulidade do acórdão de 22.11.2018 por omissão de pronúncia (615º/1/d) CPC) e falta de fundamentação (615º/1/b) CPC).
H. Por acórdão deste Tribunal de 24.01.2019 decidiu-se como segue:
“(..) Proferido acórdão neste TCAS em 22.11.2018, mediante requerimento autónomo de 06.12.2018 vem o Recorrente, ora Reclamante, arguir a nulidade por omissão de pronúncia (615º/1/d) CPC) e falta de fundamentação (615º/1/b) CPC),
A arguição de nulidades de sentença perante o Tribunal que a proferiu depende da inadmissibilidade de interposição de recurso ordinário.
Ou seja, em processo susceptível de recurso ordinário a nulidade de sentença deve ser arguida como fundamento do recurso, regime constante da revisão de 1995-1996 no artº 668 nº 4 CPC e que a reforma introduzida pela Lei 41/2013 manteve, conforme artºs. 615º nº 4 e 617º nº 1 CPC.
, Na circunstância, o acórdão deste TCA de 22.11.2018 é passível de recurso de revista nos termos do artº 150º CPTA, que assume a natureza de recurso ordinário, qualificação dada pelo Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, no rec. nº 5292/09 em despacho de fls. 597 de 07.01.2011.
O que significa que o requerimento autónomo deduzido nesta matéria é adjectivamente indevido.
Consequentemente acordam em conferência os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em não admitir a reclamação deduzida por inadmissibilidade adjectiva.
Custas do incidente a cargo do Reclamante. (..)”.
I. O ora Reclamante A........ por requerimento de 08.02.2019 a fls. 398/SITAF vem arguir a nulidade do acórdão de 24.01.2019 por “(..) por violação do princípio do contraditório, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3o, n°3,195°, n°l e 199°, n°l e 655°, ri°l do CPC, ex vi do artigo 140° do CPTA, corolário do processo justo e equitativo que se impõe por força do artigo 20° da Constituição da República e, em consequência, ser revogado o acórdão de 24/01/2019 e substituído por outro que conheça das nulidades por omissão de pronúncia e falta de fundamentação assacadas ao acórdão de 22/11/2018 por requerimento de 06/12/2018, e que se pronuncie concreta e fundamentadamente sobre as questões das conclusões B), C), D) E), H), I) e J) da reclamação para a conferência, que manifestamente não foram conhecidas pelo acórdão de 22/11/2018, como se impõe serem conhecidas, (..)”.




DO DIREITO


Em face do comportamento processual do Reclamante A........, o requerimento de 08.02.2019 a fls. 398/SITAF (alínea I do probatório), pelo qual o vem aos autos arguir a nulidade do acórdão deste TCAS de 24.01.2019 é subsumível na previsão do disposto no artº 670º CPC, aplicável ex vi artº 1º CPTA.

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Dispõe o artº 670º CPC:
1. Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542º, que o respectivo incidente se processe em separado.
2. O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados.
3. A decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extracção de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido.
4. No caso previsto no número anterior, apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal.
5. A decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera -se, para todos os efeitos, transitada em julgado.
6. Sendo o processado anulado em consequência de provimento na decisão a proferir no traslado, não se aplica o disposto no número anterior.”

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No caso concreto é manifesto que o Reclamante A........, na medida em que não interpôs recurso ordinário de revista ao abrigo do artº 150º CPTA do acórdão deste TCAS de 22.11.2018 (alíneas F e G do probatório) e não se conformando (como expressa) com a decisão que confirmou a sentença do Tribunal a quo, procurará socorrer-se de todos os meios ao seu dispor para evitar o respectivo trânsito em julgado, procurando obstar e protelar a baixa do processo à 1ª Instância.
Tal sobressai do uso permanente por parte do Reclamante A........ de requerimentos de arguição de nulidade,
· primeiro do acórdão de 22.11.2018 por requerimento de 06.12.2018 e,
· a seguir, por requerimento de 08.02.2019, a nulidade do acórdão do acórdão de 24.01.2019 depois de ser notificado da improcedência da reclamação que apresentou em 06.12.2018 (alíneas G, H e I do probatório).
Acresce que nesta segundo requerimento de 08.02.2019 o Reclamante A........ assaca já o acórdão de 24.01.2019 (alínea H do probatório) de incorrer em “decisão-surpresa” a propósito da divisão dos recursos administrativos em recursos ordinários e recursos extraordinários, bem como da violação do direito de acesso aos tribunais e ao processo justo e equitativo, consagrado no artº 20º CRP.

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Face ao comportamento processual do ora Reclamente expresso nos autos, cabe seguir o entendimento sustentado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.04.2001, tirado no procº nº 192/08.0TABGC.P1, pelo sobre o artº 670º CPC na revisão operada pela Lei 41/2013 de 26.06 [cuja redacção é igual à anterior do artº 720º CPC salvo nos tempos verbais], no sentido que se transcreve:
. “(..) Se a todas as pessoas é assegurado o direito a um processo justo e equitativo nos termos legais e constitucionais, todos os sujeitos processuais, nos quais se inclui o arguido, têm também o dever de pleitear de forma justa e equitativa, contribuindo desse modo para a eficácia daquele comando.
Observância essa que é necessária por outro lado à sobrevivência do principio do Estado de direito democrático, proclamado no artº 2º CRP, em cuja organização se inserem os Tribunais, que exercem o poder jurisdicional e administram a Justiça em nome do Povo, para que sem atropelos todos possam exercitar os seus direitos, razão da obrigatoriedade das sua decisões para todas as entidades publicas e privadas (artºs 202º 1 e 2, e 205º2 CRP).
Sendo colocada em causa, como parece estar a ser, por parte do arguido, o direito de acesso aos tribunais e á tutela jurisdicional efectiva, consagrado constitucionalmente, e que abrange qualquer cidadão, independentemente da sua posição processual (arguido ou vitima) como resulta do artº 20º/4 CRP que estatui “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”, parece ser de lançar mão do procedimento previsto no artº 720º CPC citado, como consagração legal do comando constitucional ínsito no nº5 do mesmo artº20º CRP do seguinte teor:
“Para defesa dos direitos, (…), a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” de modo a evitar o protelamento do processo e a eficácia da sua decisão, enquanto violação do direito a uma justiça célere e á tutela efectiva e em tempo útil do direito do ofendido.
Sobre o uso deste procedimento pronunciou-se a Relação de Lisboa - Ac. de 1/6/2006 Proc. 3132/06 9ª Secção http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/jurisprudencia no qual expressa:
1. “Não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões... (in Ac. Rel. Lx. nº 7995/01-3ª secção) ... até, enfim, à prescrição do procedimento criminal.
2. Com efeito, é legalmente inadmissível fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de v.g. conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 456º do CPC).
3. Por força do que preceitua o artº 720º CPC: 1- Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo (...), levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar (...) que o respectivo incidente se processe em separado.
4. O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada.'
5. A disciplina definida naquele artº 720º CPC - com igual consagração no Tribunal Constitucional (artº 84º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) - é aplicável ao processo penal, ex vi o artº 4º CPP.
6. Mas sempre se chegaria à mesma solução por mera aplicação de elementares princípios gerais do direito, como o da unidade e coerência do sistema jurídico, ou do princípio do poder-dever de direcção do processo pelo juiz, e dos princípios da cooperação, boa-fé e lealdade processuais (cfr. artºs 265º, 266º e 266º-A do CPC), e tendo-se em conta que os recursos posteriores à decisão final, em processo penal, têm sempre efeitos meramente devolutivo (cfr. artºs 406º e 408º do CPP).
7. In casu, é patente que o arguido vem procurando obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da reiterada suscitação de incidentes a ela posteriores e manifestamente infundados, impõe-se que os 'incidentes' suscitados sejam processados em separado, baixando os autos à 1ª Instância para imediata execução da pena aplicada ao arguido.” (..)”

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Feita a transcrição que compete, pelas razões supra expressas afigura-se-nos que o caso concreto impõe o uso do comando expresso no artº 670º CPC.


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Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, ao abrigo do disposto no artº 670º nºs. 2 e 3 CPC, aplicável ex vi do disposto no artº 1º CPTA, determinar
· a extracção de traslado de todo o processo a partir da sentença de 1ª Instância, inclusive,
que ficará, via plataforma electrónica do SITAF e complemento em papel, nesta Secção de Contencioso Administrativo do TCAS para decisão da reclamação deduzida por requerimento de 08.02.2019 a fls. 398/SITAF e actos posteriores, com observância do nº 4 do mesmo artº 670º citado, remetendo-se o processo principal à 1ª Instância para cumprimento do acórdão de 22.11.2018, confirmativo da sentença do TAC de Lisboa de 04.03.2013.

Custas do incidente a cargo do Reclamante.

Lisboa, 19.JUN.2019


(Cristina dos Santos) …………………………………………………..

(Paulo Gouveia) ……………………………………………………….

(José Gomes Correia) ………………………………………………...