Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1222/18.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:ACTO DE COMPENSAÇÃO
INICIATIVA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I. A extinção dos créditos tributários através do recurso ao mecanismo da compensação por iniciativa da Administração Tributária está prevista no artigo 89º. do CPPT e artigo 40.º, n.º2 da LGT.

II. Tendo sido anulada a liquidação que subjaz à dívida exequenda, o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida titulada por aquela liquidação terá de ser declarado extinto, oficiosamente (cfr. alínea b), do n.º1 do artigo 176.º e artigo 270.º ambos do CPPT).

III. Tendo ficado demonstrado que a “dívida” que foi compensada no processo execução fiscal não constitui a dívida exequenda desse processo de execução, o acto de compensação efectuado pela Administração Tributária, carece de fundamento legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a reclamação deduzida por G..................................., LDA contra o acto de compensação de créditos n.º ...................../2016, no valor de 41.155,43€, efectuado no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............................

A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I-Recorre-se do segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal ad quo, no segmento que considera que dado que a dívida que foi compensada no processo execução não constitui a dívida exequenda desse processo de execução (titulada pela certidão de dívida que esteve na base da sua instauração), como tal, configura compensação ilegal, face ao disposto no artigo 89.º, n.º 1, do CPPT.
II-Vejamos que a reclamante veio aos autos de reclamação, sindicar o ato de compensação de dívidas fiscais, nos termos do art.º 89.º do CPPT, com fundamento em que a AT não tem a prerrogativa de substituir todos os títulos executivos, cativando créditos para pagamento de dívidas posteriormente surgidas e que a nota de cobrança 2015 ............. não pode ser substituída.
III-Ora, não nos podemos conformar com a decisão recorrida porquanto sob errada apreciação da prova documental que ademais se mostra insuficiente, fez uma errada apreciação dos factos.
IV-Com interesse quanto à decisão em causa, comecemos por demonstrar o déficit do probatório que impediria que o Tribunal concluísse em sede de direito, pela inexistência de novo PEF e que admitisse que o PEF em causa nos autos instaurado por dívida gerada pela liquidação n.º 2014 .................., foi o único objecto de citação sendo ainda que a liquidação vigente por ser posterior à instauração da execução, seria por isso ilegal - factos que o Tribunal dá como assentes a páginas 8 da douta sentença.
V-Com o devido respeito decidiu o Tribunal sem que se munisse dos elementos probatórios necessários para tal.
VI-A dívida exequenda tem origem numa liquidação efectuada pela AT, e é resultado de correcções ao VPT, VPT esse que implicou sucessivas liquidações, por via de alterações matriciais. As liquidações em causa referem-se ao ano de 2014.
VII-Contudo, tendo a nova liquidação sido emitida pelo valor de € 167 671,80, verifica-se que a nota de cobrança respeitante a essa liquidação foi emitida apenas pelo valor “adicional”, ou melhor pelo diferencial que corresponde à quantia de € 129 229,30, ou seja, pela diferença de valor entre a primeira liquidação e a segunda liquidação.
VIII-Não tendo sido paga tal liquidação adicional e, findo o prazo de cobrança voluntária, foi instaurado novo processo executivo onde a reclamante foi citada pessoalmente em 2016-01-04:
Deste modo, o processo n.º ............................. foi instaurado pela quantia em dívida e não pelo valor total da liquidação que lhe era superior, considerando que se encontrava já instaurado um PEF para o mesmo imposto e período com a diferença.
IX-Importa no entanto e desde já, especificamente sublinhar que, conforme exposto em sede de contestação não se verifica duplicação de colecta porquanto as liquidações à medida que surgiram foram sendo substituídas e que, nos presentes autos, não está propriamente em causa a liquidação estornada na compensação de créditos, mas a aplicação do montante dessa liquidação no pagamento da liquidação actualmente vigente, a liquidação n.º 2014 .................., emitida pelo montante de € 167 671,80 – a que corresponde a Certidão de Dívida n.º: 2015 .................. Instaurada pelo valor de € 129.229,30.

X-Vejamos que por ser relevante para a decisão reclamada importa trazer à colação, como já se fez em sede de contestação que, de facto a liquidação 2014 .................. foi “substituída” pela liquidação n.º 2014....................
XI-Ou seja, como pensamos já se encontrar supra melhor demonstrado, dos factos constantes nos autos não podia o Tribunal concluir que:
-Não foi instaurado novo PEF a para cobrança do novo montante da Quantia Exequenda: 129.229,30 EUR.
XII-Nem podia o Tribunal concluir que não ocorreu nova citação a comunicar uma qualquer instauração de nova dívida.
XIII-Na verdade, com a instauração de um novo PEF, aconteceu precisamente o contrário, ou seja quando na data de 2015-12-18 se procedeu à instauração de Processo de Execução Fiscal n.º ............................., a aí executada foi citada pelo montante da Quantia Exequenda: 129.229,30 EUR. Sublinhe-se que a reclamante foi até citada pessoalmente, o que se deve dar como provado.
XIV-Tal é o que decorre da tramitação processual e, citada em 2016-01-04, com Citação Pessoal efectivada em 2016-01-05, a reclamante não desconhece os factos.
XV-Razões, pelas quais e sem mais, não pode a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão recorrida, pecando por deficit instrutório até por não se ter socorrido do inquisitório, contrariamente ao imposto pelo n.º 1 do art.º 13.º do CPPT.
XVI-Como se verifica ainda, todos os movimentos acima indicados espelham as sucessivas tramitações e alterações, já ocorridas quanto ao objecto dos autos e, contrariamente ao afirmado pela decisão recorrida, pela Administração Tributária NUNCA foi “pretendido que passasse a nova liquidação a ser cobrada no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, procedendo, com o acto sindicado nos autos, à compensação de dívida titulada por esta nova liquidação com o crédito da Reclamante”.
Termos em que a sentença não se pode manter na ordem jurídica face às consequências que extraiu de factos omissos.
XVII-Ou seja, como é pacífico, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.
A liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e, ao mesmo período de tempo e que aquela, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou exactidão, tenha determinado a cobrança de um imposto inferior ao devido (como é o caso dos autos).
A liquidação adicional destina-se, assim, a corrigir ou rectificar a uma liquidação deficiente e, como tal, não é independente desta devendo, por isso, reger-se pelas normas que lhe presidiram.
Tal é a moldura factual em apreço nos autos tal como tem sido o entendimento da jurisprudência.
XVIII-Em consequência deve o despacho em crise manter-se e produzir os devidos efeitos na esfera jurídica.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

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A recorrida G..................................., LDA, veio produzir contra-alegações, quais pugna total improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida, apresentando quadro conclusivo nos seguintes termos:
«1. Os presentes autos de reclamação foram pela Recorrida deduzidos contra o acto de compensação pela Autoridade Tributária concretizado sobre um crédito fiscal de IRC por aquela detido no valor de €41.155,43 no âmbito do supra mencionado processo de execução fiscal, cujos termos correm pelo Serviço de Finanças de Lisboa … para cobrança coerciva da prestação única de Imposto de Selo referente ao exercício económico de 2014, titulada pela liquidação de imposto n.º 2015 00............. de 13/05/2015, no valor de €.38.442, 50.
2. Semelhante nota de cobrança foi pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa anulada no âmbito do procedimento de reclamação graciosa movido pela Recorrida e que ali correu os seus termos sob o número ..............................
3. Anteriormente, em 10/09/2015 a Recorrida foi citada para os termos do processo de execução fiscal n.º ............................, cujo título executivo expressamente identificado na correspectiva carta de citação é precisamente a nota de cobrança n.º 2015 00............. de 13/05/2015, no valor de €.38.442,50.
4.Ora, tendo aquela liquidação/nota de cobrança sido entretanto anulada pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme resulta da decisão administrativa proferida em 18/12/2015 no âmbito dos autos de reclamação graciosa contra aquele tributo movidos, perdeu aquela acção executiva o seu título, o que, por si só, sempre determinaria a anulação da dívida exequenda e, assim, a extinção daquela instância executiva.
5.Porém, alheando-se de semelhante factualidade e assumindo-a como uma mera vicissitude sem quaisquer consequências, tratou esta última de, em 04/08/2016 e no âmbito daquele mencionado processo de execução fiscal (o qual, não obstante a sua extinção, se manteve infundadamente activo), tomar indevida posse de um crédito pela Recorrente detido a título de IRC no valor de €.41.155,43, compensando-o para alegado pagamento da dívida exequenda daqueles mesmos autos, assim extinguindo a execução.
6.Para tanto e ainda que nunca tenha notificado a Recorrida para pagar semelhante tributo, tratou a Recorrente de ilegal e infundadamente substituir o título executivo do mencionado processo de execução fiscal, que passou, assim, a ser esta liquidação de imposto subsequentemente emitida, utilizando para o seu pagamento o crédito por aquela detido a título de IRC no valor de €41.155,43, olvidando, por conseguinte, da circunstância de o título executivo e a execução fiscal em apreço já se acharem há muito extintos e que, ademais, lhe estava absolutamente vedada a substituição do correspondente título executivo, cujo teor, para além de tudo o mais, nunca deu a conhecer à Recorrida.
7.Nos termos do disposto no art.º 162.º do CPPT, só podem servir de base à execução como título executivo, entre outros, a certidão extraída do título de cobrança relativa a tributos e a outras receitas do Estado.
8.O título executivo é, assim, o próprio título de cobrança, endereçado nos termos legais ao contribuinte, com menção da proveniência e "quantum" da obrigação tributária, entre outras informações.
9.No caso vertente, a liquidação de imposto ou nota de cobrança do imposto que constitui o título executivo da execução fiscal n.º ............................ é aquela que recebeu o n.º 2015 00............. de 13/05/2015, a cujo pagamento a Reclamante obstou e cuja legalidade sindicou e, porque fundamentadamente não o pagou, é que, nos termos do sobredito normativo legal, a Autoridade Tributária do mesmo extraiu certidão para o utilizar como título executivo no âmbito do referido processo de execução fiscal n.º .............................
10.Neste enquadramento, o título executivo dos autos, a saber a certidão extraída da liquidação n.º 2015 00............. de 13/05/2015, tendo sido confessadamente anulada pelo seu próprio emissor, deixou de constituir um título para pagamento, ou seja, deixou de ter a virtualidade de constituir para quem quer que seja a obrigação de pagar o valor que nele se achava inserto, donde, necessário se torna concluir que tendo sido arredado da Ordem Jurídica semelhante título por via da sua anulação, a dívida que ele continha, de idêntica anulação foi objecto.
11. Nunca poderia, assim, a Administração Tributária, após "amarrar" a referida execução a uma liquidação de imposto anulada, "desamarrá-la" daquele título, alocando-lhe outro, pois que o processo executivo assim não funciona.
12. Neste seguimento, não subsistem dúvidas quanto ao acerto, pertinência e acuidade da sentença proferida nos autos, a qual deverá, assim, manter-se inalterada, pois que, expressamente confessando a Administração Tributária não mais subsistir o título executivo em que se baseia o processo de execução fiscal n.º ............................, é absolutamente ilegal a retenção processada no seu âmbito do crédito de IRC pela Recorrida legitimamente titulado para pagamento de uma dívida exequenda intitulada e, por conseguinte, sem qualquer legalidade, o que se requer seja decidido, com todas as devidas e legais consequências.

Pelo exposto e pelo mais que for suprido pelos Srs. Venerandos Juízes Desembargadores, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida, fazendo-se, desse modo, a devida JUSTIÇA!»
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pela Recorrente à consideração deste Tribunal são as seguintes:
- saber se a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
- impugnação da matéria de facto;
- saber se Tribunal a quo fez correcto julgamento quando considerou que o acto de compensação por iniciativa da Administração Tributária no valor de 41.155,43€, efectuado no âmbito do processo de execução fiscal nº ............................ é ilegal à luz do artigo 89.º, n.º 1, do CPPT;
- violação do Princípio do Inquisitório.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Em 13.05.2015, foi emitida pela Administração Tributária, em nome da ora Reclamante, por referência ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia d............................., Concelho de Lisboa, sob o n.º ....., a liquidação de imposto de selo - verba 28.1 da TGIS - com o n.º 2014 .................., relativo ao ano de 2014, no valor de 38.442,50 EUR, com data limite de pagamento voluntário fixada em 31.07.2015, tendo por base um valor patrimonial tributário de 3.844.250,00 EUR (cfr. documentos de fls. 16 dos autos e fls. 2, 3 e 24 do processo de execução apenso);
B) Relativamente ao mesmo ano de 2014, e sobre o prédio identificado em A) que antecede, ainda que identificado com o seu anterior número (.....) de inscrição na respectiva matriz predial urbana, a Administração Tributária já havia emitido, em 20.03.2015, a liquidação de imposto de selo - verba 28.1 da TGIS - com o n.º 2014 .................., no valor de 38.442,50 EUR (cfr. documentos de fls. 16, 17, 22 e 42 dos autos e fls. 24 do processo de execução apenso);
C) A Reclamante procedeu ao pagamento da primeira e segunda prestação da liquidação identificada na alínea anterior, em 18.09.2015 e 16.07.2015, respectivamente (cfr. documentos de fls. 18 a 20 dos autos);

D) Para cobrança coerciva do tributo mencionado em A), em 10.09.2015, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa … o processo de execução fiscal n.º ............................ (cfr. documentos de fls. 1 a 3 do processo de execução apenso);
E) Em 14.09.2015, foi a ora Reclamante citada para a execução mencionada em D) que antecede, por ofício cujo teor se transcreve infra:

“(…)
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"

(cfr. documentos de fls. 21 dos autos e fls. 39 do processo de execução apenso);
F) Em 18.09.2015, a Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em A) supra, alegando duplicação de colecta (cfr. documentos de fls. 39-40 dos autos);
G) Em 26.09.2015, foi emitida pela Administração Tributária, em nome da Reclamante, a liquidação de imposto de selo n.º 2014 .................., relativo ao ano de 2014 e ao prédio identificado em A) supra, no valor de 167.671,80 EUR, tendo por base um valor patrimonial tributário de 16.767.180,00 EUR (cfr. documentos de fls. 16 dos autos e fls. 24 do processo de execução apenso);
H) Simultaneamente com a emissão da liquidação mencionada na alínea anterior, foi anulada a liquidação identificada em A) supra, a qual foi substituída por aquela (cfr. documentos de fls. 14 a 17 e 24 do processo de execução apenso);
I) Em 12.10.2015, foi apresentada pela ora reclamante oposição à execução mencionada em D) supra, solicitando a extinção da instância por duplicação de colecta, a qual corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 1199/18.5BELRS (cfr. documentos de fls. 23 dos autos e fls. 4 a 7 do processo de execução apenso);
J) Por despacho proferido pela Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 18.12.2015, foi arquivada a reclamação mencionada na alínea F) supra, por inutilidade superveniente do procedimento, porquanto a pretensão da reclamante de anulação da liquidação reclamada já se encontrava satisfeita (cfr. documentos de fls. 24 a 28 dos autos e fls. 14 a 17 do processo de execução apenso);
K) Em 04.08.2016, o Serviço de Finanças de Lisboa … procedeu à aplicação de crédito da Reclamante no montante de 41.155,43 EUR, respeitante ao valor de IRC a reembolsar à Reclamante, no pagamento da dívida em cobrança no processo de execução fiscal identificado em D) supra (cfr. documentos de fls. 41 dos autos e fls. 39 a 50 do processo de execução fiscal apenso);
L) No seguimento da compensação de créditos mencionado na alínea anterior, o processo de execução fiscal identificado em D) supra foi extinto, em 04.08.2016 (cfr. documento de fls. 39 a 50 do processo de execução fiscal apenso);
M) Não foi prestada garantia pela Reclamante no processo de execução fiscal identificado em D) supra, tendo em vista a sua suspensão, nem tal suspensão foi solicitada no referido processo (facto que resulta do teor do processo de execução fiscal apenso).
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Factos não provados: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
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Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»
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B. DO DIREITO
DA NULIDADE DA SENTENÇA prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
Das alegações apresentadas intui-se que a Recorrente pretende imputar à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC (não obstante a ausência da qualificação jurídica, não impede este Tribunal de apreciar a questão colocada por força do artigo 5°, n.º 2 e 607.º, n.º 3 ambos do CPC, porque a quem cabe dizer o direito é ao juiz, à parte cabe dizer os factos e quais as razões de direito que no seu entender servem de fundamento ao pedido, porém, o juiz não está sujeito a tais alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Trata-se de um princípio expresso nas velhas máximas dos romanistas: iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius.).
Sustenta, para tanto, que a sentença sob recurso «(…) não especifica os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão.».
Vejamos, pois.
Nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando: « Não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justificam a decisão;».
A causa de nulidade referida ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, n.º 1, da CRP e artigo 154º, n.º1 do CPC).
Como ensina Teixeira de Sousa: «o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível» (“Estudos Sobre o Novo Processo Civil», pág. 221).
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade da sentença, como é sabido, é apenas a que se reporta « (…) à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso» (Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2009, p. 55).
No caso, mostra-se claro que, não se detectar essa nulidade, visto que a sentença recorrida elenca os factos provados e enuncia os fundamentos de direito que justificam essa decisão.
Em face deste juízo, não se verifica, pois, a nulidade da sentença, pelo que improcedem, neste âmbito, as conclusões do recurso.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Vamos, agora conhecer da impugnação da matéria de facto, para fixarmos a matéria fáctica provada, indispensável à aplicação do direito.
Compulsando as alegações de recurso e respectivas conclusões, verifica-se que a Recorrente pretende ver aditados ao probatório por este Tribunal de recurso, os seguintes pontos: na data de 2015-12-18 se procedeu à instauração de Processo de Execução Fiscal n.º ............................., a aí executada foi citada pelo montante da Quantia Exequenda: 129.229,30 EUR; e, citada em 2016-01-04, com Citação Pessoal efectivada em 2016-01-05.».
Analisemos!
Constitui entendimento prevalecente que quando seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. Trata-se, em resumo, de cumprir o ónus de impugnação estatuído no artigo 640.º do CPC.
Ora, no caso concreto, verifica-se que a Recorrente indicou com toda a clareza os pontos em divergência, pontos esses que elencou ainda nas conclusões das alegações, contudo, não especificou relativamente a cada ponto de facto os meios de prova que no seu entender determinariam o pretendido aditamento.
E, consequentemente, este tribunal não pode proceder à reapreciação da matéria de facto, impondo-se, por isso, nesta parte, a rejeição do recurso, sendo inadmissível, face ao disposto no nº 1 do artigo 640.º do CPC.
Do Mérito do recurso
Está em causa nestes autos a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação judicial que G..................................., LDA, deduziu contra a decisão do órgão de execução fiscal que procedeu, por iniciativa própria, à “compensação de créditos” n.º ...................../2016, no valor de 41.155,43€, efectuado no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............................
A reclamante consubstanciou a ilegalidade desse acto no facto de se tratar de um acto de apreensão ilegal, decretado no processo de execução fiscal n.º ............................, cuja liquidação que subjaz à dívida exequenda fora objecto de anulação em momento anterior à prática do acto reclamado.
O Tribunal recorrido, deu razão à reclamante, entendendo, em síntese que «a dívida que foi compensada no processo execução não constitui a dívida exequenda desse processo de execução (titulada pela certidão de dívida que esteve na base da sua instauração), a qual, de resto, já se encontrava anulada, impõe-se concluir pela ilegalidade dessa compensação, sindicada nos autos, face ao disposto no artigo 89.º, n.º 1, do CPPT.».
A Recorrente discorda do resultado a que chegou o Tribunal a quo, na análise por este efectuada da operação de subsunção dos factos dados como provados às normas tidas por aplicáveis.
Antes de avançarmos na solução das demais questões apresentadas pela Recorrente convém relembrar o quadro legal em que nos situamos e algumas ideias e princípios que se encontram relativamente sedimentados na doutrina e na jurisprudência.
Como é consabido, o processo de execução fiscal destina-se a obter a cobrança coerciva de determinadas dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público, aí se encontrando a cobrança das dívidas fiscais (cf. artigo 148.º do CPPT).
A compensação é como se sabe e resulta da lei um modo de extinguir as obrigações pecuniárias ou referentes a coisas fungíveis entre pessoas que são simultaneamente credoras e devedoras e na essência consiste em dar por paga a dívida de cada um em quantidade igual à do seu crédito que igualmente se dá por cobrado noutro tanto.
A extinção dos créditos tributários através do recurso ao mecanismo da compensação por iniciativa da Administração Tributária está prevista no artigo 89º. do CPPT, e ainda no artigo 40.º nº2 da LGT e depende dos seguintes requisitos:
«a) haver um crédito a favor de um contribuinte de que é devedora a administração tributária, que esteja em fase de execução;
b) que esse crédito resulte de reembolso, ou de revisão oficiosa, ou de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou outro meio administrativo ou contencioso;
c) que esse contribuinte seja simultaneamente devedor de tributos;
d) não estar a dívida garantida ou, estando-o, não estiver pendente reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal relativa à dívida do contribuinte, nem estar a dívida a ser paga em prestações». (Código de procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, I volume, págs, 742/745, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Ora, da análise atenta da matéria de facto atrás elencada, verifica-se ser liminarmente inadmissível a compensação por falta de verificação do requisito da alínea da alínea c), ou seja, que o sujeito passivo, (reclamante), seja devedor, no processo de execução onde ocorreu a compensação de créditos, dos tributos compensados.
Com efeito, como refere, e bem, o Tribunal recorrido, decorre da factualidade assente nas alíneas A), D) e E), do probatório, que o processo de execução fiscal em referência nos presentes autos (n.º ............................) foi instaurado em 10.09.2015, tendo em vista a cobrança de imposto de selo (do ano de 2014) apurado na liquidação n.º 2014 .................., emitida em 13.05.2015, no valor de 38.442,50 EUR, com data limite de pagamento voluntário fixada em 31.07.2015.
No que respeita à citação para a execução prescreve o artigo 188.º do CPPT que após a instauração da execução o executado é citado referindo o artigo 189.º do mesmo diploma quais os seus efeitos e a sua função.
Pois bem, no caso, a reclamante foi citada no dia 14.09.2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ............................ (cfr. alínea E) do probatório) e no dia 26 daquele mesmo mês e ano, a liquidação que subjaz à divida exequenda foi anulada.
Ora, como sabemos, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica, pelo que, estando na origem do processo de execução fiscal uma liquidação que foi anulada, o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida titulada por aquela liquidação terá de ser declarado extinto, oficiosamente (cfr. alínea b), do n.º1 do artigo 176.º e artigo 270.º ambos do CPPT)
Aqui chegados, impõem-se duas notas:
A primeira: para que a execução fiscal pudesse prosseguir necessário seria que anulação da liquidação n.º 2014 .................., emitida em 13.05.2015, no valor de 38.442,50 € tivesse sido meramente parcial, o que não ocorreu no caso.
A segunda: a liquidação n.º 2014 .................., emitida em 26.09.2015, pelo montante de 167.671,80€ (independentemente de se tratar ou não de uma “ liquidação correctiva”) teria de ser notificada à Reclamante concedendo-lhe um prazo para, além do mais, efectuar o pagamento voluntário do imposto apurado, e só se o pagamento não for efectuado no prazo legal, é que dará origem à extracção de certidão de dívida, com base nesta se instaurando um novo processo de execução fiscal (cfr.artigo 88.º, nº.1, artigo 162.º, alínea a), e artigo 188.º, nº.1, todos do CPPT, neste sentido, vide entre outros: Acórdão do STA de 28.04.2010, proferido no processo n.º 297/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Como é evidente, na ausência da notificação da liquidação n.º 2014 .................. e do respectivo título executivo (sabendo-se que serve de base à instauração do processo de execução fiscal e que só pode ser extraída na sequência da falta de pagamento voluntário - artigo 88.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT-) tomando como certas as palavras de Anselmo de Castro, quando afirma que «A acção executiva pressupõe, por definição, o estado de incumprimento da obrigação o qual normalmente transparece do próprio título executivo» (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 53.), não vislumbramos, nem a Recorrente explica, como é que à luz do quadro legal, que anteriormente traçamos, ainda assim, poderia ser instaurado um “novo PEF” que segundo alega, com vista à cobrança coerciva da diferença entre o montante pago através da nota de compensação e a importância devida.
No mesmo caminho, refere o Tribunal Constitucional, que o processo de execução fiscal tem na sua base um título executivo « (…) que “comprova a obrigação cujo cumprimento se pretende e é, simultaneamente, constitutivo do direito da entidade exequente” (cf. Administração Geral Tributária, Manual de procedimento e processo tributário, Lisboa, 2002, p. 109), podendo consistir, inter alia, na certidão extraída do título de cobrança relativa ao imposto (cf. artigo 162.º do CPPT) que é “emitida” pelos serviços competentes da Administração tributária sempre que decorrido o prazo para o pagamento voluntário da dívida este não tenha sido realizado (cf. artigos 84.º e 88.º do CPPT), daí resultando, compreensivelmente, que o processo de execução fiscal, apenas possa ser instaurado “findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias”, não obstando, para tal, que ainda não tenha decorrido o prazo de impugnação judicial do acto tributário que está na sua origem (Acórdão nº 386/2005, proferido em 13 de Julho de 2005, disponível em texto integral em www.tribunalconstitucional.pt).
Ou seja: a dívida exequenda só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada aos responsáveis pelo seu pagamento a possibilidade de a pagarem voluntariamente e de terminado o prazo para o efeito (cfr. artigo 84.º do CPPT) (Neste sentido pronunciou-se, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.01.2019, proferido no processo n.º 11/16.4BEAVR, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Consequentemente, tendo a sentença recorrida decidido que « (…) a dívida que foi compensada no processo execução não constitui a dívida exequenda desse processo de execução (titulada pela certidão de dívida que esteve na base da sua instauração), a qual, de resto, já se encontrava anulada, impõe-se concluir pela ilegalidade dessa compensação, sindicada nos autos, face ao disposto no artigo 89.º, n.º 1, do CPPT.» nenhuma censura merece.
Importa referir, finalmente, que a Recorrente fez constar no articulado que corporiza as suas alegações de recurso que a liquidação n.º 2014 .................., emitida em 26.09.2015, pelo montante de 167.671,80, consubstancia uma liquidação adicional, como diz reconhecer a jurisprudência.
Ora, não vislumbramos, nem a Recorrente indica, a que jurisprudência se refere, por outro lado, nem a matéria de facto apurada permite afirmar que estamos perante uma liquidação adicional.
Muito pelo contrário, isto porque, como se refere na sentença recorrida, tendo a nova liquidação apurado um valor de imposto superior à da liquidação anulada, assente em pressupostos de facto diversos, concretamente a matéria tributável apurada (valor patrimonial tributário do prédio), a mesma não constitui mera liquidação correctiva da liquidação originária, não tendo por efeito a repristinação ou a correcção parcial da liquidação anterior.
Essa é, aliás, a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2015, proferido no processo n.º 01104/13 e Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 18.04.2018, proferido no processo n.º 10/17.4BELLE, que a sentença não deixou de registar.

Por último, sustenta a Recorrente, sem razão, adiante-se, que o Tribunal a quo inobservou o “princípio da verdade material” e o “ princípio da investigação”.
Não há dúvida que em processo tributário, seja qual for a fase processual, deve o Tribunal oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ou úteis à descoberta da verdade material relativamente ao objecto do processo – de acordo designadamente com o disposto nos artigos 99.º da LGT, e 13.º do CPPT.

Ora, o Meritíssimo Juiz, contrariamente ao que pretensamente lhe é imputado, observou cuidadosamente o princípio do inquisitório, só tendo decidido, depois do processo de execução fiscal no âmbito do qual foi efectuado o acto de compensação questionado ter sido junto aos autos.
De resto, a Recorrente continua sem identificar qualquer elemento com potencialidade de impor uma decisão diversa da proferida nem a sugerir a realização de qualquer diligência instrutória necessária à descoberta da verdade material.
Assim, nada mais resta fazer se não julgar o recurso improcedente, confirmando, pois, a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES
I. A extinção dos créditos tributários através do recurso ao mecanismo da compensação por iniciativa da Administração Tributária está prevista no artigo 89º. do CPPT e artigo 40.º, n.º2 da LGT.
II. Tendo sido anulada a liquidação que subjaz à dívida exequenda, o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida titulada por aquela liquidação terá de ser declarado extinto, oficiosamente (cfr. alínea b), do n.º1 do artigo 176.º e artigo 270.º ambos do CPPT).
III. Tendo ficado demonstrado que a “dívida” que foi compensada no processo execução fiscal não constitui a dívida exequenda desse processo de execução, o acto de compensação efectuado pela Administração Tributária, carece de fundamento legal.
V. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019.

[Ana Pinhol]


[Tânia Cunha]


[Isabel Fernandes]