Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:688/15.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INIMPUGNABILIDADE DO ATO
ATO CONFIRMATIVO
RECURSO HIERÁRQUICO
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:
I. A decisão proferida no âmbito do procedimento administrativo de segundo grau, decidindo o recurso hierárquico facultativo no sentido do seu indeferimento, mantendo a decisão recorrida, constitui um ato meramente confirmativo do ato primário impugnado administrativamente.
II. A decisão administrativa objeto de impugnação administrativa facultativa, constitui um ato administrativo imediatamente lesivo e impugnável contenciosamente, sendo ele que define inovatoriamente a situação do caso concreto.
III. A utilização dos meios impugnatórios suspende a contagem do prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, o qual retoma o seu curso com a notificação proferida ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão, segundo o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA.
IV. Estando a ação sujeita ao prazo de impugnação dos atos anuláveis, de três meses, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contado nos termos do seu n.º 2, determina a procedência da exceção de caducidade do direito de ação, configurada como uma exceção dilatória, que acarreta a absolvição da entidade demandada da instância.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A........, Lda., posteriormente designada por L…., Lda, devidamente identificada nos autos de ação administrativa de impugnação de ato administrativo, instaurada contra o Instituto da Segurança Social, IP, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida em 31/12/2017, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedentes as exceções dilatórias de inimpugnabilidade e de caducidade do direito de acção e absolveu a Entidade Demandada da instância.


*

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“a) A A. em ação administrativa especial movida contra o Instituto da Segurança Social, peticionou a anulação do ato que ordenou a reposição do valor de € 18.049,80, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido à beneficiária A..... , alegando que não foi notificada anteriormente da existência de qualquer processo relacionado com a trabalhadora em causa, e muito menos da decisão e fundamentos que levaram a tal nota de reposição ou à obrigatoriedade de restituir qualquer prestação.

b) Alegou ainda que tal falta de comunicação à entidade empregadora, determinou desde logo o coartar do seu direito de defesa, bem como dos seus direitos de audiência previa, pelo que deverá ser anulada a nota de reposição e ordenado que seja cumprido o direito de audiência previa ou, caso assim não se entenda, lhe seja notificada a decisão e seus fundamentos, uma vez que a atuação do órgão em causa viola os mais elementares princípios constitucionais e previstos no Código do Procedimento Administrativo - art. 55º, n.ºs 1 e 3 do CPA, art. 100º do mesmo diploma e ainda, o principio da participação - art. 8º e 66º CPA.

c) Por fim que da nota de reposição em apreço não resultam quais os factos que lhe deram origem, nem os fundamentos de Direito da mesma. Como tal, a ordem de reposição ordenada e notificada é nula. - arts. 123º, 124º e 125º do CPA.

d) A R. defendeu-se por exceção.

e) Veio a ser proferido saneador-sentença em 31 de dezembro de 2017, a julgar procedentes as exceções de impugnabilidade do ato e de caducidade do direito de ação invocadas pelo Réu, com a sua consequente absolvição da instância.

f) A A. não pode aceitar sem mais a decisão do Tribunal a quo.

g) De facto, têm sido considerados pela doutrina e Jurisprudência requisitos dos atos confirmativos o conhecimento do interessado do ato confirmado e da sua recorribilidade, a identidade de sujeitos, a existência da mesma situação fáctica (identidade do objeto), o mesmo regime jurídico e a mesma decisão, quer no ato confirmado, como no ato confirmativo e a lesividade do ato confirmado, não sendo estes, em princípio contenciosamente impugnáveis.

h) No entanto, diga-se antes de mais, que ao admitir-se que quanto à identidade dos sujeitos na parte Autora que não constitui requisito essencial a idêntica personalidade, relevando apenas a origem da titularidade dos poderes exercidos, está a retirar-se toda a virtualidade ao meio de Impugnação Recurso Hierárquico.

i) Acresce que esta forma de salvaguarda dos direitos dos particulares por ser graciosa e não contenciosa deveria em todo o caso prevalecer, ainda que tenha deixado de ser regra.

j) Importa ainda referir que são inúmeras as vantagens que este meio comporta, mormente a nível de facilidade de interposição e custos, sendo portanto uma garantia imprescindível na salvaguarda efetiva dos direitos dos administrados.

k) O despacho impugnado não pode ser tido como meramente confirmativo da decisão anterior de indeferimento, uma vez que é proferido após o exercício do contraditório por parte da A.

l) O despacho é ainda impugnável porque, apesar do exercício do contraditório, o mesmo não está devidamente fundamentado nem faz qualquer apreciação crítica dos argumentos deduzidos.

m) O despacho impugnado é um verdadeiro ato administrativo nos termos do disposto no art.º 148.º do CPTA.

n) Aliás, o ato supra referido tem verdadeira eficácia externa e é potencialmente lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos – critério máximo –, pois destina-se a firmar uma decisão com esse intuito, ainda que tenha havido um ato que o precedeu - e esse sim sem efeitos estáveis, dado o seu carácter unilateral e desprovido do contraditório exigível em qualquer processo justo e equitativo.

o) Acresce que in casu e na realidade, não fora tomada qualquer decisão que se possa estabilizar na ordem jurídica, uma vez que o ato primário careceu de falta de fundamentação e que tal facto serviu inclusive de base ao recurso hierárquico.

p) A decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto, ao manter nos precisos termos a decisão recorrida, transportou consigo os mesmos vícios, e o próprio de omissão de pronúncia e de emissão de juízo valorativo acerca dos argumentos proferidos pelo A. no exercício do contraditório.

q) Ainda que se admitisse o carácter confirmativo do ato, o ato tido como primário pela ora Ré, só poderia ser considerado nulo, dada a sua falta de fundamentação, a sua ininteligibilidade, o seu carácter lesivo de direitos fundamentais do administrado e a interpretação e aplicação atroz ao sentido da lei que consigo comporta.

r) Acresce que a nossa Lei Fundamental, por via do número 4 do artigo 268º garante aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma.

s) Conclui-se deste modo, que é inegável a impugnabilidade do ato tido pela ora Ré como meramente confirmativo e com cuja classificação não se pode compactuar.

t) Por outro lado, a nota de reposição impugnada, ainda que se destinasse a pôr em prática a determinação contida no ato exequendo, é inegável que é lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos da A.

u) Certo é ainda, que o ato em causa ao ser consequência lógica de um ato que padece de nulidade, conforme se crê veemente, não poderá deixar de ser impugnável.

v) Invoca ainda a Ré a caducidade do Direito de Ação quanto ao Ato Primário, exceção a qual o Tribunal a quo deu como procedente.

w) Com tal decisão a A. não se pode igualmente conformar, uma vez que esse ato primário, não lhe fora, para todos os efeitos, notificado.

x) Alega ainda a Ré, que mesmo que ainda só se tivesse em conta a data de recebimento da nota de reposição n.º 803… de 12/12/2012, na data de 17/12/2012 pela ora A., e da qual a mesma apresentou recurso hierárquico, vislumbra-se igualmente a extemporaneidade do meio processual utilizado.

y) Ora, em 7/03/2013 a A. interpôs recurso hierárquico da decisão final constante da nota de reposição n.º 803…., a qual lhe foi notificada em 17/12/2012.

z) O dito recurso hierárquico foi objeto de análise e decisão, a qual foi notificada à A. em 08/01/2015.

aa) De acordo com o artigo 172º do CPA, o autor do ato em crise, deve no prazo de 15 dias pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente de tal remessa, o que não aconteceu.

bb) Por sua vez, nos termos do artigo 175º/1 CPA, a administração tem 30 dias úteis para decidir do meio gracioso, ou seja, tinha até à data de 14/05/2013 para decidir daquele, o que também não aconteceu. Apenas em 22/12/2014 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, tendo sido o mesmo notificado à ora A. em 08/01/2015.

cc) Assim, a A. em 20 de março de 2015, apresentou ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, a qual julga não poder ser tida como extemporânea, em caso algum.

dd) Se não vejamos, o artigo 59º/4 do CPTA, na redação em vigor à data dos factos ditava: “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”.

ee) Desta leitura e de acordo com a interpretação mais favorável ao Administrado - que se encontra em desvantagem na relação controvertida-, facilmente se depreende que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa apenas cessa com a notificação da decisão da impugnação administrativa.

ff) Aliás, leitura diferente não resulta da lei e não vai de encontro às legítimas expetativas do administrado, ora A.

gg) Refira-se ainda que da parte da Ré, por causas que o A. desconhece, foi ultrapassado largamente o prazo legalmente previsto para a remessa do processo ao órgão competente, e ainda de forma mais sobeja, o previsto para a decisão do recurso hierárquico interposto.

hh) É inevitável afirmar-se que estamos perante uma verdadeira omissão do dever de decidir por parte do R. e sendo a pretensão do Administrado obter uma nova decisão que permita atender aos seus legítimos interesses, teria este que beneficiar da suspensão do prazo de impugnação contenciosa até que da decisão da impugnação administrativa fosse notificado.

ii) Entendimento diferente e, salvo melhor opinião, afigura-se para o A. como um permitir de atropelos graves aos seus direitos como Administrado, pois a este não foi sequer dada, em tempo útil, uma resposta ao seu pedido de reavaliação da sua situação.

jj) Acresce que a lei ao não impedir a impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, também a tal não obriga.

kk) Refira-se ainda que são inúmeros os benefícios de uma suspensão automática do prazo para impugnação contenciosa, com o recurso à via administrativa.

ll) Em todo o caso, a impugnação de atos nulos, conforme se julga ser o ato primário, pode ser feita a todo o tempo, conforme o plasmado no número 1 do artigo 58º do CPTA.”.

Pede que a sentença seja revogada e substituída por outra que não obste à apreciação do mérito da causa.


*

O Recorrido, Instituto da Segurança Social, IP, notificado, apresentou contraalegações, tendo assim concluído:

A- A douta Sentença recorrida foi interposta no âmbito da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no processo que correu termos sob o n.º 688/15.8BELSB, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 31.12.2017, que julgou totalmente procedentes, por provadas, as exceções dilatórias de inimpugnabilidade do despacho do Vice-Presidente do Conselho Diretivo e de caducidade do direito de acção, e, consequentemente, absolveu a entidade demandada da instância;

B – Inconformada, vem a ora Recorrente interpor recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, alegando, em suma, que lhe foi “(…) coartado o seu direito de defesa, bem como dos seus direitos de audiência prévia”, pelo que a atuação da Administração violou “(…) os mais elementares princípios constitucionais previstos no Código de Procedimento Administrativo – art.º 55.º, n.º 1 e 3 do CPA, art. 100.º do mesmo diploma e ainda o princípio da participação – art.º 8.º e 66.º do CPA”;

C – Acresce que, a Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, que julgou procedentes as exceções as inimpugnabilidade do ato e de caducidade do direito de acção, pelo que peticiona pela revogação da sentença e substituição por outra que se coadune com a pretensão exposta, “(…) não se obstando de qualquer forma à apreciação do mérito da causa”;

D – Na acção administrativa intentada pela Autora, ora Recorrente, a única questão a dilucidar, quer quando procedeu à impugnação da decisão final, quer no que respeita à nota de reposição, respeitava à relação jurídico-administrativo existente entre si e o Recorrido e que se prendia, unicamente, com a restituição das prestações de desemprego indevidamente recebidas, por não se encontrarem preenchidas as condições previstas na alínea a), do n.º 4 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro;

E – Desde já cumpre clarificar junto do Tribunal ad quem que a ora Recorrente, através da acção administrativa especial peticionou no artigo 1.º da petição inicial a anulação do despacho n.º PF – 8…/14, datado de 22/12/2014, proferido pelo Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Réu, o qual negou provimento ao recurso hierárquico interposto, mantendo a decisão impugnada nos seus precisos termos; sucede que o pedido não foi formulado nos precisos termos supra;

F – Contudo, salvo entendimento diverso, na sua petição inicial a ora recorrente veio assacar o vício de anulabilidade quer ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico quer à nota de reposição da quantia de € 18.049,80 e não o de nulidade (cfr. artigos 1.º e 2.º e pedido da petição inicial);

G – Facto que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, conheceu das exceções dilatórias, como não o podia deixar de fazer, de forma irrepreensível ao considerar que estavam verificadas duas exceções: da inimpugnabilidade do despacho do Vice-Presidente do Conselho Diretivo e de caducidade do direito de acção;

H – Desta feita, desde logo, não assiste razão à Recorrente, considerando que a douta sentença recorrida apreciou de forma inatacável as exceções dilatórias que são de conhecimento oficioso, dando cumprimento ao disposto nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA (CPTA de 2002), conjugado com o n.º 1 do artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC de 2015), que determina que a sentença conhece, “(…) em primeiro lugar (…)” das questões processuais que possam vir a determinar a absolvição da instância;

I – Salvo entendimento diverso, na sua petição inicial a ora Recorrente vem assacar o vício de anulabilidade quer ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico, quer à nota de reposição da quantia de € 18.049,80 e não o da nulidade; de onde um putativo ato primário com “falta de fundamentação” gera a mera anulabilidade do ato administrativo, sendo que o ato administrativo que determinou a restituição das quantias – nota de reposição – foi devidamente notificado à Recorrida, remetendo o mesmo para a anterior fundamentação;

J – Sem que se possa olvidar que com a sua sobredita nota de reposição foi concedido um prazo à Recorrida de 10 dias úteis, para pronúncia, ou seja, para exercício do contraditório nos termos do artigo 8.º do Código do procedimento Administrativo (CPA de 1991);

K – De acordo com o n.º 1 do artigo 51.º do CPTA constitui um ato administrativo impugnável perante os tribunais administrativos todo aquele que tenha eficácia externa, especialmente aquele cujo conteúdo seja lesivo dos interesses ou direitos legalmente protegidos dos particulares, sem necessidade de recurso prévio à impugnação graciosa;

L – Conforma se retira da douta Sentença do Tribunal a quo(…) face ao disposto no artigo 268.º, n.º 4 da CRP e no referido no n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, conclui-se integrar o conceito de ato administrativo impugnável quaisquer decisões ou “estatuições autoritárias”, na terminologia de Rogério Soares – praticadas no uso de prerrogativas de poder público, por um órgão administrativo, destinadas a produzir efeitos externos, positivos ou negativos, numa situação individual e concreta”;

M – Sempre entendeu o ora Recorrente, entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, que a Recorrida fez uso da acção administrativa especial para impugnar o ato de decisão de indeferimento do recurso hierárquico, constante no despacho n.º PF – 826/2014, do Vice Presidente do Conselho Diretivo, o qual manteve os mesmos fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida;

N – Nessa esteira, tem de ser trazido à colação o artigo 53.º do CPTA, para se concluir pela natureza confirmativa do ato, pois o legislador determina que tem de se verificar a identidade de sujeitos, bem como dos pressupostos e fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão, de tal modo que se conclua que o segundo ato é uma mera repetição do primeiro por não conter um ato inovador destinado a disciplinar uma determinada situação jurídica individual e concreta; pelo que, não constitui um ato lesivo do particular, per si;

O – Quanto à autoria do ato, mais uma vez, não pode o ora Recorrido deixar de acompanhar, na íntegra, a sentença recorrida, que apreciou esta matéria nos seguintes termos: “(…) a mesma deve ser entendida com as devidas ressalvas, dado que nas situações de recurso hierárquico a distinta autoria orgânica constitui um pressuposto do respectivo procedimento, pelo que, a identidade relativa a este aspeto bastar-se-á com a integração do órgão ad quem na mesma pessoa colectiva ou ministério. Não assiste, assim relativamente a este aspeto, razão à Autora quando aparentemente alega autoria distinta para fundamentar o carater inovador do ato proferido pelo Vice-Presidente do Conselho Diretivo da ED”;

P – Mais acresce que, bem decidiu o Tribunal a quo, que “[c]onforme resulta dos factos assentes, este ato limitou-se a indeferir o recurso hierárquico interposto pela ora Autora e a confirmar o ato recorrido, sem que tenha introduzido qualquer alteração nas esfera jurídica da autora, não produzindo efeitos jurídicos novos na ordem jurídica; tal como não possui lesividade autónoma pois o ato que determinou a reposição da referida quantia foi o ato impugnado em sede de recurso hierárquico, sendo que a decisão proferida sobre o mesmo limitou-se a repetir o conteúdo da decisão hierarquicamente impugnada, com idênticos pressupostos de facto e de direito”;

Q - O entendimento sufragado por esse Tribunal, quanto aos pressupostos e fundamentos de facto e de direito da decisão de indeferimennto do recurso hierárquico, consubstanciaram-se, nomeadamente, na prova carreada para os atos, em concreto, a fls. 34 a 35 e 41 do processo administrativo, de onde se extrai que foram mantidos os fundamentos de facto e de direito da decisão final impugnada,

R - Pelo que, o ato a atacar judicialmente seria a decisão final que produziu efeitos na esfera jurídica da Recorrente e que se mostra hipoteticamente lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;

S - De onde, mui doutamente decidiu o Tribunal a quo pela absolvição da instância do Recorrido, atendendo a que a inimpugnabilidade do ato constitui uma exceção dilatória, prevista na alínea c) do n.º 1 do arcigo 89,º do CPTA e na alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;

T - Já no que à caducidade do direito de ação concerne, oferece ao Recorrido reconhecer o mérito da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que de forma sábia e proficiente, conheceu oficiosamente a exceção de caducidade do direito de ação de intentar a ação principal e determinou a absolvição da instância do Réu, julgando improcedente o pedido da Autora;

U - A esse respeito, permita-se ao ora Recorrido, dar aqui por reproduzida toda a matéria, a esse propósito vertida na douta Sentença, já que, face a tão clarividente fundamentação da mesma nada mais poderá acrescentar, por inócuo;

V - Ainda assim, sempre se dirá, que as Alegações apresentadas pelo Recorrente, para além de nada trazerem de novo que permita interferir com o juízo perfutório realizado pelo Digníssimo Tribunal a quo sobre a exceção de caducidade do direito, assenta toda ela, em interpretações jurídicas, que não tem correspondência com o regime legal;

W - Desde logo porque ficou profusamente demonstrado, que o ato impugnado é a decisão da Diretora de Segurança Social que determinou a restituição da quantia de € 18.049,80, e que foi notificado à Recorrente em 17.12.2012, iniciando-se, assim, a contagem do prazo de três meses para impugnação contenciosa do mesmo, considerando o Tribunal a quo que o ora Recorrido não fez prova do oficio com data de 23.11.2012 que notificou a Recorrente da decisão final;

X - Ademais, bem decidiu aquele Tribunal que, o ora Recorrido fez prova bastante e consta do processo instrutor do envio da nota de reposição, através de ofício emitido pelo Núcleo de Prestações da Unidade de Prestações e IPSS do Departamento de Gestão Financeira nº 8030318, datado 12.12.2012, e recebida em 17.12.2012;

Y - No que tolhe à não receção do oficio da decisão final pela Recorrente, sufraga o ora Recorrido o entendimento constante na sentença recorrida “[c]omo é entendimento pacífico a notificação de um ato administrativo não é requisito de validade do mesmo, não sendo a sua falta configurável como um vício do próprio ato” (vide Pedro Gonçalves, Notificação dos atos administrativos, in AB VNOP AD OMNES - 75 anos da Coimbra Editora, pág. 1095);

Z- Pelo que, o único vício que se poderia assacar à decisão final seria o de falta de fundamentação, o qual gera o vício de anulabilidade do ato administrativo sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135.º e 136,º do CPA;

AA- Ficou, igualmente provado que a Recorrente interpôs recurso hierárquico da nota de reposição n.º 803…, em 07.03.2013, o qual foi decidido através do despacho n.º PF-8…./2014, do Vice­Presidente do Conselho Diretivo, e foi a sobredita decisão notificada à Recorrente em 08.01.2015, através de ofício datado de 06.01.2015;

BB- Ora, nos termos do anterior CPA, em particular dos seus artigos 169.º, n.º 3 e 175.º, n.º 1, decorre que o prazo previsto para a decisão do recurso hierárquico interposto pelo recorrente é de 30 dias úteis, contados nos termos do artigo 72.º desse mesmo Código, a contar da sua apresentação ou remessa ao órgão competente para o decidir;

CC- Concomitantemente, decorre disposto no artigo 172.º do CPA que o autor do ato em crise deve no prazo de 15 dias pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer notificando o recorrente de tal remessa;

DD - Nos termos do estatuído no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA de 2002, o legislador determina que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, só retornando a contagem do prazo com “(...) com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal” (sublinhado nosso);

EE- In casu, a Recorrente interpôs um recurso hierárquico facultativo que suspendeu o prazo de impugnação judicial;

FF - Acresce que, o recurso a essa tutela graciosa pela Recorrente não era impeditiva que esta também procedesse à impugnação contenciosa do ato, conforme decorre do n.º 5 do artigo 59.º do CPTA;

GG - Ou seja, o Recorrido foi notificado do ato lesivo em 17.12.2012, tendo-se iniciado no dia seguinte a contagem do prazo de 3 meses para a sua impugnação contenciosa de atos anuláveis;

HH- A contagem dos 3 meses para a impugnação contenciosa do ato lesivo, suspendeu-se no período das férias judicias - 22.12.2012 a 03.01.2013 - retomando o seu curso em 04.01.2013, para se suspender novamente em 07.03.2013, data em que a Recorrente decide interpor recurso hierárquico facultativo dirigido ao Presidente do Conselho Diretivo do Recorrido;

II - Conforme o ora Recorrido já teve oportunidade de explanar nas presentes Contra-Alegações, este disponha do prazo de 15 dias para a intervenção do órgão recorrido a que acresce um prazo de 30 dias para a decisão do recurso hierárquico, nos termos conjugados dos artigo 172.º e do n.º 1 do artigo 175,º ambos do CPA;

JJ - Findo o prazo de 45 dias, sem que a Recorrente tenha sido notificada da remessa do processo ou da decisão do recurso hierárquico, por força do já aludido nº 4 do artigo 59.º do anterior CPTA, retoma-se a contagem do prazo, entretanto suspenso a 07.03;2013, para intentar a competente impugnação judicial da decisão;

KK- Tanto mais que, não obstante a inexistência da comunicação prevista no artigo 172.º do CPA, a Recorrente tinha todos os meios necessários para conduzir a contagem do meio de impugnação judicial aplicável;

LL- Facto é que, o Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Recorrido tinha até 14.05.2013 para decidir o recurso hierárquico, correspondendo ao prazo de 15 dias úteis acrescido de mais 30 dias úteis; data a partir da qual a contagem do prazo para impugnação judicial retomou o seu curso, nos termos conjugados da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA e do n.º 3 do artigo mesmo artigo, que, por conseguinte, remete para o regime previsto nos artigos 139.º e 144.º do CPC;

MM- Sucede que, só em 22.12.2014 é proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico tendo o mesmo sido notificado à ora Recorrente através do oficio com a referência GAJC*RH680/2013 de 06/01/2015, cm 08.01.2015;

NN - Aquando da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico; já há muita tinha sido ultrapassado o prazo para propositura da ação pela Recorrente que terminou no dia 07.06.2013, sendo que a ação só deu entrada no Tribunal no dia 20.03.2015, conforme carimbo oposto na mesma;

OO - Por tudo o sobejamente explanado é patente a extemporaneidade da ação interposta pela Recorrida, por ter ultrapasso largamente o prazo de 3 meses para a propositura da ação, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA cm conjugação com o artigo 138.º do CPC, o que determinou que o Tribunal a quo, de forma irrepreensível, tenha decidido que “(...) estamos perante uma situação de caducidade do direito de ação, verificando-se, assim, a suscitada exceção dilatória, cumprindo absolver a ED da instância (…)”;

PP- Sendo indubitável que, o Tribunal a quo decidiu bem, pelo que, a Sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento,”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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A Recorrente, notificada, veio pronunciar-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, reiterando a sua alegação e pedindo para não se manter a decisão recorrida.

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O processo teve os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, indo agora à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento quanto à decisão de procedência da exceção de inimpugnabilidade do ato, por o ato impugnado não ser meramente confirmativo;

2. Erro de julgamento quanto à decisão de caducidade do direito de acção.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) – Com data de 12/12/2012 a Autora foi notificada para restituir à ED o valor de € 18.049,80, nos termos do instrumento de fls. 2-3 do processo administrativo, recebido pela Autora em 17/12/2012, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…)


(“texto integral no original; imagem”)

(…)” – cfr. fls. 2-3 e 36 do PA);

B) – Em 7 de Março de 2013, a Autora apresentou recurso hierárquico do despacho referido na alínea antecedente, nos termos do instrumento de fls. 7-9, do PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 7-9 do PA);

C) – Com data de 28/11/2014 a ED elaborou o ofício constante do instrumento de fls. 21 do processo administrativo, denominado 2.ª via do ofício que terá sido enviado à Autora em 23/11/2012, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…)


(“texto integral no original; imagem”)

(…)” – cfr. fls. 21 do PA);

D) – Relativamente ao recurso hierárquico referido na alínea B), foi elaborada a Informação de fls. 26-27 do PA), sobre a qual foi exarado em 22/12/2014 pelo Sr. Vice-Presidente do CD da ED, despacho de concordância, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:

“(…)


(“texto integral no original; imagem”)

(…)” – cfr. fls. 26-27 do PA);

E) – Por ofício com data de 6 de Janeiro de 2015 e recebido em 08/01/2015, a ilustre mandatária da Autora foi notificada do despacho de 22/12/2014, do Vice-Presidente do Conselho Directivo da ED, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Autora, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…)


(“texto integral no original; imagem”)

(…)” – cfr. fls. 28-31 dos autos.

F) A petição inicial dos presentes autos deu entrada no Tribunal no dia 20.03.2015 – cfr. fls. 1-2 dos autos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada na sentença recorrida importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

Antes, porém, importa dar nota que a Recorrente nas conclusões do recurso e respetiva alegação limita-se a invocar a discordância com o decidido na sentença recorrida, reiterando a sua alegação no que concerne à ilegalidade do ato impugnado e apresentando as razões de direito porque considera não se poder manter a sentença recorrida em relação a ambas as exceções julgadas procedentes, mas, sem que, em rigor, seja invocada a violação de qualquer norma ou princípio jurídico pela sentença recorrida.

Entendendo-se, no entanto, a discordância da Recorrente em relação ao decidido, passa-se a conhecer da argumentação invocada, que põe em crise a procedência de cada uma das exceções julgadas procedentes.

1. Erro de julgamento quanto à decisão de procedência da exceção de inimpugnabilidade do ato, por o ato impugnado não ser meramente confirmativo

Sustenta a Autora, ora Recorrente que o despacho impugnado, datado de 22/12/2014, do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social não pode ser tido como meramente confirmativo da decisão anterior de indeferimento, por ser proferido após o exercício do contraditório por parte da Autora e porque não está devidamente fundamentado, nem faz qualquer apreciação critica dos argumentos invocados, incluindo a falta de notificação do início do processo administrativo.

Defende que o despacho impugnado é um verdadeiro ato administrativo, nos termos do artigo 148.º do CPTA, tendo eficácia externa e ser potencialmente lesivo.

Vejamos.

O fundamento do recurso exige que se apreenda a matéria de facto julgada provada, pois será com base nela que se aplicarão as regras de direito.

Compulsando a matéria de facto dada como assente no julgamento de facto, extrai-se, com relevo para a decisão a proferir sobre o fundamento do recurso, que em 12/12/2012 a Autora foi notificada para restituir a quantia de € 18.049,80 e contra essa decisão apresentou recurso hierárquico em 07/03/2013, sobre o qual recaiu o despacho impugnado, datado de 22/12/2014, do Vice-Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Demandada, de concordância com o ato recorrido e de indeferimento do recurso hierárquico, do qual a Autora foi notificada por ofício recebido em 08/01/2015, vindo a instaurar a presente ação administrativa em 20/03/2015.

Tendo presente esta factualidade, veio a sentença recorrida a decidir pela procedência da exceção do ato impugnado, nos termos invocados pela Entidade Demandada na contestação apresentada em juízo, decisão com a qual a Autora, ora Recorrente não se conforma.

Extrai-se da sentença recorrida o seguinte discurso fundamentador, que ora se transcreve, por relevante e se acolhe:

O conceito de acto administrativo impugnável surge enunciado no n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, aí se estabelecendo o seguinte: (…).”.

Esta norma pressupõe um conceito material de acto administrativo que, nos termos da lei substantiva (cfr. o artigo 120.º do CPA de 1991) corresponde às decisões materialmente administrativas de autoridade, que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta. Visa-se, deste modo dar concretização ao princípio ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP e que, no elenco dos direitos e garantias dos administrados, estabelece que “(…).”.

Com efeito, face ao disposto no artigo 268.º, n.º 4, da CRP e no referido n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, conclui-se integrar o conceito de acto administrativo impugnável quaisquer decisões – (…) – praticadas no uso de prerrogativas de poder público, por um órgão administrativo, destinadas a produzir efeitos externos, positivos ou negativos, numa situação individual e concreta.

Como refere Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª Edição, Almedina, pág. 139, “O CPTA, não exige, assim, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. Das soluções consagradas nos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5, decorre, por isso, a regra de que não é necessário, para haver interesse processual na impugnação perante os tribunais administrativos, que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via extrajudicial (...)

Na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário, deve entender-se que os actos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante os tribunais administrativos, sem necessidade de prévia utilização de qualquer via de impugnação administrativa. As decisões administrativas continuam, no entanto, a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador, quando este a considere justificada.”.

Por seu turno, o artigo 53.º do CPTA, sob a epígrafe “impugnação de acto meramente confirmativo”, estabelece que “Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior:

a) Tenha sido impugnado pelo autor;

b) Tenha sido objecto de notificação ao autor;

c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor.”

A este propósito, escreve o Prof. Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 13.ª edição, Almedina, 2014, pág. 191), que “o conceito de “acto confirmativo”, para além da sua coerência dogmática, foi elaborado sobretudo com a finalidade prática de evitar que, através de requerimentos sucessivos, se pudessem permanentemente reabrir litígios, defraudando a estabilidade inerente ao prazo de impugnação dos actos administrativos – até porque os actos confirmativos não seriam verdadeiros actos administrativos (ou não seriam, por si, lesivos).” Com esta categoria pretende a doutrina referir-se às declarações de vontade emitidas pela Administração em repetição de actos administrativos anteriores, os quais contêm a verdadeira estatuição autoritária. Neste sentido, na esteira da doutrina defendida por Rogério Soares, estes actos – por não conterem um verdadeiro comando, destinado a disciplinar, inovadoramente, uma determinada situação jurídica individual e concreta e não terem, consequentemente, potencialidade lesiva – não são verdadeiros actos administrativos, encontrando-se por isso excluída a possibilidade de impugnação contenciosa.

Dentro desta categoria, é usual a doutrina distinguir entre actos meramente confirmativos e actos confirmativos, propriamente ditos, no sentido de que os primeiros respeitam a decisões confirmativas de actos já contenciosamente impugnáveis. Em causa, nesta espécie, estão aqueles actos que incidem sobre outros (provenientes do mesmo autor ou superior hierárquico) e que se limitam a reafirmar o seu conteúdo, não acrescentando nada de novo ao acto já praticado ou, quanto muito, uma nova autoria, nas situações em que o acto confirmativo é praticado no âmbito de um recurso hierárquico facultativo. Já os segundos (os designados actos confirmativos) correspondem a decisões que incidem sobre outros actos ainda não susceptíveis de impugnação contenciosa – nomeadamente, porque carecidos de recurso hierárquico necessário. Nesta hipótese, embora se limite a reafirmar aquilo que já havia sido decidido, o novo acto assume força própria, sendo este o único susceptível de ser impugnado contenciosamente. (Cfr. neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados , Almedina, Novembro, 2004 (reimpressão), pág. 357).

Ora, o artigo 53.º do CPTA refere-se, evidentemente, aos actos meramente confirmativos, na acepção que vimos de referir - aliás a estes aludindo, expressamente, na epígrafe.

Para melhor compreensão, dir-se-á – citando Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (Ob. Cit. pág. 358) – que, “virando o preceito do avesso, para o olhar segundo os padrões normais da escrita e da leitura normativas, diríamos que os actos meramente confirmativos só podem ser impugnados desde que, com o facto de o autor não ter impugnado o acto confirmado, se cumule uma das seguintes circunstâncias:

i) não ter ele sido notificado do acto anterior;

ii) ou não ter esse acto anterior (que não carecesse de notificação ao autor) sido publicado.”.

Como se expendeu no acórdão do STA, de 08.10.2015 [Proc. n.º 01022/13]: “só se verifica uma situação de confirmatividade entre actos administrativos que apresentem objecto e conteúdo idênticos e dirigindo-se ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir a mesma decisão, perante o mesmo condicionalismo, de facto e de direito (sem pois que o reexame dos pressupostos decorra da revisão imposta por lei), existindo assim perfeita identidade entre os mesmos, de modo que, o segundo acto se limita a repetir o anterior, utilizando a mesma fundamentação, sem nada inovar na ordem jurídica, caso em que não apresenta, em princípio, lesividade autónoma e, consequentemente, não será contenciosamente recorrível”.

Segundo conclui o referido aresto, os actos confirmativos gozam das seguintes características, além da identidade do autor e dos destinatários:

“1) o acto confirmativo nada acrescenta ou retira ao conteúdo do acto confirmado, não produzindo efeitos jurídicos novos na ordem jurídica;

2) ainda que se entenda que, pelo menos alguns deles, possuem uma decisão (questão controversa na doutrina), o certo é que não possuem lesividade autónoma, isto é, são actos que não lesam por si próprios, não têm potencialidade para, eles próprios, produzir efeitos lesivos na esfera jurídica dos destinatários;

3) o acto confirmativo limita-se a repetir o conteúdo da decisão contida no acto confirmado, perante idênticos pressupostos de facto e de direito;

4) a prática de um acto confirmativo não implica o reexercício do poder de decidir.”5

O CPTA apenas admite a invocação do carácter meramente confirmativo do acto para efeitos de rejeição da impugnação quando se verifique uma das três circunstâncias elencadas no artigo 53.º, sendo que, conforme se expendeu, em sumário, no Acórdão do TCAN, de 22.02.2013 [Proc. n.º 00003/09.0BEBRG]:

“III. Será ato meramente confirmativo aquele, de entre os atos confirmativos, que tenham por objeto ato(s) lesivo(s) anteriormente praticado(s), sendo que para a sua verificação importa que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Que o ato confirmado fosse lesivo; b) Que tal ato fosse do conhecimento do interessado; c) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão.

IV. Da análise do art. 53.º do CPTA em conjugação com o demais ordenamento vigente resulta que o ato meramente confirmativo não é impugnável se o ato anterior foi objeto de impugnação pelo autor [cfr. al. a)], ou se foi objeto de notificação ou publicação (sem que tivesse de haver notificação) [cfr. als. b) e c)] e o particular não o impugnou tempestivamente nos prazos legais que dispunha para o efeito (cfr. arts. 58.º e 59.º do CPTA).

V. Fora das situações previstas no art. 53.º do CPTA a impugnação dum ato meramente confirmativo é possível, mormente, por quem não tenha impugnado um ato não publicado nem dele tenha sido notificado já que, nesse circunstancialismo, pode impugnar os atos que o venham a confirmar.

VI. Para se poder falar num ato meramente confirmativo não nos poderemos bastar com uma identidade de decisão, isto é, que os efeitos jurídicos produzidos sejam idênticos, ou que exista uma identidade de assunto, porque o idêntico assunto, já que mesmo levando a idêntica decisão a esta se pode chegar mediante a invocação ou utilização de diferentes fundamentos, na certeza de que essa diversa fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão e afastar a qualificação do ato como meramente confirmativo.”.

Sintetizando o exposto, dir-se-á que, para que se possa concluir pela natureza confirmativa do acto, impõe-se a verificação da identidade de sujeitos, dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à decisão, da fundamentação e da resolução (ou decisão propriamente dita), de tal forma que se possa afirmar - por nada acrescentar ao seu conteúdo - ser, o segundo acto, uma mera repetição do primeiro.

No caso dos autos, o acto que a ED reputa como inimpugnável consiste no despacho do Senhor Vice-Presidente do Conselho Directivo do ISS, IP, praticado em sede de recurso hierárquico interposto pela Autora, da decisão do Senhora Directora da Segurança Social que lhe foi comunicada por ofício datado de 12/12/2012 e recebido em 17/12/2012, que havia determinado a obrigação de restituição de € 18.049,80, relativo à totalidade do subsídio de desemprego da trabalhadora A….., com fundamento no artigo 63.º do DL 220/2006.

No caso sub iudice não subsistem quaisquer dúvidas que o recurso hierárquico interposto pela Autora tem natureza facultativa.

No que respeita à autoria, a mesma deve ser entendida com as devidas ressalvas, dado que nas situações de recurso hierárquico a distinta autoria orgânica constitui um pressuposto do respectivo procedimento, pelo que, a identidade relativa a este aspecto bastar-se-á com a integração do órgão ad quem na mesma pessoa colectiva ou ministério. Não assiste, assim, relativamente a este aspecto razão à Autora, quando aparentemente alega autoria distinta para fundamentar o carácter inovador do acto proferido pelo Vice-Presidente do Conselho Directivo da ED.

Conforme resulta dos factos assentes, este acto limitou-se a indeferir o recurso hierárquico interposto pela ora Autora e a confirmar o acto recorrido, sem que tenha introduzido qualquer alteração na esfera jurídica da Autora, não produzindo efeitos jurídicos novos na ordem jurídica; tal como, não possui lesividade autónoma, pois o acto que determinou a reposição da referida quantia foi o acto impugnado em sede de recurso hierárquico, sendo que, a decisão proferida sobre o mesmo limitou-se a repetir o conteúdo da decisão hierarquicamente impugnada, com idênticos pressupostos de facto e de direito.

Atenta a identidade dos pressupostos que sustentaram ambas as decisões, conclui-se pela natureza meramente confirmativa do acto praticado pelo Senhor Vice- Presidente do ISS, IP, em sede de recurso hierárquico, sendo de julgar procedente a suscitada excepção de inimpugnabilidade.

Face ao exposto – nos termos conjugados do disposto nos artigos 89.º, n.º 1, alínea c) do CPTA e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA –, verifica-se a existência da suscitada excepção de inimpugnabilidade do despacho do Senhor Vice-Presidente do ISS, IP, o que determina a absolvição da ED da instância, quanto ao pedido deduzido contra este despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Autora.”.

A decisão ora recorrida é de manter, por proceder a uma correta interpretação dos factos e aplicação dos normativos de direito convocados.

O ato impugnado, de indeferimento do recurso hierárquico, mantém nos seus exatos termos a anterior decisão administrativa impugnada administrativamente, não lhe introduzindo qualquer modificação, por a confirmar.

Nestes mesmos termos, estabelece o n.º 1 do artigo 174.º do CPA, na redação vigente à data dos factos, que o órgão competente para conhecer o recurso pode confirmar ou revogar o ato recorrido.

No presente caso existiu essa confirmação pelo ato ora impugnado, que é assim meramente confirmativo do ato primário, sem lhe introduzir ou acrescentar nada de novo.

Acresce, com assaz relevância para o desfecho do presente caso, que o ato administrativo impugnado administrativamente pela Autora através de recurso hierárquico, era já ele próprio impugnável contenciosamente, tendo a Autora optado por usar uma impugnação administrativa facultativa, em que o ato final e lesivo, porque definidor da situação no caso concreto, era o ato primário.

De resto, a ora Recorrente não põe em crise o caráter facultativo do recurso hierárquico interposto, não existindo qualquer divergência quanto a este ponto.

Apenas se esse ato primário não fosse susceptível de imediata impugnação contenciosa, dele cabendo recurso hierárquico necessário ou obrigatório é que seria outro o desfecho quanto ao fundamento do recurso e da causa.

Nesse caso, precisamente porque o ato primário seria carecido de recurso hierárquico, seria o novo ato praticado no âmbito do procedimento administrativo de segundo grau, no âmbito do recurso hierárquico, que constituiria o ato final e lesivo e o único passível de ser impugnado contenciosamente.

Porém, é outro o caso configurado nos autos, pois tendo a Autora sido notificada do ato primário e sendo o mesmo imediatamente impugnável contenciosamente, por dele não caber recurso hierárquico e esse recurso não ser necessário, mas tendo optado por apresentar impugnação administrativa, não deixa de ser o ato primário o ato que define autoritariamente e com novidade os termos da situação jurídica, não sendo o ato que o confirma um ato inovador e impugnável contenciosamente.

Nestes termos, acolhendo-se in totum a fundamentação vertida na sentença recorrida, será de negar procedência ao fundamento do recurso, não ocorrendo qualquer erro de julgamento que a enferme, mantendo-se a decisão que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato.

2. Erro de julgamento quanto à decisão de caducidade do direito de ação

No demais, insurge-se a Recorrente contra a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação ou de intempestividade da prática do ato processual.

Sustenta que tendo recorrido hierarquicamente em 07/03/2013, apenas foi notificada da decisão que recaiu sobre esse recurso em 08/01/2015, instaurando a presente ação administrativa em 20/03/2015, sendo a ação tempestiva.

Mas sem razão, sendo imediatamente apreensível que, estando em causa a interposição de um recurso hierárquico facultativo que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 170.º do CPA de 1991 não suspende a eficácia do ato recorrido e segundo o disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, apenas acarreta a suspensão do prazo de impugnação contenciosa até à notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão, consoante o primeiro facto que se verificar, que é intempestiva a ação instaurada em 20/03/2015, relativamente a um recurso hierárquico facultativo interposto em 07/03/2013.

É manifesto que tendo o recurso hierárquico facultativo sido interposto em 07/03/2013, sobre o qual recai o prazo de decisão de 30 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 175.º do CPA, em vigor à data dos factos, que quando o mesmo foi decidido, pelo ato datado de 22/12/2014, ora impugnado, já há muito havia cessado a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, prevista no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA.

Tratando-se da interposição de um recurso hierárquico facultativo, a Autora, ora Recorrente não podia aguardar indefinidamente o desfecho do recurso hierárquico, por logo que decorrido o prazo legal da decisão do recurso hierárquico, cessar a suspensão do prazo de impugnação contenciosa e o mesmo retomar o seu curso.

Daí que, em face da factualidade apurada no julgamento de facto da sentença recorrida, ser manifesta a procedência da exceção de caducidade do direito de ação, tal como decidido pelo Tribunal a quo.

Assim, por acertada e relevante, acolhe-se a fundamentação vertida na sentença recorrida:

Estabelece o artigo 89.º, n.º 1 do CPTA., que: «1- Para o efeito do disposto nos artigos anteriores, obstam nomeadamente ao prosseguimento do processo:

(…) h) caducidade do direito de acção. (…)”.

Conforme dispunha o artigo 136.º, n.º 2 do CPA “O acto anulável é susceptível de impugnação perante os tribunais nos termos da legislação reguladora do contencioso administrativo.”.

E quanto aos prazos de impugnação de actos o artigo 58.º do CPTA 2002, estabelecia: “(...) 2- Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:

a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;

b) Três meses, nos restantes casos.

3 – A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.”.

E o regime aplicável aos prazos para a propositura de acções é o que consta do artigo 138.º do Código de Processo Civil de 2015 - artigo 144.º do CPC de 1961 -, que dispõe: “1. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes. (…)

4. Os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.”.

Assim, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.

Na apreciação a realizar, importa à partida aferir, em abstracto, qual o desvalor jurídico associado à alegada verificação das invalidades assacadas ao acto impugnado, pela Autora, em sede de pi., a qual peticionou a anulação do acto que lhe ordenou a reposição do valor de € 18.049,80 correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido à beneficiária (…). Sendo que, como supra se concluiu o acto que decidiu o recurso hierárquico interposto pela Autora é um acto inimpugnável, atenta a natureza meramente confirmativa do mesmo.

Segundo o alegado pela Autora foi notificada da nota de reposição n.º 803…., proferida pela Directora da Segurança Social S….., datada de 2012- 12-12, onde se ordena a reposição do valor de € 18.049,80, em dez dias, na qual se pode ler "pelos motivos anteriormente comunicados a essa Entidade Empregadora ..." e não foi notificada anteriormente, da existência de qualquer processo relacionado com a trabalhadora em causa, e muito menos da decisão e fundamentos que levaram a esta nota de reposição ou à obrigatoriedade de restituir qualquer prestação, pelo que, se impõe averiguar se tal comunicação foi enviada e quando, bem como se foi recepcionada, quando e por quem. A falta de comunicação à entidade empregadora da decisão e seus fundamentos, determinou o coarctar do seu direito de defesa, bem como, do seu direito de audiência prévia. A actuação do órgão em causa viola os mais elementares princípios consagrados quer na Constituição da República Portuguesa, quer no Código do Procedimento Administrativo, o art.º 55.°, n.ºs 1 e 3 do CPA, o artigo 100.°, do mesmo diploma legal e o princípio da participação - art. 8.° do CPA, e o art.º 66.° do CPA. Da nota de reposição ora em apreço não resultam quais os factos que lhe deram origem, nem os fundamentos de direito da mesma. Como tal a ordem de reposição assim ordenada e notificada é nula - arts. 123.°, 124.° e 125.° do CPA.

Vejamos.

Como é entendimento pacífico a notificação de um acto administrativo não é requisito de validade do mesmo, não sendo a sua falta configurável como um vício do próprio acto.

Conforme escreveu Pedro Gonçalves, Notificação dos actos administrativos, in AB VNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra Editora, pág. 1095, “Para realizar o tipo legal, o acto administrativo não necessita de ser notificado, devendo considerar-se perfeito ou completo no momento em que é praticado; a notificação, que é obrigatória, não é portanto, requisito de validade do acto administrativo.”.

“Da falta de notificação deve distinguir-se a notificação insuficiente ou incompleta, que, no ordenamento português, é um acto jurídico eficaz, que determina a oponibilidade do acto notificado, marca o início do decurso do prazo de reacção do interessado, assim como confere relevância jurídica externa àquele acto quando esse seja o caso, o interessado deverá requerer, no prazo de um mês, a notificação completa (…).” (ob. cit., pág. 1121).

Ora, no caso sub iudice o acto impugnado – decisão da Senhora Directora de Segurança Social que determinou a restituição pela Autora à SS a quantia de € 18.049,80 - foi notificado à ora Autora, em 17/12/2017, sem prejuízo de remeter para anterior fundamentação, ou seja, para “motivos anteriormente comunicados”. Sendo que a falta de fundamentação é um vício diferente da falta de notificação da fundamentação.

Contudo, para o caso o que releva é que a preterição do dever de fundamentação, gera a mera anulabilidade do acto administrativo, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135.º e 136.º do CPA.

Tal como, os demais vícios imputados ao acto impugnado – violação do art.º 55.°, n.ºs 1 e 3 do CPA, do artigo 100.°, do mesmo diploma legal e do princípio da participação - art. 8.° do CPA, e o art.º 66.° do CPA são geradores de anulabilidade do acto impugnado no caso de serem julgados verificados e não de nulidade.

Assim, ter-se-á de concluir que os vícios assacados ao acto impugnado, a serem julgados procedentes, seriam sancionados com a mera anulabilidade.

Há, assim, que aferir do cumprimento dos prazos legalmente previstos para recurso à via contenciosa.

Neste sentido, cumpre referir que o procedimento de recurso hierárquico encontra-se regulado nos artigos 166.º e seguintes do CPA de 1991, onde se prevê a necessária intervenção do órgão recorrido, em termos de o recurso poder ser interposto perante este órgão e de o mesmo poder dar provimento ao pedido, nos 15 dias posteriores à respectiva apresentação – cfr. artigos 169.º e 172.º do CPA de 1991.

Mais se estabelece, na interpretação conjugada dos artigos 169.º, n.º 3, e 175.º, n.º 1 do CPA, que o prazo previsto para a decisão do recurso é de 30 dias úteis, a contar da sua apresentação ou da remessa ao órgão competente para o decidir, no caso de ter sido apresentado junto ao autor do acto, sendo que a falta de decisão, dentro deste prazo, desencadeia o início da contagem do prazo previsto para o interessado agir contenciosamente. (Com a entrada em vigor do CPTA, este constituo o sentido actualizado a conferir ao disposto no artigo 175.º, n.º 3 do CPA de 1991).

Nos termos do disposto no artigo 59.º, do CPTA de 2002 “(…) 4- A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.

5- A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do acto na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de providências cautelar. ”.

Em anotação ao n.º 5 deste artigo 59.º do CPTA, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 304, escrevem: “… ao referir-se a qualquer meio de impugnação administrativa (reclamação ou recurso hierárquico), independentemente da posição que o autor do acto ocupa na estrutura hierárquica da Administração, isso significa que o acto se torna directamente impugnável perante os tribunais mesmo que provenha de um órgão subalterno (e mesmo que este não tenha intervindo, no caso, com delegação ou subdelegação de poderes). (…)”.

Ora, o recurso hierárquico facultativo suspende o prazo de impugnação judicial, não impedindo o recorrente hierárquico de propor a acção respectiva – cfr. artigo 59.º, n.os 4 e 5 do CPTA.

Na situação dos autos, provou-se que o acto impugnado foi notificado à Autora em 17/12/2012, iniciando-se em 18/12/2012 a contagem do prazo de três meses para impugnação contenciosa do mesmo, suspendendo-se esta contagem no período das férias judiciais – isto é, de 22/12/2012 a 3/01/2014 -, retomando o seu curso em 4/01/2013 para se suspender novamente, em 7 de Março de 2013, na data da apresentação do requerimento de recurso hierárquico que foi dirigido ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social -, sem que se tenha provado, porém, a data em que o processo foi remetido, para decisão, ao órgão competente para dele conhecer.

Como se viu o recurso hierárquico interposto pela Autora tem natureza facultativa, sendo o despacho impugnado da Senhora Directora da Segurança Social, que lhe foi notificado em 17/12/2012, que determinou a reposição pela Autora da quantia de € 18.049,80, susceptível de ser imediatamente impugnado contenciosamente, a tal não se opondo a impugnação administrativa feita pela Autora, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA.

É pacífico o entendimento de que os artigos 172.º e 175.º n.º 1 do CPA não consentem outra interpretação que não seja a de que o prazo de 15 dias para a intervenção do órgão recorrido – traduzida na pronúncia e remessa do processo ao órgão competente para a decisão – é um prazo específico e autónomo, que precede o prazo de 30 dias fixado para a decisão do recurso hierárquico – cfr. o Acórdão do STA de 13.01.2000 [Proc. n.º 044624]. Mais se revela consensual, que a falta da notificação da remessa do processo, prevista no artigo 172.º, n.º 1, in fine, não impede a contagem do prazo previsto para a decisão de 2.º grau, devendo, neste caso, acrescentar-se a este, o prazo integral de 15 dias – vide, neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Almedina, Coimbra, 1995 págs. 321-322; e, entre outros, os Acórdãos do TCAN de 01.04.2011 [Proc. n.º 00249/10.8BEAVR] e de 13.01.2011 [Proc. n.º 00816/10.0BEPRT].

Findo este prazo de 45 dias, nas situações em que o interessado não foi notificado da remessa do processo, retoma-se a contagem do prazo – entretanto suspenso – para reagir judicialmente à decisão primária, fazendo cessar a suspensão do prazo de caducidade do direito de acção.

Não se provou que a Autora tivesse sido notificada da remessa do processo ao órgão competente para o decidir, como estipula o artigo 172.º, n.º 1, in fine, do CPA, pelo que, tendo a Autora apresentado o requerimento de recurso junto ao órgão recorrido, no dia 07/03/2013, verifica-se que o termo do prazo para o Sr. Vice- Presidente do CD do ISS, IP, decidir o recurso ocorreu no dia 14/05/2013, correspondendo este ao prazo de 30 dias úteis, previsto no n.º 1 do artigo 175.º do CPA, acrescido dos 15 dias úteis previstos naquele normativo.

No caso sub iudice, a Autora foi notificada no dia 17/12/2012 do despacho da Directora da SS e, ao interpor recurso hierárquico deste acto, suspendeu-se o respectivo prazo de impugnação nas férias judiciais como referido e nos termos previstos no artigo 59.º, n.º 4, do CPTA desde 8/03/2013 até ao dia 14/05/2013 – data a partir da qual a contagem do prazo retomou o seu curso.

Porém, considerando que à contagem do prazo previsto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA se aplica, por força do n.º 3 do mesmo artigo, o regime dos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no CPC (cfr. o artigo 139.º, então, artigo 144.º), verifica-se que o prazo para impugnação apenas retomou o seu curso com o termo do prazo legal para o órgão competente decidir o recurso interposto – que, in casu, ocorreu a 14/05/2013.

Ora, a petição inicial dos presentes autos deu entrada no Tribunal no dia 20/03/2015, ou seja, quando o prazo de 3 meses previsto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, já há muito havia decorrido, pois terminou em 7/06/2013, tendo a presente acção sido instaurada após o decurso do referido prazo de três meses - cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3 do CPTA e artigo 138.º do Código Processo Civil -, tendo assim, ocorrido a caducidade do direito da Autora de impugnar judicialmente o despacho da Senhora Directora da Segurança Social.

A Autora não alegou qualquer facto impeditivo da caducidade, ónus que lhe competia - cfr. artigo 343.º, n.º 2 e 346.º do Código Civil -, nem tal facto resulta dos documentos constantes dos autos e/ou do processo administrativo.

Face ao que se conclui que, estamos perante uma situação de caducidade do direito de acção, circunstância que obsta ao conhecimento da acção, verificando-se, assim, a suscitada excepção dilatória, cumprindo absolver a ED da instância, também quanto ao pedido impugnatório deduzido contra o acto que ordenou à Autora a reposição do valor € 18.049,80, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido à beneficiária A..... .”.

Assim, nos termos que antecedem, será de negar provimento ao presente fundamento do recurso, por não provado, mantendo o decidido na sentença recorrida sobre a exceção de caducidade do direito de ação na ordem jurídica.


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Em consequência, será de negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A decisão proferida no âmbito do procedimento administrativo de segundo grau, decidindo o recurso hierárquico facultativo no sentido do seu indeferimento, mantendo a decisão recorrida, constitui um ato meramente confirmativo do ato primário impugnado administrativamente.

II. A decisão administrativa objeto de impugnação administrativa facultativa, constitui um ato administrativo imediatamente lesivo e impugnável contenciosamente, sendo ele que define inovatoriamente a situação do caso concreto.

III. A utilização dos meios impugnatórios suspende a contagem do prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, o qual retoma o seu curso com a notificação proferida ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão, segundo o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA.

IV. Estando a ação sujeita ao prazo de impugnação dos atos anuláveis, de três meses, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contado nos termos do seu n.º 2, determina a procedência da exceção de caducidade do direito de ação, configurada como uma exceção dilatória, que acarreta a absolvição da entidade demandada da instância.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º e 12.º n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Alda Nunes)