Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1020/20.4BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:ADMISSÃO DOCUMENTO, ARTIGOS 423º E 411º DO CPC,
RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE
Sumário:I - Apesar de no requerimento o Recorrido invocar o nº 3 do artigo 8º do CPTA, a apresentação do documento nos autos - proposta que a Recorrente apresentou no procedimento concursal, retomado com novas peças processuais expurgadas das ilegalidades detectadas - foi justificada por o mesmo ser superveniente e relevante para a decisão do pedido indemnizatório, razão porque deve observar o disposto no artigo 423º do CPC
II - Não tendo sido observadas as exigências enunciadas nos nºs 2 e 3 do referido artigo 423º, é admissível a junção do documento em referência ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado no artigo 411º do CPC;
III - Dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
IV - O juiz a quo começa por entender, porque os pedidos de anulação e de condenação formulados pela A./recorrente foram julgados procedentes, que os actos (e as normas concursais, por violarem os princípios gerais da contratação pública e decorrentes das directivas europeias na matéria) impugnados são objectivamente ilícitos, contudo, porque a ED/recorrido em cumprimento do julgado, retomou o procedimento concursal expurgado dos vícios verificados, repondo a legalidade e, ao proporcionar à A./recorrente a apresentação de proposta a este renovado procedimento, reintegrando, simultaneamente, a esfera jurídica desta, acaba por considerar que ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos dos actos impugnados, pelo que não se verifica a alegada contradição lógica entre os fundamentos e a decisão;
V - O facto impugnado deve ser mantido porque nele o juiz a quo assumiu, com base nos factos provados e nos depoimentos das testemunhas, de acordo com as regras deduzidas da experiência da vida [a saber, efectuando uma presunção judicial, cfr. os artigos 349º e 351º do CC e parte final do nº 4 do artigo 607º do CPC] que a A./recorrente, habituada a participar em procedimentos concursais, sabia que estava a apresentar no procedimento em causa nos autos uma proposta com uma equipa técnica que ficava muito aquém dos números mínimos exigidos no respectivo Programa e ainda assim avançou com a sua apresentação;
VI - A julgada ilegalidade das normas concursais e do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e a não adjudicação do procedimento, poderia fundamentar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, a peticionada indemnização se o Recorrido não tivesse cumprido com o julgado;
VII - Ao retomar o procedimento na fase inicial, com novas regras, o Recorrido repôs a legalidade, reconstituindo a situação legal hipotética que existiria se as normas ilegais e o acto anulado não tivessem existido na ordem jurídica, o mesmo é dizer que a respectiva anulação operou retroactivamente [com efeitos ex tunc], colocando a Recorrente na posição em que deveria ter estado se não fossem as ilegalidades apuradas, destruindo inclusive a situação de ilegalidade temporária ocorrida.
VIII - Não tendo alegado, nem provado, em sede própria que não pôde aproveitar, no todo ou em parte, o trabalho expendido na elaboração da primeira proposta na segunda, nada mais há a pronunciar sobre a matéria por este Tribunal;
IX - Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

S... – ...., Lda., devidamente identificada como autora nos autos de acção de contencioso pré-contratual instaurada contra o Ministério da Coesão Territorial U... S.A., na qualidade de contra-interessadas, inconformada, veio interpor recursos jurisdicionais do despacho de 9.9.2021, proferido em audiência de julgamento que admitiu a junção de um documento pela Entidade Demandada, e da sentença proferida em 22.9.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a presente acção e absolveu a Entidade demandada dos pedidos [de condenação da Entidade demandada a pagar-lhe, a título indemnizatório, as quantias de €6.936,48 e relativas ao pagamento de honorários com advogado pelo patrocínio da presente acção a fixar em execução de sentença] [nota: os pedidos de: anulação do despacho do Presidente da CCDRA que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da sua proposta e a não adjudicação do procedimento; de condenação da Entidade demandada a aprovar novas peças do procedimento sem reincidir nas ilegalidades detectadas; e a praticar todos os actos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público, num prazo de 20 dias, foram julgados parcialmente procedentes, por despacho saneador-sentença, de 30.4.2021, transitado em julgado].

Nas respectivas alegações do recurso do despacho, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. Na véspera da realização da audiência de julgamento, em 8-09-2021, a Entidade Demandada apresentou requerimento no qual solicitava a junção aos autos de documento, consubstanciado na proposta apresentada pela Autora em novo procedimento por si promovido.
2. Em tal requerimento nada alegou como fundamento para a pretendida junção a menos de 20 dias da realização da audiência de julgamento.
3. O documento data de 1 de agosto de 2021 e desde 2 de agosto de 2021 que está perfeitamente acessível à Entidade Demandada na plataforma eletrónica.
4. O 20.º dia anterior à data da audiência de julgamento foi 20 de agosto, considerando que se trata de processo urgente, que tramita em férias.
5. O documento em causa não é superveniente a essa data, nem objetiva, nem subjetivamente, nem tão pouco a necessidade da sua junção decorre de qualquer ocorrência posterior à mesma data.
6. Assim, ao admitir a junção do documento, o despacho recorrido viola de forma evidente o disposto o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º do CPC ex vi do artigo 90.º, n.º 2 do CPTA.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Recorrente nem por uma vez invoca ou considera a norma em que a ora Recorrida fundamentou primacialmente a junção aos autos da proposta da S... que foi admitida pelo despacho recorrido: o artigo 8.º, n.º 3, do CPTA, o que desde logo evidencia a improcedência do recurso interposto;
B. A nova proposta da Recorrente, que esta tão denodadamente procura afastar dos autos, foi por ela apresentada no procedimento concursal subjacente ao presente processo e, por isso, diz respeito ao desenvolvimento da atuação administrativa sub iudice e enquadra-se totalmente no referido artigo 8.º, n.º3, do CPTA, sendo a sua junção, assim, inatacável;
C. A Recorrente ancora o seu recurso num argumento meramente formal, invocando o disposto no artigo 423.º do CPC ainda que a sua posição processual não tenha sido afetada e o documento seja relevante para a decisão do caso;
D. A proposta junta aos autos foi apresentada pela Autora em 1.08.2021, pelo que é objetivamente superveniente, e foi trazida ao processo em 8.09.2021, pouco mais de um mês depois, logo que foi possível ao Ministério da Coesão Territorial juntá-la;
E. Porque o artigo 8.º, n.º 3, do CPTA, não estabelece qualquer limitação temporal para que se informe os autos de superveniências procedimentais relevantes (nem faria sentido que o fizesse, porque o que importa é garantir que existe um conhecimento atualizado no processo sobre o andamento do procedimento administrativo em causa), e porque foram asseguradas as exigências do contraditório, é inequívoco que a junção da proposta da Autora aos autos teve pleno cabimento legal, ao abrigo daquela norma;
F. Em virtude disto, não se torna sequer necessário apreciar a aplicabilidade do artigo 423.º do CPC ao presente caso, já que a admissibilidade da junção do documento em apreço resulta de norma especial, o artigo 4.º, n.º 3, do CPTA, tanto bastando para concluir pela validade da decisão recorrida e total improcedência do recurso interposto;
G. Ainda que assim não fosse, no que não se concede, a leitura jurisprudencial e doutrinal do artigo 423.º do CPC quando esteja em causa a junção de documentos supervenientes é, frequentemente, bastante menos formalista do que sustenta a Recorrente e tem assentado na necessidade de compatibilizar, por um lado, o respeito da antecedência fixada no n.º 2 daquela norma, e por outro, a busca da verdade material, a tutela da posição das partes e do princípio do inquisitório;
H. Como foi decidido, o documento sub iudice é objetivamente superveniente, sendo muito posterior aos articulados, e a sua junção tornou-se necessária em virtude de ocorrência posterior, uma vez que a proposta da Autora foi apresentada no âmbito do concurso reformulado e data de 1.08.2021;
I. Este documento apresentava relevância para a decisão da causa já que dele decorre que a ora Recorrente tinha conseguido aproveitar os custos da proposta inicial e por isso, de acordo com o defendido pelo Ministério da Coesão Territorial, não teria direito a qualquer indemnização;
J. Como bem concluiu o despacho recorrido, a junção do documento em questão é, assim, plenamente admissível ao abrigo do artigo 423.º, n.º 3, do CPC;
K. Os presentes autos apenas visam decidir o pedido indemnizatório da Autora, tendo os pedidos de contencioso pré-contratual sido decididos há muito, com trânsito em julgado, pelo que este processo já não é urgente, razão pela qual o prazo de vinte dias antes da audiência final suspendeu-se durante as férias e terminou a 4.07.2021;
L. Porque a proposta da Recorrente é datada de 1.08.2021, ela é superveniente a 4.07.2021, pelo que ainda mais se justifica a sua admissibilidade ao abrigo do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, por ser objetivamente posterior àquela data e como tal insuscetível de ter sido junta anteriormente».

Nas alegações do recurso da sentença, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
« A. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido indemnizatório por si peticionado, vem dela agora interpor recurso.
B. A sentença do Tribunal a quo comporta um erro de julgamento grave que determina, sem mais, a sua nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
C. No fundo apesar de o próprio Tribunal a quo afirmar que “de facto se verifica objetivamente a ilicitude” e que “é inegável” que a violação dos princípios gerais de contratação pública é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, vem, ainda assim, aquando da prolação da sua decisão final concluir que, afinal, que o pressuposto da ilicitude não se encontra verificado – portanto, em completa contradição com a fundamentação apresentada anteriormente (cfr. pp. 21, 27 e 32 da sentença).
D. Ou seja, os fundamentos constantes da sentença levariam à verificação do preenchimento do requisito da ilicitude, ao invés do que foi decidido.
E. No plano da matéria de facto, o presente pedido de reapreciação apresentado pela Ré cinge-se ao facto provado n.º 16.
F. Resultou à saciedade, quer pela documentação junta pela ora Recorrente, quer pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento que, a elaboração da proposta se revelou bastante complexa, por um lado, considerando os critérios exigidos e constantes das peças procedimentais e que, por outro lado, apesar dessa exigência os trabalhadores empenharam-se em elaborar uma proposta ganhadora.
G. Em primeiro lugar, as conclusões supra expostas podem ser retiradas da análise da prova documental junta pela Recorrente, mais concretamente pelos critérios de avaliação constantes do Programa do Procedimento.
H. Da análise da prova testemunhal, nomeadamente do depoimento prestado pelo funcionário da Autora, Nelson Miguel Branco Mileu no dia 9 de setembro de 2021 e gravado digitalmente de 00:23:06” a 00:44:55”, que sendo gestor do projeto, tinha um papel mais relevante na elaboração da proposta – pois era o responsável pela elaboração da maior parte e da parte mais exigente da proposta – pode concluir-se que:
a) Os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais eram extremamente exigentes, mesmo por comparação com outros procedimentos semelhantes;
b) Houve um esforço enorme da equipa para tentar compreender e preencher os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais – o que justificou o gasto elevado de n.º de horas de trabalho;
c) A equipa tudo fez para apresentar uma proposta coerente com os critérios previstos e ganhadora.
I. Consequentemente, nunca poderia o Tribunal a quo ter assente a sua convicção, vertida na decisão final, no facto de a testemunha N... ter afirmado que a proposta apresentada não preenchia todos os requisitos, mormente os relativos à constituição da equipa (cfr. p. 16 da sentença). Não o podia ter feito porque não foi afirmado, em momento algum, do seu depoimento semelhante conclusão – e recorde-se a relevância do mesmo, tendo em conta que o funcionário é gestor de projetos e responsável pela elaboração de grande parte da proposta (e da parte mais complexa). Aliás, pelo contrário, veja-se que a testemunha várias vezes referiu o intuito com que trabalhou para aquele procedimento: obtenção e apresentação de uma proposta coerente, ganhadora, vencedora. Pelo que, da motivação da matéria de facto, não deveria constar semelhante conclusão.
J. Decorre ainda dos depoimentos de dois funcionários da Autora (o depoimento já referido e o depoimento de B... Pinheiro da Silva, prestado no dia 9 de setembro de 2021 e gravado digitalmente de 00:49:00’’ a 01:03:08’’) que tudo fizeram para preencher os critérios, extremamente exigentes, estipulados pela Entidade Demandada, pelo que é falso afirmar que a Autora, desde o início, sabia e estava consciente que a sua proposta ia ser objeto de exclusão.
K. Consequentemente, e mesmo tendo considerado como provado que a Autora apresentou proposta, sabendo que não cumpria com os requisitos técnicos, não podia o Tribunal a quo concluir que a Recorrente sabia ab initio, de forma perfeitamente consciente, que a sua proposta iria ser excluída. Tal não decorre da prova testemunhal – aliás, reitera-se, nem sequer foi isso que o próprio Tribunal a quo deu como provado.
L. O que decorre da prova testemunhal e documental é que:
a) Os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais eram extremamente exigentes, mesmo por comparação com outros procedimentos semelhantes;
b) Houve um esforço enorme da equipa para tentar compreender e preencher os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais – o que justificou o gasto elevado de n.º de horas de trabalho e o estabelecimento de contactos com académicos;
c) A equipa tudo fez para apresentar uma proposta coerente com os critérios previstos e ganhadora.
Pelo que esses factos sim, sem sombra de dúvidas, deveriam ter sido dados como provados, ao invés do facto n.º 16.
M. Contrariamente ao que o Tribunal a quo concluiu, encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE.
N. Essa norma ao remeter para o direito da União Europeia implica que sejam respeitadas quer as normas quer a jurisprudência europeia. Ora, a jurisprudência do TJUE entende que, para verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual do Estado, no âmbito da função administrativa e da contratação pública, têm de se preencher os seguintes requisitos: i) a norma do Direito da UE violada tenha por objeto conferir direitos aos particulares; ii) a violação dessa norma estar suficientemente caracterizada; e iii) existir nexo de causalidade direto entre a violação da norma e o dano sofrido pelos particulares.
O. No fundo, a jurisprudência europeia acaba por abranger os tradicionais requisitos de responsabilidade civil, com exceção da culpa: i) a violação de normas corresponde à prática de factos ilícitos; ao que acrescem ii) os danos e iii) o nexo de causalidade entre as ilegalidades detetadas e esses danos.
P. Quanto ao pressuposto da ilicitude, no caso em concreto, e no âmbito da responsabilidade pré-contratual, o facto ilícito irá então assentar numa violação de uma norma que pode “ser decorrente de princípios gerais aplicáveis no Direito da UE, como a transparência e a igualdade de tratamento, dos Tratados da UE ou do Direito da UE Derivado, constante das Diretivas da contratação pública, ou do regime nacional de transposição, constante do Código dos Contratos Públicos, bem como dos documentos administrativos conformadores do procedimento pré-contratual (o programa de concurso ou o caderno de encargos). Essencial é que essa norma tenha por objeto conferir direitos aos requerentes da indemnização”.25 [25 Ibidem, p. 511.]
Q. Ora e reiterando aquilo que conclui o Tribunal a quo, “Ora, numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude dos atos impugnados, mormente das peças procedimentais e da decisão de exclusão da proposta da Autora e do ato de não adjudicação, nomeadamente, como vimos, por violação de princípios gerais da contratação pública e, igualmente, decorrentes das diretivas europeias nesta matéria, bem como de normas do CCP, concretamente dos artigos 49.º, n.ºs 2, 4 e 8, 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3, todos do CCP. Ademais, é inegável que a violação de tais princípios e normas procedimentais é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de proteção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas” (destaques nossos, cfr. p. 27).
R. Por fim, deve acrescentar-se ainda que, a discutir-se o afastamento do requisito da ilicitude – e, portanto, a entender-se o requisito como não verificado –, seria apenas na hipótese de estarmos perante a violação de normas formais ou de natureza procedimental. Contudo, não só esse não é o caso sub judicepois foram violadas normas que conferem direitos aos particulares e estão feridas de vícios materiais ou substanciais -, como o Tribunal Constitucional também já veio esclarecer esta querela, através do seu Acórdão n.º 154/2007, de 2 de março de 2007, considerando que o dever de indemnizar, por danos provocados no exercício da função administrativa, não se restringe necessariamente às ilegalidades materiais.
S. Em suma: não há dúvidas de que, in casu, foram violadas normas que conferiam direitos à Autora, mormente os de poder concorrer em situação de concorrência leal, transparente, com efetiva possibilidade de adjudicação, por estarem previstos fatores de avaliação proporcionais, que lhe permitissem concorrer ao procedimento em condições de igualdade para com os restantes operadores económicos.
T. Quanto ao requisito da culpa, no fundo e com a evolução da jurisprudência europeia, o TJUE veio afirmar e aceitar que a culpa está ínsita na ilegalidade cometida, havendo, então, no caso de responsabilidade decorrente da Diretiva Recursos, um total afastamento dos elementos subjetivos e objetivos que pudessem interessar para a verificação desse requisito.
U. Verifica-se ainda um nexo de causalidade entre as ilegalidades presentes no procedimento e os danos sofridos pela Recorrente.
V. Nos autos, os eventos lesivos que levaram à causa dos danos identificados na Petição Inicial, são as ilegalidades praticadas pela Entidade Demandada. É, por consequência, da anulação da decisão de revogar o procedimento e da declaração de ilegalidade das peças procedimentais que a Recorrente despendeu tempo, em vão, com a elaboração da sua proposta e teve, posteriormente, de recorrer a patrocínio jurídico para as anular.
W. Na verdade, e atendendo à teoria da causalidade adequada, aplicada pelo Tribunal a quo, pode dizer-se que:
a. o comportamento da Entidade Demandada não só foi causa do dano, como esta, de antemão, podia ter concebido que as práticas daqueles atos iriam produzir danos na esfera jurídica de terceiros – recorde-se, quanto a este ponto, que a Recorrente alertou em sede de audiência prévia a Entidade Demandada para as ilegalidades constantes do procedimento e, que, ainda assim, esta decidiu perpetrá-las; e, por outro prisma, que
b. as ilegalidades detetadas não se mostraram de todo em todo indiferentes para a verificação dos danos produzidos, muito menos podem ser consideradas anómalas, extraordinárias ou imprevisíveis da realidade conduziu ao resultado lesivo.
X. Igualmente não se pode entender que os danos decorrem por conta e risco da Autora ou afirmar que esta tinha perfeita consciência de que a sua proposta não seria admitida por vários motivos:
a. em primeiro lugar, e conforme referido, no ponto III, não é isso que resulta da prova testemunhal; antes, resulta sim a complexidade dos critérios de avaliação e o esforço da Autora para os compreender e tentar apresentar uma proposta coerente e ganhadora;
b. ao mesmo tempo, recorde-se que as testemunhas que prestaram depoimento em Tribunal, não têm poderes legais para vincular a empresa onde trabalham, pelo que, na verdade, nunca poderiam ser estas a testemunhar que a Autora decidiu assumir, por sua conta, o risco de apresentação da proposta;
c. a opção da Autora, de não ter colocado em causa a validade das peças procedimentais, antes da apresentação da proposta não pode ser, de forma alguma, censurada pelos Tribunais. Por um lado, o n.º 3 do artigo 103.º do CPTA, prevê que “O pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido durante a pendência do procedimento a que os documentos em causa se referem, sem prejuízo do ónus da impugnação autónoma dos respetivos atos de aplicação”, não existindo nenhuma obrigação legal, vantagem ou desvantagem jurídicas associadas ao momento da proposição das ações de impugnação de peças procedimentais, pelo que esse aspeto nunca poderia ter sido valorado pelo Tribunal a quo. Acresce que a opção por apresentação ou não de proposta também é uma decisão alheia à apreciação (ou censura) jurisdicional, antes sim restrita à esfera comercial da Autora e com impacto na sua estratégia comercial;
d. a opção da Autora de apresentar (ou se abster de apresentar) proposta também não podia ter sido valorada, como foi, pelo Tribunal – ao ponto de este ter entendido que os danos por atos ilegais praticados pela Administração eram um risco da Autora – pois, o mero ato de apresentação de proposta nunca seria causa de exclusão da ilicitude, antes uma das reações adequadas e expectáveis perante o comportamento da administração (o lançar de um procedimento e a participação no mesmo). Na verdade, a apresentação da proposta é que permitiu, p.ex., que a Autora continuasse a ter acesso ao procedimento (mormente na plataforma eletrónica) ou se pronunciasse em sede de audiência prévia, alertando a Entidade Demandada para as ilegalidades subjacentes ao procedimento – o que, obviamente, não pode ser censurado.
Y. Consequentemente, a Autora nunca poderá ser prejudicada por ilegalidades praticadas por terceiros, não se podendo dizer que, apesar da existência de um ato que excluiu ilegalmente a sua proposta, os custos com a sua elaboração devam ser imputados à própria Recorrente – quando esta sim, é completamente alheia às ilegalidades cometidas pela Administração.
Z. Ademais, isso colocava os princípios que a tutela jurisdicional efetiva sempre deve assegurar, nomeadamente os princípios da efetividade e da equivalência – restringindo-a de tal forma que, nos poderíamos perguntar, afinal, qual seria a sua utilidade.
AA. O Tribunal a quo vem ainda tentar justificar a não verificação dos requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade tendo por base o facto de a Entidade Demandada ter sido condenada a repetir o ato e a aprovar novas peças procedimentais, expurgadas das referidas ilegalidades (p. 27 da sentença), considerando que, por isso, “a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fosse a ilegalidade originária, tendo, inclusivamente apresentado nova proposta nesse âmbito”.
BB. O Tribunal a quo chegou a esse entendimento confundindo aquilo que são as pretensões à reposição da conformidade com aquilo que são as obrigações de indemnizar.
CC. Ora, assim sendo, é irrelevante se o ato de exclusão foi anulado, assim como o ato de não adjudicação ou as próprias peças procedimentais – essas consequências reportam-se ao pedido de tutela primária (de anulação de atos ou documentos conformadores) e não de tutela secundária (de remoção dos danos causados).
DD. E veja-se ainda que, ainda que se possa relevar o facto de já existir um novo procedimento, sempre se verificou uma situação de ilegalidade temporária, pelo que os danos sofridos pela Recorrente, durante esse período de tempo, sempre lhe devem ser ressarcidos.
EE. Acrescente-se ainda que nunca poderia estar em causa uma situação de ilegalidade sanável, pois a reposição da legalidade, não eliminaria os danos provocados durante o período de tempo em que as ilegalidades produziram um efeito objetivamente desconforme e o trânsito em julgado da decisão condenatória. Ao mesmo tempo, para se pressupor a figura da ilegalidade sanável sempre esta teria que ser resposta, de acordo com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com efeitos retroativos - o que in casu não se verificou (cfr. p. 21).
FF. Precisamente por essa reposição da legalidade, não ter eliminado os danos produzidos temporariamente pelos atos ilícitos praticados pela Entidade Demandada, mais concretamente o tempo que os trabalhadores despenderam naquela proposta (e não noutras) e os honorários gastos com o patrocínio jurídico associado a estes autos é que se mantém, na esfera jurídica da Demandada, a obrigação de indemnizar (nem é possível, neste caso, retroagir-se).
GG. In casu, a reconstituição natural não é possível verificar-se, pois não é possível repetir-se o tempo despendido pelos trabalhadores da Autora ou pelos seus advogados contratados com este procedimento e as ilegalidades que lhe são subjacentes.
HH. O primeiro dano a indemnizar consiste nos custos em que a Autora incorreu para participar no procedimento em causa nos autos, o qual, por força da atuação ilícita da entidade demandada, veio culminar com a decisão de exclusão da sua proposta e de não adjudicação.
II. A Autora recorreu do despacho de admissão do documento que contém a proposta apresentada pela Recorrente, no novo procedimento – encontrando-se, neste momento, a aguardar a admissão do mesmo e subsequente subida para a 2.ª instância. De facto, a junção do documento revela-se extemporânea e inútil pelo que a prolação de uma decisão de 2.ª instância nesse sentido, terá necessárias implicações na decisão que julgou improcedente o presente pedido indemnizatório.
JJ. Por outro lado, o lançamento de um novo procedimento em nada altera as horas já perdidas pela equipa na elaboração da proposta no primeiro procedimento. De facto, os trabalhadores ao estarem alocados à elaboração dessa proposta, e a tentar criar uma proposta ganhadora, deixaram de concorrer a outros procedimentos. Acresce que, apesar de ter sido lançado um novo procedimento, esse procedimento era diferente do anterior (nem que seja pela remoção das ilegalidades) e sempre justificou nomeadamente a execução das mesmos tarefas inerentes a qualquer procedimento de elaboração de propostas: levantamento de oportunidades, descarregamento das peças procedimentais, elaboração de reuniões com vista, mormente, a decidir pela apresentação (ou não) da proposta, preparação da documentação exigida, recolha de assinaturas, realização de contactos, elaboração de memória descritiva, estudo dos critérios/requisitos exigidos – (Cfr. facto provado n.º 19). O que significa, no fundo, que se a Autora não for ressarcida pelos danos em que incorreu com a primeira proposta apresentado, terá elaborado essas mesmas tarefas supra elencadas em dobro – e, apenas, pelo facto das mesmas terem sido consideradas ilegais. Ou seja, se as peças do primeiro procedimento, outrora impugnado, não fossem ilegais, a Autora apenas teria feito o levamento das oportunidades, o descarregamento das peças, a realização de reuniões, a preparação da documentação, a recolha de assinaturas, o estudo dos critérios, a realização de contactos ou a elaboração da memória uma única vez. Contudo, e atentas as ilegalidades verificadas no primeiro procedimento, a Autora viu-se agora obrigada a repetir tudo outra vez, o que significa, na prática, que a Autora viu-se obrigada a disponibilizar os seus recursos, em dois momentos diferentes, para a elaboração da proposta a apresentar nestes procedimentos.
KK. Esse dano corresponde a um montante de €6.936,48 (seis mil novecentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), calculado com base nas remunerações mensais dos funcionários e no número de horas adstritas à elaboração de proposta no procedimento anulado (cfr. pontos 20 e 21 dos factos probatórios). Ao que acresce os custos com o patrocínio jurídico, a determinar.
LL. Em suma, encontrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
« A. A nulidade da sentença invocada pela Recorrente assenta numa leitura incorrecta do que foi decidido, inexistindo qualquer contradição, já que, contrariamente ao propugnado, a sentença não se pronunciou pela verificação da ilicitude necessária para preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil da Demandada, não tendo, por isso, entrado em contradição ao decidir, posteriormente, que tal ilicitude não estava verificada.
B. A sentença recorrida começa por dizer que se poderia considerar que os atos impugnados eram objetivamente ilícitos, mas logo em seguida esclarece que, não obstante, a Entidade Demandada, na sequência da sentença de anulação, tinha retomado o procedimento, expurgado as ilegalidades anteriormente verificadas e a ora Recorrente tinha apresentado nova proposta nesse procedimento, daqui resultando que não haveria ilicitude nem nexo de causalidade entre o suposto ato ilícito e os danos que vêm invocados, inexistindo, assim, qualquer contradição.
C. Contrariamente ao que sustenta a Recorrente, é manifesto que o facto 16 da matéria de facto ficou provado nos autos, seja por via da prova testemunhal produzida, seja por via da própria análise dos documentos juntos, dos quais resulta muito claramente que a S... sabia que a sua proposta não respeitava os requisitos concursais.
D. A testemunha B..., que foi indicada pela Recorrente e que participou na elaboração da proposta, foi muito clara, no seu depoimento, ao abordar os critérios concursais relativos à constituição da equipa técnica a afetar ao projeto, afirmando expressamente que esses critérios foram analisados pela empresa, debatidos com a gerência e, apesar de a S... estar consciente de não os preencher, ainda assim foi decidido pelo órgão de gestão apresentar proposta (vd depoimento no dia 9.09.2021, a partir do minuto 0:57:48 e depois a partir do minuto 0:59:50).
E. Perante a clareza deste depoimento, é manifesto que não assiste qualquer razão à Recorrente e que o ponto 16 da matéria de facto está solidamente ancorado na prova testemunhal produzida, devendo manter-se na íntegra.
F. A simples análise do processo administrativo e dos documentos juntos aos autos permite constatar que a Autora sabia e não podia deixar de conhecer que a sua proposta não preenchia os requisitos do concurso e, mais, que seria inevitavelmente excluída.
G. Muito simplesmente, os documentos concursais exigiam que a equipa técnica a afetar ao projeto fosse composta, entre outros requisitos, por um mínimo de 11 Doutorados e por elementos com um número mínimo de anos de experiência e artigos publicados, e a equipa técnica apresentada pela Recorrente não preenchia um único desses requisitos, já que era composta por apenas três elementos, somente um doutorado e nenhuma publicação relevante (vide pontos 3, 5 e 7 da matéria de facto provada, bem como a proposta da Recorrente para que remete o ponto 4 da matéria de facto e que consta a fls. 446 a 464 do processo instrutor).
H. Seguindo um critério do homem médio e com base nas regras da experiência, é manifesto que uma empresa como a S..., ainda para mais habituada, como as suas testemunhas reconheceram, a participar em procedimentos concursais, não podia deixar de saber que a sua proposta não preenchia qualquer um dos requisitos definidos no Anexo VII do Programa do Procedimento – esta é uma constatação de facto inevitável, e que podia ser alcançada pelo tribunal por via de presunção judicial, a partir dos documentos concursais referidos e da proposta apresentada pela ora Recorrente, mesmo sem recurso a prova testemunhal.
I. Os supostos factos que a Recorrente alega no ponto 38 das suas alegações que teriam ficado provados não só não se afiguram relevantes para a decisão final, como é simples verificar que não ficaram provados, não havendo razão para serem aditados à matéria de facto.
J. Como foi bem decidido, apesar de o Tribunal a quo ter anteriormente julgado ilegais algumas das normas concursais e ter também, em função disso, anulado o ato que excluiu a proposta da Recorrente com fundamento naquelas normas, não tem esta direito à indemnização que peticiona, relativa aos custos que alega ter suportado com a preparação da proposta e aos montantes despendidos com honorários de mandatário judicial.
K. Isto porque, por um lado, a Recorrente sabia que não preenchia os critérios concursais que vieram a ser julgados ilegais, mas, não obstante, decidiu preparar e apresentar proposta, pelo que tal opção apenas a si é imputável, inexistindo nexo de causalidade entre as ilegalidades concursais e os danos invocados.
L. Por outro lado, na sequência da sentença de anulação, foi reposta a legalidade do procedimento, com aprovação de novos documentos concursais extirpados das ilegalidades identificadas e lançamento de um novo concurso, ao qual a S... novamente concorreu, tendo apresentado uma proposta que aproveitou o trabalho despendido na proposta anterior – o que significa que não permaneceu qualquer ilegalidade ou ilícito, nem subsistiram quaisquer danos que pudessem ser imputados às ilegalidades pretéritas.
M. No que respeita ao requisito da ilicitude da atuação em causa nos autos, tendo sido reintegrada a legalidade e tendo a Recorrente, no novo concurso, apresentado proposta, é manifesto que aquele juízo não pode assentar na mera constatação da ilegalidade dos atos anteriormente anulados, mas antes deve tomar também em consideração estes desenvolvimentos e a posterior reconstituição da legalidade, que faz cessar a ilicitude anteriormente verificada e recoloca os termos do problema de saber se há lugar a danos indemnizáveis.
N. Conforme decidiu a sentença recorrida, são duas as razões pelas quais inexiste nexo de causalidade entre a ilegalidade das normas concursais e do ato que excluiu a proposta da Autora, ora Recorrente, e os custos de preparação desta última em que aquela incorreu.
O. Por um lado, esse nexo de causalidade inexiste porque ficou provado nos autos que a Recorrente sabia que não preenchia os requisitos exigidos pelo concurso – vd. ponto 16 da matéria de facto (já acima analisado) – e, não obstante, decidiu incorrer nos respetivos custos e apresentar a sua proposta.
P. A ilegalidade dos critérios concursais não foi causa adequada para a Autora ter incorrido em custos de preparação da proposta, já que daqueles critérios decorria que tal proposta nem sequer poderia ser admitida, o que a Recorrente sabia, pelo que, se pretendia evitar os respetivos custos, não a deveria ter apresentado.
Q. Por outro lado, ainda que assim não fosse, no que não se concede, o facto de a CCDR Alentejo, após a sentença de anulação do ato de exclusão da proposta da Autora, ora Recorrente, ter sanado o procedimento, relançando o concurso, no âmbito do qual a Autora apresentou nova proposta, implica que a pretensão indemnizatória deixou de ter fundamento, uma vez que os custos da primeira proposta foram aproveitados para a segunda proposta apresentada.
R. Tendo em consideração os pontos 13 e 14 da matéria de facto e analisando a nova proposta que foi apresentada pela Recorrente, constata-se que esta aproveitou na íntegra o trabalho desenvolvido na proposta anterior, tratando-se de documentos muito semelhantes.
S. A primeira proposta da S... era simples, constando essencialmente de quatro páginas, cujo conteúdo técnico foi integralmente reproduzido na nova proposta – veja-se que as páginas 2, 3 e 4 da primeira estão integralmente reproduzidas nas páginas 11 e 12 da nova proposta, a qual acaba por repousar quase exclusivamente nessa reprodução e na repetição de partes do caderno de encargos.
T. Também o valor proposto pela Recorrente é igual em ambas as propostas, correspondendo a €340.000,00, o que confirma a similitude entre elas e o aproveitamento integral do trabalho anteriormente desenvolvido, não subsistindo qualquer pretensão indemnizatória a este respeito.
U. Conforme é certeiramente ressalvado pela sentença recorrida (vd. pág. 31), se se reconhecesse o direito indemnizatório reclamado pela S..., estar-se-ia a atribuir-lhe um benefício ilegítimo ou um enriquecimento injustificado, que se traduziria num verdadeiro “subsídio” para preparação da nova proposta que foi apresentada, já que estariam a ser pagos supostos custos que foram aproveitados nesta última.
V. Mesmo que viesse a ser julgado procedente o recurso oportunisticamente interposto pela Recorrente quanto à admissão da junção aos autos da nova proposta apresentada no procedimento concursal, o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, sem conceder, mesmo nesse caso o Tribunal não poderia deixar de chegar à mesma conclusão a que chegou.
W. Basta analisar os novos documentos concursais para os quais remete o ponto 13 da matéria de facto dada como provada para se verificar que, em função dos critérios de adjudicação fixados, a Recorrente poderia aproveitar integralmente a proposta anteriormente submetida e assim evitar que os custos incorridos fossem desperdiçados, com a consequente improcedência do respetivo pedido indemnizatório.
X. Ao contrário do alegado no ponto 90 das alegações de recurso, não é verdade que tenha ficado evidenciado nos autos que o valor dos custos incorridos pela Recorrente na preparação da proposta teria sido de €6.936,48.
Y. Não há forma de saber como é que dos factos constantes nos pontos 20 e 21 se conseguiria chegar ao valor de €6.936,48 peticionado, sendo certo que as contas da Autora estiveram empoladas desde o início, seja porque faz a conta ao valor/hora incluindo os subsídios de férias e de Natal, seja porque reparte os valores anuais por 11 meses e não por 12, tudo isto conduzindo a valores horários muito superiores aos reais.
Z. Verifica-se que o número de horas indicado no ponto 20 dos factos provados é absolutamente excessivo e desproporcionado considerando o que estava em causa – ficou também provado nos autos (cf. ponto 15 da matéria de facto) que a atuação preferencial e principal da Recorrente é na área da cartografia e não na das alterações climáticas, pelo que essa falta de experiência e preparação seguramente reflectiu-se num número muito superior ao normal de horas gastas para preparação da proposta no concurso sub iudice. Evidentemente, não pode a Recorrente pretender que as mesmas lhe sejam indemnizadas e pagas pelo erário público.
AA. Por último, ficou claro que a primeira proposta foi aproveitada para a nova proposta que foi efetuada e por isso nada haveria a indemnizar.
BB. Não só não existem danos indemnizáveis, como, ainda que assim não fosse, o valor peticionado pela Recorrente não ficou provado nos autos, tudo isto confluindo para a constatação da improcedência da sua pretensão.
CC. A Recorrente alega ainda que lhe seria devido o pagamento dos honorários de advogado que teve de suportar, mas não é posto em causa qualquer segmento da decisão recorrida, pelo que tal é suficiente para constatar a improcedência dessa alegação do recurso, que carece de objeto.
DD. Como já se deu nota na contestação presentada nos autos, é, hoje em dia e ao contrário do que é afirmado pela Recorrente, jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo que os honorários suportados com advogados não podem ser pedidos a título de responsabilidade civil por ato ilícito, mas apenas a título de custas de parte (vide, desde logo, Acórdão da secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de março de 2020, proferido no processo n.º 0284/17.5BELSB, em revista ampliada ao abrigo do artigo 148.º, número 1, do CPTA), pelo que sempre seria improcedente o peticionado pela Autora, ora Recorrente.
EE. Donde decorre que não resultam provados quaisquer custos que a Autora tenha suportado e que devam ser indemnizados, pelo que improcede em absoluto a pretensão indemnizatória formulada, improcedendo na íntegra o recurso interposto.».

O juiz a quo pronunciou-se pela não verificação da arguida nulidade da sentença.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por ter natureza urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações dos recursos e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se:
- o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao admitir a junção aos autos do documento apresentado na véspera da audiência de julgamento;
- a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, enferma de erros de julgamento na decisão da matéria de facto e de direito, devendo ser revogada e a acção julgada procedente, condenando-se o Recorrido a pagar à Recorrente uma indemnização no valor de €6 936,48 e honorários pelo patrocínio da presente acção, em valor a determinar.

Do recurso do despacho

Com interesse para a decisão a proferir fixa-se o seguinte circunstancialismo processual evidenciado nos autos no SITAF (fls. que se dão por reproduzidas):

1. S... – ...., Lda. (A./recorrente) instaurou a presente acção de contencioso pré-contratual contra o Ministério da Coesão Territorial Universidade de Évora (ED/recorrido) e as identificadas Contra-interessadas, peticionando: a) anulação do despacho do Presidente da CCDRA [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo] que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da sua proposta [e das demais concorrentes] e a não adjudicação do procedimento - concurso público internacional para a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo; b) a condenação da Entidade demandada a aprovar novas peças do procedimento sem reincidir nas ilegalidades detectadas e a praticar todos os actos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público; c) a fixação do prazo de 20 dias para cumprimento das determinações contidas na sentença; d) a condenação da Entidade demandada a pagar-lhe, a título indemnizatório, as quantias de €6.936,48 e relativas ao pagamento de honorários com advogado pelo patrocínio da presente acção a fixar em execução de sentença (cfr. fls. 5 a 86);

2. Por despacho de 30.4.2021, o tribunal recorrido antecipou a decisão do pedido principal e relegou a instrução respeitante ao pedido indemnizatório para momento posterior (cfr. fls. 1518 a 1520);

3. Na mesma data proferiu saneador-sentença julgando parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, a) anulou o acto que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e, bem assim a decisão de não adjudicação proferida pela Entidade Demandada; b) condenou a Entidade Demandada a aprovar novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades apontadas e a praticar todos os actos subsequentes no âmbito de tal procedimento; c) absolveu a Entidade Demandada do pedido de dar cumprimento ao vertido nas alíneas anteriores num prazo de 20 dias (cfr. fls. 1519 a 1590);

4. Por despacho de 6.7.2021 foi designada a data de 9.9.2021 para a realização da audiência de julgamento quanto ao pedido indemnizatório (cfr. fls. 1614);

5. Por requerimento de 10.8.2021 a Entidade demandada informou nos autos que “(…) foi publicado em Diário da República, no dia 5.07.2021, o anúncio relativo ao novo concurso público internacional para a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo, que se junta como Documento n.º 1, juntando-se igualmente, como Documentos n.º 2 e 3, que se dão por reproduzidos, o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos respeitantes a esse procedimento concursal, o qual se encontra em curso” (cfr. fls. 1637 a 1682);

6. Por requerimento apresentado via electrónica em 8.9.2021 e notificado ao Ilustre mandatário da A., a ED/recorrido requereu, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e por se afigurar que se trata de documento superveniente com relevo para a decisão da presente causa, a junção aos autos da proposta, de 1.8.2021, apresentada pela A./Recorrente, no âmbito do novo concurso público internacional para a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo que se encontra em curso (cfr. fls. 1688 e 1734);

7. Na mesma data a A./recorrente, em requerimento apresentado pela mesma via e com notificação ao Ilustre Mandatário da ED, opôs-se à requerida junção do documento por intempestivo [o documento de 1.8.2021 ficou disponível para ser conhecido pela Entidade demandada logo em 2.8.2021, data imediatamente subsequente ao fim do prazo de apresentação das propostas e em que ocorreu a abertura das propostas], impertinente e desnecessário [por absolutamente irrelevante para a decisão a proferir sobre os danos/custos de elaboração da proposta apresentada no procedimento anterior, causados pela prática do acto já anulado pelo tribunal] (cfr. fls. 1735 a 1738);

8. Na audiência de julgamento, em 9.9.2021, foi proferido despacho (o aqui recorrido) admitindo a junção do referido documento, nos seguintes termos: «Considerando que o documento junto pela Entidade Demandada se configura um documento superveniente, e inexistente à data da apresentação dos respetivos articulados, em virtude de a apresentação de nova proposta pela ora Autora configurar uma ocorrência posterior e que surge na sequência da retoma do procedimento concursal que se seguiu à prolação de sentença transitada em julgado que condenou a Entidade Demandada a aprovar novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades apontadas e a praticar todos os atos subsequentes no âmbito de tal procedimento; considerando, ainda, que os documentos apresentados não se mostram totalmente irrelevantes para a boa decisão da causa e atendendo a todas as soluções plausíveis de direito, que se pretendem acautelar, admito a respetiva junção aos autos» (cfr. fls. 1739 a 1743).

Alega a Recorrente, em síntese, que: o Recorrido nada alegou como fundamento para a pretendida junção a menos de 20 dias da realização da audiência de julgamento; o documento é de 1.8.2021 e desde o dia seguinte que está acessível pelo Recorrido e podia/devia ter sido junto até 20.8.2021, 20º dia anterior ao da audiência de julgamento, considerando que se trata de processo urgente, que tramita em férias; ao admitir a junção do documento, o despacho recorrido viola de forma evidente o disposto o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423º do CPC ex vi do artigo 90º, nº 2 do CPTA.
O Recorrido contrapõe que: a requerida junção foi efectuada nos termos do artigo 8º, nº 3, do CPTA, como documento respeitante à matéria em litígio e para dar conhecimento de superveniências da sua actuação, que não impõe prazo, pelo que é inatacável; tratando-se de um documento da autoria da A./recorrente, a sua suposta apresentação tardia não prejudicou o seu direito ao contraditório ou posição processual; é superveniente face à data dos articulados e foi apresentado no âmbito do concurso púbico que foi condenado a tramitar sem as ilegalidades identificadas; é relevante para a decisão da causa para demonstrar a improcedência da pretensão da A., de ser indemnizada pelos custos que teve com a proposta anteriormente apresentada e que foram integralmente aproveitados para esta nova proposta, nada havendo a indemnizar; a dilação da sua apresentação nos autos resulta de o concurso estar a ser tramitado na CCDR Alentejo e não no Ministério, não tendo a comunicação daquela sido imediata, por ser Agosto e período de férias; só subsidiariamente é de apreciar o disposto no artigo 423º do CPC que deve ser compatibilizado, designadamente, com o princípio do inquisitório; tendo os pedidos relativos ao contencioso pré-contratual que determinaram a natureza urgente dos autos sido decididos por sentença transitada, não há razão para considerar que os autos continuam urgentes, uma vez que neles apenas se aprecia o pedido indemnizatório formulado que não tem essa natureza, pelo que não tramita em férias.
Apreciando.

Estatui o nº 3 do artigo 8º do CPTA que “[a]s entidades administrativas têm o dever de remeter ao tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo e demais documentos respeitantes à matéria do litígio, bem como o dever de dar conhecimento, ao longo do processo, de superveniências resultantes da sua atuação, para que a respetiva existência seja comunicada aos demais intervenientes processuais.”
A informação prestada nos autos em 10.8.2021 pela ED/recorrido sobre a publicação em Diário da República, de 5.07.2021, do anúncio relativo ao novo concurso público internacional para a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo, com junção dos documentos que respeitam a esse anúncio e às peças do procedimento [v. facto 6.], é um exemplo da prestação do dever de colaboração pela parte/entidade administrativa, de dar a conhecer superveniências resultantes da sua actuação, na sequência do julgado que a condenou a aprovar novas peças procedimentais, expurgadas das ilegalidades apontadas e a praticar todos os actos subsequentes no âmbito do procedimento, para que seja comunicada aos demais intervenientes processuais.
Já o documento/proposta que a parte contrária apresentou nesse procedimento concursal, não resulta da actuação da parte/entidade administrativa, não necessita de ser comunicada àquela nos presentes autos, porque dela tem perfeito conhecimento por ser sua autora e concorrente no novo procedimento, justificando-se somente a sua junção, como o Recorrido invocou no respectivo requerimento, por se tratar de um documento superveniente e relevante para a decisão do pedido indemnizatório.
A saber, apesar da invocação do nº 3 do artigo 8º do CPTA a apresentação do referido documento nos autos deve observar o disposto no artigo 423º do CPC.
Com a epígrafe “Momento de apresentação”, o referido artigo 423º dispõe:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».

No recurso não é posta em causa a manifesta superveniência do documento relativamente aos articulados, o que a Recorrente defende é que o mesmo podia ter sido apresentado até 20 dias antes da data designada para a audiência de julgamento e não o tendo sido não pode ser admitido ao abrigo deste artigo 423º.

Com o que concordamos.
Com efeito, como resulta da factualidade assente: o documento/proposta é de 1.8.2021, foi apresentado pela aqui Recorrente no novo procedimento concursal; a audiência de julgamento foi marcada para o dia 9.9.2021 e só foi requerida a junção do referido documento em requerimento de 8.9.2021, sem qualquer justificação para o não ter sido em data anterior (o que o Recorrido explica nas contra-alegações de recurso com a requerida junção ao abrigo do nº 3 do artigo 8º do CPTA, que não está sujeita a prazo).
Por outro lado, não resulta provada qualquer ocorrência entre o dia 1.8.2021 e o 20º dia anterior ao da audiência de julgamento que impusesse a sua junção aos autos depois daquele dia.
Acresce que, esta é uma acção de contencioso pré-contratual, de natureza urgente, especialmente regulada nos artigos 100º a 103º-B que, ainda que obedeça à tramitação da acção administrativa com as ressalvas enunciadas no artigo 102º, e que a pretensão a decidir seja a indemnizatória, decididos que estão, com trânsito em julgado, os pedidos anulatório e condenatório, continua sujeita à disciplina prevista no artigo 36º, mormente, no nº 2 que determina que os processos urgentes correm em férias judiciais.
O Recorrido, nas contra-alegações de recurso, veio pela primeira vez nos autos (apesar de ter tomado conhecimento da oposição à junção do documento pela A./recorrente antes da prolação do despacho recorrido) dizer que o documento em causa foi apresentado junto da CCDR do Alentejo que o não comunicou imediatamente aos seus serviços, por ser Agosto e Férias de Verão, mas foi dado conhecimento nos autos logo que possível e sem demora excessiva. Esboça, assim, como que um justo impedimento sem, no entanto, concretizar a data em que os seus serviços tiveram conhecimento da proposta da Recorrente ao procedimento e, muito menos, avançar com meios de prova para demonstrar a referida dilação na comunicação operada [cfr. o artigo 140º do CPC]. Independentemente do que tal alegação não poderia ser conhecida em sede de recurso por consubstanciar uma questão nova, não suscitada perante o tribunal recorrido e, por isso, não ponderada no despacho recorrido.
Donde, não foi aduzida justificação para ter sido requerida a junção aos autos do documento na véspera da data marcada para a realização da audiência de julgamento, nem resulta dos factos assentes que a CCRD do Alentejo só tenha dado conhecimento da existência desse documento ao Recorrido após o 20º dia anterior àquela data ou se tenha verificado até esse 20º dia qualquer ocorrência que justificasse a sua apresentação em momento posterior.
Contudo, do despacho impugnado resulta que para além de considerar o documento superveniente, o juiz a quo expendeu que os documentos apresentados não se mostram totalmente irrelevantes para a boa decisão da causa e atendendo a todas as soluções plausíveis de direito, que se pretendem acautelar, e admitiu a respectiva junção aos autos.
Atendendo certamente ao requerimento do Recorrido que alegava que o documento a juntar era superveniente e relevante para a decisão da causa e a resposta da Recorrente que o considerou intempestivo, impertinente e desnecessário, o juiz a quo não se limitou a apreciar os pressupostos processuais da pretendida junção (previstos no artigo 423º), indo mais longe, à apreciação ainda que perfunctória (e pela negativa) da relevância que o teor desse documento poderia ter para a decisão da causa, e, ainda que sem referência à norma legal aplicável (que se tem por implícita), decidiu admitir o documento ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado no artigo 411º, também do CPC.
E andou bem ao fazê-lo pois na sentença que decidiu a causa indemnizatória, levou ao ponto 14. dos factos assentes a apresentação de proposta pela Recorrente no novo procedimento concursal, motivando-o no “(…) requerimento e documento juntos pela Entidade Demandada, a fls. 1690 e 1691 do Sitaf” - o agora em apreciação – e, na fundamentação de direito valorou esse facto como efectivamente relevante para a decisão a proferir.
Termos pelos quais não pode proceder o recurso, devendo manter-se o despacho recorrido na ordem jurídica.

Do recurso da sentença

Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

« 1. Por despacho do Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, datado de 26 de junho de 2020, foi determinada a abertura do procedimento por concurso público para a “Aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo (ERAACA)” e publicado em 9 de julho o anúncio de procedimento n.º 7329/2020 no Diário da República n.º 132, II Série, da mesma data – (Cfr. despacho a anúncio, a fls. 26 e 37 do PA em apenso);

2. Do Caderno de Encargos do referente ao procedimento referido no ponto 1 consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Cláusula 1.ª
Objeto
1. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objeto principal a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo.
2. As especificações técnicas dos serviços que se pretendem adquirir constam do anexo VII das peças do procedimento.” – (Cfr. caderno de encargos, a fls. 21 e ss. Do PA em apenso);

3. Do programa do concurso público referido no ponto 1, extrai-se, nomeadamente o seguinte:
“CLÁUSULA 1.ª
Objeto do concurso
1 – O presente concurso público tem por objeto a aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo (ERRACA), de acordo com as condições definidas no caderno de encargos.
(…)
CLÁUSULA 17.ª
Critério de adjudicação
A adjudicação será efetuada de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, determinada pela modalidade melhor relação qualidade-preço, em função dos seguintes fatores e subfactores, por ordem decrescente de importância e com as seguintes percentagens de ponderação A. Equipa Técnica – 70%
B. Mérito Técnico – 25%
C. Preço – 5%
A) Equipa Técnica (ET) – 70%
A Equipa Técnica será avaliada em função dos seguintes subfactores:
A.1) MA1 – Maturidade do líder científico da proposta – 60%

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* Consideram-se artigos científicos publicados em temas conexos com estudos de climatologia, meteorologia, hidrologia, ecologia e biodiversidade e/ou análise de impacto das alterações climáticas em sistemas sócio ecológicos e publicados em revistas científicas internacionais.
** Fator de impacto das revistas deve seguir a edição de 2016 do “Journal of Citation Reports” publicado pela Thomson Reuters.
A.2) MA2 – Maturidade Académica da Equipa Técnica (n.º de doutorados) – 20%
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A.3) EE – Experiência da Equipa em Projetos sobre Alterações Climáticas – 20%
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NOTA: Para efeitos de avaliação dos subfactores A1), A2), A3) apenas serão considerados os elementos escritos no documento com a identificação nominativa da equipa a propor para a execução do contrato solicitado e nos currículos vitae solicitados, que permitam a aplicação do modelo de avaliação atrás elencado.
A omissão de qualquer informação nos documentos solicitados implicará a total desconsideração das métricas de avaliação elencadas.
A classificação final do fator A) é obtida através da seguinte fórmula:
(…)
B) Mérito Técnico (MT) – 25%
O mérito técnico será determinado em função do número de artigos científicos e de projetos desenvolvidos pela equipa (considera-se a soma dos artigos e projetos de todos os elementos da equipa) em áreas relacionadas com climatologia, hidrologia, ecologia e biodiversidade, e análise de impactos das alterações climáticas em sistemas sócio-ecológicos, de acordo com a seguinte tabela de pontuação:
B.1) MT1 – Experiência da Equipa em Investigação sobre Alterações Climáticas e seus Impactos (n.º artigos científicos) – 20%
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* Os artigos científicos têm que estar publicados em revistas científicas referidas no “Journal of Citation Reports” da Thompson Reuters (edição de 2016).
B.2.) MT2 – Experiência da Equipa em Investigação sobre alterações Climáticas e seus Impactos (n.º de projetos) – 20%
«Imagem no original»

*Projeto referem-se competitivos (excluem-se prestações de serviços) financiados por agências nacionais ou internacionais I&D na área das alterações climáticas e seus impactos sobre sistemas hidrológicos, biológicos e sócio ecológicos.
NOTA: Para efeitos de avaliação deste fator apenas serão considerados os elementos descritos no documento com a identificação nominativa da equipa a propor para a execução do contrato solicitado e nos currículos vitae solicitados, que permitam a aplicação do modelo de avaliação atrás elencado.
A omissão de qualquer informação nos documentos solicitados implicará a total desconsideração das métricas de avaliação elencadas.
B.3) MT3 – Solidez da proposta em matéria de conhecimentos gerais e específicos da temática das alterações climáticas, designadamente em matéria de ciência das alterações climáticas, incluindo modelos e cenarização, impactes e vulnerabilidades nacionais e setoriais – 30%
1. Descreve adequadamente os aspetos relacionados com a temática das alterações climáticas – 100 pontos;
2. Descreve parcialmente ou de forma pouco precisa os aspetos relacionados com a temática das alterações climáticas - 65 pontos;
3. Não descreve ou descreve inadequadamente os aspetos relacionados com a temática das alterações climáticas – 30 pontos;
B.4) MT4 – Solidez da proposta no que respeita ao quadro legal e institucional nacional, europeu e internacional em matéria de alterações climáticas e especificamente em matéria de adaptação aos seus efeitos – 30%.
1. Descreve adequadamente o quadro legal e institucional, nacional, europeu e internacional em matéria de alterações climáticas e especificamente em matéria de adaptação aos seus efeitos – 100 pontos;
2. Descreve parcialmente o quadro legal e institucional, nacional, europeu e internacional em matéria de alterações climáticas e especificamente em matéria de adaptação aos seus efeitos – 65 pontos;
Não descreve ou descreve inadequadamente o quadro legal e institucional, nacional, europeu e internacional em matéria de alterações climáticas e especificamente em matéria de adaptação aos seus efeitos – 30 pontos;
(…).
Anexo VII
Especificações Técnicas

«Imagem no original»

Constituição mínima da equipa técnica afeta à execução do contrato
Requisitos obrigatórios:
· O líder cientifico da proposta deverá, no mínimo, ter publicado 12 artigos nos últimos 5 anos em revistas científicas com fator de impacto >5;
· A equipa técnica tem de ter um mínimo de 11 doutorados;
· A equipa técnica deverá no mínimo incluir 4 elementos doutorados com mais de 5 anos de experiência em projetos de alterações climáticas e seus impactos;
· A equipa técnica deverá ter publicado pelo menos 150 artigos científicos em revistas indexadas pelo “Journal of Citation Reports”;
· A equipa técnica deverá ter participado em pelo menos 5 projetos de investigação sobre alterações climáticas e seus impactos (…)” – (Cfr. programa do procedimento, a fls. 8 a 16 do PA em apenso);

4. No âmbito do procedimento referido em 1 foram apresentadas propostas pela aqui Autora bem como pelas Contrainteressadas G..., Lda. e Universidade de Évora, FCIÊNCIAS, ID – Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências e Sociedade Portuguesa de Inovação – Consultadoria Empresarial e Fomento da Inovação, S.A – (Cfr. PA em apenso);

5. Em 30 de setembro de 2020 foi elaborado o “Relatório Preliminar” pelo júri do procedimento, nomeadamente com o seguinte teor:
“(…) 4. Da análise das propostas:
Analisadas as propostas, de acordo com as condições expressas no caderno de encargos e programa do procedimento e atento o previsto no CCP e demais legislação aplicável, o júri do procedimento verificou a existência de motivos de exclusão em todas as propostas, conforme se segue:
a) agrupamento concorrente U... S.A.:
a.1.) – nos termos do previsto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º conjugado com o artigo 62.º, ambos do CCP, porquanto o ficheiro, constante da proposta, relativo aos currículos vitae dos membros da equipa (ficheiro denominado “CV equipa de projeto.pdf”) não se encontra assinado com recurso a assinatura eletrónica qualificada, conforme exige o n.º 4 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto que determina que quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada;
a.2) – nos termos do previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º conjugado com o n.º 1 do artigo 58.º, ambos do CCP, e com a cláusula 10.ª do Programa do Procedimento, porquanto a proposta e todos os documentos que a constituem e integram devem estar redigidos na língua portuguesa, o que não sucede relativamente a alguns dos currículos vitae dos membros da equipa, encontrando-se os currículos de (… )em inglês, os currículos de (…) parcialmente em inglês e ainda os currículos de (…) com frases e apontamentos em língua inglesa.
b) G..., Lda.: nos termos do previsto na alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º conjugado com a alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º, ambos do CCP, porquanto a proposta não cumpre nenhum dos requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa técnica a afetar à execução do contrato conforme consta do Anexo VII ao Programa do Procedimento.
c) S... – ...., Lda.: nos termos do previsto na alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º conjugado com a alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º, ambos do CCP, porquanto a proposta não cumpre nenhum dos requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa técnica a afetar à execução do contrato conforme consta do Anexo VII ao Programa do Procedimento.
5. Da deliberação do júri:
Face ao exposto no ponto anterior e nos termos deste, o júri deliberou propor a exclusão dos concorrentes a) G..., Lda;
b) S... – ...., Lda.;
c) U... S.A.: (agrupamento concorrente). (…) – (Cfr. relatório preliminar, a fls. 493 e 494 do PA em apenso);

6. A Autora apresentou em 15 de outubro de 2020, pronúncia relativamente ao relatório a que se refere o ponto anterior – (Cfr. requerimento, a fls. 495 a 499 verso do PA em apenso);

7. Em 20 de outubro de 2020 foi elaborado relatório final de cujo teor se extrai, mormente, o seguinte:

Relatório Final
“(…) 3. Da análise das observações apresentadas em sede de audiência prévia:
O júri ponderou as observações do concorrente S... – ...., Lda. naquilo que estritamente releva para efeitos de manter ou modificar o teor e as conclusões constantes do Relatório Preliminar, conforme determina o n.º 1 do artigo 148.º do CCP, tendo constatado que das observações apresentadas pelo concorrente S..., Lda. não resulta a comprovação do cumprimento dos requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa técnica a afetar à execução do contrato conforme consta do Anexo VII ao Programa do Procedimento.
Assim, o júri mantém as conclusões constantes do Relatório Preliminar tendo em conta que se verifica a existência de motivos de exclusão da proposta porquanto não cumpre nenhum dos requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa técnica a afetar à execução do contrato conforme consta do Anexo VII ao Programa do Procedimento.
4. Da conclusão:
(…) a) Nos termos do artigo 148.º, n.º 1 do CCP manter o teor e as conclusões do Relatório Preliminar, ou seja, propor a exclusão (…)” – (Cfr. relatório final, a fls. 499 a 500 do PA em apenso);

8. Em 26 de outubro de 2020 foi proferido pelo Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo despacho de aprovação do relatório final e da decisão de não adjudicação do procedimento – (Cfr. despacho, a fls. 501 do PA em apenso);

9. A Autora foi notificada do aludido despacho no dia 27 de outubro de 2020 – (Cfr. fls. 502 do PA em apenso);

10. Em 3 de novembro de 2020 a Autora apresentou recurso hierárquico da decisão referida no ponto 8, o qual foi indeferido por despacho do Secretário de Estado Adjunto e do Desenvolvimento Regional – (Cfr. fls. 503 a 509 e 515 do PA em apenso);

11. A presente ação foi remetida a este Tribunal via Sitaf no dia 27 de Novembro de 2020 – (Cfr. fls. 1 dos autos);

12. Através de decisão datada de 30 de abril de 2021 foi julgada procedente a ação de contencioso pré-contratual proposta pela ora Autora no âmbito dos presentes autos e determinada a anulação do ato que aprovou o relatório final do júri, a exclusão da proposta da Autora, bem como a decisão de não adjudicação proferida pela Entidade Demandada, bem como a condenação desta Entidade na aprovação de novas peças do procedimento expurgadas das ilegalidades apontadas e a praticar todos os atos subsequentes no âmbito do procedimento – (Cfr. sentença, a fls. 1518 do Sitaf);

13. Em 5 de julho de 2021 foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 128, da mesma data, novo anúncio relativo ao procedimento concursal objeto dos presentes autos, tendo sido aprovadas novas peças procedimentais – (Cfr. requerimento e documentos juntos pela Entidade Demandada, a fls. 1637 e ss. do Sitaf);

14. Em 31 de julho de 2021, a ora Autora apresentou proposta no âmbito do procedimento referido no ponto anterior – (Cfr. requerimento e documento juntos pela Entidade Demandada, a fls. 1690 e 1691 do Sitaf);

Mais se provou que:

15. É habitual a elaboração por parte da Autora de propostas no âmbito da cartografia, sendo que apenas desde 2019 passou a integrar como área de atuação a área ambiental/alterações climáticas – (Cfr. prova testemunhal e artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC);

16. A Autora apresentou proposta, mesmo sabendo que não preenchia os requisitos – (cfr. prova testemunhal e artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC);

17. Durante a elaboração da proposta, durante os meses de julho e agosto de 2020, foi elaborado um registo diário interno por cada colaborador do número de horas alocadas ao projeto – (Cfr. prova testemunhal e artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC);

18. Na preparação e elaboração da proposta apresentada pela Autora no concurso a que se reportam os presentes autos participaram os seguintes colaboradores: B…, P…., R… e N… – (Cfr. prova testemunhal, artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC);

19. A preparação e elaboração da proposta integra, nomeadamente as seguintes tarefas: levantamento de oportunidades, descarregamento das peças procedimentais, elaboração de reuniões com vista, mormente, a decidir pela apresentação (ou não) da proposta, preparação da documentação exigida, recolha de assinaturas, realização de contactos, elaboração de memória descritiva, estudo dos critérios/requisitos exigidos – (Cfr. prova testemunhal, e artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC);

20. Foi inserido pelos colaboradores da Autora no respetivo registo diário interno o seguinte número de horas que alocaram à preparação/elaboração da proposta:


«Imagem no original»
(Cfr. documento n.º 8, junto a fls. 1440 do Sitaf e prova testemunhal);

21. Nos meses de julho e agosto de 2020, os colaboradores da Autora referidos no ponto anterior auferiam as seguintes remunerações base:


«Imagem no original»


(cfr. documentos 1 a 7, juntos a fls. 1433 a 1439 do Sitaf).

Não ficaram por provar quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa.

Motivação

A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada teve por base a análise conjugada e crítica da prova documental junta aos autos e não impugnada, bem como a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tal como referido em cada ponto do probatório.

Da prova testemunhal

Para a prova dos pontos 15 a 20 do probatório, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas N..., colaborador da Autora desde 2019 na qual exerce as funções de gestor de projetos e B..., igualmente colaborador da Autora desde abril de 2019 como consultor de negócios, sendo que ambas as testemunhas participaram diretamente na preparação e elaboração da proposta apresentada pela Autora no âmbito do procedimento que despoletou os presentes autos.

Ambos os depoimentos merecerem credibilidade, mostrando-se isentos e coerentes não só entre si, mas, igualmente, em relação à prova documental resultante dos autos, ao que acresce o facto de ambos terem conhecimento direto dos factos, porquanto tiveram participação direta na preparação e elaboração da proposta.

Tanto a testemunha N..., como a testemunha B... afirmaram perante o tribunal que a proposta em crise se apresentava bastante complexa, considerando os critérios exigidos e constantes das peças procedimentais, tanto que não conseguiram preencher todos os requisitos, mormente relativos à constituição da equipa técnica, tendo, contudo, optado por apresentar na mesma a referida proposta.

Descreveram ao Tribunal as tarefas essenciais que integram a preparação e elaboração de uma proposta, mormente e, desde logo, ao nível da gestão de qualidade, concretamente o levantamento de oportunidades e o descarregamento das peças procedimentais, ao que se segue a preparação da documentação exigida e a recolha das assinaturas, bem como a elaboração da componente mais técnica, especialmente a memória descritiva. Concretamente, no que tange ao procedimento concursal que nos ocupa realçam a complexidade, a morosidade e a especial dificuldade em realizar contactos no sentido de compor a equipa técnica, atenta a exigência decorrente das peças do procedimento.

Acrescentaram, ainda, que a complexidade do projeto adveio igualmente do facto de se tratar de uma área na qual a Autora não possui muita experiência, pois atua essencialmente na área da cartografia, sendo que apenas desde 2019 integrou na sua área de atuação a matéria atinente ao ambiente e às alterações climáticas, ao que acresce o facto de se tratar de um projeto a nível regional.

Mencionaram, ademais, que era realizado um registo diário interno por cada colaborador de todas as horas alocadas ao projeto e que, in casu, foi necessário um número elevado de horas, confirmando cada uma das testemunhas e no que a si respeita o número de horas por si alocado à proposta em crise, a saber e respetivamente, 130 e 110, o que se mostra consentâneo com o documento n.º 8, junto aos autos a fls. 1440 do Sitaf.

Por fim, ambas as testemunhas confirmaram as respetivas remunerações base que, de todo o modo, resultam dos documentos juntos aos autos pela Autora correspondentes aos recibos de vencimento relativos aos meses de elaboração da proposta, em julho e agosto de 2020 (a fls. 1433 a 1439 do Sitaf).».

i) Da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC:

Alega a Recorrente que os fundamentos constantes na sentença estão em completa contradição com o decidido, pois apesar de o próprio Tribunal a quo afirmar que “de facto se verifica objetivamente a ilicitude” e que “é inegável” que “a violação dos princípios gerais de contratação pública é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados”, aquando da prolação da sua decisão final conclui que, afinal, o pressuposto da ilicitude não se encontra verificado.

Dispõe a referida alínea c) do nº 1 do artigo 615º que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A contradição entre os fundamentos e a decisão, referida na primeira parte da alínea c) reproduzida, é de natureza lógica «(…) como referia J. Lebre de Freitas, que entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670] (v. acórdão do STA, de 28.4.2016, proc. 0978/15, in www.dgsi.pt).
A obscuridade resulta de a sentença conter algum passo cujo sentido seja ininteligível, por não se perceber o que o juiz quis dizer (v. o mesmo acórdão).
A ambiguidade ocorre quando alguma passagem da sentença se preste a interpretações diferentes e mesmo opostas, em que não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz (idem).
De qualquer modo só ocorre nulidade da sentença recorrida se resultar prejudicada a compreensão da decisão nela contida.

No caso em apreciação é invocada a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Na densificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, o juiz a quo expendeu na sentença recorrida, designadamente:
«(…) Desta feita e no que tange ao requisito da ilicitude, temos, então, atenta a correspondência com o regime do contencioso pré-contratual previsto no CPTA que o direito indemnizatório pode surgir das ilegalidades, “(…) abrangendo não apenas a prática ilegal de atos administrativos relativos à formação do contrato (ou a eles equiparados), mas também de atos de conteúdo normativo como o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação do contrato, designadamente quando tenha por base a ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos” – (Cfr. Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 158).
Na verdade, o direito indemnizatório tanto pode decorrer da violação (por ação ou omissão) de normas atinentes à escolha do procedimento, como da violação dos princípios gerais da contratação pública, não só consagrados no direito nacional, como no Tratado da União Europeia e nas diretivas aplicáveis nesta matéria, podendo, ainda, surgir na sequência da prática de um qualquer ato em violação dos documentos conformadores do procedimento ou da ilegalidade do próprio documento.
No entanto, como sublinha Esperança Mealha, Responsabilidade Civil nos Procedimentos de Adjudicação dos Contratos Públicos (Notas ao Artigo 7.º/2 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), in Julgar, n.º 5, 2008, pp. 107 e 108, não basta a existência de uma ilegalidade objetiva, pois, “exige-se também a ilicitude desse facto, ou seja, que dessa atuação anti-jurídica resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos – cf. 9.º/1, in fine, da Lei n.º 67/2007”, acrescentando que “regem o procedimento de escolha do adjudicatário redundará numa ofensa de direitos ou interesses legítimos de um ou mais candidatos. O legislador, em cumprimento das indicações da Constituição no mesmo sentido (cfr. artigos 266.º/1 e 268.º/4 e 5), adoptou um conceito de ilicitude que abrange, de igual modo, direitos subjectivos e interesses legítimos. Assim, mesmo quando o comportamento anti-jurídico traduza a violação de regras formais, ou de natureza procedimental, tal não significa que esteja afastada a consequente ofensa das posições subjectivas dos candidatos. Pelo contrário, a procedimentalização da actividade de escolha do contratante (principalmente nos casos em que obedece a um iter mais demorado e complexo, como no concurso público) tem precisamente uma finalidade de garantia dos princípios que regem o procedimento adjudicatório e, mesmo que reflexamente, das posições jurídicas individuais dos interessados na adjudicação. Estes princípios gerais são, aliás, “o primeiro crivo valorativo à luz do qual o intérprete deverá qualificar certa formalidade (ou certa regra) como essencial ou não”.”
Não deixa, contudo, a referida Autora de realçar que “haverá, no entanto, casos em que, não obstante a violação de uma norma, pode estar afastada a ilicitude do comportamento: designadamente aqueles em que se constate a inobservância de formalidades não essenciais ou a verificação de uma ilegalidade sanável. Tais situações, ou não serão, à partida, aptas a lesar direitos ou interesses legítimos dos candidatos (portanto, carecem de ilicitude) ou não serão causa adequada de danos. No caso de uma ilegalidade sanável, a repetição do acto, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correcção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis.” – (negrito e sublinhado nossos).
(…)
Vejamos, então, se se encontra verificado no caso dos autos o pressuposto da ilicitude.
Decorre, assim, dos autos que a Autora concorreu ao procedimento aberto por concurso público com vista à aquisição de serviços para elaboração da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas do Alentejo (ERAACA) (cfr. pontos 1 e 4 do probatório), tendo a respetiva proposta sido excluída por não cumprir os requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa técnica a afetar à execução do contrato resultantes do Anexo VII ao Programa do Procedimento(cfr. pontos 3, 7 e 8 do probatório).
Resulta, ademais, que através de decisão datada de 30 de abril de 2021 foi julgada procedente a ação de contencioso pré-contratual proposta pela ora Autora no âmbito dos presentes autos e determinada a anulação do ato que aprovou o relatório final do júri, a exclusão da proposta da Autora, bem como a decisão de não adjudicação proferida pela Entidade Demandada, bem como a condenação desta Entidade na aprovação de novas peças do procedimento expurgadas das ilegalidades apontadas e a praticar todos os atos subsequentes no âmbito do procedimento (cfr. ponto 12 do probatório).
Com efeito, considerou o Tribunal, na parte em que julgou procedente a ação que i) o requisito relativo à constituição mínima a afetar à execução do contrato viola os princípios da concorrência, bem com da transparência/publicidade e da proporcionalidade, ii) o requisito que exige que a equipa técnica tenha um mínimo de 11 doutorados viola os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da não discriminação, iii) o requisito que exige que a equipa técnica tenha publicado pelo menos 150 artigos científicos em revistas indexadas pelo “Journal of Citation Reports” viola os princípios da proporcionalidade e da concorrência, iv) o requisito que exige que a equipa técnica deverá ter participado em pelo menos 5 projetos de investigação sobre alterações climáticas e seus impactos viola o princípio da proporcionalidade, sendo que todas violam o artigo 49.º, n.ºs 2, 4 e 8 do CCP.
Por seu turno, no que respeita aos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, considerou o Tribunal que i) os subfactores A1) e B1) violam o princípio da transparência, da proporcionalidade e da concorrência, ii) os subfactores A2) e B.2) violam os princípios da concorrência e da proporcionalidade e iii) os subfactores B.3) e B.4) violam o disposto nos artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3, todos do CCP.
Ora, numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude dos atos impugnados, mormente das peças procedimentais e da decisão de exclusão da proposta da Autora e do ato de não adjudicação, nomeadamente, como vimos, por violação de princípios gerais da contratação pública e, igualmente, decorrentes das diretivas europeias nesta matéria, bem como de normas do CCP, concretamente dos artigos 49.º, n.ºs 2, 4 e 8, 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3, todos do CCP.
Ademais, é inegável que a violação de tais princípios e normas procedimentais é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de proteção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas.
Pese embora tal conclusão, certo é que in casu, na decorrência da anulação dos atos impugnados pela Autora, a Entidade Demandada não só retomou o procedimento, refazendo as peças procedimentais, expurgadas das ilegalidades apontadas na respectiva sentença, como a Autora apresentou nova proposta no âmbito do mesmo procedimento (cfr. pontos 13 e 14 do probatório), pelo que devem retirar-se as devidas consequências de tal facto.
Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança) atinente à expectativa de eventual celebração futura do contrato, correspondente aos danos que a Autora não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas aos atos impugnados e às peças procedimentais e que abrange, nomeadamente, os custos suportados com a elaboração da proposta.
Visa, assim, o ressarcimento pelo interesse contratual negativo colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detetada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas.
Pois bem, no caso dos autos, temos que a Autora, após ter sido retomado o procedimento concursal, expurgado das ilegalidades de que padecia e que originariamente despoletou os danos que alega, apresentou nova proposta no âmbito desse mesmo concurso, pelo que, como refere Esperança Mealha, “a repetição do ato, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis” (cfr. Responsabilidade Civil nos Procedimentos de Adjudicação dos Contratos Públicos (Notas ao Artigo 7.º/2 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), in Julgar, n.º 5, 2008, p. 108).
Resulta, assim que, com a retoma do procedimento, a anulação do ato de exclusão e do ato de não adjudicação, bem como com a elaboração de novas peças do procedimento, a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fosse a ilegalidade originária, tendo, inclusivamente apresentado nova proposta nesse âmbito.
Como refere Esperança Mealha, “a natureza urgente do processo de contencioso pré-contratual (artigos 101.º e 102.º), bem como a possibilidade de lhe associar pedidos cautelares, especificamente destinados a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença (132.º), destina-se a procurar uma solução do litígio em tempo útil, preferencialmente antes de concluído o procedimento adjudicatório e, no limite, antes de executado o contrato. O que significa que, em geral, a utilização destes recursos é a forma adequada de repor a legalidade e simultaneamente reintegrar a esfera jurídica do lesado. Sem prejuízo, haverá casos em que, ainda que se tivesse logrado eliminar os efeitos ilegais do ato, subsistiriam danos só reparáveis por via da indemnização. (…).” – (Cfr. (cfr. Responsabilidade Civil nos Procedimentos de Adjudicação dos Contratos Públicos (Notas ao Artigo 7.º/2 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), in Julgar, n.º 5, 2008, p. 117).
Temos, assim, que no caso dos autos, não só foi refeito o procedimento e retomada a legalidade do mesmo, tendo a Autora apresentado proposta nessa sede, como não se vislumbra nem foram alegados prejuízos que subsistam e que apenas sejam reparáveis através de indemnização.
No entanto, mais do que no âmbito da ilicitude esta questão coloca-se com maior acuidade em termos de causalidade, senão vejamos.
(…)
Posto isto, tendo sido afastados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade, nos termos acima expostos, atendendo a que os requisitos da responsabilidade civil extracontratual são de verificação cumulativa, é forçoso concluir pela improcedência da presente ação.
(…)».
Donde, o juiz a quo começa por entender, porque os pedidos de anulação e de condenação formulados pela A./recorrente foram julgados procedentes, que os actos (e as normas concursais, por violarem os princípios gerais da contratação pública e decorrentes das directivas europeias na matéria) impugnados são objectivamente ilícitos, contudo, porque a ED/recorrido em cumprimento do julgado, retomou o procedimento concursal expurgado dos vícios verificados, repondo a legalidade e, ao proporcionar à A./recorrente a apresentação de proposta a este renovado procedimento, reintegrando, simultaneamente, a esfera jurídica desta, acaba por considerar que ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos dos actos impugnados.
Em face do que o afastamento do requisito da ilicitude surge como consequência lógica da argumentação jurídica que o antecede, aplicada aos factos considerados provados e suportada nos excertos doutrinários reproduzidos.
A Recorrente pode discordar do entendimento a que chegou o juiz a quo e este pode consubstanciar eventual erro de julgamento de direito, mas não a arguida nulidade da sentença.
Em face do que não pode proceder este fundamento do recurso.

ii) Da impugnação da decisão da matéria de facto:

A Recorrente impugna o facto provado nº 16 - “A Autora apresentou proposta, mesmo sabendo que não preenchia os requisitos – (cfr. prova testemunhal e artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC)”, porquanto, ao contrário do que está na motivação da decisão da matéria de facto, tal não consta do depoimento da testemunha N..., gestor do projecto que tinha um papel mais relevante na elaboração da proposta, prestado em 9.9.2021 e gravado digitalmente, mormente, de 00:23:06 a 00:44:55, resultando diversamente daquele e do da testemunha B..., prestado na mesma data e gravado de 00:49:00 a 01:03:08, cujos excertos relevantes reproduz, que o tribunal recorrido deveria em vez daquele facto ter considerado provado que:
a) Os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais eram extremamente exigentes, mesmo por comparação com outros procedimentos semelhantes;
b) Houve um esforço enorme da equipa para tentar compreender e preencher os critérios de avaliação previstos nas peças procedimentais – o que justificou o gasto elevado de n.º de horas de trabalho e o estabelecimento de contactos com académicos;
c) A equipa tudo fez para apresentar uma proposta coerente com os critérios previstos e ganhadora.

Contrapõe o Recorrido com a reprodução da gravação dos depoimentos da testemunha B... a partir dos minutos 00:57:48 e 00:59:50, de cujo teor resulta, em suma, que o projecto era bastante complexo, os critérios de avaliação eram bastante atípicos e nalguns casos com conceitos desconhecidos, teve de efectuar um trabalho de pesquisa para compreender o que se pretendia com aqueles critérios, de comparação com procedimentos idênticos, depois dessa análise é elaborado um resumo para discussão com a gerência, com a apresentação do projecto e para definir a estratégia a seguir, devido aos critérios acabou por ser feito um pedido de esclarecimentos, analisámos outros procedimentos idênticos, foi decidido pela Administração, pela gerência, apresentarmos uma proposta, teve de trabalhar na elaboração da proposta, juntamente com os colegas, na elaboração da equipa que era bastante exigente, como os critérios eram muito exigentes acabámos por não conseguir reunir a equipa, mas apresentámos proposta na mesma.
Mais evidenciou o Recorrido que a simples análise do processo administrativo instrutor junto aos autos permite constatar que a A. sabia e não podia deixar de conhecer que a sua proposta não preenchia os requisitos do concurso e que seria inevitavelmente excluída, pois apresentou uma equipa técnica composta apenas por três elementos, somente um doutorado e nenhuma publicação relevante (quando se exigia, designadamente, no programa do procedimento uma equipa, no mínimo, com 11 doutorados e artigos publicados).

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acresce que o tribunal de recurso, nos termos do nº 1 do artigo 662º do CPC, só deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Com efeito, o tribunal de recurso só deve alterar a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida se, reapreciada a mesma, for evidente, em termos de razoabilidade, que foi mal julgada pelo tribunal a quo.
A livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, previsto no nº 5 do artigo 607º do CPC, exige em sede de recurso um especial cuidado na reapreciação a efectuar, até porque não está em causa um segundo julgamento, mas a verificação do que na decisão da matéria de facto recorrida não se pode manter por se apresentar como arbitrário ou sem fundamento racional.
Por outro lado, essa alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente [v. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. nº 5398/18.3T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt].

Na impugnação da decisão da matéria de facto em apreciação a Recorrente deu cumprimento aos ónus previstos no artigo 640º.
Do alegado extrai-se que contesta o facto 16. não na parte em que dá por provado que apresentou proposta (o que já resultava provado no facto 4., não impugnado) nem na de que tal proposta não preenchia os requisitos (nos factos 5. e 7., não impugnados, foi dado por provado que a proposta da A. foi excluída por não cumprir os requisitos obrigatórios relativos à constituição mínima da equipa a afectar à execução ao contrato constantes do Anexo VII ao Programa do Procedimento, cfr. Relatório Preliminar, mantido no Relatório Final, requisitos esses que constam do facto 3. provado e não impugnado, a saber: o líder da equipa deverá, no mínimo, ter publicado 12 artigos nos últimos 5 anos em revistas cientificas, a equipa técnica tem de ter um mínimo de 11 doutorados, no mínimo 4 desses doutorados com mais de 5 anos de experiência em projectos de alterações climáticas e seus impactos, a equipa deverá ter publicado pelo menos 150 artigos científicos em revistas indexadas pelo Journal of Citation reports e a equipa deverá ter participado em pelo menos 5 projectos de investigação sobre alterações climáticas e seus impactos; a que acresce, também provado, pelo teor do artigo 17º do Programa do Procedimento que o critério de adjudicação é o da proposta mais vantajosa e entre os factores a ponderar está o da Equipa técnica – 70%,), mas na de que “mesmo sabendo queporque, defende, resulta dos depoimentos das identificadas testemunhas que trabalharam para obter e apresentar uma proposta coerente, ganhadora, apesar dos critérios exigidos, e ser falso afirmar que sabia desde o início e estava consciente que a sua proposta ia ser objecto de exclusão.
Ora, em momento algum a A./recorrente afirma/defende/alega que na sua proposta apresentou uma equipa que cumpre com os requisitos mínimos obrigatórios previstos no Anexo VII do Programa do Procedimento que, independentemente da sua grande exigência, são objectivos, apresentados com indicação de números mínimos, a observar necessariamente para a proposta poder ser admitida e ponderada para efeitos de adjudicação.
O que alega é que se empenhou em elaborar uma proposta ganhadora, ainda que não explique como pretendia ganhar – presume-se: ser admitida e obter a adjudicação - , quando a equipa que apresentou para dar execução ao objecto do contrato não cumpriu os requisitos obrigatórios (conforme resulta do teor do Relatório Preliminar, no referido facto 5. e do “PA em apenso”, indicado na motivação do facto 4., e do qual consta a fls. 453 a 454 Declaração // (a que se refere a alínea e) da cláusula 8ª do programa do procedimento)” e a fls. 452 “Identificação Nominativa da Equipa Técnica”, dos quais se retira que a equipa técnica proposta pela A./recorrente no procedimento, em referência nos autos, é constituída por N..., B... e Paulo Freitas, sendo que apenas o primeiro é doutorado e publicou 0 (zero) artigos científicos em revistas indexadas pelo “Journal of Citation reports” – factos não indicados na factualidade assente e que entendemos não serem de aditar à mesma por não alterarem o já decidido).
Com efeito, ainda que alegue a ilegalidade dos critérios previstos para constituição da equipa (no que o tribunal recorrido lhe deu razão por decisão de 30.4.2021 proferida na presente acção), no momento em que apresentou a sua proposta a concurso sabia, porque não podia deixar de saber, que a equipa técnica que constituiu e constava da mesma, não cumpria com os requisitos mínimos obrigatórios e ainda assim apresentou proposta.
E foi esse o juízo conclusivo que o tribunal a quo efectuou no facto 16., partindo de factos já provados e dos depoimentos das testemunhas que ouviu (não porque as valorasse como declarações de parte), mormente o de B... que depôs nesse sentido, evidenciando todo o trabalho que teve/tiveram para perceber os critérios complexos, diferentes, inovadores do procedimento relativamente aos de outros idênticos, preparar, elaborar a (melhor) proposta a apresentar a concurso, o que fizeram com conhecimento e seguindo determinações da A./recorrente para o efeito. O que, de qualquer modo, sempre resultaria do teor da própria proposta apresentada em nome da A., pelo seu representante legal, assumindo o trabalho efectuado pelos respectivos colaboradores, entre os quais figuram as testemunhas indicadas na motivação da decisão da matéria de facto (ainda que do depoimento de N... não conste que admitiu que a equipa não cumpria os requisitos obrigatórios). Pelo que, o juiz a quo assumiu de acordo com as regras deduzidas da experiência da vida [a saber, efectuando uma presunção judicial, cfr. os artigos 349º e 351º do CC e parte final do nº 4 do artigo 607º do CPC] que a A./recorrente, habituada a participar em procedimentos concursais, sabia que estava a apresentar no procedimento em causa nos autos uma proposta com uma equipa técnica que ficava muito aquém dos números mínimos exigidos no respectivo Programa e ainda assim avançou com a sua apresentação.
Quanto aos factos que a A./recorrente indica como aqueles que o tribunal recorrido deveria ter dado como provados no lugar do facto 16., não lhe assiste razão dado que não seriam suficientes, se provados, para alterar o sentido da decisão da matéria de facto nem da decisão proferida a final na acção.
Com efeito, o esforço/trabalho expendido na elaboração da proposta para que observasse os exigentes critérios do procedimento e a intenção subjacente de que a mesma fosse ganhadora, em nada altera ou alteraria os factos provados e não impugnados, de que a equipa técnica apresentada na proposta da Recorrente não cumpria os requisitos mínimos obrigatórios.
Em face do que não procede a impugnação da matéria de facto da sentença recorrida efectuada.

iii) Do erro de julgamento de direito:

Alega, em suma, a Recorrente que se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (pré-contratual) do Estado, nos termos do nº 2 do artigo 7º do RRCEE, do direito da UE e da Jurisprudência do TJUE pelo que deve o Recorrido ser condenado no pagamento da indemnização peticionada.

Na sentença recorrida para além do entendimento vertido sobre o regime da responsabilidade civil pré-contratual, da apreciação dos respectivos requisitos por referência ao caso concreto, mormente, a ilicitude, já reproduzido a propósito da arguida nulidade, foi explicitado que a culpa está ínsita nas ilegalidades cometidas (com o que a Recorrente concorda) e expendido ainda o seguinte:
«Em primeiro lugar, cumpre referir que, ao contrário do requisito da culpa, o nexo de causalidade não configura um pressuposto de verificação objetiva, dependendo de alegação e prova, não constituindo, de igual forma, um qualquer facto notório, pese embora se possa estabelecer um nexo de causalidade por força do funcionamento das presunções judiciais através dos factos conhecidos e provados nos autos (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de setembro de 2014, proferido no processo n.º 1415/07.9TCLRS.L1-1).
Compulsada a petição inicial, não resulta qualquer alegação factual ou jurídica sobre o pressuposto do nexo de causalidade, todavia, ainda que o Tribunal lançasse mão da figura das presunções judiciais, a conclusão seria sempre a mesma, porquanto não resulta dos autos que os danos alegados pela Autora são causa das ilegalidades de que padecem os atos de exclusão, de não adjudicação, bem como as peças procedimentais.
Com efeito, resulta dos autos que a elaboração por parte da Autora de propostas no âmbito da cartografia é habitual, ao contrário do que sucede com a área ambiental/alterações climáticas que apenas passou a integrar como área de atuação desde 2019 (cfr. ponto 15 do probatório), ao que acresce o facto de a Autora apesar de estar ciente que não preenchia os requisitos exigidos pelo caderno de encargos, optou por arriscar e apresentar proposta (cfr. ponto 16 do probatório).
Pois bem, no ordenamento jurídico português no seio tanto da doutrina como da jurisprudência nacionais, vigora enquanto tese maioritária, a tese da causalidade adequada, a qual, contudo, se encontra formulada em duas vertentes, correspondendo a primeira à vertente positiva nos termos da qual só serão indemnizáveis os danos que se traduzam em consequências típicas do facto.
No entanto, não foi esta formulação que vingou, mas antes a sua formulação negativa a qual encontra consagração no artigo 563.º do CC, segundo o qual só existe obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, “consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”[3]. Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” – (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2019, proferido no processo n.º 2411/10.4TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Nesta medida, apenas serão indemnizáveis os danos que se encontrem numa relação estreita de dependência e causalidade com o facto ilícito que os originou, na medida em que sem aquele facto não se teriam produzido e, aquele mesmo facto configura em abstrato a causa adequada da sua produção, ou seja, exige-se um nexo naturalístico e, bem assim, um nexo de adequação.
Assim, para que se tenha por verificado o requisito do nexo de causalidade não basta a existência de um nexo naturalístico, ou seja, que os danos se traduzam numa consequência normal ou típica de determinado facto, mas, ainda que se mostrem como uma causa adequada daqueles danos, que haja, por conseguinte, um nexo de adequação, atentas as regras da experiência comum, apenas podendo ser desconsiderado o facto gerador do dano caso aquele se mostre desadequado à sua produção ou se apenas o tiver produzido por força de circunstâncias anormais ou imprevisíveis.
Ora, do que resulta dos autos, a Autora ab initio sabia e estava perfeitamente consciente de que a sua proposta iria ser objeto de exclusão, na medida em que não preenchia os requisitos ínsitos no caderno de encargos elaborado pela Entidade Demandada, pelo que não se pode afirmar que os danos por si alegados decorrem de forma direta das ilegalidades de que padecia o ato que excluiu a sua proposta, bem como o ato de não adjudicação e as peças procedimentais.
Antes, decorre que os danos suportados pela Autora foram-no com perfeita consciência de que a respetiva proposta não seria admitida, aceitando assumir os riscos que tal opção implicaria, pelo que a causa direta de tais danos foi a própria opção da Autora em concorrer ao referido procedimento, sendo que, aliás, poderia desde logo, e antes de apresentar proposta ter colocado em crise a validade das peças procedimentais, o que não fez ou ter-se abstido de apresentar qualquer proposta perante o facto de não preencher os requisitos exigidos.
Para além do mais, e na sequência do que vem dito a propósito do requisito da ilicitude, temos que a repetição do ato e a elaboração de novas peças procedimentais, ainda que possa reputar-se como uma violação transitória de direitos ou interesses legalmente protegidos da Autora não se mostra causa adequada dos danos por aquela alegados, na medida em que com a eliminação das ilegalidades originárias tais danos (e concretamente os alegados pela Autora apenas atinentes aos custos com a elaboração da proposta) deixam de se verificar, tanto mais, quando a Autora apresentou nova proposta aproveitando a anteriormente elaborada (cfr. ponto 14 do probatório).
Com efeito, admitir que a Autora pudesse ser ressarcida pelos mesmos redundaria num eventual enriquecimento injustificado, porquanto a eliminação com efeitos ex tunc das ilegalidades assacadas ao procedimento coloca a Autora na situação atual hipotética que, na verdade, coincide com a situação atual real, o que significaria uma duplicação de efeitos, não só pela reposição da legalidade, como pelo pagamento de uma quantia indemnizatória com vista, justamente, a colocar a Autora na situação em que estaria não fosse a ilegalidade praticada, sendo de sublinhar que a reconstituição do procedimento expurgado das ilegalidades assacadas (situação atual hipotética) implica que sempre a Autora teria de suportar os custos respetivos à elaboração da proposta (que, aliás, voltou a apresentar e a aproveitar).».

E o assim decidido é para manter.
Com efeito, «(…), a problemática em sede da responsabilidade civil pré-contratual do ressarcimento do interesse contratual positivo ou do interesse negativo apenas se coloca nos casos em que apesar do uso dos meios contenciosos o lesado não logrou obter ou assegurar a reconstituição da situação jurídica violada mercê da atribuição ao mesmo, mediante renovação do acto, “… da posição vantajosa a que este aspirava com a sua apresentação ao concurso …”, cingindo-se assim tão-só “… às situações em que, não tendo havido lugar à reintegração da ordem jurídica violada ou ao pagamento de indemnização por inexecução, tenha vindo a ser intentada acção autónoma de indemnização com base em responsabilidade civil pré-contratual …”» – assim decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 4.11.2011, no processo nº 00213/06.1BELLE, suportado no que Carlos A. Fernandes Cadilha sustenta em Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado”, 2.ª edição, pág. 107/108. [sublinhados nossos].

No caso em apreciação o pedido indemnizatório foi formulado na presente acção de contencioso pré-contratual em cumulação com os pedidos de anulação do despacho, de 26.10.2020, do Presidente da CCDRA que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da A./recorrente e a não adjudicação do procedimento, e de condenação da ED/recorrido a aprovar novas peças procedimentais sem reincidir nas ilegalidades detectadas e praticar todos os actos e diligências subsequentes previstas na tramitação legal do procedimento, fundado no reconhecimento da ilegalidade dos actos impugnados e das normas concursais que se retira dos pedidos principais – o que motivou o tribunal recorrido, ao abrigo do disposto no nº 4 do 90º do CPTA, a relegar a sua instrução e decisão para momento posterior às daqueles.
Na decisão de 30.4.2021 o tribunal a quo julgou procedentes os pedidos impugnatório e condenatório [formulados nas alíneas a) e b)], anulando o despacho impugnado e condenando a ED/recorrido a retomar o procedimento com aprovação de novas peças procedimentais sem as ilegalidades verificadas.
As ilegalidades detectadas reportam-se aos requisitos obrigatórios previstos no programa do procedimento quanto à equipa técnica a afectar à execução do contrato - no que concerne aos números mínimos de constituição e de doutorados, e às exigências de publicação mínima de 150 artigos científicos em revistas indexadas pelo “Journal of Citation Reports” e de participação em pelo menos 5 projectos de investigação sobre alterações climáticas e seus impactos - por violação dos princípios da concorrência, da transparência, da publicidade, da proporcionalidade, e da não discriminação, e do disposto no artigo 49º, nºs 2, 4 e 8 do CCP. E ainda, aos factores e subfactores do critério de adjudicação A1), B1), A2), B.2), B.3) e B.4) por violação dos princípios da transparência, da proporcionalidade e da concorrência e do previsto nos artigos 74º, nº 1, 75º, nº 1 e 139º, nº 3, todos do CCP.
Donde, como alega a Recorrente as normas concursais referentes à constituição da equipa técnica a afectar à execução do contrato e aos factores e subfactores do critério de adjudicação indicados, violaram princípios gerais e normas da contratação pública que são susceptíveis de lhe conferir direitos, como particular/concorrente, a poder concorrer numa situação de concorrência leal, transparente, com efectiva possibilidade de a sua proposta ser admitida e adjudicada. O mesmo é dizer que se verificou objectivamente a ilicitude dos actos impugnados.
Contudo, em 5.7.2021 foi publicado em DR novo anúncio do procedimento em causa nos autos, com novas peças procedimentais, tendo a aqui A./recorrente em 31.4.2021 apresentado proposta no mesmo.
Com o que foi reposta a legalidade do procedimento concursal e dada a possibilidade à Recorrente de voltar a poder concorrer ao mesmo numa situação que se pretende de concorrência leal, transparente, com efectiva possibilidade de a sua proposta ser admitida e adjudicada.
Assim, em 22.9.2021, quando foi proferida a sentença objecto do presente recurso, os fundamentos do pedido indemnizatório - de que os actos impugnados padeciam das ilegalidades decorrentes da violação dos referidos princípios gerais e normas do CCP pelas normas concursais referentes à constituição da equipa técnica e aos factores e subfactores do critério de adjudicação – já não se verificavam ou não se verificavam tal e qual como tinham sido alegados, por, entretanto, a ED/recorrido ter dado cumprimento ao julgado anulatório e condenatório. A saber, já tinham cessado os efeitos ilegais e ilícitos do acto impugnado e das normas concursais em referência.
Consequentemente, não está aqui em causa, ao contrário do que alega a Recorrente, “o afastamento” do requisito da ilicitude do acto e normas concursais impugnados, por faltar algum elemento necessário à pretendida reparação /indemnização por os vícios dos actos impugnados não contenderem com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, ou por poderem ter sido violadas normas formais ou procedimentais susceptíveis de sanação, em vez de materiais ou substanciais - entendimento que pressupõe a manutenção dos acto/normas concursais impugnados na ordem jurídica [ou a inexecução do julgado anulatório dos mesmos] e dos correspondentes efeitos ilícitos na esfera jurídica do lesado.
O que não se verifica na situação em apreciação.

Sendo os requisitos da responsabilidade civil extracontratual de verificação cumulativa o não preenchimento de um deles, como o da ilicitude, é suficiente para que o recurso não possa proceder.

Apesar do que entendemos ser de efectuar as seguintes considerações.
No que concerne ao requisito do nexo de causalidade a actuação da Recorrente, antes da reposição da legalidade do procedimento, foi determinante para a produção dos danos invocados, pois tendo constatado da leitura das peças procedimentais que os critérios obrigatórios, de natureza objectiva, numérica, relativos à equipa técnica eram muito exigentes e que dificilmente os conseguiria cumprir, até pela pouca experiência que tinha na área ambiental a concurso, poderia ter decidido não elaborar proposta, obstando assim a que incorresse nos correspondentes custos/danos. E, por outro lado, convicta da ilegalidade das normas concursais, poderia tê-las impugnado contenciosamente, esperando que a sua invalidação permitisse a retoma do procedimento com outras condições que, por serem mais proporcionais e concorrenciais, lhe facilitariam a tarefa de elaborar uma proposta coerente e potencialmente ganhadora, sem tanto dispêndio de tempo por parte dos seus recursos humanos.
O disposto no artigo 103º do CPTA prende-se com a impugnação de normas concursais, autonomamente ou com a do/s acto/s final/ais do procedimento, e não com a eventual pretensão indemnizatória decorrente da sua ilegalidade/invalidade. Significando que a escolha do momento da propositura da acção impugnatória pode – e deve se for relevante, e é no caso em apreciação - ser ponderada para efeitos da averiguação do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, caso seja cumulado pedido de indemnização ou venha a ser instaurada acção autónoma para o efeito.
O juiz a quo, ao contrário do que alega a Recorrente, não confunde as pretensões da conformidade com a legalidade com o que são as obrigações de indemnizar, conforme se extrai, designadamente, da afirmação de que, após a retoma da legalidade do procedimento, não vislumbra nem foram alegados prejuízos que subsistam e que apenas sejam reparáveis através de indemnização.
Com efeito, na petição inicial os alegados danos reconduzem-se apenas aos custos em que a A./recorrente incorreu para participar no concurso, referentes ao tempo, em vão, despendido pelos respectivos recursos humanos na preparação e elaboração da proposta a concurso – com indicação do valor/hora de remuneração e subsídios auferidos por cada um dos colaboradores envolvidos, multiplicado pelo número total de horas que cada um despendeu, e somando os resultados obtidos, dá a quantia de €6 936,48, valor da indemnização peticionada -, face à extrema exigência dos critérios de constituição da equipa técnica e de adjudicação, e da necessidade que teve, depois, de recorrer a patrocínio jurídico para as anular – de valor a liquidar em execução de sentença.
Importa referir que nenhuma alegação é feita na petição inicial à eventualidade de ter deixado de concorrer a outros procedimentos, em virtude da alocação desses colaboradores à elaboração da proposta que viria a ser excluída, dano que a Recorrente alega agora em sede de recurso, de forma genérica, sem concretizar um valor que lhe corresponda, e que, por se tratar de questão nova, que não foi suscitada perante o juiz a quo e, consequentemente, não apreciada na sentença recorrida, não cumpre a este tribunal conhecer.
Retomando, com a posterior anulação do despacho que determinou a exclusão das propostas a concurso e decisão de não adjudicação, e a consequente retoma do procedimento na sua fase inicial, com novas normas procedimentais, sem as ilegalidades apuradas na presente acção, a Recorrente pôde aproveitar todo o referido esforço, trabalho e inerente custo na elaboração da proposta excluída para a aquela que apresentou em 31.7.2021.
Se esse reaproveitamento não foi total ou por qualquer outra razão ainda subsistiram danos a indemnizar, incumbiria à A./recorrente vir aos autos, em articulado superveniente, justificado pela alteração das circunstâncias posterior à petição inicial, e a apresentar até ao encerramento da discussão no tribunal recorrido, alterar/restringir o seu pedido indemnizatório [v. o artigo 86º do CPTA].
O que não fez.
Mais uma vez é em sede de recurso que vem alegar que o novo procedimento era diferente do anterior (nem que seja pela remoção das ilegalidades) e justificou a execução das mesmas tarefas inerentes a qualquer procedimento de elaboração de propostas: levantamento de oportunidades, descarregamento das peças procedimentais, elaboração de reuniões com vista, mormente, a decidir pela apresentação (ou não) da proposta, preparação da documentação exigida, recolha de assinaturas, realização de contactos, elaboração de memória descritiva, estudo dos critérios/requisitos exigidos, significando que se não for ressarcida pelos danos que incorreu com a primeira proposta, terá elaborado essas tarefas em dobro e apenas pelo facto de as mesmas terem sido consideradas ilegais, o que corresponde a um dano legítimo a indemnizar e não um qualquer meio de obter um enriquecimento ilícito.
Trata-se de mais uma questão nova que não cumpre a este tribunal apreciar.
Sem prejuízo do que reiteramos o afirmado pelo juiz a quo quanto ao ressarcimento dos custos de elaboração da proposta poder implicar para a Recorrente um enriquecimento injustificado, até porque estes custos são um encargo que qualquer concorrente tem de assumir – se quer ver a sua proposta admitida e adjudicada tem de a preparar, elaborar com observância das regras procedimentais e legais aplicáveis, sem direito a ser ressarcido caso não consiga nem a admissão nem a adjudicação num contexto de leal e legal concorrência.
Repete-se que a julgada ilegalidade das normas concursais e do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e a não adjudicação do procedimento, poderia fundamentar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, a peticionada indemnização se o Recorrido não tivesse cumprido com o julgado. Ao retomar o procedimento na fase inicial, com novas regras, repôs a legalidade, reconstituindo a situação legal hipotética que existiria se as normas ilegais e o acto anulado não tivessem existido na ordem jurídica, o mesmo é dizer que a respectiva anulação operou retroactivamente [com efeitos ex tunc], colocando a Recorrente na posição em que deveria ter estado se não fossem as ilegalidades apuradas, destruindo inclusive a situação de ilegalidade temporária ocorrida. Não tendo alegado, nem provado, em sede própria que não pôde aproveitar, no todo ou em parte, o trabalho expendido na elaboração da primeira proposta na segunda, nada mais há a pronunciar sobre a matéria por este Tribunal.

Por fim, quanto ao custo com o patrocínio para instaurar a presente acção de contencioso pré-contratual para impugnação das normas concursais e do despacho que pôs fim ao procedimento, o tribunal nada disse a esse respeito.
A Recorrente reitera o seu direito a ser indemnizada por esse custo invocando jurisprudência do STA, mormente no acórdão de 18.10.2018, no processo nº 538/08.1BERLA.
Entendendo as razões aí expendidas a favor da indemnização de tais custos, somos de seguir o entendimento vertido no acórdão do mesmo STA, de 5.3.2020, processo nº 0284/17.5BELSB, em revista ampliada, que apreciando a questão de saber se na indemnização devida ao A. a título de responsabilidade civil pela prática de facto ilícito se podem incluir as despesas relativas aos honorários do seu mandatário judicial que moveu e acompanhou a acção, acordou que «(…) na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, (…)» [in www.dgsi.pt].

Em face do que, por não verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, não pode proceder o presente recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo o despacho e a sentença recorridos na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 21 de Abril de 2022.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)