Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/09.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:APLICAÇÃO DA NORMA GERAL ANTI – ABUSO: PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTO PRÓPRIO.
FUNDAMENTAÇÃO: ERRO NA AVALIAÇÃO DE UM CONCRETO MEIO DE PROVA POR FALTA DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
Sumário:I) A aplicação da norma geral anti -abuso, ínsita no nº 2, do artº 38º, da LGT, fundamenta-se na necessidade de obstar à elisão fiscal, através da requalificação tributária dos negócios ou actos praticados pelos contribuintes;

II) Os respectivos pressupostos , tipicamente elencados de forma exaustiva na supra referida norma, baseiam-se nos seguintes elementos aí contidos, a saber:

A) Existência de uma vantagem fiscal contrária à finalidade da lei tributária aplicável;

B) A obtenção de tal vantagem é uma das finalidades dos actos ou negócios utilizados, por meios ou esquemas artificiosos ou fraudulentos, concretamente verificados;

C) Tal prática determina a sua ineficácia fiscal e a sua requalificação segundo as normas de tributação tipificadas na lei.

III) Na fundamentação de facto da decisão judicial que determine a aplicação da norma anti -abuso, nada obsta que o Juiz , pugnando legitimamente por uma interpretação da norma que atenda apenas às motivações fiscais de tais actos ou negócios , entenda que será de desconsiderar quaisquer factos que comprovem eventuais motivações económicas para a prática dos actos em causa.

IV) Assim interpretado, num certo sentido, regras substantivas em matéria de prova, torna-se então imprescindível que, na respectiva motivação, procedesse à análise critica das provas admitidas nos autos, apenas selecionando a matéria de facto relevante à luz dassa interpretação jurídica. –cfr nesse sentido o Acórdão do Pleno da Secção do C.T., de 30.03.2020, tirado do processo nº 06/20.3 BASLB.

V) Não o tendo feito , ocorre falta de efectiva e funcional fundamentação de facto da decisão , por falta absoluta de motivação , por a mesma não permitir ao destinatário , a percepção das razões de facto da decisão, sendo a sentença, nula , nos termos do disposto nos nºs 3 e 4, do artº 607º, do CPC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

J....., SGPS, S.A., vem deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente, por não provada, a impugnação por si deduzida contra a liquidação de IRC respeitante ao ano de 2005, no montante de 101,23 €, na sequência de correcção meramente aritmética à matéria tributável, por aplicação da norma geral anti-abuso, no valor de 4.070.000,00 €., tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões:


1.ª O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela J..... contra a liquidação de IRC! que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2005, mediante a aplicação do n° 2 do artigo 38° da LGT (CGAA).
2.ª Entende a Recorrente que a Sentença em referência está ferida de anulabilidade.
3.ª Esta resulta, em primeiro lugar, de uma apreciação errada da matéria de facto provada. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu no sentido da improcedência da impugnação judicial baseando-se, para tal, numa fundamentação de facto insuficiente: o Tribunal jamais poderia ter decidido como decidiu com base na factualidade que deveria ter sido considerada provada.
4.ª Esta, em lugar de sugerir uma interposição “artificial” da F....., ou de um propósito sempre presente de lograr a “transformação de juros em dividendos”, aponta para uma cronologia distinta e para uma racionalidade económica própria, que se encontram ostensivamente em oposição à tese sustentada na decisão recorrida.
5.ª Estas conclusões apenas se compreendem num contexto em que outros “'factos” terão determinado o juízo final da causa: para suportar a decisão que proferiu o Tribunal a quo deve ter-se apoiado em quaisquer outros fundamentos de facto que não especificou — e que, de resto, de modo algum se retiram dos autos —.
6.ª Em muitos casos, até, em vez de factos, a Sentença prevaleceu-se de puras especulações e observações tendenciosas, insusceptíveis de operar como base de apoio da tese jurídica com que subjaz à decisão final da causa, constantes apenas do Relatório de Inspecção Tributária (meras afirmações, comentários, juízos de censura, que em nada se confundem com factos)
7.ª A apreciação errada da matéria de facto tem ainda que ver com a circunstância de o Tribunal a quo praticamente se limitar à reprodução acrítica de partes substanciais daquele Relatório, que valoriza como uma genuína fonte probatória.
8.ª Sendo assim, temos, em conclusão, que o Tribunal a quo tomou uma decisão contrária aos factos que estava obrigada a reconhecer como provados (porque objecto de prova testemunhal não descredibilizada); tendo usado na decisão, provavelmente, factos que não especificou, para além de especulações ou apriorismos; e, finalmente, lançou mão de factos e argumentos que correspondiam a um processo distinto daquele a que a situação dos autos dizia respeito, onde se discutiam problemas jurídicos diferentes e uma situação fáctica, embora semelhante, diversa.
9.ª O vício que determina, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da Sentença recorrida resulta ainda, para além do erro no julgamento da matéria de facto assinalado, de uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito aplicável.
10.ª Neste domínio, considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não refuta com argumentos consistentes a alegação, apresentada pela impugnante, segundo a qual teria caducado o direito de utilizar o procedimento especial previsto no n° 1 do artigo 63° do CPPT, sem o que não é possível à Administração aplicar a CGAA Assim sendo, tendo o processo de inspecção subjacente à liquidação impugnada iniciado em 12/03/2008, e a “interposição” da F..... e a celebração de contratos entre esta última e a F..... ocorrido em momentos que antecedem em mais de três anos a mencionada data, caducou o direito da Administração fiscal àquele procedimento.
11.ª Esta conclusão resulta do facto de, no n° 3 do artigo 63° do CPPT, a referência ao acto ou à celebração do negócio jurídico como marcos a partir dos quais se inicia a contagem deste prazo especial só poder querer abranger, pela forma como se encontra redigido, os actos ou negócios jurídicos realizados através da “utilização de meios artificiosos ou fraudulentos ou realizados com abuso de formas” — os chamados também “actos fraudatórios” — e já não os actos fraudatórios ou abusivos e a obtenção de uma vantagem fiscal, conforme o que ocorra mais tarde.
12.ª A leitura do Tribunal Tributário de Lisboa não é esta, contudo Ela pressupõe que o prazo de caducidade em análise pode contar-se justamente a partir da obtenção de uma vantagem fiscal — que, de resto, pode distar vários anos dos actos alegadamente abusivos —, muito embora seja a “interposição” da F..... que verdadeiramente, na perspectiva da Administração fiscal e agora também na sua, constitui um abuso deformas.
13.ª Ora, levada ao limite, esta tese — que já de si pressupõe uma violação crassa do elemento literal da norma do n° .3 do artigo 63° do CPPT — redunda numa frontal contradição com aquela que parece ser a sua ratio e, assim, numa extensão desmesurada do intervalo temporal de actuação da Administração.
14.ª Pelo menos, se não é ali, o alegado abuso há-de residir na concessão dos empréstimos à F..... Forçosamente, só aquela interposição ou estes negócios podem constituir os momentos do início da contagem do prazo previsto no n° 3 do artigo 63° do CPPT Como se sabe, porém, nas circunstâncias de que tratou a decisão recorrida, entre esses momentos e o início do procedimento a que diz respeito este último preceito decorreram muito mais de três anos.
15.ª Ainda quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrente, em segundo lugar, que o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de interpretação da norma do n° 2 do artigo 38° da LGT — da sua função e do seu conteúdo —, designadamente por entender que na CGAA se enquadram situações que, de todo, não fazem parte do seu campo de aplicação.
16.ª Neste contexto, a decisão recorrida limita-se a sublinhar que dos negócios jurídicos em causa nos presentes autos resultou uma vantagem fiscal que não se verificaria caso eles não fossem realizados (pelo menos com a configuração, conteúdo ou sequência em que o foram), ou se o fossem através de outras subsidiárias da Recorrente, sem, contudo, cuidar de demonstrar por que razão as formas utilizadas se afiguram como artificiosas ou fraudulentas e realizadas em abuso de formas, ao arrepio de um qualquer programa normativo contido, de forma explícita ou implícita, numa determinada norma ou conjunto de normas.
17.ª Ora, sendo da natureza das coisas que todos os ganhos realizados pela F....., dentro dos limites legais, seriam isentos de imposto e, mais tarde, naturalmente distribuídos ao respectivo accionista — o qual é uma SGPS —, impor-se-ia ao Tribunal que demonstrasse, no fundo, que a J..... não poderia deter a F....., que esta não preenchia as condições para poder beneficiar do regime fiscal que sempre lhe adviria pelo facto de se encontrar licenciada para operar na Zona Franca da Madeira e que esta, enquanto participada daquela, não poderia exercer qualquer actividade lucrativa (a menos que não distribuísse lucros!).
18.ª O entendimento da Recorrente é, pois, o de que essa demonstração não foi tentada porque, pura e simplesmente, ela não é possível. É que, em boa verdade, no caso em apreço foram realmente realizados negócios perfeitamente usuais, foram escolhidas formas que cumpriram a sua vocação habitual e desencadearam os seus efeitos típicos, tal como estes foram representados e queridos pelo legislador.
19.ª Por um lado, a F..... foi constituída na Zona Franca da Madeira com o objectivo de promover a prestação de serviços e de financiamento a entidades não residentes em território nacional, porque a essas actividades, em tal localização, o legislador oferecia condições preferenciais, nomeadamente em termos de tributação. O G..... até poderia ter escolhido outra subsidiária, que não dispusesse desse regime fiscal favorável, mas essa opção não seria minimamente racional: ela representaria a via mais onerosa e implicaria a rejeição — não se sabe em nome de que ideia ou princípio — do incentivo ou convite implicado na própria natureza do regime especial da Zona Franca da Madeira.
20.ª Por outro lado, a J..... assumiu a forma societária SGPS em resposta a uma proposta do nosso legislador de encorajamento dos empresários portugueses a deterem as participações nas suas sociedades operacionais através de sociedades deste tipo, pelas razoes que figuram no preâmbulo do diploma que instituiu este tipo societário (Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de Dezembro) e tendo em conta o regime fiscal que às mesmas veio a ser oferecido (regime que à data constava do artigo 32° do EBF) e que contemplava e contempla condições especiais para excluir da base tributável das SGPS os lucros que lhes fossem distribuídos pelas suas subsidiárias, bem como regras favoráveis para a tributação de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais..
21.ª Em face do que vai dito, afigura-se que o contribuinte, no caso dos autos, se limitou a responder positivamente às solicitações da política pública de incentivos fiscais. Primeiro, concentrou as suas participações, por sector de actividade, em SGPS, confiado na neutralidade fiscal que a lei assegurava a esta particular forma. Depois, carecendo de constituir uma sociedade operacional destinada ao financiamento e prestação de serviços a entidades sediadas no exterior, escolheu o local a que, em Portugal, corresponde um melhor regime tributário para tal objecto: a Zona Franca da Madeira.
22.ª Ao agir como agiu, a J..... e a sua participada nortearam-se por propósitos económicos substantivos e racionais, dando cumprimento a um programa normativo de incentivos que o legislador abertamente criou: na situação em apreço não existiu qualquer subversão do sistema jurídico. Este não foi vergado abusivamente à vontade fiscal ilícita do contribuinte, mas utilizado em estrito respeito pela sua intenção mais comum: o caso dos autos não traduz, pois, uma situação artificiosa, fraudulenta ou abusiva, mas tão-só o aproveitamento de uma ausência de tributação que o legislador assim mesmo quis que funcionasse (aquilo que a Doutrina chama de “lacuna consciente de tributação”)
23.ª Por último, a decisão recorrida não demonstra que o resultado tributário a que se chega com o acto impugnado é o que se afigura mais próprio da utilização de meios jurídicos adequados ou normais, como é exigido pelas normas legais aplicáveis, sustentando, assim, uma solução fiscal que antes corresponde a uma situação de facto impossível ou ilegal.
24.ª Finalmente, a sentença interpreta e aplica a norma do n ° 2 do artigo 38° da Lei Geral Tributária num sentido inconstitucional, conforme seguidamente se concretiza.
25.ª Em primeiro lugar, a norma em causa foi aplicada com o sentido de que se trata de uma espécie de tipo legal aberto ou de sobreposição que permite a tributação de factos ou realidades que a ordem jurídica não pretendeu tributar, assim conduzindo a uma espécie de aplicação analógica das normas tributárias (na medida em que admite que a administração fiscal, desconsiderando, para efeitos fiscais, a personalidade jurídica de uma sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira, a cuja constituição o contribuinte foi expressamente incentivado pela lei, possa tributar como juros aquilo que reconhece expressamente serem lucros, no plano jurídico-civil); ora, interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola o Principio Constitucional da Legalidade Fiscal, previsto nos artigos 103°, n° 2, 104° e 165°, n° 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
26.ª Em segundo lugar, a norma do artigo 38.°, n ° 2, da Lei Geral Tributária, foi também aplicada com o sentido de que se trata de uma norma que admite apenas uma via fiscalmente aceitável para cada objectivo económico-jurídico prosseguido pelo contribuinte, que é a fiscalmente mais onerosa (e, por conseguinte, restringe ou suprime a liberdade de utilização de direitos e prerrogativas de natureza fiscal conferidos pela ordem jurídica); interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola o Princípio Constitucional da Liberdade Económica, previsto no artigo 61° da Constituição da República Portuguesa.
27.ª Em terceiro lugar, a norma do artigo 38°, n° 2, da Lei Geral Tributária foi ainda interpretada com o sentido de que é aplicável a factos anteriores à sua entrada em vigor contanto que estes se integrem numa “cadeia de actos” em que alguns deles ocorreram já no seu domínio de vigência, ainda que estes últimos se traduzam apenas na distribuição de rendimentos com base em contratos celebrados anteriormente; interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola a proibição constitucional da retroactividade da lei fiscal consagrada no artigo 103 °, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.
28.ª É por tudo isto que a Recorrente entende que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorre num flagrante vício de fundamentação e erra no julgamento e interpretação do Direito aplicável — nomeadamente, do n° 2 do artigo 38° da LGT e do artigo 63° do CPPT —, chegando mesmo a pôr em causa, de um modo flagrante, princípios de dignidade constitucional, como sejam o princípio da legalidade fiscal e o princípio da liberdade económica

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.

A Fazenda Pública interpôs recurso da referida sentença, circunscrito à sua condenação nas custas, no qual alcança as seguintes conclusões:

I – Na epigrafada impugnação o Tribunal fixou o valor da ação para efeito de custas em € 4.070.000,00 € (artigo 97.º - A, n.º 1, alínea b) do CPPT e art.º 306.ºn.º 2 do CPC).

II – A Representação da Fazenda Pública foi notificada para, nos termos do art.º 15.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais na redação da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, proceder ao pagamento do determinado montante.

III - Tratando-se de uma causa de valor superior a € 275.000,00, estabelece o subsequente n.º 7 do art.º 7.º do RCP que “ (…) o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

IV – A Fazenda Pública, vem recorrer para que se determine a dispensa do remanescente da taxa de justiça, convicta de que está em causa uma contraprestação de valor excessivo.

V - Entendemos, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que se encontram verificadas as condições para que possa ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o art. 6º n.º 7 do RCP.

VI - O Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 421/2013, de 15-07-2013 (processo n.º 907/2012), decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.” (Diário da República, 2.ª série, n.º 200, 16-10-2013).

VII – Não obstante, o montante que será devido na conta a final, afigura-se-nos desde já claramente excessivo à luz do que tem vindo a ser o entendimento jurisprudencial; para o volume do processado (perfeitamente comum), a complexidade das matérias abordadas e a conduta processual das partes (uma vez que a conduta processual das partes se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de atos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, evitando porventura a realização oficiosa de todo o tipo de diligências. (neste sentido cf. Acórdão do TCASul de 13-03-2014, proferido no Proc. 07373/14).

VIII – Tendo ademais sido evitada a prova testemunhal com o aproveitamento da produzida noutro processo.

IX - Quanto a ―pagar o remanescente da taxa de justiça”, esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa, na sentença ou no despacho final, uma vez que a lei não faz depender de requerimento das partes a sua intervenção nesta matéria” (cfr. neste exacto sentido o ac. da Relação de Lisboa de 3.12.2013, proc. n.º 1586/08.7TCLRS-L2-7; idem, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª ed., 2012, p. 236, o que o Tribunal ad quo não fez.

X - Veja-se ainda a propósito e ademais a ausência dos condicionalismos que justificariam a decisão recorrida, constantes no artigo 530.º número 7 do Código de Processo Civil estabelece que:

“7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) impliquem a audição prévia de elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”

XI – Atente-se a que desde já, sem contar com o necessário pelos recursos, é devido um montante de taxa de justiça no valor de € 48.144,00, sem sequer equacionar a compensação potencialmente devida com honorários.

XII – Entre outros cite-se a propósito o que foi também reiterado ―no Acórdão n.º 467/91 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992), onde se afirmou: «[…] esse espaço de conformação [o espaço de conformação do legislador em matéria de custas] tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da proporcionalidade vem aqui «alicerçar um controlo jurídico-constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa» (J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274).

XIII – Termos em que, se considera ser da mais elementar justiça que seja determinada por Vossas Excelências a dispensa do remanescente da taxa de justiça - na parte excedente ao valor processual da ação, excedente de € 275.000,00 como dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, na versão da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que ―nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar”.

XIV – Ora, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, caberá a Vossas Excelências dispensar esse pagamento, como se remeteu a apreciação.

Termos em que, concedendo-se provimento ao pedido se fará a costumada justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                 *

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual refere que:

Analisando os autos, entendemos que o recurso apresentado pela ”J..... SGPS, S.A." deverá proceder.

Desde já se renova aqui o parecer do M°P° constante de fis. 587 e seg., assim como se acompanha, na integra, o alegado pela própria recorrente, que se nos afigura suficientemente fundamentado e correctamente formulado, sendo susceptível de pôr em causa os argumentos utilizados pela douta sentença sob recurso para concluir pela improcedência da impugnação.

No que concerne ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, afigura-se-nos que o mesmo não deve conhecido, urna vez que a Fazenda Pública não tem legitimidade para interpor recurso.

De facto, a douta sentença em recurso julgou a impugnação improcedente, por não provada e condenou a impugnante "J..... SGPS, S.A." nas custas.

Deste modo, a Fazenda Pública não ficou vencida na acção e que não teve qualquer prejuízo com a decisão nela proferida.

Nos termos do art. 141° do C.P.T.A., aplicável a estes autos por força do disposto no art. 2°, ai. c) do C.P.P.T., pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido.

Por outro lado, nos termos do art. 140° do mesmo C.P.T.A., os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil.

Ora, nos termos do art. 631° do C.P.C., os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido ou, não sendo parte principal, por quem seja directa e efectivamente prejudicada pela decisão.

Quer isto dizer que só quem é parte na causa e é vencido ou quem, não sendo parte, é directa e efectivamente prejudicado pela decisão tem legitimidade para interpor recurso.

No caso dos autos, a Fazenda Pública não teve qualquer tipo de prejuízo com a acção, sendo certo que tem ainda direito a receber as custas de parte a que se referem os art. 25° e 26° do R.C.P.

Como decorre do art. 641° n° 5 do C.P.C. (aplicável "ex vi" do art. 2°, al. e), do C.P.P.T.), o despacho que admite o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida sobre a questão da legitimidade da Fazenda Pública para interpor recurso quanto á decisão proferida nestes autos.

Assim, sendo Fazenda Pública parte principal nestes autos e não tendo ficado vencida e não tendo sido prejudicada pela douta decisão neles proferida, a mesma não tem legitimidade para interpor o recurso como o fez.

De tal sorte, o recurso por ela interposto não deverá ser admitido.

Nestes termos, somos do parecer que o recurso interposto pela "J..... SGPS, S.A." deve proceder, devendo a douta decisão sob recurso ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação procedente e que, no que respeita ao recurso interposto pela Fazenda Pública, seja revogado o douto despacho que admitiu o recurso e substituído por outro que julgue a Fazenda Pública parte ilegítima para recorrer da douta sentença sob recurso.”

                                   *

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença proferida nos autos a Mª Juiz apurou os seguintes factos:

A) A impugnante exerce a sua actividade na área da gestão de participações sociais (cfr. art.º 25ºda p.i. e ponto nº 1.1.1 do relatório da IT, a fls. 59 e 100 vº dos autos);

B) Por despacho de 29/05/2003 do Director-Geral, em resposta a pedido de informação vinculativa formulado por uma sociedade do “G.....” foi reiterado o entendimento segundo o qual, no âmbito do instituto da eliminação da dupla tributação económica, verificados que estejam todos os requisitos legalmente exigidos, nada obsta a que a dedução a que se refere o artigo 46º do Código do IRC aproveite à entidade requerente, relativamente aos dividendos que vier a receber (cfr. art.º 65º da p.i.; e documento de fls. 262 a 263 dos autos);

C) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa em sede de IRC, iniciada em 12/03/2008, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, ao exercício de 2005, no montante de 4.070.000,00 € (cfr. relatório de inspecção de fls. 99 a 189 dos autos);

D) No âmbito da acção de inspecção foram identificadas diversas operações que tiveram como intervenientes quatro sociedades: J....., SGPS, SA (NIPC .....), H....., Lda. (NIPC .....), F..... (sociedade sedeada nas ilhas Channel) e F....., Lda. (sediada na Zona Franca da Madeira, NIPC .....) (cfr. relatório de inspecção de fls. 99 e segs.);

E) A sociedade “H....., Lda.”, tem sede na Madeira e encontra-se isenta de IRC nos termos do art.º 33º, nº 1, alínea h) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo o seu capital detido em 99,99% pela J..... (cfr. relatório da IT, nº 1.1.2, a fls. 101 dos autos);

F) A sociedade “F.....” é uma sociedade sedeada nas Ilhas Channel, regida pelas leis de Jersey, sendo por tal facto considerada como entidade não residente (cfr. relatório da IT, nº 1.1.3, a fls. 101 dos autos).

G) A sociedade “F....., Lda.”, constitui um sujeito passivo em sede de IRC, isenta de imposto, pelo facto de se encontrar licenciada para o exercício das suas actividades na Zona Franca da Madeira, nos termos do art.º 33º, nº 1, alínea h) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tendo por objecto: Prestação de serviços nas áreas de contabilística e económica, elaboração de estudos económicos e de análise, assim como consultadoria nas referidas áreas; a gestão da sua carteira de títulos próprios; a compra de imóveis para revenda (cfr. relatório da IT, nºs 1.1.4, 1.1.4.2, 1.1.4.3, a fls. 101 vº a 102 vº e 124 a 128 dos autos).

H) Desde 16/05/2001 que o capital da sociedade “F....., Lda.”, pertence em 100% à empresa J..... (cfr. relatório da IT, nº 1.1.4..4, a fls. 102 vº e certidão de 124 a 126 dos autos).

I) Os membros dos órgãos sociais da “F....., Lda.”, (doravante F.....) sucessivamente designados pelas deliberações de 16/05/2001, de 26/02/2002 e de 25/03/2002, estão ligados ao “G.....” nos termos que seguidamente se enunciam:

- F.....s, exerceu funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 25/03/2002, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente nos anos de 2001 a 2007 pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100% (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122; e fls. 129 a 130 dos autos);

- R....., exerceu funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 14/09/2001, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente nesse período pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100% (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

- L....., exerce funções de gerente da F..... desde 26/02/2002, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente entre os anos de 2001 e 2007 pela sociedade J.....; desempenha ainda desde 2002 as funções de gerente da H....., L.da, participada directamente pela J..... em 99,99% (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 e 129 a 130 dos autos);

- A....., exerce funções de gerente da F..... desde 26/02/2002, tendo sido remunerada a título de trabalho dependente entre os anos de 2002 a 2007 pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100%; desempenha ainda funções de gerente desde 2002 na H....., L.da, participada directamente pela J..... em 99,99% (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

- J....., exerceu funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 20/09/2001, tendo sido remunerado nesse período a título de trabalho independente pela sociedade J....., e a título de trabalho dependente pela sociedade J....., SA, participada directamente pela JJ..... em 100%; desempenhou igualmente funções de gerência na H....., L.da, (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

- F....., exerceu funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 25/03/2002, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente nesse período pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100% (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

- P....., iniciou as funções de gerente da F..... em 25/03/2002, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente desde o ano de 1998 até 2005 pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100%; desde 2002 que exerce as funções de Vogal do Conselho de Administração nesta sociedade (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs.dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

- H....., iniciou também as funções de gerente da F..... em 25/03/2002, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente desde o ano de 2001 pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100%; a partir de 2002 exerce ainda funções de Vogal do Conselho de Administração na sociedade J....., SA, participada directamente a 100% pela J..... (cfr. relatório da IT, nº 1.2, a fls. 103 e segs. dos autos; esquema gráfico de participações sociais do G....., a fls. 122 dos autos; e fls. 129 a 130 dos autos);

J) A actividade da F....., Lda., para o que de relevante importa aos presentes autos, caracterizou-se do seguinte modo:

- Nos exercícios de 2001 a 2003 a rubrica “Investimentos Financeiros” representava 99% do total do Activo da empresa, totalizando 173.105.515,72 €, valor que correspondia ao saldo final a 31 de Dezembro de cada um dos respectivos exercícios (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 4, a fls. 105 e segs. dos autos);

- Os investimentos financeiros referidos, correspondem em exclusivo a empréstimos obrigacionistas concedidos à sociedade F....., residente nas Ilhas Channel, reembolsados no final do ano de 2004, passando então o saldo desta rubrica a ter um valor nulo (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 4, a fls. 105, 131 e 134 a 148;

- No ano de 2001 foram também contabilizados na rubrica “Investimentos Financeiros” dois depósitos em GBP, cada um no valor de £ 10.000.000,00, levantados antes de 31 de Dezembro desse ano de 2001 (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 4, a fls. 105 vº, 131 e 134 a 148);

- No final de 2004 a rubrica “Outras aplicações de tesouraria -curto prazo” passou a representar 99,46% do valor total do Activo, em resultado da aplicação parcial dos fundos recebidos pela F....., na sequência do reembolso do empréstimo obrigacionista e em 2005, na sequência do fim da referida aplicação de fundos o Activo passou a ser composto apenas pelas rubricas “depósitos bancários” e “dívidas de terceiros”, totalizando 36.089,19 € (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 5, a fls. 105 vº dos autos e fls 131);

J) No período entre os anos de 2001 e 2005 a F..... não possuía imobilizado corpóreo nem incorpóreo (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 6, a fls. 105 vº e 131);

K) Os custos suportados pela F..... no período de 2001 a 2004 representaram, em média, 0,07% do total dos proveitos registados nos respectivos exercícios e em 2005 o total dos custos passou a representar 30,40% do total dos proveitos em consequência da variação negativa de 99,78% registada (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 7, a fls. 105 vº a 106 e 131);

L) A F....., no período de 2001 a 2005, não suportou qualquer encargo com pessoal (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 9, a fls. 106 e 131);

M) A sede social da F..... encontra-se localizada nas instalações da empresa “N....., SA”, suportando a F..... a título de inerentes encargos o montante anual de 900,00 €, o qual inclui, para além da ocupação do espaço, consumos de água, de electricidade, e ainda outros custos associados à respectiva manutenção (cfr. relatório da IT, nº 1.3, ponto 10, a fls. 106 e 106vº, 131 e 139 a 141);

N) Por contrato celebrado 05/09/1997, a sociedade “H....., Lda.”, efectuou dois financiamentos obrigacionistas à “FF.....”, um no montante de 18.796.752.000$00 (93.757.803,69 €), e um outro no montante de 15.907.788.000$00 (79.347.712,01 €), tendo em contrapartida a F..... emitido obrigações de taxa fixa e de taxa variável (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 1, a fls. 107vº e 108 dos autos; e art.º 54º da p.i.);

O) Na mesma data - 05/09/1997 -, a “H....., Lda.”, celebrou dois contratos de depósito com o Banco ABN, cada um dos quais no valor de GBP 10.000.000,00 (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 2, a fls. 108 dos autos);

P) Em 12/06/2001 foi celebrado entre a “H....., Lda.”, e a F....., um contrato de compra e venda de obrigações e de cessão de posição contratual, através do qual a F..... adquiriu à H..... as obrigações emitidas pela F..... e todos os direitos acessórios, incluindo os juros vencidos desde 01/01/2001, bem como a posição da H..... nos contratos de depósito efectuados no Banco ABN referidos na alínea O) supra, pelo preço global de 41.577.873.620$00/207.389.559,26 € (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 3, a fls. 108, 133 vº e 134 a 135 dos autos; e art.º 54º da p.i.);

Q) No contrato referido na alínea antecedente outorgaram em representação de ambas as sociedades J..... e R..... (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 4, a fls. 108 e 136);

R) Em 15/06/2001, a J....., a título de realização de prestações suplementares de capital, efectuou, através do Banco ABN, uma transferência no montante de 207.390.189,64 €, para a conta da F..... (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 5, a fls. 108 vº dos autos e fls. 137 a 138);

S) Na mesma data referida na alínea anterior - 15/06/2001 -, também através do Banco ABN, a F..... transferiu o montante de 207.389.559,26 € para a conta da H..... (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 6, a fls. 108vº dos autos e fls. 139 a 141 e 142);

T) Em 22/12/2004 a F..... procedeu ao reembolso integral dos empréstimos obrigacionistas concedidos pela F..... (cfr. relatório da IT, nº 3.2.2- b), 1., a fls. 112vº e 113 dos autos);

U) A F....., seguidamente, procedeu ao reembolso integral das prestações suplementares recebidas do seu sócio único - a J..... – (cfr. relatório da IT, nº 3.2.2-b), 1., a fls. 113 dos autos);

V) Os empréstimos obrigacionistas concedidos à F..... renderam juros à F....., no período de 2001 a 2004, que ficaram isentos de IRC face ao regime de tributação da empresa, em 2003 no montante de 6.616.950,23 €, e em 2004 no montante de 6.210.193,89 € (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 7, a fls. 108vº e 143);

W) A F..... distribuiu lucros à J..... no exercício de 2004, nos montantes de 4.374.000,00 € e de 2.124.000,00 €, correspondentes a lucros de 2003 e a lucros antecipados de 2004, totalizando o montante global de 6.498.000,00 € (cfr. relatório da IT, nº 2.2, ponto 8, a fls. 108 vº dos autos);

X) A F..... distribuiu lucros à J....., no exercício de 2005, no total de 4.070.000,00, correspondentes a lucros disponíveis de 2004 (cfr. relatório IT, nº 2.2, ponto 9, a fls. 109 dos autos);

Y) Em 20/05/2008 a impugnante foi notificada do projecto de relatório para exercer o direito de audição prévia (cfr. art.º 3º da p.i.; e documento de fls. 194 a 239 dos autos).

Z) A impugnante exerceu o direito de audição prévia, nos termos constantes de fls. 240 e segs. dos autos);

AA) Mediante despacho do Director – Geral dos Impostos, proferido em 08/07/2008 e exarado no Relatório nº ....., foi autorizada a aplicação da norma legal anti-abuso prevista no art.º 38º da LGT (cfr. fls. 99 vº dos autos);

BB) As correcções mencionadas na alínea C) supra foram efectuadas com a seguinte fundamentação, que aqui se transcreve, em síntese, na parte com interesse para a decisão:

3. APLICAÇÃO DAS NORMAS ANTI-ABUSO

3.1 ENQUADRAMENTO LEGAL

A Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei 398/98 de 17 de Dezembro e com entrada em vigor em 1999/01/01, contemplava, no seu art.° 38.°, uma cláusula anti-abuso com a seguinte redacção:

“A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.”

Com a Lei n.° 100/99 de 26 de Julho, o referido art.° 38.° da LGT, passou a ter a seguinte redacção:

“1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

2 - São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que, a tributação recai sobre estes últimos.

Posteriormente, com a Lei n.° 30-G/2000 de 29 de Dezembro, foi alterada a redacção do n.° 2 do art.° 38.° em questão, que passou a referir:

“2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando -se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

Por outro lado, a disposição que o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) consagra à aplicação das normas anti-abuso, nomeadamente através do n.° 2 do art.° 63.° que refere que, as disposições anti-abuso consistem em “quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos”.

Esta legislação tem aplicabilidade sempre que as empresas praticam uma série de actos anómalos, desadequados face ao fim económico pretendido, mas que em si mesmo são legais e produzem o mesmo resultado económico (mas não fiscal) dos actos usuais e adequados que estão definidos nas normas de incidência de IRC.

3.2 SUBSUNÇÃO DOS FACTOS À LEI

Os actos que a Administração Tributária classifica como inseridos no n.° 2 do art.° 38.° da Lei Geral Tributária, não têm como propósito a poupança fiscal, mas sim uma actuação contra os fins essenciais do ordenamento jurídico-tributário. O que se pretende neste caso é combater a elisão fiscal, concretizada em actos jurídicos formalmente lícitos. De facto os lucros distribuídos pela F..... à J....., constituem a prática de um acto com a intenção de obter rendimentos isentos de tributação, através de um acto jurídico formalmente lícito, que de outra forma, mais concretamente sob a forma de juros obtidos, estariam sujeitos a efectiva tributação.

De acordo com a legislação descrita, os lucros distribuídos pela F..... à J....., constituem actos dirigidos, por meios artificiosos, através da utilização desnecessária da empresa F....., e com abuso das formas jurídicas, à eliminação de imposto que seria devido se os juros provenientes dessa aplicação de capital fossem devidamente contabilizados na esfera da J....., e que, sem a utilização de uma empresa, sua participada, que beneficia de um regime fiscal temporário e favorável, seriam correctamente tributados em sede de IRC na esfera da J....., na medida em que concorreriam para a formação do seu resultado fiscal.

Efectivamente, a J....., ao transformar os juros do capital que aplica, em lucros distribuídos por uma empresa sua participada isenta de IRC, produz um efeito de fuga ao imposto, pois este seria exigido se a empresa tivesse optado por uma aplicação directa, com resultados económicos equivalentes. No caso em concreto, J..... obtém rendimentos sob a forma jurídica de lucros que lhe foram distribuídos, quando na realidade os mesmos consistem pura e simplesmente em juros resultantes dos empréstimos efectuados à empresa F......

A utilização da F..... nestas operações financeiras não constitui qualquer mais - valia, incorporando este conceito qualquer vantagem negocial que a sua intervenção poderia acarretar para qualquer das partes intervenientes, numa clara alusão de que a sua utilização teve como única e principal finalidade um aproveitamento abusivo das formas legais com o intuito de obter rendimentos que, sem o uso de tais formas, ficariam sujeitos e não isentos de tributação.

3.2.1 Intervenção da F.....

A utilização da F..... no referido contrato de empréstimo, teve um único, claro e inequívoco objectivo: a eliminação da carga fiscal sobre os respectivos juros, traduzida, na esfera da sociedade J....., numa redução significativa da base tributável a considerar nos exercícios de 2001 a 2005.

Com efeito, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 46.° do CIRC, a J....., deduziu para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2005, os lucros distribuídos pela F..... (Anexo XVI, fls. 51), contabilizados em proveitos, no total de 4.070.000,00 Euros (incluídos no montante de 52.114.971,50 Euros, inscrito no campo 232 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos Mod. 22 de IRC), operando assim uma redução de igual montante no valor a tributar naquele exercício.

3.2.2 Actividade Exercida pela F.....

A F....., conforme descrito no ponto 1.1.4. deste relatório está habilitada a desenvolver diversas actividades de índole económico-financeira. Contudo, a única actividade que a sua contabilidade regista, consiste na aplicação que a mesma faz das prestações suplementares de capital entregues pelo sócio único J...... Conforme já referido na alínea 8 do ponto 1.3, a aplicação de tesouraria efectuada pela F..... em 2004/12/22 que no s exercícios de 2004 e 2005 lhe rendeu juros no valor de 2.374,17 Euros e 14.482,41 Euros, respectivamente, encontra-se também directamente relacionada com a dita aplicação das prestações suplementares de capital realizadas pela J....., porquanto resulta da aplicação de fundos conexos com o reembolso do empréstimo (capital e juros), recebido da F...... De facto, do total de 174.469.278,69 Euros recebido pela F..... na sequência do reembolso do empréstimo concedido à F....., apenas 170.398.404,05 Euros se destinaram ao reembolso de Prestações Suplementares, sendo o restante canalizado para uma aplicação de tesouraria enquanto a F..... não procede à sua distribuição ao sócio sob a forma de lucro.

Nos pontos seguintes ficará demonstrado o quanto era dispensável o envolvimento da F..... nas operações financeiras de que tomou parte, a saber:

a) A F..... tem como única actividade a concessão de empréstimos financeiros à entidade não residente F...... O capital emprestado tem como única e exclusiva origem de fundos, o valor da prestação suplementar de capital realizada em Junho de 2001 pelo sócio único, J...... Essa actividade gera rendimentos sob a forma de juros que, no próprio exercício (lucros antecipados), e no exercício seguinte, após deliberação tomada em Assembleia-Geral, são distribuídos ao sócio sob a forma jurídica de participação nos lucros.

b) Em termos concretos a F..... obtém um rendimento mínimo com os empréstimos concedidos que celebra, como se demonstra:

1. Em 2001 a J..... transfere da sua conta no ABN * AMRO BANK NV - Sucursal em Portugal, um determinado montante com data-valor de 2001/06/15, para uma conta da mesma instituição bancária, cujo titular é a F...... Dessa conta a F....., efectua para outra conta do ABN, cujo titular é a H....., uma transferência de montante um pouco inferior e com a mesma data-valor. No mês de Março dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, idêntica transferência de fundos é efectuada a partir da conta da J..... no ABN * AMRO BANK NV, desta feita para a conta da F..... no HBU - Hollandsche Bank Unie, NV, da qual, com a mesma data-valor e a título de distribuição de lucros, são transferidos -juntamente com o montante relativo a juros vencidos na mesma data - para a conta da J..... no banco ABN. Nestas operações de transferência de capital de umas contas para as outras, uma vez que a data-valor e os montantes envolvidos são praticamente iguais, a F..... não obtém qualquer juro pela permanência do capital na sua conta. Ressalve-se que em 2004/12/22, a F..... procedeu ao reembolso integral dos empréstimos concedidos pela F....., tendo esta sociedade, com o fluxo financeiro recebido, procedido ao reembolso integral das prestações suplementares recebidas do seu sócio único, utilizando o montante remanescente para efectuar uma aplicação de tesouraria de curto prazo.

2. O rendimento que esse capital aplicado gera à F..... também ele não tem reflexos visíveis na contabilidade desta empresa. De acordo com o Anexo XVII, fls. 53, é possível constatar que os resultados líquidos apurados nos exercícios de 2003 e 2004 pela F....., correspondem em média a 99,93% dos juros obtidos com os empréstimos concedidos à F..... e que os resultados líquidos do exercício são distribuídos praticamente na sua totalidade ao seu sócio único J......

3. Para além das razões supra invocadas e dado que a F..... não apresenta necessidades de tesouraria, facilmente se constata que as prestações suplementares de capital apenas se revelam necessárias, na medida da concessão de empréstimos que poderiam ser efectuados directamente pela sociedade J......

4. Da análise efectuada à estrutura do Balanço e da Demonstração de Resultados da sociedade F....., no período de 2001 a 2005, conjugado com a informação prestada por escrito em resposta à notificação pessoal efectuada em 2007/05/10, verifica-se que a mesma não possui quaisquer meios físicos na sede social (inexistência de valores registados nas contas 42 – “lmobilizações Corpóreas' e 44 - 'lmobilizações em Curso'), consubstanciada na ausência de instalações próprias ou arrendadas para efectuar “prestações de serviços nas áreas contabilística e económica, elaboração de estudos económicos e de análise, assim como consultadoria, nas referidas áreas, gestão da sua carteira de títulos próprios e compra de imóveis para revenda”, conforme descrição do objecto de sociedade constante da certidão emitida em 2006/07/05 pela Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira.

5. Relativamente a meios humanos, também facilmente se constata que a F..... não procedeu à contratação ou subcontratação de funcionários ou empresas especializadas na área de Recursos Humanos. De facto, nas Demonstrações de Resultados, relativas aos exercícios de 2001 a 2005, não consta qualquer custo com pessoal afecto à empresa (a conta 64 - 'Custos com Pessoal' não evidencia quaisquer valores, no referido período), a que acresce o facto de os Gerentes nomeados, terem sido no decurso dos seus mandatos, remunerados em sede de IRS - categoria A – trabalho dependente, pela J..... ou pela J....., detida a 100% por aquela, não auferindo, de acordo com as actas das Assembleias Gerais, qualquer remuneração pelo exercício das funções inerentes ao cargo de gerência da F......

No que respeita à Técnica de Contas, Maria Helena Garcia Mendes, responsável pela contabilidade da sociedade F..... no período de 2001 a 2005, constata-se que, durante o exercício das suas funções, foi igualmente remunerada, em sede de IRS - categoria A -trabalho dependente, pela J......

Estes factos mostram inequivocamente que os serviços de gestão e contabilidade são efectuados pelas empresas do G....., mais concretamente nas suas instalações e pelos seus funcionários. Esta situação é corroborada pela análise efectuada às facturas emitidas pela N..... (empresa onde se encontra instalada a sede da F.....), onde apenas são debitados à F....., os custos associados a despesas com faxes, selos, fotocópias, prestação de serviços de secretariado inerente a estes custos e o valor relativo à sede social.

c) O facto de existir coincidência de datas entre a realização da primeira prestação suplementar efectuada pelo sócio único e a tomada de posição contratual assumida pela F..... relativamente quer às obrigações emitidas pela F..... quer aos contratos de depósito, evidencia que a J..... é a entidade decisora e gestora das operações de financiamento.

d) O envolvimento de pessoas do G..... ligadas a estas operações financeiras é tão elevado, que não existe outra razão senão a fiscal para a utilização da F..... como parte interveniente nestes negócios. Na celebração do contrato de compra e venda de obrigações e de cessão de posição contratual com a H..... (descrito no ponto 2.2 deste relatório), no qual a F..... assume o direito de ser reembolsada dos empréstimos originariamente concedidos pela H..... à F..... (2001/06/12), assinaram por parte da F....., os senhores J..... e R..... que, fazendo parte do corpo de gerentes da F....., foram remunerados em sede de Categoria A de IRS - Trabalho Dependente pela J....., SA, participada directamente em 100% pela J......

Para além de serem gerentes da F....., os referidos senhores, pertenceram igualmente ao corpo de gerência da H....., exercendo o Sr. R..... ainda a gerência das sociedades E....., Lda - Zona Franca da Madeira e P.....                                       , Lda - Zona Franca da Madeira, empresas estas participadas maioritariamente pela J......

Perante estes factos é legítimo considerar que os empréstimos concedidos à F.... constituem operações financeiras efectuadas com origem no seio do grupo, pelo que não se poderá invocar que a intervenção da F..... era indispensável à realização das operações.

e) A F..... ao não dispor de quadros, especializados ou não, e ao não subcontratar qualquer entidade externa ficaria teoricamente inibida de realizar as operações atrás descritas. Mas na realidade estas operações foram de facto realizadas, tal como anteriormente ficou demonstrado. Contudo, e tal como se provou inequivocamente, estas operações foram pensadas e implementadas pelos sócios da sociedade, na medida em que esta nunca possuiu ou possui capacidade, know-how e meios humanos para levar a cabo a concessão/celebração e posterior gestão destes financiamentos que em seu nome efectuou.

À situação descrita no parágrafo anterior, acresce o facto de a F..... não ter, nem nunca ter tido, qualquer capacidade física ou funcional, para desenvolver qualquer actividade. Nesse sentido, é inequívoco que as aplicações de capital efectuadas pela F....., são na realidade aplicações de capitais eminentemente da sociedade J......

3.3 SÍNTESE

Importa realçar e clarificar que não é a constituição da F....., enquanto empresa, que a Administração Tributária coloca em causa, mas tão somente os juros que ela regista na sua contabilidade como sendo seus quando na realidade pertencem na totalidade à J..... que os incorpora nos seus proveitos sob a forma de lucros distribuídos.

Importa ainda salientar que a J....., poderia por si só efectuar os empréstimos à F....., uma vez que, quer os meios financeiros, quer os meios humanos, quer ainda os meios estruturais são sua pertença ou de entidades que controla. Nesse sentido, o acto jurídico[1] colocado em questão pela Administração Tributária, encontra-se relacionado com o recebimento de lucros por parte da J....., que deveriam, face aos elementos provados no presente relatório, consubstanciar-se inequivocamente como recebimentos de juros.

Face a esta situação, a J..... procedeu indevidamente à dedução do referido proveito (lucro distribuído pela F.....) por força de um normativo legal que não terá aqui aplicabilidade (art.° 46.° do CIRC), não concorrendo as importâncias recebidas para a formação do resultado fiscal, quando de facto deveriam as mesmas influenciar positivamente aquele resultado.

4. CONCLUSÕES

4.1 DOS FACTOS

Perante os factos descritos exaustivamente nos parágrafos anteriores e atendendo, nomeadamente a que:

a) A F..... não possui qualquer tipo de estrutura física, própria ou arrendada;

b) A F..... não contratou ou subcontratou pessoal para realizar tarefas próprias e subjacentes a qualquer dos negócios constantes do objecto social da empresa c) Os seus gerentes foram e/ou são funcionários das empresas que constituem o G.....;

d) Eram os gerentes que detinham o Know-How para a celebração dos contratos de empréstimo, pois quando os mesmos foram celebrados, os gerentes da F....., desempenhavam nas referidas datas, funções como quadros superiores do G.....;

e) Os proveitos gerados na esfera da F..... não têm como finalidade incrementar a estrutura económico-financeira da empresa, dado que os mesmos são transferidos na sua totalidade para o seu sócio único, J.....;

Conclui-se que o contrato que a F..... celebrou com a H....., inerente à aquisição de obrigações da sociedade F....., poderia ter sido perfeitamente celebrado pela J....., não acarretando esse cenário qualquer desvantagem para esta que não fosse a tributação em sede de IRC dos juros provenientes desses empréstimos que necessariamente iria receber. Neste contexto, não pode a J..... invocar qualquer outra razão, seja ela de natureza financeira, comercial ou outra, que não seja a fiscal, para a utilização da F..... como intermediária nestas operações de aplicação de capital.

Claramente fica comprovado que a intervenção da F....., na aplicação de capital por parte da J..... em empresa não residente, é completamente desnecessária e que a J....., utilizou para o efeito, uma empresa sua participada instalada na Zona Franca da Madeira, para desse facto isentar de imposto, proveitos que contabilizados devidamente e tratados sob a forma jurídica normal, na esfera da J....., seriam tributados em sede de IRC.

4.2 ENTENDIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

De referir, que a Administração Tributária não coloca em causa a utilidade ou necessidade de o contrato ter sido celebrado, ou tão pouco os meios postos em prática para a sua realização. O que a Administração Tributária não aceita é a manipulação da forma jurídica de que foram alvo os rendimentos provenientes da aplicação de capitais por parte da sociedade J....., quando esta os classifica na sua esfera como lucros distribuídos pela F..... não como juros.

Os rendimentos que contribuíram para a formação dos lucros distribuídos pela F..... à J..... em 2005, respeitam a juros obtidos com a concessão de empréstimos, pelo que os mesmos deveriam constituir proveitos financeiros da J....., em observância ao estipulado na alínea c) do n.° 1 do art.° 20.° do CIRC, influenciando dessa forma positivamente e por igual montante, o respectivo lucro tributável (sem possibilidade de dedução no Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos, Mod. 22 de IRC).

Os factos acima expostos, consubstanciam que os montantes atribuídos a título de lucros distribuídos pela F..... à J....., correspondem à remuneração da aplicação de capital por parte da J....., com a obrigatoriedade de o proveito subsequente ser efectivamente tributado em sede de IRC, na sua esfera, nomeadamente nos termos da alínea c) do n.° 1 do art.° 20.° do CIRC.

Saliente-se que, apesar dos empréstimos F..... e F..... em questão terem sido integralmente reembolsados pela F..... à F..... em 2004/12/22, os factos analisados e geradores do presente relatório continuam a produzir efeitos em 2005, uma vez que, neste exercício, a F..... procede à distribuição ao seu sócio único J....., do lucro disponível de 2004, lucro esse que conforme ficou comprovado, é na sua quase totalidade, composto pelos juros decorrentes dos referidos empréstimos.

Assim, mo âmbito do procedimento adoptado pelo sujeito passivo, anteriormente descrito, foi indevidamente deduzido para efeitos de apuramento do Iucro tributável do exercício de 2005 (Campo 232 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos, Mod. 22 de IRC), o valor relativo aos "lucros distribuídos" pela F....., no montante de 4.070.000,00 Euros.

4.3 APLICABILIDADE DA CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO

Os relatos anteriormente apresentados permitem enquadrar os actos no estatuído no n.° 2 do art.° 38.° da Lei Geral Tributária, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos de aplicação da cláusula geral anti-abuso, consubstanciados em diversos elementos, que no entender de Gustavo Lopes Courinha[2], são quatro:

. a forma utilizada - elemento meio;

. a vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas - elemento resultado;

. a motivação do contribuinte - elemento intelectual;

. a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida - elemento normativo.

Senão vejamos,

1. O elemento meio encontra-se previsto nos factos descritos, uma vez que a opção escolhida pelo contribuinte, recebimento de lucros em vez de juros, teve como objecto a obtenção de uma vantagem fiscal. De facto, ao distorcer a operação, tal como se demonstrou durante o presente relatório, através da utilização artificiosa de uma empresa (F.....) na referida operação e através do consequente tratamento, indevido, dos proveitos inerentes à operação como lucros distribuídos, a J....., consegue anular a carga fiscal a que a operação em causa, em condições normais estaria sujeita. Estes factos encontram-se exaustivamente apresentados ao longo do presente relatório.

2. O elemento resultado encontra-se presente quando “…se comprove a característica especial da equivalência de resultados não fiscais, a que não corresponde uma equivalente oneração tributária”, verificando-se tal equivalência quando os actos praticados possam ser substituídos nos efeitos pelos actos normais tributados. Ora tal sucede no caso presente, conforme foi demonstrado nas alíneas b), c), d) e e) do ponto 3.2.2, a J..... poderia realizar a operação sem a F....., obtendo os mesmos rendimentos económicos.

3. O elemento intelectual, ou seja a necessidade de que as escolhas e formas adoptadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre este (resultado não fiscal)"[3], encontra-se demonstrada ao longo do relatório no qual ficou evidenciado que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um predominante fim fiscal ver ponto 3.2 -, em que se provou que os lucros recebidos na esfera da J..... se consubstanciam de facto como remuneração do capital aplicado por esta empresa, e consequentemente como juros, conforme se constata pelos Anexos Vl a XVll.

4. O elemento normativo, ou seja a existência de "...uma reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, quando confrontado com a intenção ou espírito da lei, do Código do Imposto em causam". Tal reprovação existe, pois com estas operações, o sujeito passivo procura evitar que sejam tributadas situações que a lei fiscal visa tributar, como é o caso dos juros. Acresce que o sujeito passivo procura beneficiar de uma vantagem fiscal de dedução dos rendimentos obtidos resultantes de lucros distribuídos, não estando seguramente no espírito do legislador a utilização deste mecanismo em situações criadas com intuito de utilizar abusivamente este normativo, facto conseguido, tal como se demonstra no presente relatório, através da transformação de juros em lucros distribuídos.

O contorno da lei permitiu ao contribuinte atingir efeitos económicos equivalentes sem ser tributado, prejudicando apenas uma terceira pessoa - o Estado.

Na realidade o que se verificou foi unicamente uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado a inexistência de qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção da empresa F..... em toda a operação descrita, que não a referida poupança fiscal, com a totalidade dos benefícios económicos a decorrer para o Sujeito Passivo.

Os caminhos escolhidos pelo Sujeito Passivo para obter os resultados pretendidos não são suportados por qualquer razão económica válida mas apenas a busca de vantagens fiscais, pelo que se efectivou aqui a reposição da verdadeira situação e a tributação de acordo com as normas que devem ser aplicáveis.

Verificados que estão os requisitos para a aplicação do n.° 2 do art.° 38.° da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários do recebimento de lucros e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros.

Tal consubstancia-se na desconsideração da dedução prevista no art.° 46.° do CIRC e na tributação dos juros com base no art.° 20.°, n.° 1, alínea c) do mesmo Código, no montante de 4.070.000,00 Euros, relativamente ao exercício de 2005 (Anexo XVI, fls. 51).

Nesse sentido e em consequência, encontram-se verificados os pressupostos constantes do n.° 2 do art.° 63.° do CPPT, pelo que nos termos dos n.°S subsequentes da mesma norma, elaborou-se o presente relatório, contendo os elementos referidos no n.° 9 do referido dispositivo legal, que se remetem ao sujeito passivo no sentido de ser dado cumprimento ao direito de audição prévia previsto nos n.°s 4 e 5 do art.° 63.° do CPPT.” (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 99 e segs. dos autos).

CC) Na sequência das correcções efectuadas, em 20/10/2008 foi emitida a liquidação de IRC n.º ....., no montante de 101,23 € (cfr. fls. 192);

DD) Posteriormente foi emitida a demonstração de acerto de contas nº 2....., no montante de 101,23 €, com data limite de pagamento em 14/01/2009 (cfr. fls. 193 dos autos).

EE) A Impugnação foi remetida ao Tribunal, por fax, em 15/01/2009 (cfr. carimbo a fls. 2 dos autos).

Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito.

Motivação

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e no depoimento das testemunhas.”

                                  *

[Fundamentação de direito 1.ª instância]

Para a doutrina, “é inerente à racionalidade económica … a minimização dos impostos a suportar[4]”, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil de vislumbrar.

Nesta linha de busca das formas possíveis de minimização dos impostos a doutrina aponta três vias: a gestão ou planeamento fiscal; a evasão ou elisão fiscal; e a fraude fiscal.[5]

A primeira delas consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais[6]. No dizer de outro autor, “dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação”[7], tendo como limite da sua pretensão minimizadora “a fraude à lei”[8].

A segunda via – da evasão ou elisão fiscal – caracteriza-se pela “prática de actos ou negócios lícitos mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente ou serem anómalos, anormais ou abusivos”[9], também caracterizados como comportamentos “extra legem”, em contraposição com a via da fraude fiscal, caracterizada como “contra legem”. Dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadania, situações que se fundam em causas de carácter político, económico, psicológico e técnico. As formas utilizadas giram em torno de actos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei – de que é exemplo a utilização do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (cfr. artº 69º e segs. do CIRC), através da produção de menos-valias ou da utilização de benefícios fiscais por via da transmissão de prejuízos - ou interpretando-a com fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente, designadamente aproveitando-se da “existência de jurisdições fiscais diferentes para escolher, apenas por motivações de diminuição do imposto a pagar, a localização mais favorável para a residência de pessoas singulares ou colectivas ou para nelas instalar “estruturas” que não desempenham outra função que não seja permitirem essa diminuição”[10].

A terceira via – da fraude fiscal – caracteriza-se pela realização de actos ou negócios ilícitos frontalmente contrários à lei fiscal, por isso mesmo também designados como “contra legem”. São exemplo desta via de minimização dos impostos a não entrega ao Estado dos tributos cobrados a terceiros, a obtenção de reembolsos de tributos indevidos, a alteração ou ocultação de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou de declarações fiscais, ou negócios simulados, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza.

É, pois, neste contexto, que os Estados se preocupam com a tomada de medidas visando combater os comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos através das designadas cláusulas específicas anti-abuso (de que são exemplo as normas contidas nos artigos 63º, 66º, e 67º, todas do CIRC), e cláusulas gerais anti-abuso (de que é exemplo a norma contida no artº 38º, nº 2 da LGT).

No caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto dada como provada:

- em 05/09/1997 a H....., sedeada na Madeira e detida em 99,99% pela J....., procedeu à movimentação de capitais através de empréstimos obrigacionistas junto da sociedade F....., sedeada nas Ilhas Jersey, em duas parcelas de 93.757.803,69 € e de 79.347.712,01 €, totalizando o montante de 173.105.515,70 €, verificando-se como contrapartida a emissão de obrigações pela F..... (cfr. alíneas E) e O) do probatório supra);

- em 12/06/2001, a H.....  celebrou com a F.....  – igualmente licenciada na Madeira, e detida a 100% pela J.....  – um contrato de compra e venda das obrigações e de cessão de posição contratual, através do qual a F.....  adquire à H.....  as obrigações em causa e todos os direitos acessórios, incluindo os juros vencidos desde 01/01/2001 e a posição da H.....  nos contratos de depósito celebrados com o Banco ABN, pelo preço global de 207.389.559,26 € (cfr. alíneas H) e Q) do probatório supra);

- o contrato de compra e venda das obrigações e de cessão de posição contratual acabado de referir foi celebrado em 12/06/2001 por J....., que exerceu funções de gerente da F.....  entre 16/05/2001 e 20/09/2001, tendo sido remunerado nesse período a título de trabalho independente pela sociedade J....., e a título de trabalho dependente pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J.....  em 100%, desempenhando igualmente funções de gerência na H....., e R....., que exerceu igualmente funções de gerente da F.....  entre 16/05/2001 e 14/09/2001, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente nesse período pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J.....  em 100% (cfr. alíneas I) e R) do probatório supra);

- três dias após a celebração do referido contrato de compra e venda das obrigações e de cessão de posição contratual entre a H.....  e a F....., portanto, em 15/06/2001, a J.....  efectuou, a título de realização de prestações suplementares, uma transferência para a conta da F.....  (a adquirente de todas as obrigações e direitos acessórios da H.....), no montante de 207.390.189,64 €, montante que a F.....  no mesmo dia transferiu através do Banco ABN para a conta da H..... [11] (cfr. alíneas S) e T) do probatório supra);

- a concessão dos empréstimos obrigacionistas à F.....  renderam juros à F....., que ficaram isentos de IRC, totalizando os montantes de 6.616.950,23 € em 2003, e de 6.210.193,89 € em 2004, tendo a aludida F.....  distribuído lucros à J..... no exercício de 2004, nos montantes de 4.374.000,00 € e de 2.124.000,00 €, totalizando o montante de 6.498.000,00 € e no exercício de 2005, no total de 4.070.000,00, correspondentes a lucros disponíveis de 2004 (cfr. alíneas V), W) e X) do probatório supra).

Estaremos então perante um comportamento fiscal abusivo da impugnante ?

Comecemos por ponderar se a Administração Fiscal ainda está em tempo de iniciar os procedimentos inspectivos próprios atinentes à situação em apreciação, ou se se encontra caducado o prazo para o efeito. Diga-se que tal questão foi já apreciada pelos tribunais superiores perante situações similares, tendo-se então concluído que “o art°.63, n°.3, do C. P. P. Tributário, na redacção da Lei 15/2001, de 5/6, sobre o prazo de caducidade estabelece que "O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti- abuso". Prossegue o douto aresto, a propósito, referindo que “Tendo presente que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art°.9, do C.Civil), pelo que, para determinar qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos, ao contrário do que entende a A., de que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti-abuso ao caso "sub Júdice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada), mas, uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de actos sujeito a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detectando o desenho elisivo.” Visando demonstrar a rectidão da sua posição, diz-se no citado acórdão que “Estamos aqui perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de actos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado. Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos, daí decorrendo que a disposição anti -abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva .” E em jeito de conclusão, diz-se ainda que “Visto que a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis (ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.), em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. (nos termos do art°.20, n°.1, al. c), do C.I.R.C.), se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002 e o procedimento de inspecção externa em consequência do qual foi estruturado o despacho objecto do presente recurso contencioso foi iniciado em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002, deve concluir-se que os procedimentos inspectivos foram iniciados em tempo, assim não ocorrendo a caducidade dos mesmos.” (cfr. títulos VII a X dos sumários do acórdão do TCA Sul de 15/02/2011, respeitante ao processo nº 04255/10, disponível in http://www.dgsi.pt).

Transportando para o caso em apreciação, estando em causa os lucros distribuídos à J..... no exercício de 2005, no montante de 4.070.000,00 € (cfr. alínea X) do probatório supra), e tendo presente que a acção inspectiva se iniciou em 12/03/2008 (cfr. alínea C) do probatório supra), não se encontra caducado o respectivo procedimento próprio (cfr. art.º 63º, nºs 1 e 3 do CPPT) nem se configura ilegal a liquidação do tributo com tal fundamento. Do mesmo modo, considerando a ocorrência dos factos tributários em 2005, como se considera, ao tempo encontrava-se também plenamente vigente o art.º 38º, nº 2 da LGT, cuja redacção fora introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, pelo que também por tal motivo não pode considerar-se ilegal a liquidação em causa.

Portanto, nesta parte não se pode dar razão à impugnante.

*

Entende a Administração Fiscal que “os lucros distribuídos pela F..... à J....., constituem a prática de um acto com a intenção de obter rendimentos isentos de tributação, através de um acto jurídico formalmente lícito, que de outra forma, mais concretamente sob a forma de juros obtidos, estariam sujeitos a efectiva tributação. De acordo com a legislação descrita, os lucros distribuídos pela F..... à J....., constituem actos dirigidos, por meios artificiosos, através da utilização desnecessária da empresa F....., e com abuso das formas jurídicas, à eliminação de imposto que seria devido se os juros provenientes dessa aplicação de capital fossem devidamente contabilizados na esfera J....., e que, sem a utilização de uma empresa, sua participada, que beneficia de um regime fiscal temporário e favorável, seriam correctamente tributados em sede de IRC na esfera da J....., na medida em que concorreriam para a formação do seu resultado fiscal. Efectivamente, a J....., ao transformar os juros do capital que aplica, em lucros distribuídos por uma empresa sua participada isenta de IRC, produz um efeito de fuga ao imposto, pois este seria exigido se a empresa tivesse optado por uma aplicação directa, com resultados económicos equivalentes. No caso em concreto, a J..... obtém rendimentos sob a forma jurídica de lucros que lhe foram distribuídos, quando na realidade os mesmos consistem pura e simplesmente em juros resultantes dos empréstimos efectuados à empresa F...... A utilização da F..... nestas operações financeiras não constitui qualquer mais - valia, incorporando este conceito qualquer vantagem negocial que a sua intervenção poderia acarretar para qualquer das partes intervenientes, numa clara alusão de que a sua utilização teve como única e principal finalidade um aproveitamento abusivo das formas legais com o intuito de obter rendimentos que, sem o uso de tais formas, ficariam sujeitos e não isentos de tributação”. (cfr. relatório da IT – parte transcrita no nº 3.2 da alínea BB) do probatório supra).

Apreciemos.

Refere-se no artº 38º, nº 2 da LGT, na redacção dada pela Lei 30-G/2000, de 29/12, que “2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando -se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

Daqui se infere, assim, a previsão dos seguintes 4 pressupostos:

a)- A prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, por meios artificiosos ou fraudulentos;

b)- Com abuso das formas de direito;

c)- Com intenção de reduzir, eliminar, ou diferir os impostos que seriam devidos, em resultado de actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico;

d)- Ou com intenção de obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas sem utilização desse meios,

e da consequente estatuição: a ineficácia tributária de tais actos ou negócios jurídicos.

Quanto ao primeiro pressuposto enunciado, relevam para a respectiva análise os meios utilizados e a forma essencial ou principalmente artificiosa ou fraudulenta com que o são, visando a minimização dos impostos. Tal significa que, no dizer da doutrina que mais aprofundadamente tem estudado o tema, não basta o simples uso de tais meios para o surgimento de certa vantagem fiscal, sendo necessário “demonstrar o carácter pré-planificado (pre ordained) e unitário daqueles actos, quer por um acordo expresso em tal sentido, quer pela previsibilidade (ou inevitabilidade, diríamos) de que ao primeiro acto ou negócio, se siga o segundo, o terceiro, o quarto, até ao último dos actos, como parte de uma série ou sequência”[12], o que implica a existência de um acto ou negócio efectivamente praticado pelo sujeito passivo, de forma livre e optativa, degrau a degrau, que conduz à obtenção de certo resultado fiscalmente menos oneroso.

Os actos ou negócios jurídicos em causa nos presentes autos prendem-se com a movimentação de capitais pela H..... através da realização de empréstimos obrigacionistas junto da sociedade F....., com emissão por esta de obrigações como contrapartida dos empréstimos, as quais foram adquiridas - acrescidas dos direitos acessórios e juros vencidos - mediante contrato de compra e venda e de cessão de posição contratual pela F....., o qual foi celebrado em 12/06/2001 por J....., que exerceu funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 20/09/2001, tendo sido remunerado nesse período a título de trabalho independente pela sociedade J....., e a título de trabalho dependente pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100%, desempenhando igualmente funções de gerência na H....., e por R....., que exerceu igualmente funções de gerente da F..... entre 16/05/2001 e 14/09/2001, tendo sido remunerado a título de trabalho dependente nesse período pela sociedade J....., SA, participada directamente pela J..... em 100% (cfr. alíneas I) e R) do probatório supra).

Reflicta-se então na situação caracterizada pelo facto de a H..... ser detida em 99,99% pela J....., a F..... ser detida a 100% pela J....., e os membros dos órgãos sociais que celebraram o contrato de compra e venda das obrigações e de cessão de posição contratual em 12/06/2001 exercerem, ao tempo, ambos, funções na F....., exercendo um deles também funções na H....., sendo ambos remunerados pela J..... relativamente ao período em que desempenharam funções na F..... e na H....., o qual correspondeu ao período em que o contrato foi celebrado. Saliente-se ainda que ambas estas sociedades eram isentas de IRC, atenta a sediação na Madeira (cfr. alíneas E) e G) do probatório supra).

Note-se ainda que três dias após a celebração do referido contrato de compra e venda das obrigações e de cessão de posição contratual entre a H..... e a F....., a J..... efectuou, a título de realização de prestações suplementares, uma transferência para a conta da F..... (a adquirente de todas as obrigações e direitos acessórios da H.....), no montante de 207.390.189,64 €, montante que a F..... no mesmo dia transferiu através do Banco ABN para a conta da H..... (cfr. alíneas S) e T) do probatório supra).

Por sua vez, após o reembolso integral do empréstimo pela F..... à F....., em 22/12/2004, esta reembolsou integralmente a J..... das prestações suplementares realizadas (cfr. alíneas U) e V) do probatório supra).

Os empréstimos obrigacionistas à F..... renderam juros à F....., que ficaram isentos de IRC, pelo que esta procedeu à distribuição de lucros à J..... nos exercícios de 2004 e de 2005, sendo que neste último foi no montante de 4.070.000,00 € correspondente a lucros disponíveis de 2004 (cfr. alíneas W) e X) do probatório supra).

Em tais circunstâncias, o facto de as sociedades em causa - F..... e H..... - serem detidas praticamente a 100% pela J....., aliado ao facto de os administradores da F..... e da H..... se encontrarem inseridos na J..... e serem por si remunerados, permite-lhes tomar as pertinentes deliberações relativamente aos empréstimos obrigacionistas concedidos, bem como em relação aos consequentes resultados, de forma livre e optativa, degrau a degrau, visando a canalização destes para empresas terceiras beneficiárias com a inerente minimização dos impostos a suportar. Estamos em presença de entidades com relações especiais, entendendo-se como tal as situações em que se verifique “dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas” (cfr. nº 2 do sumário do acórdão do TCA Sul de 18/12/2008, respeitante ao processo nº 02515/08, in http://www.dgsi.pt), como se verifica no caso em apreciação, nos termos supra referidos, o que permite e estimulará a prática de tais actos de cariz (ao menos) artificioso visando a referida minimização tributária.

Os elementos de prova em causa, colhidos do relatório da IT, de que a impugnante foi notificada e juntou aos autos como Doc. nº 1 a fls. 99 e segs. dos autos, constituem suficiente fundamento para considerar este primeiro pressuposto como verificado.

Quanto ao segundo pressuposto enunciado, relativo ao abuso das formas jurídicas, nele assumem relevância os princípios, o espírito e os propósitos contidos nas normas do direito tributário como um sistema coerente, dos quais, face à constatação de certos actos ou negócios jurídicos claramente deles desviados, pode resultar a respectiva desconsideração fiscal, pois que, “a desconformidade do resultado obtido com a “ratio legis”, o espírito ou propósito da lei, os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal – o elemento normativo – é algo de característico da elisão fiscal (ou evitação fiscal para usar a terminologia empregue pelo Supremo Tribunal Administrativo) e requisito insuperável da CGAA (cláusula geral anti-abuso)”[13].

Ora, a este propósito, estabelece o Decreto Regulamentar nº 53/82, de 23/08, que “poderão ser autorizadas na zona franca (da Região Autónoma da Madeira) – RAM - todas as actividades de natureza industrial, comercial ou financeira (cfr. artº 4º, nº 1, parte inicial), sendo que, relativamente às entidades que aí forem instaladas, as mesmas “beneficiam de isenção de … IRC até 31 de Dezembro de 2001, relativamente aos rendimentos derivados do exercício de actividade desenvolvida nessas zonas” - (cfr. artº 41º, nº 2 do Dec-Lei nº 215/89, de 01/07), formulação semelhante à descrita no artº 33º, nº 1, alínea h) do Dec-Lei nº 198/2001, de 03/07, que procedeu a alterações àquele Dec- Lei, cujo texto refere que “As entidades referidas na alínea a), relativamente aos rendimentos derivados das actividades exercidas na zona demarcada industrial não abrangidas por aquela alínea a), e as restantes entidades não mencionadas nas alíneas anteriores, relativamente aos rendimentos derivados das suas actividades compreendidas no âmbito institucional da respectiva zona franca desde que, em ambos os casos, respeitem as operações realizadas com entidades instaladas nas zonas francas ou com não residentes no território português, exceptuados os estabelecimentos estáveis aí situados e fora das zonas francas”, constando da aludida alínea a) que “As entidades instaladas nas Zonas Francas da Madeira e da ilha de Santa Maria beneficiam de isenção de IRS ou de IRC, até 31 de Dezembro de 2011, nos termos seguintes:

As entidades instaladas na zona demarcada industrial respectiva, relativamente a rendimentos derivados do exercício das actividades de natureza industrial, previstas no n.º 1 e qualificadas nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 53/82, de 23 de Agosto, e do Decreto Regulamentar n.º 54/82, da mesma data, e, bem assim, das actividades acessórias ou complementares daquela”.

Isto é, os benefícios de isenção de IRC em causa foram criados para estimular a criação de um “pólo económico-potencial, em termos da região” (cfr. preâmbulo do DR nº 53/82, de 23/08), através da instalação das empresas que aí desejassem fazê-lo para desenvolver as suas actividades económicas e, em resultado de tais actividades dinamizadores da vida económica da Região, às citadas empresas era concedida a isenção de IRC. Portanto, resulta claramente das normas legais que se vêm citando que a isenção em sede de IRC está intimamente ligada ao desenvolvimento da actividade económica da Região pelas empresas aí instaladas. Porém, compulsando os autos em análise, o que se constata é que a empresa-meio instalada na RAM de que a impugnante se socorre (F.....) para as suas operações financeiras, pese embora o facto de registar como objecto da sua actividade a “prestação de serviços nas áreas de contabilística e económica; a elaboração de estudos económicos e de análise, assim como consultadoria nas referidas áreas; a gestão da sua carteira de títulos próprios; e a compra de imóveis par revenda ” (cfr. alínea G) do probatório supra), o certo é que a única actividade económica que a F..... desenvolve na Região Autónoma da Madeira consiste, nos exercícios de 2001 a 2003, em “Investimentos Financeiros” que representavam 99% do total do Activo da empresa, e que correspondiam em exclusivo a empréstimos obrigacionistas concedidos à sociedade F....., residente nas Ilhas Channel, reembolsados no final do ano de 2004, sendo que, no final de 2004 a rubrica “Outras aplicações de tesouraria-curto prazo” passou a representar 99,46% do valor total do Activo, em resultado da aplicação parcial dos fundos recebidos pela F....., na sequência do reembolso do empréstimo obrigacionista. Na sequência do fim da aplicação dos fundos, no exercício de 2005 o Activo passou a ser composto apenas pela rubricas “depósitos bancários” e “dívidas de terceiros”, totalizando apenas 36. 089,19 € (cfr. alínea J) do probatório supra).

Acresce que, entre 2001 e 2005, a F..... não possuía imobilizado corpóreo nem incorpóreo; os custos de funcionamento eram irrisórios, representando, em média, 0,07% do total dos proveitos registados; não suportou quaisquer encargos com pessoal; a sua sede social situava-se nas instalações de outra empresa, a quem a F..... pagava a título de encargos anuais o montante de 900,00 €, no qual se incluía já, para além da ocupação do espaço, os consumos de água, de electricidade, bem como outros custos associados à ocupação (cfr. alíneas K), L), M) e N) do probatório supra).

Portanto, sintetizando, a impugnante usa um meio à sua disposição (a F.....), de que detém 100% do respectivo capital, empresa que beneficia de isenção de IRC (no âmbito do registo para desenvolvimento das suas actividades na RAM), para efectuar os empréstimos obrigacionistas de capitais a entidades terceiras, sendo que, os juros auferidos pela F..... na sequência dos empréstimos efectuados – com entrega dos respectivos montantes pela impugnante mediante a realização de prestações suplementares - ficam isentos de IRC, dado o estatuto conferido ao abrigo do regime jurídico da Zona Franca da RAM, nos termos do EBF, na redacção dada pelo artº 33º, nº 1, alínea h) do Dec-Lei nº 198/2001, de 03/07. Assim, a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou o propósito da lei, verifica-se na circunstância de a previsão normativa de isenção de IRC relativamente à F..... depender dos resultados da actividade económica que a mesma se propunha desenvolver na RAM (cfr. alínea G) do probatório supra), inserida num “pólo económico-potencial, em termos da região” (cfr. preâmbulo do DR nº 53/82, de 23/08), sendo certo que os rendimentos obtidos pela F..... – e indirectamente pela impugnante - não advêm de qualquer actividade económica desenvolvida na região, nos termos por si propostos (pois nem sequer possui quaisquer meios físicos próprios instalados para o efeito, nem qualquer quadro de pessoal), mas tão só do resultado das aplicações financeiras oriundas das movimentações financeiras que opera.

Isto é, a atribuição do benefício de isenção de IRC, criado com o objectivo de estimular e desenvolver a actividade económica da RAM, o que não sucede no caso em apreciação, é utilizado pela impugnante como forma de canalizar os seus meios financeiros, evitando pagar impostos, ao socorrer-se do benefício de isenção aquando do recebimento dos juros auferidos pela F..... na sequência dos empréstimos obrigacionistas efectuados, que deveriam ter sido tributados enquanto proveitos ou ganhos, atento o disposto no art.º 20º, nº 1, alínea c) do CIRC, e que a F..... transfere para a impugnante sem que se verifique tributação, com fundamento no art.º 46º, nº 1 do CIRC.

Este comportamento da impugnante afigura-se anti-jurídico, abusivo das formas de direito, atento o espírito da norma isentadora do imposto e a finalidade do sistema fiscal, consubstanciada na satisfação das necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas e na repartição justa dos rendimentos e da riqueza (cfr. artº 103º da CRP).

Também ao nível das instâncias jurisdicionais comunitárias este mesmo entendimento anti-juridicista tem sido sufragado através da prolação de diversos acórdãos do TJCE, de que se destaca o acórdão Cadbury Schwepps, respeitante ao processo C – 196/04, no qual se decidiu que quando a minimização da tributação “diga apenas respeito aos expedientes puramente artificiais destinados a contornar o imposto nacional normalmente devido”, como no caso em apreciação, não deverá aceitar-se a posição do sujeito passivo, a não ser que seja demonstrado que “a referida sociedade controlada está realmente implantada no Estado-Membro de acolhimento e aí exerce actividades económicas efectivas”, o que não sucede no caso em apreciação, como vem demonstrado (cfr. Acórdão Cadbury Schwepps, respeitante ao processo C – 196/04, disponível no portal do MJ através do endereço www.dgsi.pt).

Considera-se, assim, de igual modo, a fundamentação deste pressuposto como verificada.

Quanto ao terceiro pressuposto enunciado relativo à intenção de reduzir, eliminar, ou diferir os impostos que seriam devidos, em resultado de actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ficou já acima demonstrado no comentário aos antecedentes pressupostos, que de modo prévia e livremente deliberado a impugnante utilizou a sua comparticipada F..... para a concessão dos empréstimos obrigacionistas a terceiros por forma a socorrer-se do seu estatuto de isenção em sede de IRC para eliminar a tributação fiscal, convertendo os juros pagos em resultado de tais empréstimos em lucros, sem qualquer tributação, com invocação dos regimes jurídicos previstos no artº 33º do EBF, e no artº 46º do CIRC (cfr. artigos 170º e 182º e 183º da p.i.), quando em circunstâncias de normal actividade da sua vida comercial os juros resultantes de tais empréstimos concedidos pela impugnante deveriam ter sido tributados enquanto proveitos ou ganhos obtidos (cfr. artº 20º, nº1, alínea c) do CIRC).

Assim sendo, não poderá deixar de se considerar também a fundamentação deste pressuposto como verificada.

Quanto ao quarto e último pressuposto relativo à intenção de obter vantagens fiscais que não seriam alcançadas sem utilização desse meios, como se vem demonstrando nas análises aos três anteriores pressupostos, não fora a utilização pela impugnante da sua comparticipada F..... da forma como o foi – inexistência de qualquer actividade comercial no âmbito do seu objecto; existência de relações especiais entre as sociedades em causa e os próprios administradores; desencadeamento de actividades apenas no âmbito de movimentos financeiros; inexistência de imobilizado; custos de funcionamento inexpressivos; inexistência de encargos com pessoal; movimentos financeiros da impugnante para a F..... sob a forma de prestações suplementares realizados na sequência da celebração do contrato de compra e venda das obrigações e da cessão de posição contratual, que a F..... transfere para a H..... visando a regularização do contrato, e posterior reembolso integral pela F..... à J..... das prestações suplementares anteriormente realizadas; distribuição de lucros pela F..... à J..... na sequência dos juros obtidos pelo empréstimo obrigacional realizado - (cfr. alíneas G), H), I), J), K), L), M), N), R), S), T), U), V), W) e X) do probatório supra) e tais vantagens fiscais, que o Tribunal considera ilegítimas, não teriam sido possíveis.

Deste modo, também nesta parte se considera a fundamentação deste pressuposto como verificada.

*

Alega também a impugnante que a Constituição releva a liberdade de iniciativa e de organização empresarial (cfr. artigos 61º, 80º-c), e 86º), através da qual se garante aos cidadãos a liberdade de organizar os seus negócios da maneira mais eficiente possível, a que se denomina liberdade de gestão empresarial, o que implica o reconhecimento do direito de o contribuinte estruturar os seus negócios de modo a suportar a menor carga tributária que lhe seja, por lei, permitida (cfr. artigos 156º e 157º da p.i.).

Assim entendida, sem mais, a liberdade de gestão empresarial configurar-se-ia como um direito empresarial absoluto, o que não seria aceitável nem razoável à luz de um relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à regular confrontação de conflitos de direitos (cfr. artº 18º, nº 2 da Constituição).

Naturalmente que é inquestionável a liberdade de gestão empresarial, mas há limites com que tal direito se tem de confrontar, desde logo, com relevância para a matéria em apreciação, o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr. artº 103º, nº 1 da Constituição).

A lei prevê mecanismos de planeamento fiscal, como supra se referiu, mas pretende simultaneamente prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social e, nessa medida, justifica-se a adopção de decisões de restrição legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto. No dizer da doutrina, a liberdade de gestão fiscal “tem a sua expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, contempladas nos artºs 61, 80º, al. c), e 86º da Constituição. O que legitima que as empresas, guiando-se pelo planeamento fiscal … tenham liberdade, nomeadamente, para escolher: 1) a forma e organização da empresa – empresa individual/empresa societária, estabelecimento estável/sociedade afiliada …; 2) o financiamento – autofinanciamento, hétero- financiamento, recurso a suprimentos; 3) o local da sede da empresa, afiliadas e estabelecimentos estáveis; 4) a política de gestão de défices; 5) a política de reintegrações e amortizações. Mas a liberdade de gestão fiscal das empresas, vista pelo lado do Estado, concretiza-se no princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no artº 81º al. e) – actualmente alínea f), após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/08 - da Constituição, em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”[14]. Ou, no dizer ponderado de outro reputado fiscalista, “não está – nem pode estar - em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, i. é., não está em causa o exercício da sua autonomia privada: o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal ”[15].

Portanto, também nesta matéria não se pode dar razão à impugnante.

Nestes termos, sem necessidade de mais amplas considerações, pode concluir-se que a presente impugnação improcede totalmente e confirma-se, nessa medida, o acto tributário objecto do presente processo, decisão a que se procederá na parte dispositiva da presente sentença.”.

                                                                            *

Os fundamentos do recurso deduzido neste Tribunal radicam, por um lado, na nulidade da sentença por falta de fundamentação  da matéria de facto quanto à motivação que sustenta o julgamento do provado/ não provado, e erro na apreciação das provas em resultado da inquirição das testemunhas que não foi valorado na fundamentação da convicção formada pelo Tribunal “ A Quo” quanto aos factos provados e não provados ( conclusão 8ª), assim como ao erro de direito quanto ao entendimento de não se verificar a caducidade do procedimento de aplicação de normas anti- abuso ( conclusões 10ª a 14ª), e errado enquadramento da actuação do recorrente no âmbito da norma geral anti-abuso contido no disposto no nº 2, do artº 38º, da LGT.( conclusões 15ª a 23ª), e por último, a aplicação de tal regra , a qual padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio  da legalidade e da liberdade económica e da proibição de aplicação retroactiva da dita norma. – conclusões 24ª a 27ª.

                                                                            *

Começando pela dita nulidade da sentença, efectivamente verifica-se que, em termos funcionais e efectivos, falta a necessária motivação da prova , apesar de estar presente o julgamento de provado/ não provado- cfr nºs 3 e 4, do artº 607º do CPC. De facto,

A motivação da matéria de facto constante da sentença limita-se a indicar que a decisão se baseou nos documentos, no P.A e no depoimento das testemunhas, sem especificar quais as razões que subjazem a esse entendimento e em que medida tais documentos ou que prova testemunhal foi tida por relevante para a decisão, pelo que a mesma revela-se gravemente insuficiente, “… em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção  das razões de facto e de direito da decisão judicial…”, assim “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”- cfr Ac. do STJ 2-3-2011/Proc 161/05.2 TBPRD.P1.S1.

 No mesmo sentido e em situação em tudo idêntica aos presentes autos, e que foi objecto de apreciação no Acórdão de 04.06.2020 , proferido no Proc. 963/07,  entende-se que se verifica nos autos uma “mera aparência de fundamentação” porquanto, o se dizer que a motivação da decisão se baseou nos diversos meios de prova constante dos autos, sem especificar quais os factos que deles resultam equivale a nada dizer, como ora se reproduz das partes do dito Acórdão que aqui se acolhe e se dá por reproduzido nos seus precisos termos , para efeitos desta instância recursiva:

“…Cumpre ainda distinguir "fundamentação" de "aparência de fundamentação", sendo esta a situação onde, apesar de ser indicada uma motivação da matéria de facto, na verdade ela contém ínsitas fórmulas vazias, que redundam numa verdadeira falta de fundamentação.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.05.2012 (Processo: 248/11.2BEPNF)4:

"[P]ese embora, e por princípio, apenas constitua ou consubstanciar nulidade a omissão total da falta de exame crítico das provas, devem equiparar-se a essa falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha a mínima relação com o julgado ou seja ininteligível, já que, nessas situações, estaremos apenas perante uma mera aparência de fundamentação.

(...) [N]a redacção feliz do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17-06-2010 «Verdadeiramente, o que resulta da sentença é uma mera aparência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que é, de todo, inapta à satisfação das finalidades subjacentes às imposições legais constantes das normas dos artigos 123°, n° 2 do CPPT e 659°, n° 3 do CPC.

(...) [N]um processo em que foram ouvidas (...) testemunhas, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a "prova testemunhal" pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.

Temos, pois, por seguro, que in casu se verifica a nulidade da sentença prevista nos artigos 125°, n° 1 do CPPT e 668°, n° 1, alínea b) do CPC e derivada da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto".

4          V., em sentido idêntico e a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.01.2016 (Processo: 01579/05.6BEVIS) e de 25.06.2016 (Processo: 00724/04.3BEVIS).

P.° n.° 963/07.5BELRS Tribunal Central Administrativo Sul  38/40

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos e no que concretamente à prova testemunhal respeita, não pode deixar de se concluir, tal como a Recorrente refere, que a sentença recorrida padece de nulidade.

Com efeito, e não obstante a insuficiente discriminação da matéria de facto já entre no erro de julgamento, o mesmo não sucede quanto, in casu, aos termos em que (não) surge evidenciada a pertinência da prova testemunhal produzida.

Refira-se que, em sede de diligência de inquirição, foram ouvidas três testemunhas.

Ora, atentando na decisão proferida sobre a matéria de facto, a título de motivação, decorre apenas a menção de que a convicção do Tribunal se fundou (também) na prova testemunhal produzida.

No entanto, atento o elenco da factualidade considerada provada, em nenhum dos factos é mencionada a relevância da prova testemunhal.

Ou seja, in casu não está fundamentada a decisão sob escrutínio em termos que permitam aferir que depoimentos foram relevados nem por que motivo o foram.

Como tal, conclui-se, com a Recorrente, que tal ausência de fundamentação implica a anulação da sentença recorrida, para que os autos retornem à primeira instância, por forma a que aí seja feito novo julgamento, do qual conste de forma cabalmente explanada a relevância de todos os meios de prova pertinentes, incluindo a prova testemunhal.”

Quanto ao recurso apresentado pela F.P. , o qual foi admitido pelo Tribunal “A Quo”, e dado que tal decisão não vincula este Tribunal- vd o nº 5, do artº 641º, do CPC, sempre se dirá que a F.P. carece de legitimidade para interpor o presente recurso, por não ter ficado vencido na sentença sub Júdice , na medida em que obteve  vencimento de causa, não tendo ficado “ …prejudicado ou afectado pela causa…  “, nas palavras do Ilte Cº J. Lopes de Sousa, in “CPPT Anotado”, 4ª Ed. 2003, em comentários ao artº 280º, nºs 1 e 3,( cfr no mesmo sentido o nº 1, do artº 631º do CPC). O que não obsta a que este Tribunal aprecie da questão posta quanto à determinação do valor da causa para efeitos de custas , atento o entendimento do T.C. quanto à sua determinação, a que ora se procede .

Atento o valor da causa de valor superior a € 275.000,00 , considerando a que a causa não apresenta especial complexidade e atendendo á conduta processual das partes que não recorreram a quaisquer meios dilatórios, prolixos ou morosas , e no intuito de assegurar o respeito do principio constitucional da proporcionalidade face à utilidade económica da causa, decide-se no sentido da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça superior àquele montante.- cfr nº7, do artº 6º do R.C.P. e nº7, do artº 530º do CPC, e Ac. Do T.C. nº 421/2013 , proferido no recurso  nº 907/2012.   

                                                                        *

                                                                             

Assim entendido a causa, não sendo licito a este Tribunal Superior apreciar dos fundamentos do assim decidido, por ausência da necessária motivação de facto, não se procede à apreciação dos restantes fundamentos do recurso.

                                                                             *

Dispositivo:

Nos termos expostos acorda-se em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida, determinando-se a remessa dos autos à 1ª  instância, para prolação de nova sentença.

                                                                             *

                                                                          

Custas pela F.P.

                                                                           *

Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores  Mário Rebelo e Patrícia  Manuel Pires ]

______________________

[1] - "A noção de acto jurídico é na linguagem da norma (n.° 2 do art.° 38.º da LGT) propositadamente ampla, visando toda e qualquer acção ou conduta humana à qual sejam atribuídos efeitos jurídicos....abrange como tal todo o vasto leque de comportamentos humanos, das operações às declarações que possam permitir atingir o desiderato do ganho fiscal. Gustavo Lopes Courinha, in "A Cláusula Geral Anti Abuso no Direito Tributária"

[2] - "A cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos para a sua compreensão".

[3] “A cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - contributos para a sua compreensão".

[4] “Fiscalidade”, de Freitas Pereira, Manuel Henrique, Almedina, 2ª edição, 2007, pág. 401.

[5] Ibidem.

[6] De que são exemplo a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no IRS; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de IRC; opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em IRC.

[7] “Manual de Direito Fiscal”, de Saldanha Sanches, J. L., Coimbra Editora, 3ª edição, 2007, pág. 159.

[8] “Fiscalidade” …, nota de rodapé nº 591, a fls. 404.

[9] “Fiscalidade” …, a fls. 401/402.

[10] “Fiscalidade” …, a fls. 423/424.

[11] Em rigor, este montante transferido da F..... para a conta da H..... foi de 207.389.559,26 €, correspondente exactamente ao valor global da aquisição pela F..... de todas as obrigações e direitos  acessórios da H..... (cfr. alíneas Q) e T) do probatório supra).

[12] “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão” – de Courinha, Gustavo Lopes, Almedina, Abril/2009, páginas 167/168.

[13] “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário … pág. 188.

[14] cfr. Direito Fiscal, de Nabais, José Casalta, 4ª edição, Almedina, 2006, pág. 182).

[15] cfr. Manual de Direito Fiscal, de Saldanha Sanches, J. L., Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 155).