Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:291/05.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA;
FALTA DE EXAME CRÍTICO DAS PROVAS.
Sumário:I– A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, engloba não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados a que se refere o artigo 123.º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas previsto no artigo 607.º, nº 4 do CPC.

II. Embora a justificação incompleta da decisão da matéria de facto não determine a nulidade da sentença, já a ausência da indicação dos meios probatórios que suportam a sentença determina a sua nulidade por falta e especificação dos fundamentos de facto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A S............, Lda., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios fiscais de 1997, 1998 e 1999, e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 450.524,90.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

i) Vem o presente recurso interposto contra a Sentença proferida, em 28 de fevereiro de
2017, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja sob o n.º 291/05.0BEBJA.

ii) Na referida Sentença, o Mmo.º Juiz a quo julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrente contra os atos de liquidação adicional de IRC referentes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 (nos correspondentes valores de Eur. 281.936,12, Eur. 111.718,37 e Eur. 56.870,41).

iii) Porém, entende a aqui Recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, porquanto o Mmo.º juiz a quo não conheceu das questões de prescrição das liquidações objeto de impugnação e da violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção, não emitiu decisão no sentido de não poder delas tomar conhecimento, nem indicou razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

iv) No caso em análise, foi o próprio Tribunal a quo a chamar a Recorrente aos autos para se pronunciar sobre o tema da prescrição das dívidas tributárias.

v) Porém, em sede de sentença o conhecimento da prescrição foi omitido, o que justifica que seja imputado à sentença recorrida o vício de omissão de pronúncia, gerador da sua
nulidade.

vi) Adicionalmente, em sede de impugnação judicial peticionou-se expressamente ao Tribunal a quo que conhecesse da ilegalidade da repetição do procedimento inspetivo aos exercícios de 1997, 1998 e 1999.

vii) Sendo que o douto Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto, deu como provado que o sujeito passivo foi notificado do despacho de não concordância com as conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária (cfr. facto «E» da sentença recorrida), omitindo que a Recorrente foi notificada do início de novo procedimento de inspeção, titulado pela Ordem de Serviço n.º 16566.

viii) Ora, a referida matéria factual (a repetição do procedimento de inspeção materializada na emissão de uma nova ordem de serviço, a saber, a Ordem de Serviço n.º 16556) é absolutamente relevante para a decisão a proferir.

ix) Porém, no caso em análise, o Tribunal limitou-se a verificar se à Recorrente tinha sido dada a oportunidade de exercer o seu direito de audição antes da conclusão do procedimento inspetivo.

x) Sendo certo que, caso tivesse conhecido do facto omitido certamente que em sede de apreciação da legalidade do procedimento inspetivo não se teria limitado a declarar “os
contornos complexos e não lineares” do procedimento inspetivo e, consequentemente, a
concluir que foi respeitado o princípio da participação no procedimento de inspeção.

xi) Ora, o que se exigia ao Tribunal a quo era a apreciação dos efeitos da notificação da
decisão de não concordância e, em especial, os efeitos da emissão de uma nova Ordem de Serviço para os efeitos do artigo 63.º da Lei Geral Tributária.

xii) Entende, pois, a Recorrente que há erro de julgamento sobre a irrelevância do facto (notificação da Ordem de Serviço n.º 16566 que determina o início do segundo procedimento inspetivo) e, consequentemente, omissão de pronúncia sobre questão de facto que o juiz de primeira instância não apreciou e deveria ter apreciado, o que constitui também nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

xiii) Ademais, entende a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, de facto e de direito, ao decidir que as liquidações impugnadas devem manter-se na ordem jurídica.

xiv) E, no entender da Recorrente, o erro de julgamento decorre desde logo da errada valoração da prova testemunhal produzida nos autos recorridos.

xv) No que respeita à prova testemunhal indicada pela aqui Recorrente, pode ler-se no capítulo da «Motivação» da sentença recorrida, “(…), a prova testemunhal indicada, e produzida, consubstanciava-se em P............ sendo este em simultâneo engenheiro agrónomo e técnico oficial de contas mas somente a partir de 2004 desenvolver atividade em colaboração com a impugnante. (...). No mais, e em termos gerais, não logrou convencer o Tribunal quanto à matéria que foi questionado quer porque as respostas se mostravam díspares daquele que é o conhecimento e a experiência do julgador – ex. emissão no fim do ano de faturas relativas a monda de colheitas que ocorrem na primavera, emissão no fim do ano de faturas a ceifas e colheitas que têm lugar entre julho e setembro. Com efeito a tese de que as faturas eram emitidas quase sempre no final da campanha agrícola devido a ser nesse momento que o INGA/IFADAP procede a pagamentos não colhe pois os serviços em questão têm que ser – ou teriam que ser – pagos independentemente daquelas entidades e para além dos valores pagos. Por todo o exposto o depoimento da testemunha arrolada pela sociedade impugnante foi genericamente descredibilizada.”.

xvi) Porém, e pese embora o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, da análise da prova testemunhal gravada e disponibilizada à Recorrente, resulta evidente houve uma errada valoração do depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Recorrente.

xvii) Assim, enquanto na «Motivação» da sentença recorrida se pode ler: “Com efeito a tese de que as faturas eram emitidas quase sempre no final da campanha agrícola devido a ser nesse momento que o INGA/IFADAP procede a pagamentos não colhe pois os serviços em questão têm que ser – ou teriam que ser – pagos independentemente daquelas entidades e para além dos valores pagos.”, resulta em oposição ao concreto depoimento prestado pela referida testemunha quando inquirido sobre os motivos que levavam a que as faturas emitidas à sociedade D............ apenas tivessem sido emitidas no final do ano: “trata-se de uma prática comum no setor agrícola, isto é, faturava-se no fim da campanha ou do ano agrícola. A par desta situação, não havia uma estrutura administrativa para ir emitindo faturas à medida que os serviços fossem prestados. Assim, só quando terminava a campanha agrícola é que se tratava da parte burocrática.”

xviii) Resulta assim evidente que houve uma errada valoração do depoimento prestado pela testemunha apresentada pela aqui Recorrente, erro esse que seguidamente se evidenciará em detalhe na análise a apresentar por referência à apreciação que o Tribunal a quo fez das questões suscitadas pela Recorrente.

xix) Ademais, e por referência à prova testemunhal produzida pela Autoridade Tributária, mostra-se ininteligível a valoração que o Tribunal a quo fez da mesma.

xx) Na verdade, verifica-se uma total omissão de exame crítico dos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela Autoridade Tributária, de modo a ser possível avaliar o porquê da decisão e o processo cognitivo que possibilitou a decisão da matéria de facto.

xxi) Isto é, o tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

xxii) Sendo que este principio não pode colidir com os princípios que enformam o direito tributário, em especial, o princípio consagrado no artigo 100.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, segundo o qual: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”

xxiii) No caso concreto, caso os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Fazenda Pública tivessem sido objeto de apreciação critica, teria o tribunal a quo concluído que a Recorrente havia feito prova que gerou dúvida sobre a existência do facto tributário.

xxiv) Pelo exposto, não será por demais afirmar que, o Mmo.º Juiz a quo certamente teria alcançado outras conclusões se, desde logo, tivesse apreciado e valorado à luz dos
princípios jurídicos materialmente enformadores da atividade processual a prova testemunhal produzida nos autos recorridos, o que manifestamente não foi feito, conduzindo às conclusões que aqui se vêm contestar.

xxv) Ora, entende a Recorrente que no caso vertente não está verificado qualquer dos pressupostos de aplicação do artigo 87.º, b) da Lei Geral Tributária, previstos taxativamente no artigo 88.º desse mesmo diploma, pelo que não podia a Administração
Tributária aplicar métodos indiretos para apurar a matéria tributável da Impugnante.

xxvi) Nenhum dos alegados erros evidenciados na contabilidade e apurados em sede de inspeção tributária são de molde a impedir a quantificação direta do lucro tributável da Recorrente.

xxvii) Os indícios que a Administração Tributária invoca para justificar a aplicação de métodos indiretos baseiam-se em considerações, aparências e julgamentos precipitados da situação fiscal da Recorrente.

xxviii) A Administração Tributária não logrou inverter o ónus de prova que sobre ela recai em consequência da presunção de veracidade das declarações e contabilidade dos contribuintes, já que todos os erros apontados foram justificados e decorrem da atividade agrícola da Recorrente (artigo 75.º da Lei Geral Tributária).

xxix) Assim, não existe qualquer falta de fiabilidade da contabilidade ou de credibilidade dos elementos contabilísticos da Recorrente que possam justificar o recurso a métodos indiretos, o que determina a ilegalidade e desproporcionalidade de tal método, quando aplicado à Recorrente.

xxx) O critério utilizado, no caso sub judice, para apurar a matéria tributável é manifestamente ilegal por violação do artigo 90.º da Lei Geral Tributária, já que ao desconsiderar todos os custos em que a impugnante incorreu, por os considerar simulados, deu origem a uma situação de rentabilidade fiscal que jamais poderia verificar-se na realidade, sendo muito superior às médias do distrito e totalmente absurda em face da análise da situação comparável das sociedades agrícolas de cultivo de regadio na zona do Alto Alentejo.

xxxi) Em razão do que, também por força desta circunstância, deverá o acto de avaliação em crise ser anulado, e, consequentemente, revogada a Sentença de que ora se recorre, por erro de julgamento.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, assim, revogada a Sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos amplamente demonstrados.”

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso em apreço importa decidir se a sentença padece de nulidade por falta de exame crítico das provas, por omissão de pronúncia e decidir da verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Da apreciação da prova produzida nos autos resulta demonstrado que:

A) A sociedade Impugnante dedica-se à exploração agrícola e pecuária;

B) Através da Ordem de Serviço nº 14523, de 18/04/2001, a contabilidade relativa à actividade da Impugnante, quanto aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, foi submetida a inspecção tributária;

C) Esta acção de inspecção foi objeto de prorrogação face à extensão do período abrangido, circunstância esta dada a conhecer via ofício à sociedade;

D) Nessa sequência foi elaborado relatório final que concluiu pela necessidade de determinação da matéria tributável por intermédio de métodos indirectos e corrigiu o lucro tributável do exercício de 1996 para 3 678 114$00;

E) Sobre este relatório, em 01/10/2001, o Director de Finanças exarou despacho de não concordância com as conclusões do mesmo;

F) Do despacho ora citado consta, além do mais, que:
“(…) Não concordo com as conclusões do presente relatório porquanto o mesmo não é suficientemente objectivo quanto à análise efectuada. No entanto, considerando a proximidade da data limite de caducidade do direito à liquidação para o exercício de 1996 e que o relatório, apesar de não ser suficientemente objectivo, reúne os pressupostos necessários à aplicação de métodos indirectos nos termos dos artigos 87º a 90º da LGT, dever-se-á dar por concluída a acção inspectiva relativa a este exercício, devendo proceder-se em conformidade com os artigos 52º e seguintes do CIRC e artigo 84º do CIVA, repetindo-se apenas os actos de inspecção para os exercícios seguintes de acordo com a respectiva ordem de serviço.
Importa pois proceder à repetição dos actos de inspecção de modo a assegurar e a apurar a totalidade da situação tributária do SP, solicitando-se a prorrogação do prazo da acção inspectiva nos termos do artigo 36º do RCPIT, caso a mesma seja necessária.
Notifique-se o contribuinte e proceda-se à continuação da acção inspectiva” ;

G) Elaborado projecto de relatório de inspecção foi a Impugnante notificada em 02/05/2002 para exercer o direito de audição;

H) O que fez mediante requerimento a que deu entrada em 10/05/2002;

I) Em 15/05/2002, foi elaborado o relatório definitivo que conclui pela correcção aritmética de IVA e pela determinação da matéria colectável por métodos indiciários dos exercícios de 1997, 1998 e 1999;

J) Neste relatório foi consignado, além do mais, que:
“(…) III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas IRC
Conta 74.1 – Subsídios à exploração
1. A empresa declarou como proveitos nos exercícios de 1997, 1998 e 1999, subsídios à exploração, respectivamente, nos [montantes] de PTE 38 390 644$00, PTE 30 494 561$00 e PTE 42 799 357$00;
2. A contabilização dos referidos subsídios fez-se, em certos casos, com base em ofícios das entidades que os concederam, e noutros, tão só através dos respectivos documentos de depósito ou transferência bancária;
3. Estes documentos de depósito, por vezes, agrupam mais do que um dos subsídios concedidos e individualizados na relação fornecida pelo INGA à IGF, nem sempre especificando a sua natureza, o que dificulta bastante a respectiva identificação;
4. Contudo, através da análise comparativa dos valores constantes da referida relação fornecida pelo INGA com os valores contabilizados na conta 74.1 da empresa, concluímos que não foram contabilizados como proveitos, pelo menos, os seguintes valores de subsídios referidos na citada relação:
5. Exercício de 1997:
(…) b. Totais omitidos: PTE 20 349 021$00;
6. Exercício de 1998:
(…); b. Totais Omitidos: PTE 2 326 295$00;
iii.
Relativamente ao exercício de 1999 não se detectou a falta de contabilização de qualquer valor de subsídio pago pelo INGA;
iv.
2. IVA
v.
Conta 24 – Estado
vi. Em 31 de Dezembro de cada um dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, o balanço do sujeito passivo revelava saldos “devedores” de valor anormalmente elevado relativamente às contas Estado;
vii. (…);
viii. A anormalidade verifica-se particularmente quanto aos saldos da conta 24.3.04.01 – IVA – Reg. a favor da empresa, os quais foram originados quase exclusivamente pelas deduções de IVA nos valores de PTE 16 790 900$00, PTE 8 882 636$00 e PTE 3 155 000$00 relativamente à facturação emitida pela Sociedade A............, Lda. (…); no 4º trimestre de cada um dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, em nome da S............, Lda., as quais foram contabilizadas por esta empresa na respectiva conta 24.3.02 – IVA dedutível, mas não foram, como deveriam ter sido, transferidas para a conta IVA – Apuramento e consequentemente não foram incluídos nas respectivas declarações periódicas de cada um desses períodos de imposto, tendo apenas sido transferidos para débito da conta 24.3.04.01 – IVA regularizações a favor da empresa, onde ficaram em saldo em 31 de Dezembro de cada um dos referidos anos;
ix. Os referidos valores de PTE 16 790 900$00, PTE 8 882 636$00 e PTE 3 155 000$00, vieram apenas a ser incluídos no campo “40 – Regularizações a favor da empresa”, respectivamente, nas declarações periódicas do 1º trimestre de 1998, 1º trimestre de 1999 e 2º trimestre de 2000, ficando assim regularizada a situação, com os consequentes pedidos de reembolso de IVA que lhe vieram a ser pagos, respectivamente em 24/08/1999, 02/10/1999 e 2001.01.04 (…);
x. A facturação que esteve na origem nas deduções e reembolso do referido IVA foi a seguinte: Relação das facturas emitidas pela Soc. ……. D............, Lda., com indicação do IVA contabilizado e deduzido pela Soc. A............, Lda.
xi. Em inspecção efectuada à Sociedade A…… D............, Lda., no processo de inspecção nº …………. e ordem de serviço nº 16539, de 2001.10.23, foram detectados vários factos indiciadores de que as operações subjacentes à referida facturação terão sido simuladas, nomeadamente e em resumo indícios de simulação de operações facturadas, considerando a aparente insuficiência de estrutura produtiva para as realizar, as emendas e rasuras efectuadas em algumas das referidas facturas e os demais factos relatados nos itens A e B do capítulo IV do respectivo relatório de inspecção;
xii. Como consequência, considera-se que foi indevidamente deduzido IVA nos valores de PTE 16 790 900$00, PTE 8 882 636$00 e PTE 3 155 000$00 (…), por infracção ao estabelecido no artigo 19/3 do CIVA, propondo-se a sua correcção a favor do Estado;
IV – Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
d.A – Factos apurados no processo de inspecção nº 14939/17Maio/2001 e ordem de serviço nº 16539, de 2001.10.23, efectuada à sociedade A............, Lda.
i. Relativamente aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, o sujeito passivo em análise contabilizou como custos, além doutros, as aquisições de bens e serviços (…) nos [montantes] totais de PTE 98 770 000$00, PTE 52 250 800$00 e PTE 29 500 000$00, que lhe foram facturados pela Sociedade A............, Lda.;
ii. Em inspecção efectuada à sociedade A............ (…), foram detectados vários factos indiciadores de que as operações subjacentes à referida facturação terão sido simuladas, nomeadamente e em resumo (…):
1. A manutenção durante mais de quatro anos de créditos da Soc. D............ de valores anormalmente elevados (cerca de 230 000 contos) sobre a Soc…………, originados maioritariamente pela referida facturação, sem evidentes tentativas de cobrança dos mesmos;
2. A regularização dos referidos créditos sem se mostrarem comprovados os respectivos movimentos financeiros;
3. A emissão de facturação de elevados montantes sobre a Soc………., em regra apenas no último trimestre e em datas que parecem não coincidir com a época normal da prestação de alguns serviços facturados (ceifa de milho e trigo, etc.);
4. A prática em alguma da referida facturação de preços de serviços (lavoura, monda, gradagem, etc.) superiores aos de mercado;
5. A emenda e/ou rasura de alguma da referida facturação para valores anormalmente superiores aos que dela inicialmente constariam;
6. A existência de extractos de conta corrente que indiciam a contabilização dos valores da citada facturação por determinados valores e a sua posterior contabilização;
7. A aparente insuficiência da estrutura produtiva necessária para executar, além dos trabalhos para as próprias produções da Soc. D............, as prestações de serviços facturados à Soc………….;
8. A manifesta insuficiência de valores contabilizados pela Soc. A............ relativamente a determinados custos que necessariamente teriam que suportar para realizar os serviços facturados à Soc. F………..(ex.: gasóleo, mão-de-obra, etc.);
9. As aparentes relações entre a Soc. D............ e a Sociedade A……, Lda., susceptíveis de levar a equacionar a possibilidade prática de “simulação de operações entre si”, sem aparentes reflexos em matéria de IVA face à liquidação e entrega de imposto por uma empresa e consequente dedução pela outra mas com evidentes reflexos em matéria de IRC, pela eventual transferência de resultados verificada considerando os prejuízos de anos anteriores acumulados na primeira das sociedades, com particular enfase para os avultados prejuízos de 1996 resultantes de contabilizações que não terão respeitado as normas contabilístico-fiscais;
10. As dúvidas e incertezas sobre se a verdade patrimonial das empresas reflectida e considerando os valores inicialmente facturados, se o será considerando os valores constantes da facturação após emendas e/ou rasuras nela introduzidas; ou se o será mais propriamente não considerando quaisquer dos aludidos valores, considerando a existência de factos que conduzem à suspeita de simulação da facturação;
(…)
C – Fundamentos para a aplicação de métodos indirectos
Os factos expostos no capítulo IV deste relatório relativamente aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, nomeadamente:
i. Os factos apurados em inspecção efectuada à Sociedade A............, Lda., no processo de inspecção nº 14939/Maio2001 e ordem de serviço 16539, de 2001.10.23, a qual nos exercícios em causa efectuou facturações de bens e serviços à sociedade F............ de valores anormalmente elevados, sem aparente exigência do respectivo pagamento durante cerca de quatro anos, facturação essa com indícios de contabilização pelos valores inicialmente nela referidos, em parte emendada e/ou rasurada para valores substancialmente superiores, entretanto contabilizados, aparentemente com preços superiores aos de mercado, nalguns casos relativa a prestações de serviços que seria normal efectuar em épocas totalmente diferentes das datas dessa facturação, com aparente falta de estrutura produtiva para realizar tais prestações de serviços para além das próprias produções e com manifesta insuficiência
de valores contabilizados relativamente a custos que necessariamente teria que suportar para os produzir (ex. gasóleo, mão-de-obra, etc.), os quais se consideram indiciadores de relacionamento especial entre as empresas e de que as operações subjacentes à referida facturação terão sido simuladas;
ii. Os factores apurados na análise contabilístico-fiscal efectuada ao sujeito passivo nomeadamente:
1. A incoerência dos resultados fiscais declarados com margens de lucro bruto bastante elevadas e rentabilidades fiscais bastante diminutas e desfasadas dos respectivos rácios do sector existentes nestes serviços;
2. A utilização de contas bancárias sem a correspondente relevação contabilística na conta 12 – depósitos em bancos de alguns valores nelas registados, designadamente de subsídios;
3. A manutenção de saldos credores de valores anormalmente elevados na conta de sócios relativos a pessoa que deixou de o ser acerca de quatro anos, com posterior regularização sem se mostrarem financeiramente comprovados os respectivos pagamentos;
4. A manutenção de saldo credor de valor anormalmente elevado na conta 22.1.1045, do fornecedor Sociedade D............, relativamente à facturação já referida durante cerca de quatro anos com posterior regularização mas sem se mostrarem comprovados financeiramente os respectivos pagamentos;
5. A não inventariação das aquisições de bens e serviços que lhe foram facturados próximo do final de cada um dos anos em causa pela Sociedade D............ e que não se mostram consumidos ou pertencentes a produções dos próprios exercícios;
6. A aparente auto-suficiência de estrutura produtiva, quer em meios máquinas, quer em pessoal e/ou consumos de gasóleo;
iii. São factos que consubstanciam práticas de irregularidades na escrituração e declaração de operações do sujeito passivo e, consequentemente, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da sua matéria tributável de IRC dos exercícios de 1997, 1998 e 1999,
situação revista no artigo 51º do CIRC e nos artigos 87.b), 88º e 89º da LGT (…), para a determinação do resultado fiscal desses exercícios por métodos indirectos;
V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
IRC
Em matéria de IRC, os factos relatados tiveram como consequência que a Soc. D............, não obstante ter apresentado lucros elevados, influenciados pela facturação efectuada à Soc. F............, não tenha sofrido, praticamente, qualquer tributação neste imposto nos referidos exercícios, por reflexo directo da dedução de prejuízos incorrectamente contabilizados, e que idêntica situação se tenha passado relativamente à
Soc. F............, por influência da contabilização dos valores da mesma facturação como custos da sua actividade;
A falta de credibilidade quanto à referida facturação efetuada à Sociedade A............, Lda quer quanto à quantificação dos respectivos valores face à prática de rasuras nos documentos e às hesitações reveladas pelo emitente na sua contabilização, quer quanto à existência das operações deles emergentes face à aparente insuficiência de estrutura produtiva e aparente insuficiência de custos escriturados pelo
emitente e indispensáveis para a sua efetivação e os demais factos revelados pela escrita do sujeito passivo em análise, nomeadamente a não inventariação de grande parte dos valores em questão, levam-nos a considerar que se trataram de operações simuladas e, consequentemente, a propor que se proceda à correcção dos resultados fiscais declarados pelo sujeito passivo relativamente aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, subtraindo a cada um deles a totalidade dessas facturações, respectivamente nos valores de 98.777.000$00, 52.250.800$00 e 29.500.000$00 e considerando também as correcções meramente aritméticas referidas no capítulo III deste relatório (…)”

L) Sobre este relatório recaiu o seguinte despacho proferido pelo Diretor de Finanças de Évora, em 15/05/2002, “Reunidos os pressupostos referidos nos arts. 87º a 90º da LGT concordo com a aplicação de métodos indirectos. Proceda-se em conformidade com os arts. 51º e seguintes do CIRC e art. 84º do CIVA. Notifique-se o contribuinte remetendo cópia do relatório devidamente sancionado nos termos do nº 2 do art. 61º em conjugação com o nº 4 do art. 60º, ambos do RCPIT”;

M) Notificada que foi a sociedade Impugnante quanto ao teor do relatório apresentou pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos relativamente a IRC quanto aos anos de 1997, 1998, 1998 e 1999;

N) No âmbito deste pedido de revisão tiveram lugar duas reuniões entre os peritos representativos de ambas as partes as quais foram inconclusivas;

O) Foi proferido no culminar deste procedimento, em 29/08/2002, uma resolução fundamentada pelo Diretor de Finanças de Évora de acordo com a qual:
“(…) Analisadas que foram as respetivas posições, concordo plenamente com a posição defendida pelo perito da Fazenda Pública, quer no que concerne à matéria de nulidades e irregularidades, em relação à qual subscrevo integralmente tudo o que consta do laudo que lavrou, concluindo pela inexistência de qualquer preterição de formalidades legais em relação aos procedimentos da inspecção desenvolvidos, prazos, prorrogação da acção e conclusão do relatório quer no que toca à aplicação de métodos indirectos que se verificou por força de estarem reunidos os pressupostos previstos nos arts. 87º a 90º da LGT, contrariamente ao que afirma o perito do contribuinte e cuja factualidade está bem evidenciada no ponto IV do relatório da Inspecção Tributária, parcialmente transcrita no laudo do perito da Fazenda Pública que como inicialmente referimos merece a nossa total concordância.
Nesta conformidade resolvo pela não alteração dos valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária, mantendo a matéria colectável fixada.”;

P) Consequentemente foram elaboradas as liquidações de IRC e IVA respeitantes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, respetivamente nos valores de 281.936,12 €, 111.718,37 €, 56.870,41 € e 83.752,66 €, 44.306,40 €, 15.737,07 € e ainda juros compensatórios nos valores de 41.318,74 €. 10.044,58 € e 2.474,82 € com data limite de pagamento fixada em 04/11/2002;

Q) Não se conformando a sociedade Impugnante apresentou em 26/11/2002 pedido de revisão excepcional da matéria tributável apurada em sede de IRC e IVA, ao abrigo do nº 3 do art. 78º da LGT, por entender verificarem-se os pressupostos para tanto;

R) Sobre tal requerimento recaiu despacho de concordância com informação a respeito elaborada e de acordo com a qual:
“Em requerimento (…) vem a Sociedade A............ (…) solicitar a revisão das matérias tributáveis referentes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 ao abrigo do nº 3 do art. 78º da LGT com fundamento em injustiça grave ou notória.
As matérias tributáveis que o contribuinte pretende que sejam revistas excepcionalmente deu origem às liquidações nºs……., ……… e……….., respectivamente nos montantes de € 281.936,12, € 111.718,37 e € 56.870,41 cuja data limite de pagamento terminou em 2002.11.04.
Considerando aquela data limite de pagamento e os prazos estabelecidos tanto no nº 1 do artigo 102º como no nº 2 do art. 70º, ambos do CPPT, constata-se que está a decorrer o prazo para o contribuinte reagir contra as liquidações efectuadas, deduzindo, para o efeito, reclamação graciosa ou impugnação judicial.
Sendo estes os meios próprios, pelo menos nesta fase do processo, para o contribuinte reagir invocando qualquer ilegalidade, entendemos que a petição deve ser remetida à Direcção de Finanças de Évora para:
 Caso seja deduzida reclamação graciosa, dentro do prazo estabelecido no artigo 102º do CPPT, arquivar por inutilidade superveniente da lide a presente petição e analisar aquela;
 Não deduzindo o contribuinte reclamação graciosa deverá, decorrido o prazo antes referido, ser esta petição convolada naquele meio de defesa.
Este nosso entendimento deriva do facto de considerarmos que o nº 3 do art. 78º da LGT consagra uma possibilidade de revisão excepcional do acto tributário para além dos prazos normais de reclamação graciosa ou impugnação judicial (…)”

S) Mediante ofício datado de 09/01/2003 foi a sociedade Impugnante notificada deste despacho;

T) Assim convolado em reclamação graciosa o pedido de revisão excepcional formulado pela Impugnante naquela foi proferido despacho em 24/10/2003 de indeferimento assentando em total refutação dos vícios de ilegalidade e preterição do formalidades essenciais invocadas;

U) Previamente a este despacho foi a Impugnante notificada para querendo exercer o direito de audição;

V) Direito esse que não exerceu;

X) Em 28/10/2003 foi expedida notificação deste despacho à sociedade Impugnante;

Z) Em 18/11/2003 a sociedade Impugnante apresentou petição inicial que deu origem aos presentes autos;

AA) Foi instaurado o processo de execução fiscal nº …………. para cobrança das dívidas de IRC relativas aos exercícios de 1997 a 1999 encontrando-se suspenso desde 30/03/2004;

BB) Foi instaurado o processo de execução fiscal nº ……….. para cobrança das dívidas de IVA relativas aos exercícios de 1997 a 1999 encontrando-se suspenso desde 30/03/2004;

CC) A sociedade D............ prestou serviços no âmbito da agricultura à Impugnante por ser detentora de equipamentos para o efeito;

DD) A sociedade D............ tinha uma estrutura sobredimensionada para as suas necessidades pelo que prestava serviços a outras;

EE) Ambas as sociedades eram detidas na maioria do seu capital social pela mesma sociedade de capitais estrangeiros, a C.............
- Da Motivação
A matéria assente resulta da objectiva análise dos documentos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo aos mesmos juntos.
- Dos Factos Não Provados
Ao invés não resultaram assentes os factos articulados e que se mostram contrários àqueles que resultam provados, designadamente indicados sob os arts. 88, 89, 91.
- Da Motivação
A falta de prova resulta essencialmente da inexistência de demonstração dos factos alegados em desabono daqueles em que se sustenta o relatório de inspecção. Em concreto não foi indicado qualquer meio de prova idóneo a fazer periclitar as conclusões fáticas em se funda o relatório de inspecção por forma a legitimar o recurso a avaliação
indirecta da matéria tributável. Designadamente não foram juntos quaisquer documentos quando são invocados factos susceptíveis de tal – ex. falta de liquidez de tesouraria e impossibilidade de recurso ao crédito por inexistência de património apto a servir de garantia. Por outro lado a prova testemunhal indicada, e produzida, consubstanciava-se em P............ sendo este em simultâneo engenheiro agrónomo e técnico oficial de contas mas somente a partir de 2004 desenvolver atividade em colaboração com a Impugnante. Este, uma vez inquirido, veio esclarecer as relações especiais existentes entre ambas as sociedades dado serem participadas maioritariamente pela mesma sociedade de capitais estrangeiros. No mais, e em termos gerais, não logrou convencer o Tribunal quanto à matéria que foi questionado quer porque as respostas se mostravam díspares daquele que é o conhecimento e a experiência comum do julgador – ex. emissão no fim do ano de faturas relativas a monda de colheitas que ocorrem na primavera, emissão no fim do ano de faturas relativas a ceifas e colheitas que têm lugar entre julho e setembro. Com efeito, a tese de que as faturas eram emitidas quase sempre no final da campanha agrícola devido a ser nesse momento que o INGA / IFADAP procede a pagamentos não colhe pois os serviços em questão têm que ser – ou teriam que ser – pagos independentemente daquelas entidades e para além dos valores pagos. Seria assim de acordo com a lógica de uma gestão conforme às regras da boa administração e aos princípios contabilísticos
que recomendam a emissão de faturas contemporaneamente com as atividades em questão.
Por todo o exposto o depoimento da testemunha arrolada pela sociedade Impugnante foi genericamente descredibilizada.”

* *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Atentas as conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, importa decidir se a sentença padece de nulidade prevista no artigo 125.º, nº1 do CPPT por falta de exame crítico das provas, por omissão de pronúncia e decidir da verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos.

Importa destacar que seguiremos muito de perto a fundamentação vertida no Acórdão proferido por este Tribunal em 25/06/2020 no processo nº 266/05.0BEBJA cujas conclusões de recurso são idênticas às dos presentes autos, sendo as partes também as mesmas.

Refere aquele Acórdão o seguinte: “Nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência,». E o n.º 5 do mesmo artigo estabelece que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

Quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, entende-se que esta nulidade engloba não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123.º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo artigo 607.º, nº 4 do CPC.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 10/07/2015, proferido no processo nº 08473/15: «Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08)».

No caso concreto, da leitura da decisão da matéria de facto, verifica-se, sem margem para dúvidas, que o Tribunal a quo se absteve de efectuar qualquer apreciação crítica dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas arroladas pela Fazenda Pública de molde a permitir avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Nesta medida, importava, que o Tribunal a quo, em termos sintéticos mas esclarecedores e convincentes, mencionasse qual a relevância que lhe mereceu os depoimentos produzidos daquelas testemunhas, para dar como provados e não provados os factos que deu. Importava, igualmente, que o Tribunal a quo identificasse os meios de prova em que se apoiou para fixar a matéria de facto levada ao probatório, o que impede a este Tribunal sindicar a fixação dos factos relevantes para a decisão da causa.

Ora, sendo certo que a justificação da decisão da matéria de facto incompleta não determina, como sabemos, a nulidade da sentença, já a ausência dos meios probatórios que a suportam culmina a sentença do vício de nulidade por falta e especificação dos fundamentos de facto.

Por tudo se conclui que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (os artigos 125.º, nº1 do CPPT e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC), devendo ser substituída por outra que proceda ao exame de todas as provas produzidas e/ou examinadas em audiência, nos moldes referidos.”.

Importa ainda referir que a sentença omitiu pronúncia sobre a questão suscitada em sede de impugnação judicial e melhor vertida nas Conclusões iii a viii. Ocorre a nulidade resultante de omissão de pronúncia prevista no artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Daí que, em conformidade com o exposto, conclui-se que, uma vez sanada a nulidade decorrente da falta de especificação da fundamentação de facto, o Tribunal a quo proceda ao conhecimento, se nada a isso obstar, das questões cuja decisão foram omitidas (cfr. conclusões iii a viii das alegações de recurso).

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente.

* *
V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso, anulando-se a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que sane a nulidade e deficiências apontadas.

Sem custas.

Lisboa, 30/09/2020



Luisa Soares
Cristina Flora
Tânia Meireles da Cunha