Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04771/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA. ARTº.10, Nº.1, DO C.I.R.S.
TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS EM SEDE DE I.R.S.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
5. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
6. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
7. O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma.

O relator
Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.258 a 271 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2003 e no montante total de € 273.143,93.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.303 a 312 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Deve ser eliminado da matéria dada como provada na sentença recorrida, o indicado sob o nº.9;
2-Deverá ser dado como reproduzido o teor da carta enviada a todos os outorgantes pelo Notário que celebrou a escritura de 5/12/2003, pedindo a sua comparência para rectificação da mesma (doc. nº.5 junto com a p.i.);
3-A ora recorrente celebrou em 10/11/2003 com os demais interessados na partilha de bens indivisos o acordo consubstanciado no documento junto com a p.i., sob o nº.2;
4-Nesse acordo procedeu-se à partilha dos bens ali indicados e foram atribuídas à recorrente diversas verbas, que não o prédio objecto da escritura de 5/12/2003;
5-Este prédio, cuja venda veio dar origem à fixação, pela Administração Fiscal, de mais-valias, foi adjudicado aos demais herdeiros, os quais já previamente o andavam a negociar com terceiros;
6-No acordo referido nas conclusões 3 e 4 foram fixadas as tornas a pagar pelos demais interessados à ora recorrente;
7-Foi acordado que, contra o recebimento das tornas, a recorrente entregaria aos demais interessados uma procuração irrevogável para que estes pudessem formalmente fazer seu e dispor como quisessem do imóvel referido nas conclusões 4 e 5, procuração essa na qual a recorrente prescindiria da prestação de contas e recebimento de qualquer preço;
8-As tornas foram pagas e a procuração foi entregue naqueles termos, tendo-se a recorrente desinteressado e ignorado o destino do imóvel. Nada, aliás, poderia fazer;
9-O acordo celebrado em 10/11/2003 constituiu uma efectiva partilha de bens, com a condição suspensiva de serem pagas as tornas e entregue a procuração;
10-Essa condição verificou-se ainda em Novembro de 2003, antes da escritura referida, retroagindo os seus efeitos a 10 de Novembro de 2003, de harmonia com o disposto no artº.276, do Código Civil;
11-Com o acordo de 10/11/2003, verificada que foi a condição, a recorrente deixou de ter qualquer poder sobre o imóvel transaccionado a 5/12/2003;
12-Tal escritura foi para a recorrente “res inter alios”, sem qualquer reflexo na sua esfera patrimonial;
13-A recorrente não obteve com essa venda qualquer lucro, ganho, benefício ou mais-valia: o imóvel já não lhe pertencia, pois saíra da comunhão hereditária para a posse de outrem em 10/11/2003. Mesmo que quisesse, não poderia a ora recorrente obstar à venda, ou intervir no negócio;
14-A douta sentença recorrida captou mal a realidade, tendo errado na apreciação da prova;
15-Foram violadas as disposições do artº.36, nº.4, da Lei Geral Tributária, e do artº.10, do Código do I.R.S.;
16-Não tendo obtido a recorrente qualquer mais-valia respeitante ao imóvel referido, deve ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação dos autos;
17-Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.351 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.352 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.260 a 265 dos autos):
1-Através de apresentação datada de 7/10/2003, foi inscrita a transmissão por sucessão hereditária de metade do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alfragide, concelho de Amadora, sob os artigos 35, 36, 37, 38 e 39, descrito na 2ª. Conservatória de Registo Predial da Amadora sob o nº.101/060887, a favor da impugnante, de B..., de C...e de D..., como herdeiros de E... e de F... (cfr.cópia de certidão da C.R.Predial junta a fls.221 a 224 do processo administrativo apenso);
2-No dia 10/11/2003, entre a impugnante, como primeira contraente, B..., C...e D..., como segundos contraentes, I..., como terceira contraente, e G...G...e H..., como quartas contraentes, foi celebrado o contrato-promessa de partilhas, adjudicação de coisa comum e cessão de quotas que consta de fls.20 a 27 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual designadamente resulta que o prédio referido no nº.1 será vendido no imediato, nos termos e condições já negociados pelos segundos, terceira e quartas contraentes, e que a primeira contraente receberá a título de tornas a quantia de € 750.000,00, setecentos e cinquenta mil euros (cfr.documento nº.2 junto com a p.i. de fls.20 a 27 dos presentes autos);
3-No dia 10/11/2003, através de procuração irrevogável lavrada no 8º. Cartório Notarial de Lisboa, a impugnante constituiu seus procuradores B..., C...e D..., nos termos que constam de fls.36 a 39 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual designadamente resulta poderem estes promover os registos provisórios de aquisição do prédio urbano identificado no nº.1, prometer vendê-lo até ao valor de € 10.474.756, outorgar a respectiva escritura pública, receber o preço e dar quitação (cfr.documento nº.3 junto com a p.i. de fls.35 a 39 dos presentes autos);
4-O Banco Português de Negócios emitiu à ordem da impugnante o cheque bancário nº.0617822093, datado de 24/11/2003, no valor de € 750.000,00, setecentos e cinquenta mil euros (cfr.documento nº.4 junto com a p.i. a fls.40 dos presentes autos; documento junto a fls.208 dos presentes autos);
5-O Banco Português de Negócios emitiu à ordem da impugnante o cheque bancário nº.8517822095, datado de 24/11/2003, no valor de € 186.520,95, cento e oitenta e seis mil quinhentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos (cfr.documento junto a fls.208 dos presentes autos);
6-Por escritura pública datada de 5/12/2003, lavrada no 4º. Cartório Notarial de Lisboa, os herdeiros mencionados no nº.1 e demais proprietários venderam o referido prédio urbano pelo valor global de € 9.851.258,46 (nove milhões, oitocentos e cinquenta e um mil, duzentos e cinquenta e oito euros e quarenta e seis cêntimos), à sociedade “K...- Sociedade de Investimentos Turísticos e Mobiliários, S.A.” (cfr.documento nº.1 junto com a p.i. de fls.10 a 19 dos presentes autos; documento junto a fls.190 a 198 do processo administrativo apenso);
7-Através de apresentação datada de 9/12/2003, foi inscrita a aquisição do prédio a favor da “K...- Sociedade de Investimentos Turísticos e Mobiliários, S.A.” (cfr. cópia de certidão da C.R.Predial junta a fls.221 a 224 do processo administrativo apenso);
8-Na mesma data, foi inscrita a aquisição do prédio a favor do “Fundo de Investimento Imobiliário Aberto BPN Imonegócios” (cfr.cópia de certidão da C.R.Predial junta a fls.221 a 224 do processo administrativo apenso);
9-Nos termos da escritura pública referida no nº.6, a impugnante recebeu as quantias de € 835.889,85 em 21/11/2003, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, e de € 395.517,46 em 05/12/2003, no acto da celebração da escritura (cfr. documento nº.1 junto com a p.i. de fls.10 a 19 dos presentes autos; documento junto a fls.190 a 198 do processo administrativo apenso);
10-Nesta escritura pública, a impugnante foi representada pelo irmão B..., nos termos da procuração irrevogável mencionada no nº.3 (cfr. documento nº.3 junto com a p.i. de fls.35 a 39 dos presentes autos);
11-No dia 11/09/2007, o notário Carlos ...dirigiu cartas à impugnante e demais herdeiros, para efeito de rectificação da escritura mencionada no nº.6, na sequência de iniciativa da impugnante, que não foi aceite pelos demais herdeiros (cfr.documento nº.5 junto com a p.i. de fls.41 a 43 dos presentes autos);
12-A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva interna com origem na ordem de serviço nº.01200705786, de 30/07/2007, cujo relatório aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual resultou a fixação de rendimentos decorrentes de mais-valias (categoria G), derivadas da alienação do imóvel identificado no nº.1 (cfr.cópia de relatório junta a fls.116 a 122 do processo administrativo apenso);
13-Em consequência do que foi emitida a liquidação adicional de I.R.S. nº. 20075004574805, no valor de € 240.885,13, e a liquidação de juros compensatórios nº. 20072000224, no valor de € 32.258,80, com data limite de pagamento voluntário no dia 26/12/2007 (cfr.documentos juntos a fls.245 a 249 do processo administrativo apenso);
14-Para efeito de cobrança coerciva da dívida, foi extraída certidão e instaurado o processo de execução fiscal nº.1503-2008/102023.4, o qual se encontra suspenso (cfr.documentos juntos a fls.177 e 249 do processo administrativo apenso);
15-No dia 22/02/2008, a impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referenciadas no nº.13, à qual coube o nº.1503200804000897 (cfr.documento nº.6 junto com a p.i. de fls.44 a 46 dos presentes autos; processo de reclamação graciosa apensa aos presentes autos);
16-No dia 23/05/2008, a impugnante apresentou a presente impugnação judicial (cfr.data de entrada da p.i. aposta a fls.3 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto quanto aos nºs.1 a 16 efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos números do probatório, em conjugação com a prova testemunhal que de seguida se analisa.
Neste particular, a prova testemunhal ouvida nestes autos serviu, no essencial, para corroboração dos factos já resultantes dos aludidos documentos. Assim, a testemunha António Domingues, que interveio como representante da adquirente na escritura pública, limitou-se a falar da sua intervenção na compra do imóvel, desconhecendo qualquer facto de relevante quanto à participação da impugnante na mesma, até por não a conhecer; a testemunha Antónia Carreira, solicitadora, apenas soube explicar que a impugnante veio ter com ela para formalizar os registos da partilha, mas com documentos insuficientes, por inexistir escritura definitiva da mesma; a testemunha Marco Teixeira, bancário, nada sabia de relevante; a testemunha Carlos ..., notário com intervenção na partilha em causa, esclareceu assertivamente que a tentativa de rectificação da escritura partiu da impugnante, que pretendia alterar o respectivo teor, com o que os demais herdeiros não concordaram, assim contribuindo para a prova do facto constante do nº.11; a testemunha ..., marido da impugnante, e como tal directamente interessado no presente dissídio, esclareceu que a sua mulher recusava participar na escritura de venda do imóvel e que nem sequer soube da data da sua realização; no tocante à sua afirmação de que o valor das tornas foi acordado antes de estar assente o preço de venda do imóvel, foi frontalmente contrariado pela testemunha B..., irmão da impugnante e co-herdeiro, que afirmou ter a sua irmã recebido a parte que lhe cabia pela venda do imóvel; a contradição entre os depoimentos destas duas últimas testemunhas, conjugado com o teor dos documentos relativos ao contrato-promessa de partilha, por definição um contrato não definitivo, à procuração irrevogável e à escritura de compra e venda, não permitiu extrair o facto invocado pela impugnante que o montante por si recebido fosse estranho ao valor de venda do imóvel…”.
X
A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, pelo que este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
17-Relativamente ao ano de 2003, a impugnante/recorrente, A..., com o n.i.f. 129 165 310, não apresentou declaração de rendimentos modelo 3 em sede de I.R.S. (cfr.cópia de relatório junta a fls.116 a 122 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.244 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.257 a 266 do processo administrativo apenso);
18-A liquidação adicional mencionada no nº.13 do probatório teve por fundamento rendimentos decorrentes de mais-valias (categoria G), derivadas da alienação do imóvel identificado no nº.1 da matéria de facto, sendo obtidos pela impugnante/recorrente no ano de 2003 (cfr.cópia de demonstração de liquidação junta a fls.247 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.257 a 266 do processo administrativo apenso);
19-A tributação das aludidas mais-valias foi efectuada ao abrigo do artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., sendo apuradas pela diferença entre o valor de realização, o constante da escritura identificada no nº.6 do probatório (€ 9.851.258,46), e o valor de aquisição, o constante do processo de imposto sucessório instaurado no ano de 1991 por óbito de E... (€ 10.504,68), imputanto-se à impugnante/recorrente 1/8 dos referidos valores e concluindo-se com a redução a 50% dos rendimentos apurados, visto só estes serem considerados mais-valias, pelo que o valor do rendimento líquido que serviu de base de cálculo do imposto a pagar se cifrou em € 614.679,83 (cfr.documento resumo do cálculo do imposto junto a fls.204 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.257 a 266 do processo administrativo apenso).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de considerar legal o apuramento da matéria colectável, em sede de rendimentos de categoria G, e consequente liquidação, levadas a efeito pela A. Fiscal, relativamente ao ano fiscal de 2003 do impugnante/recorrente e na cédula de I.R.S.
X
Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 685-A, do C.P.Civil; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que deve ser eliminado da matéria dada como provada na sentença recorrida, o indicado sob o nº.9 do probatório. E que deverá ser dado como reproduzido o teor da carta enviada a todos os outorgantes pelo Notário que celebrou a escritura de 5/12/2003, pedindo a sua comparência para rectificação da mesma, conforme consta do documento nº.5 junto com a p.i. (cfr. conclusões 1 e 2 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à sentença recorrida erros de julgamento de facto.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida (cfr.ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.6028/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Voltando ao caso concreto, e começando pela factualidade que o recorrente pretende que seja eliminada da factualidade provada, o nº.9 do probatório, dir-se-á que tal matéria de facto se encontra devidamente fundamentada, conforme supra exposto. Concretizando, tal factualidade tem por base o exame do documento nº.1 junto com a p.i. pelo recorrente e constante de fls.10 a 19 dos presentes autos (cópia de escritura pública de compra e venda - com a força probatória constante dos artºs.371 e 387, do C.Civil). Em tal produção de prova o Tribunal “a quo” igualmente levou em consideração o exame dos depoimentos testemunhais produzidos, tudo conforme a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida e supra exposta. Pelo contrário, e também como decidiu o Tribunal “a quo”, o recorrente não produziu prova que pusesse em causa o conteúdo do mencionado documento junto a fls.10 a 19 dos presentes autos, assim sendo de rejeitar o seu pedido de eliminação de tal número do probatório e, nessa medida, se confirmando a decisão recorrida neste segmento.
Passando ao segundo vector que o recorrente pretende ver alterado no probatório, defende este que se deverá dar como reproduzido o teor da carta enviada a todos os outorgantes pelo notário que celebrou a escritura de 5/12/2003, pedindo a sua comparência para rectificação da mesma escritura, conforme consta do documento nº.5 junto com a p.i. Ora, tal factualidade já consta da matéria de facto, para tanto se remetendo o apelante para o nº.11 do probatório, embora com um trecho final resultante da produção de prova testemunhal, excerto este que tem a ver com a discordância dos demais herdeiros com a proposta de alteração do conteúdo da escritura de compra e venda já realizada. Pelo que, também quanto a este ponto, se concorda com a decisão recorrida e se indefere a proposta de alteração do probatório efectuada pelo recorrente.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Aduz o apelante, igualmente, que recebeu tornas em virtude do acordo celebrado em 10/11/2003, o qual constituiu uma efectiva partilha de bens. Que a escritura de 5/12/2003 foi para a recorrente “res inter alios”, sem qualquer reflexo na sua esfera patrimonial. Que não obteve com essa venda qualquer lucro, ganho, benefício ou mais-valia, dado que o imóvel já não lhe pertencia, pois saíra da comunhão hereditária para a posse de outrem em 10/11/2003. Que foram violadas as disposições do artº.36, nº.4, da Lei Geral Tributária e do artº.10, do Código do I.R.S. (cfr.conclusões 3 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
“In casu”, o recorrente defende que não obteve com a venda do imóvel identificado no nº.1 do probatório qualquer lucro, ganho, benefício ou mais-valia, dado que o imóvel já não lhe pertencia, assim não existindo fundamento para a estruturação da liquidação de I.R.S. efectuada pela Fazenda Pública.
Pelo contrário, a A. Fiscal baseia a liquidação adicional objecto do presente processo no pressuposto de que tal venda gerou mais-valias para o impugnante/recorrente enquadráveis em sede de I.R.S. no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., mais sendo tributáveis como rendimentos de categoria “G” (cfr.nºs.12, 13, 18 e 19 do probatório).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma (cfr.ac.T.C.A.Sul, 31/1/2012, proc.4966/11; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.136 a 139).
Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas referidas nas diversas alíneas do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., só originará uma mais-valia tributável enquanto tal se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto um rendimento da categoria “B”. Estaremos sempre perante ganhos inesperados ou imprevistos, conforme referido acima, os quais não podem ser produto de uma actividade económica apostada em obtê-los (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.135 a 137).
No caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto provada e já se mencionou supra (cfr.nºs.12, 13, 18 e 19 da matéria de facto provada), o impugnante/recorrente não conseguiu fazer prova da factualidade que alegou na p.i. (de que nada recebeu com a venda do imóvel em questão nos presentes autos - artº.74, nº.1, da L.G.Tributária). Pelo contrário, do probatório retira-se a conclusão de que recebeu o montante de € 1.231.407,31 em virtude da venda do mesmo imóvel, sendo que tal situação é enquadrável na norma de incidência constante do artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., enquanto ganho inesperado ou imprevisto sujeito a tributação em mais-valias, mais sendo tributável como rendimentos de categoria “G”, da cédula do I.R.S., como defende a A. Fiscal, vector que fundamentou a liquidação objecto do presente processo.
Por último, refira-se que, obviamente, o acto tributário impugnado e a sentença recorrida não violam as disposições do artº.36, nº.4, da Lei Geral Tributária e do artº.10, do Código do I.R.S., contrariamente ao que defende o recorrente.
Nestes termos, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre de qualquer dos vícios que lhe são assacados pelo apelante, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Ofício junto a fls.378 dos presentes autos: após trânsito, satisfaça remetendo cópia certificada do presente acórdão.
X
Lisboa, 22 de Janeiro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)