Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05650/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/09/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRC.
RETENÇÃO NA FONTE.
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS.
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE.
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS.
DIREITO COMUNITÁRIO.
DUPLA TRIBUTAÇÃO.
REVISÃO OFICIOSA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:I) A partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes.

II) Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.

III) A aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente.

IV) Assim, e com vista a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT celebrada com Espanha tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional, que vimos ocorrer. Tal só se verificará se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento.

V) No caso concreto, vimos que a retenção suportada em Portugal sobre os dividendos distribuídos pelo BCP à Impugnante, nos anos em causa, não pode, por esta, ser recuperada. Como efeito, e como se deixou dito já, por força da isenção de tributação dos rendimentos em causa vigente na lei espanhola e aplicável à Impugnante, esta encontra-se impossibilitada de, por via do crédito de imposto eventualmente a reconhecer aquando da declaração em Espanha dos rendimentos correspondentes àqueles dividendos, recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado.

VI) Ora, atento o disposto na alínea a) do artigo 23° da CDT celebrada com Espanha, esta apenas permite a dedução do montante da retenção com o limite do imposto espanhol que corresponder a esses dividendos, que, no caso, é zero, pelo que importa concluir que a retenção na fonte efectuada à Impugnante não pode ser recuperada.

VII) Verifica-se, pois, que a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário a que se fez referência anteriormente.

VIII) Nos casos de revisão oficiosa da liquidação, a realidade não tem esta amplitude nos termos já expostos, sendo que apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º n.º 3 da LGT, sendo que os mesmos são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada”,
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30-12-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por “B…………………., SL” na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, datado de 15/11/2007, determinando a anulação dos actos de retenção na fonte efectuados nos anos 2003 a 2005, no montante total de €2.991.255,37, reconhecendo, ainda, o direito a juros indemnizatórios a favor da Impugnante.

Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 404-420 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o direito comunitário tinha sido violado, ou seja, o impugnante foi discriminado em relação aos residentes do Estado-Membro, porquanto não poderia deduzir no seu Estado-Membro o correspondente a 15% do dividendo pago, por os mesmos serem isentos de tributação na lei espanhola e, porque a CDT celebrada com Espanha só permite a dedução do montante de retenção com o limite do imposto espanhol que corresponder a esses dividendos que, no caso é zero. Assim, verifica-se a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário.
II – Por outro lado, a douta sentença considerou que haveria lugar a juros indemnizatórios por erro ser imputável aos serviços
III - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos. Por outro lado, se a reclamação graciosa seria tempestiva para os exercícios de 2003, 2004 e 2005 bem como a ilegitimidade da impugnação.
IV – A Fazenda Pública considerou a ilegitimidade porquanto o impugnante não havia nomeado um representante fiscal, não obstante ter nomeado um mandatário ou representante forense, o que são figuras distintas.
V – Pelo facto da ilegitimidade ser uma excepção que conduz à absolvição do pedido, a qual foi requerida, tendo o Tribunal a quo considerado que o impugnante tinha nomeado representante fiscal em 05/10/2007, o qual não consta do cadastro da Administração Tributária, tendo-se violado o art.º 19.º n.º 5 da LGT.
VI – Além da ilegitimidade foi alegado pela Fazenda Pública a tempestividade da impugnação, tendo-se referido que sendo o pedido de revisão oficiosa intempestivo ter-se-á de considerar a impugnação intempestiva.
VII – Relativamente à causa decindendi, a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.
VIII – O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art.º 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
IX – Ora, se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, Espanha, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.
X – Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, BCP, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
XI – Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
XII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art.º 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”

A recorrida “B………………., SL” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1.ª O presente recurso, interposto pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, visa reagir contra a sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, em 15 de Novembro de 2007, contra os atos de retenção na fonte efectuados nos anos de 2003 a 2005, reconhecendo-se, ainda, o direito a juros indemnizatórios a favor da ora Recorrida;
2.ª No recurso interposto pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, invoca-se, por um lado, a exceção da ilegitimidade da ora Recorrida, pelo facto de, alegadamente, não ter nomeado representante fiscal em Portugal, tendo-se por conseguinte violado o artigo 19.º, n.º 5 da LGT, e por outro lado, a exceção da intempestividade da impugnação judicial, por entender que a revisão oficiosa foi intempestiva, e, por fim, quanto ao thema decidendum, pugna-se ainda que a douta sentença recorrida não ponderou devidamente os factos mencionados pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes, não sendo, consequentemente devidos juros indemnizatórios;
3.ª Sucede que, não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida;
4.ª Importa, a título prévio, constatar que, em face do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 685.º-A do CPC, bem como do n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, as conclusões que subjazem nas alegações apresentadas pela Ilustre Representante da Fazenda Pública são, em face da argumentação por si aduzida, manifestamente insuficientes;
5.ª Desde logo, no que concerne à exceção da ilegitimidade da Recorrida, contestando a Recorrente matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, impunha-se que a Recorrente houvesse obrigatoriamente especificado nas suas conclusões, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados na sentença recorrida, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não sucedeu, razão pela qual este fundamento deve, no que ora releva, ser rejeitado e, consequentemente, o presente recurso por força da violação do disposto no n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 0724/10);
6.ª Acresce que, por um lado, nos artigos 25.º a 29.º das alegações de recurso evoca a Ilustre Representante da Fazenda Pública, a exceção da intempestividade da revisão oficiosa, invocando, para o efeito, o artigo 78.º da LGT, sem que, todavia, indique nas respectivas conclusões a violação de qualquer norma jurídica (cf. ponto VI das alegações de recurso) e, por outro lado, quanto ao thema decidendum, não há nas conclusões apresentadas a invocação dos preceitos de direito comunitário que sustentam a sua posição, conforme referidos nas suas alegações;
7.ª Pelo que, atento o supra citado artigo 685.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, tratando-se de uma questão de direito as conclusões das alegações de recurso deverão indicar as normas jurídicas e o sentido com que as mesmas se encontram violadas, o que não sucedeu, tendo, assim, a Ilustre Representante da Fazenda Pública incumprido o ónus de formular conclusões (cf., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Abril de 2000, do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 0226/10, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 0981/09);
8.ª Por fim, saliente-se ainda que relativamente ao thema decidendum, a Recorrente invoca em sede de alegações que a Recorrida não cumpriu com os pressupostos previstos no artigo 14.º, n.º 3 do Código do IRC, todavia, nas respectivas conclusões de recurso, não há qualquer referência a este fundamento, o que consubstancia uma violação do artigo 685.º-A, n.º 2, do CPC nos termos supra enunciados, não devendo, por conseguinte ser o mesmo relevado na delimitação do objecto de recurso atento o incumprimento do ónus legal de formular conclusões;
9.ª Acresce que, contestando-se a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, impunha-se então que houvesse obrigatoriamente especificado nas suas conclusões, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados na sentença recorrida, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não sucedeu, razão pela qual este fundamento deve, no que ora releva, ser rejeitado o recurso por força da violação do disposto no n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 0724/10);
10.ª Sem prejuízo do exposto, no que concerne à alegada exceção da ilegitimidade da Impugnante, ora Recorrida, como bem se entende na sentença recorrida, a mesma não se verifica no caso vertente, devendo o recurso ser rejeitado nesta parte por violação do disposto no artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, bem como ser julgado improcedente quer por tal nomeação ter sido efectuada e devidamente comunicada à administração tributária, quer ainda por a mesma não ser legalmente exigível;
11.ª Assim, conforme supra se mencionou na 5.ª conclusão, no que concerne à exceção da ilegitimidade da Recorrida, contestando a Recorrente matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, qual seja, a designação de representante fiscal em Portugal, em 05.10.2007 (cf. ponto 4 da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida), impunha-se que a Recorrente houvesse obrigatoriamente especificado nas suas conclusões, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados na sentença recorrida, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não sucedeu, razão pela qual este fundamento deve, no que ora releva, ser rejeitado e, consequentemente, o presente recurso por força da violação do disposto no n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 0724/10);
12.ª Sem prejuízo do exposto, e conforme supra se aduziu, contrariamente ao pugnado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, a ora Recorrida procedeu à nomeação de representante fiscal em Portugal (cf. ponto 4 da fundamentação de facto da sentença recorrida), cumprindo, assim, com o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 19.º da LGT, conforme se constata pela escritura pública de 5 de Outubro de 2007, na qual designou como seu representante fiscal em Portugal o Senhor Dr. Fernando Castro Silva, tendo procedido ao seu registo junto dos competentes serviços da administração tributária, não podendo, assim, tal eventual falta de indicação do respectivo representante Fiscal no cadastro da Impugnante, ora Recorrida, só pode estar errada, não podendo qualquer omissão ser-lhe imputada;
13.ª Com efeito, conforme resulta da matéria de facto prova na sentença recorrida (cf. pontos 4 e 5 da fundamentação de facto), de acordo com os documentos juntos com a reclamação graciosa (cf. juntada da mesma), bem como dos documentos juntos com a resposta da Impugnante, ora Recorrida, à contestação apresentada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública (cf. requerimento datado de 16.07.2009 junto aos autos de impugnação judicial), o Sr. Dr. Fernando …………… foi designado pela Recorrida como seu representante fiscal, em 05.10.2007, e nessa mesma data, por documento notarial distinto, igualmente junto em sede de reclamação graciosa (cf. juntada da mesma), bem como em sede da resposta da Impugnante, ora Recorrida, à contestação apresentada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública (cf. requerimento datado de 16.07.2009 junto aos autos de impugnação judicial), foi outorgada procuração forense, tendo, entre outros, sido atribuído mandato ao Sr. Dr. Fernando …………., tendo ainda sido atribuídos n.º distintos àqueles documentos;
14.ª De resto, não pode a Ilustre Representante da Fazenda Pública, ora Recorrente, alegar o desconhecimento da nomeação do Senhor Dr. Fernando …………., como representante fiscal da Recorrida, quer porque o registo de representante fiscal foi por si operado (cf. ponto 5 da fundamentação de facto), quer ainda porque, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º 400351.9/08 (036/08 ECA), cujos termos correram junto da Equipa III da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, da Direcção-Geral dos Impostos, em que era objecto de reclamação o ato de retenção na fonte respeitante ao exercício de 2007, a administração tributária considerou que a ora Recorrida efetivamente nomeou representante fiscal e, por conseguinte, apresenta legitimidade para a apresentação daquela reclamação;
15.ª Em face do exposto, tendo a Impugnante, ora Recorrida, procedido à nomeação de representante fiscal, assim como à comunicação dessa nomeação junto da administração tributária, e encontrando-se junta aos autos prova quer dessa nomeação, quer da respetiva comunicação, deve a alegada exceção da ilegitimidade ser julgada improcedente, mantendo-se a decisão recorrida;
16.ª Sem prejuízo do exposto, e sem conceder, não pode a Recorrida conformar-se com a argumentação aduzida pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, segundo a qual a falta de nomeação de representante fiscal em Portugal faz precludir o exercício dos direitos de reclamação e impugnação perante a administração tributária, sob pena, como bem referiu o Tribunal a quo se afrontar o estatuído no artigo 20.º da CRP, conduzindo à subversão dos princípios básicos estruturantes do Estado de Direito, nomeadamente, os princípios da legalidade e da justiça, bem como dos princípios comunitários da livre circulação de pessoas e capitais (cf. artigos 18.º e 56.º do TCE) (cf. acórdão do TJUE, de 5 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º C-267/09);
17.ª Ademais, a representação exigida no artigo 19.º da LGT, para efeitos de domicílio fiscal, é motivada pela necessidade de assegurar o contacto entre o sujeito passivo residente ou, se residente ausente por um período superior a seis meses, e a Administração Tributária, pelo que, no âmbito do exercício dos direitos de reclamação e impugnação perante a administração tributária este contacto pode ser efectivado através do mandato constituído nos termos do disposto no artigo 40.º do CPC, especialmente quando na outorga de poderes ao mandatário, com escritório em Portugal, se confiram poderes especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a administração tributária, como é o caso dos autos, o que é comprovado pela procuração junta em sede de reclamação graciosa;
18.ª Por fim, refira-se que foi exatamente no cumprimento do desiderato imposto pela decisão do referido acórdão que se procedeu à alteração do artigo 19.º da LGT, pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), no sentido de a designação de representante passar a ser meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados-Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado-Membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia;
19.ª Pelo que, também com este fundamento improcede a alegada exceção da ilegitimidade da Impugnante, ora Recorrida, devendo, por conseguinte, manter-se a sentença recorrida;
20.ª Admitindo-se ainda, por mero dever de patrocínio, que não procede o supra exposto quanto à não verificação in casu da exceção da ilegitimidade da Impugnante, não pode a ora Recorrida deixar de requerer a ampliação do objecto do recurso mediante a impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, nos termos do artigo 684.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, porquanto entende que foi incorretamente julgado o ponto 6 da matéria de facto, já que sempre se impunha decisão diversa, no sentido de se considerar provada a relevação de nomeação do Sr. Dr. Fernando………….como representante fiscal em Portugal da Impugnante, ora Recorrida, junto da administração tributária portuguesa, conforme print da situação cadastral daquele obtido no Portal das Finanças, que ora se junta como documento n.º 1;
21.ª E, neste sentido, impunha-se, uma vez mais concluir que, contrariamente ao invocado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, resulta demonstrada a nomeação de representante fiscal pela ora Recorrida e a sua devida relevação no sistema cadastral da administração tributária, razão pela qual também com este fundamento improcede a alegada exceção da ilegitimidade da Impugnante, ora Recorrida, devendo, por conseguinte, manter-se a sentença recorrida;
22.ª Acresce que, de igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se considera implicitamente como não provado o facto acima indicado, porquanto ainda que não conste do probatório fixado na sentença recorrida, resulta do supra exposto um facto que deve, para todos os efeitos, ser relevado como facto provado na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância do mesmo para a demonstração da improcedência da exceção da ilegitimidade da Impugnante, ora Recorrida, razão pela qual, também neste caso, importa concluir ser improcedente o recurso da Ilustre Representante da Fazenda Pública, devendo, por conseguinte, manter-se a sentença recorrida;
23.ª Por fim, quanto à junção do referido documento, em face do disposto no artigo 706.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, tornando-se aquele documento essencial apenas após a decisão proferida em primeira instância, não deve a Recorrida ser condenada em multa, nos termos do artigo 523.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
24.ª Todavia, admitindo-se a condenação em multa pela alegada apresentação tardia do documento, nos termos do artigo 523.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre deverá aquele documento permanecer junto aos autos (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 24 de Março de 2009, no processo n.º 02794/09);
25.ª No que concerne à alegada exceção da intempestividade da impugnação judicial entendeu, e bem, o Tribunal a quo não se verificar a mesma no caso vertente;
26.ª Com efeito, e desde logo, refira-se que, pese embora se invoque a exceção de intempestividade da impugnação judicial, em virtude da alegada intempestividade da revisão oficiosa apresentada, a Ilustre Representante da Fazenda Pública, e a própria administração tributária, não controvertem que, havendo erro nos pressupostos de direito da relação jurídica tributária, por violação do direito comunitário, o erro é imputável aos serviços para efeitos do disposto no artigo 78.º da LGT;
27.ª Resultando evidente que existe erro nos pressupostos de direito da relação jurídica tributária por violação do direito comunitário, como o Tribunal Recorrido entendeu, e bem, deve concluir-se pela tempestividade da revisão oficiosa e, consequentemente, da impugnação judicial apresentada, improcedendo assim a exceção invocada, mantendo-se a douta sentença recorrida;
28.ª Sem prejuízo da contestação de cada um dos fundamentos invocados nas alegações de recurso da Ilustre Representante da Fazenda Pública, importa, antes do mais, atentar no regime de tributação de dividendos, aplicável à data da liquidação dos atos de retenção na fonte sub judice, quando pagos a entidades fiscalmente residentes em território português e a entidades fiscalmente residentes em outro Estado-Membro e, por outro lado, a violação do direito comunitário em que incorrem as normas do direito interno português, para que dúvidas não subsistam quanto à ilegalidade dos atos tributários sub judice, bem como do alegado no recurso sob apreciação;
29.ª No que concerne à tributação de dividendos pagos a entidades fiscalmente residentes em Portugal, é possível traçar as seguintes conclusões com referência à tributação de dividendos distribuídos a entidades fiscalmente residentes em território português por entidade participada igualmente residente à data dos factos sub judice:
i. possibilidade de dispensa de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos [isto é, quando (i) partes sociais que perfaçam uma percentagem de participação de, pelo menos, 10% do capital social ou, alternativamente, (ii) partes sociais com um valor de aquisição não inferior a € 20.000.000,00 (vinte milhões de Euros), e, essas partes sociais hajam permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos dividendos pela entidade participada] ou, quando tal não se verifique, da sua dedução ou reembolso;
ii. dedução à base tributável para efeitos de determinação do IRC do exercício dos dividendos distribuídos, quando cumpridos os requisitos do artigo 46.º, n.º 1, do Código do IRC (atual artigo 51.º)
30.ª No que respeita à tributação de dividendos pagos a entidades fiscalmente residentes em outro Estado-Membro da União Europeia, ao invés da neutralidade de tributação dos lucros distribuídos por entidades fiscalmente residentes em Portugal a outra entidade fiscalmente residente em território português, anteriormente à redação do n.º 3 do artigo 14.º do Código do IRC introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), uma entidade residente em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia, ainda que detivesse uma participação nos precisos termos exigidos pelo artigo 46.º do Código do IRC (atual artigo 51.º), sempre se encontrava em Portugal sujeita a tributação por retenção na fonte, a título definitivo, sem qualquer possibilidade de dedução ou reembolso integral posterior, porquanto os requisitos previstos naquele artigo eram, à data dos factos, mais exigentes com referência à existência de participação qualificada (apenas quando houvesse uma detenção direta de uma participação no capital social da sociedade distribuidora não inferior a 20%);
31.ª Assim, embora se pudesse encontrar excluída a tributação dos dividendos distribuídos a entidades residentes em outro Estado-Membro da União Europeia quando preenchidos os requisitos da “Diretiva Mães-Filhas”, fora do seu alcance permaneciam situações, como a da Recorrida, em que, embora fossem cumpridos os pressupostos de aplicação do artigo 46.º do Código do IRC, na redação à data dos factos (atual artigo 51.º), não beneficiavam da neutralidade de tributação consagrada para os residentes em território português pela simples circunstância de serem residentes em outro Estado-Membro, sendo a tributação efectuada por via de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 20%, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 4, do artigo 80.º, da alínea c) do n.º 1 do artigo 88.º, e da alínea b) do n.º 3 deste último artigo, todos do Código do IRC, na redação à data aplicável (atuais artigos 87.º e 94.º);
32.ª Acresce que, como bem se pugnou na sentença recorrida, nem sequer pode ser invocada para evitar a aludida diferenciação de tributação a possibilidade de aplicação da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, uma vez que este instrumento apenas permitirá a redução da taxa efetiva de tributação, à data dos factos, de 20%, para 15% e não a exclusão da tributação efetiva, quer por dispensa de retenção na fonte, quer pelo seu posterior reembolso, nos termos do quadro normativo supra explicitado;
33.ª Impõe-se, assim, concluir que a ora Recorrida, no que à retenção na fonte de IRC sobre os dividendos supra identificados diz respeito, viu-se sujeita a um tratamento fiscal menos favorável do que o aplicado a uma entidade fiscalmente residente em Portugal, afigurando-se evidente que o critério que distingue, em termos de tratamento fiscal a ora Recorrida de uma outra entidade residente em Portugal é, tão-somente, a residência (aliás, consciente desta ilegalidade, o legislador promoveu a alteração da redação do artigo 14.º do Código do IRC pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, equiparando os pressupostos para o benefício da isenção de tributação aos constantes no artigo 46.º, atual 51.º, do Código do IRC);
34.ª Quanto à violação do direito comunitário, de facto, resulta do disposto nos artigos 12.º, 43.º, 48.º e 56.º do TCE (atuais artigos 18.º, 49.º, 63.º e 65.º do TFUE) que a legislação nacional de um Estado-Membro que proceda à tributação diferenciada de contribuintes residentes e de contribuintes não residentes, se revela contrária aos princípios comunitários da não discriminação em razão da nacionalidade, da proibição de restrição à liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais;
35.ª No mesmo sentido tem pugnado a jurisprudência do TJUE, nomeadamente, nos âmbito dos acórdãos proferidos no Caso C-170/05 (Denkavit International), de 14 de Dezembro de 2006, no Caso C-379/05 (Amurta SGPS), de 8 de Novembro de 2007, no Caso C-540/07 (Comissão/Itália), de 19 de Novembro de 2009, no Caso C-487/08 (Comissão/Espanha), 3 de Junho de 2010, e no Caso C-199/10 (Secilpar), de 22 de Novembro de 2010;
36.ª Em suma, as regras portuguesas supra mencionadas determinavam que uma sociedade não residente suportasse o encargo de uma tributação efetiva sobre os dividendos distribuídos, excluindo totalmente desta tributação as sociedades residentes que se encontrassem nas mesmas condições objectivas, podendo, em síntese, o tratamento fiscal diferenciado e discriminatório ser traçado da seguinte forma:
i. uma entidade fiscalmente residente em Portugal, detendo uma participação social nos mesmos termos da ora Recorrida, poderá, no limite, sofrer uma retenção na fonte à taxa de 15%, que, caso se verifique, apresenta impacto meramente financeiro, porquanto o imposto retido lhe será restituído aquando da entrega da respectiva declaração Modelo 22;
ii. uma entidade não residente, como a Recorrida, sofre uma retenção na fonte de IRC à taxa de 25% ou 20% (consoante o ano de tributação), com impacto efetivo, porquanto jamais o poderá recuperar.
37.ª Com efeito, embora a Recorrida detenha uma participação cujo valor de aquisição é superior a € 20.000.000,00 e que foi mantida, de forma ininterrupta, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros não pôde, nos anos acima aludidos, beneficiar da dispensa de retenção na fonte ou da sua dedução, apenas com fundamento na sua residência, o que se afigura inaceitável, por contrário ao direito comunitário, determinando a ilegalidade da retenção sofrida, não permitindo a CDT celebrada entre Portugal e Espanha a recuperação do imposto retido na fonte e não reembolsado à Recorrida, pelo que a diferença de tratamento decorrente da aplicação da legislação portuguesa não é neutralizada pela aplicação da CDT;
38.ª Como reconheceu o TJUE nos acórdãos supra citados, e bem se pugna na sentença recorrida, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente, pelo que não permitindo in casu a legislação espanhola eliminar a dupla tributação, não pode Portugal eximir-se da obrigação de não violação do princípio de não descriminação, da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais;
39.ª Em face do exposto, importa pois concluir que a retenção na fonte de IRC se afigura ilegal na parte correspondente a 15% do dividendo pago, por contrária ao direito comunitário, devendo, consequentemente, as quantias indevidamente retidas ser reembolsadas à Recorrida, acrescidas dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
40.ª Esclarecido o regime de tributação dos dividendos face às normas internas portuguesas em vigor à data da liquidação dos atos de retenção na fonte sub judice, bem como a respectiva violação do direito comunitário, dúvidas não subsistem quanto à ilegalidade dos atos tributários sub judice, tendo nessa medida a sentença recorrida determinado, e bem, a sua anulação.
41.ª Neste sentido, é pois evidente, ser manifestamente improcedente a argumentação aduzida pela Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações de recurso face ao supra invocado, para que se remete na íntegra.
42.ª Importa, desde logo, aclarar que, não obstante a ora Recorrida não ter invocado a violação do princípio da igualdade ou da tributação do lucro real, nas alegações de recurso da Ilustre Representante da Fazenda Pública pugna-se que a posição do receptador dos dividendos nunca é idêntica quer seja residente, quer seja não residente atendendo, ao modo como esse rendimento vai integrar ou não o seu lucro tributável, constituindo dado assente que a matéria fiscal constitui competência dos Estados-membros, existindo apenas alguma uniformização das legislações internas, maxime face à obrigação de transposição nesta matéria da Diretiva n.º 90/435/CE;
43.ª Ora, conforme se pugnou, não assiste qualquer razão ao alegado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, desde logo, por a aplicação e a desconformidade, ou não, do n.º 6 do artigo 46.º do Código do IRC, na redação à data aplicável (atual artigo 51.º) não se afigura relevante para apreciação da situação concretamente em causa;
44.ª Por outro lado, improcede igualmente o evocado quanto à justificada diferenciação entre residentes e não residentes assente no facto de a sua forma de tributação ser diferenciada, porquanto, como resulta evidente do exposto, as regras portuguesas supra mencionadas, à data dos factos, determinam que uma sociedade não residente suporte o encargo de uma tributação efetiva sobre os dividendos distribuídos, excluindo totalmente desta tributação as sociedades residentes que se encontrem nas mesmas condições objectivas, pelo que atenta as disposições legais aplicáveis no caso sub judice, o tratamento fiscal diferenciado e discriminatório resulta, nomeadamente, da circunstância de uma entidade fiscalmente residente em Portugal, detendo uma participação social nos mesmos termos da ora Recorrida, poder, no limite, sofrer uma retenção na fonte à taxa de 15%, que, caso se verifique, se consubstancia num impacto meramente financeiro, porquanto o imposto retido lhe será restituído aquando da entrega da respectiva declaração Modelo 22, enquanto uma entidade não residente, como a Recorrida, sofre uma retenção na fonte de IRC à taxa de 25% ou 20% (consoante o ano de tributação), com impacto efetivo, porquanto jamais o poderá recuperar (cf. neste sentido, a sentença recorrida, página 22 da mesma);
45.ª Por fim, também não pode a Recorrida deixar de discordar com a administração tributária quando invoca que o conceito de discriminação em direito fiscal internacional permite o tratamento diferenciado de residentes e não residentes, como, em regra, a sua situação não é comparável porque apresentam diferenças tanto do ponto de vista da fonte do rendimento como da capacidade contributiva, remetendo-se todavia a sua contestação no âmbito do segundo fundamento apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, a propósito do alcance do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE;
46.ª Por fim, cumpre esclarecer que a Recorrida não questiona a correta transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva 90/435/CEE, no entanto, esta situação não significa que seja permitido ao Estado Português aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo TCE (cf. neste sentido a jurisprudência comunitária vertida no acórdão Amurta SGPS, bem como nos acórdãos Comissão/Itália, Comissão/Espanha e no despacho Secilpar);
47.ª Com efeito, no caso sub judice não se encontra em causa a transposição desconforme da referida Diretiva pelo legislador português, mas sim o facto de a lei fiscal portuguesa à data dos factos ser violadora do direito comunitário, ainda que respeitando o quadro legal imposto por aquela diretiva comunitária;
48.ª Ou seja, como bem se entende na jurisprudência comunitária, não se afigura procedente o argumento de que a diferença de tratamento entre residentes e não residentes constante na sua legislação interna não era discriminatória, uma vez que se encontra conforme as imposições decorrentes da Diretiva 90/435/CEE, não podendo a harmonização imposta ultrapassar o que é imposto pela diretiva aos Estados-Membros;
49.ª Acresce que, este entendimento surge, desde logo, corroborado com o facto de a Comissão Europeia, na sequência da prolação do acórdão Denkavit International, ter instaurado contra Portugal, em 22 de Janeiro de 2007, o processo de infracção n.º IP/07/66 (processo n.º 2006/4104 da Comissão), no âmbito do qual solicitou ao Estado Português a alteração da sua legislação de modo a deixar de tributar de forma mais gravosa determinados dividendos pagos a entidades não residentes do que a que incide em dividendos pagos a entidades residentes, tendo, consequentemente o Estado Português alterado a redação do artigo 14.º do Código do IRC, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro;
50.ª Pelo que, em face de todo o exposto, importa concluir que a fundamentação apresentada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso é manifestamente improcedente, devendo consequentemente ser mantida a sentença recorrida, com as demais consequências legais;
51.ª Adicionalmente, refere a Ilustre Representante da Fazenda Pública que o caso em apreço não é subsumível ao disposto no artigo 14.º, n.º 3 do Código do IRC uma vez que não se encontram preenchidos os respectivos requisitos;
52.ª Conforme supra se pugnou, contestando a Recorrente a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, qual seja, a detenção da participação da ora Recorrida no BCP pelo prazo de 2 anos, impunha-se, então, que houvesse obrigatoriamente especificado nas suas alegações e conclusões, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não sucedeu, razão pela qual, com este fundamento deve, no que ora releva, ser rejeitado o recurso por força da violação do disposto nos n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
53.ª Sem prejuízo do exposto, cumpre, neste âmbito, esclarecer ainda que para a Impugnante, ora Recorrida, é ponto assente que o artigo 14.º, n.º 3, do Código do IRC, na redação à data aplicável, não se aplica no caso sub judice, por se encontrar abaixo do limiar mínimo de participação., sem que, todavia, deixe de considerar que a sujeição a retenção na fonte sobre os dividendos por si recebidos consubstancia uma violação das liberdades fundamentais consagradas no direito comunitário, quais sejam a livre circulação de pessoas e a livre circulação de capitais, conforme supra se evidenciou (cf. conclusão 36.ª, 37.ª e 44.ª supra);
54.ª Pelo que, em face do exposto, improcede, pois, o argumento ora invocado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, devendo, em consequência manter-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais;
55.ª Acrescenta, ainda, a Ilustre Representante da Fazenda Pública que o tratamento diferenciado no regime da tributação de dividendos pagos a entidades residentes em Portugal e a entidades residentes em outro Estado-Membro pode conduzir a uma dupla tributação económica, a qual apenas pode ser eliminada pela legislação fiscal do outro Estado-Membro, contudo não lhe assiste qualquer razão;
56.ª Sucede que, no caso vertente não está em causa a adequação da legislação entre os diversos Estados-Membros, mas apenas o tratamento fiscal que é dado pela legislação interna no que concerne à distribuição de dividendos por uma sociedade afiliada residente em território português a uma sociedade mãe residente noutro Estado-Membro, isto porque, como supra se aludiu, o Estado-Membro não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado-Membro (cf. neste sentido, em abono de toda a jurisprudência comunitária supra aduzida, o acórdão Comissão/Espanha);
57.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, também este argumento é desprovido de qualquer consequência, sendo manifestamente improcedente.
58.ª Sem prejuízo do exposto, importa ainda salientar que o Tribunal a quo deu como provado que “Por força da isenção de tributação daqueles rendimentos vigente na lei espanhola e aplicável à Impugnante, esta encontra-se impossibilitada de, por via do crédito de imposto eventualmente a reconhecer aquando da declaração em Espanha dos rendimentos correspondentes àqueles rendimentos, recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado (cfr. art. 11.º da p.i., não contrariado pela FP, e doc. n.º 3 junto ao pedido de revisão oficiosa, constante do PAT)” (cf. ponto 12 do probatório da sentença recorrida), pelo que contestando a Recorrida a matéria de facto dada como provada na sentença sub judice, qual seja a competência do outro Estado-Membro para proceder in casu à eliminação da dupla tributação, impunha-se, como supra referido, que a Recorrente houvesse obrigatoriamente especificado nas suas conclusões, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que não sucedeu, razão pela qual, com este fundamento deve, no que ora releva, ser rejeitado o recurso por força da violação do disposto nos n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
59.ª Por fim, não se conformando com o decidido pugna a Ilustre Representante da Fazenda Pública que aquela tratamento diferenciado não é violador do direito comunitário, não podendo a Recorrida deixar de discordar deste entendimento;
60.ª Com efeito, pugna a Ilustre Representante da Fazenda Pública que o artigo 12.º do TCE (atual artigo 18.º do TFUE) só deve ser aplicado a situações regidas pelo direito comunitário, e a fiscalidade direta não é, em relação às quais o tratado não preveja regras específicas, resultando da jurisprudência comunitária supra ser manifestamente improcedente tal entendimento, na medida em que o mesmo tem sido aplicado com referência a situações semelhantes à sub judice (cf. neste sentido, o acórdão Comissão/Espanha);
61.ª Relativamente ao artigo 43.º do TCE (atual artigo 49.º do TFUE), improcede igualmente o pugnado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, porquanto resulta da jurisprudência comunitária que os artigos 43.° TCE e 56.° TCE prevêem essas regras específicas de não discriminação nos domínios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais e em segundo lugar, no que respeita à aplicação do artigo 43.° TCE, é de recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, se incluem no âmbito de aplicação material das disposições relativas à liberdade de estabelecimento as disposições nacionais que se aplicam à detenção, por um nacional do Estado-Membro em causa, de uma participação no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro que lhe confira uma influência certa nas decisões dessa sociedade e lhe permita determinar as atividades (cf. despacho Secilpar);
62.ª Por fim, no que respeita ao artigo 56.º e 58.º ambos do TCE (atuais artigos 63.º e 65.º do TFUE), improcede igualmente o pugnado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, uma vez que, sem prejuízo do TJUE reconhecer que, à partida, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os acionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos acionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro, todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os acionistas residentes mas também os acionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos acionistas não residentes assemelha-se à dos acionistas residentes (cf. acórdãos, já referidos, Denkavit Internationaal e Denkavit France, Amurta SGPS e ainda o despacho Secilpar).
63.ª Pelo que, atento todo o exposto, importa pois concluir que a fundamentação apresentada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública é manifestamente improcedente, devendo consequentemente manter-se a sentença recorrida;
64.ª Em face do exposto, não pode deixar de se concluir que as decisões jurisprudenciais proferidas pelo TJUE, designadamente, nos acórdãos Denkavit II (Caso C-170/05), Amurta SGPS (Caso C-379/05), Comissão/Itália (Caso n.º 540/07), Comissão/Espanha (Caso C-487/08) e no despacho Secilpar (Caso C-199/10) apontam no sentido de desconformidade com a ordem jurídica comunitária de qualquer disposição das legislações nacionais que estabeleça restrições injustificadas à liberdade de estabelecimento e à liberdade de circulação de capitais, consagradas, respectivamente, nos artigos 43.º e 56.º do TCE (atuais artigos 63.º e 65.º do TFUE);
65.ª Acresce que, a possibilidade de aplicação de anterior decisão interpretativa do TJUE, sem necessidade de reenvio obrigatório nos termos do artigo 234.º do TCE (atual artigo 267.º do TFUE), decorre, desde logo, da jurisprudência do TJUE, nomeadamente, do caso CILFIT (Caso-77/83);
66.ª Também neste sentido já se pronunciaram os tribunais administrativos e fiscais portugueses;
67.ª Pelo que, em face de todo o exposto, importa concluir que as referidas decisões proferidas pelo TJUE assumem carácter interpretativo, com efeito obrigatório em relação a todos os tribunais nacionais, aplicando-se, por isso, ao caso vertente, no qual a situação fáctico-jurídica é manifestamente análoga;
68.ª Por fim, note-se, que embora no entender da Recorrida o reenvio não se afigure necessário, deve o tribunal nacional caso considere insuficiente a interpretação anteriormente fornecida pelo TJUE promover, através do mecanismo do reenvio prejudicial consagrado no artigo 234.º do TCE (atual artigo 267.º do TFUE), pela interpretação daquele Tribunal, o que desde já se requer;
69.ª Conforme ficou demonstrado na impugnação judicial e ora se reitera, verifica-se que na situação sub judice existe efetivamente erro imputável aos serviços, porquanto a liquidação dos atos de retenção na fonte supra identificados encontra-se em manifesta violação do direito comunitário, o que determina, não só a restituição à Recorrida das quantias indevidamente retidas a título de retenção, como igualmente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT;
70.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente que os fundamentos aduzidos pela Recorrente a este respeito também não podem proceder, devendo manter-se a sentença recorrida.
71.ª Razão pela qual, nos termos acima expostos, improcede o recurso interposto pela Ilustre Representante da Fazenda Pública e, consequentemente, a decisão recorrida deve manter-se.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.”

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da parcial procedência do presente recurso, com referência à questão dos juros indemnizatórios.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se indagar da invocada ilegitimidade porquanto o impugnante não havia nomeado um representante fiscal, não obstante ter nomeado um mandatário ou representante forense, o que são figuras distintas e bem assim da tempestividade da impugnação, por estar relacionado com pedido de revisão oficiosa intempestivo e bem assim determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 – A Impugnante é uma pessoal colectiva de direito espanhol, registada sob o nº …………, com sede na Placa de Catalunya, 1, Sabadell, 08206, em Espanha (cfr. doc. de fls. 166 e seguintes, p.i de impugnação e doc. de fls. 69 e seguintes dos autos);
2 - Em 15/11/07, a ora Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa dos actos de retenção na fonte efectuados nos anos de 2003 a 2005, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, tendo aí mencionado, como seu representante fiscal em Portugal, o Sr. Dr. Fernando Castro Silva (cfr. requerimento de fls. não numeradas do PAT);
3 – O pedido de revisão oficiosa foi subscrito pelo Exmo. Advogado Fernando ………… (cfr. requerimento de fls. não numeradas do PAT);
4 – O Sr. Dr. Fernando …………. foi designado, pela B ……………… SL, seu representante fiscal em Portugal, em 5/10/07 (cfr. doc. de fls 166 e seguintes dos autos);
5 – A designação do representante fiscal foi comunicada à Direcção-Geral dos Impostos, sendo indicada como data de início da representação o dia 12 de Novembro de 2007 (cfr. doc. de fls. 222 dos autos);
6 – Num print retirado do sistema da AT – síntese cadastral – em 05/06/2009, não consta, com respeito à ora Impugnante, qualquer representante fiscal (cfr. doc. de fls. 116 do PAT). …
7 – A Impugnante adquiriu, em 31/10/01, um lote de 78.453.129 acções, pelo preço de € 330.329.800,00, representativas de, aproximadamente, 2% do capital social do Banco ………….. SA (B……….) (cfr art. 5.º da p.i., aceite pela FP);

8 - Aquela participação sofreu, em 2002, uma diminuição para as 72.515.282 acções e foi posteriormente objecto de oscilação, mantendo-se não só a participação detida em 2002, inclusivamente aumentando-a, nos termos seguintes (cfr. art. 5.º da p.i., não contrariado pela FP):


PARTICIPAÇÕES

Ano da detenção Nº total título detidos Tit. Adquiridos Tit. Alienados

2001 78.453.129 78.453129 …

2002 72.515.282 … 5.937.847

2003 101.521.394 29.006.112 …

2004 101.521.394 … …

2005 89.771.461 … 11.749.933

2006 89.771.461 … …

2006 130.980.180 41.208.719 …

9 – Em 11/03/2003, em 06/04/2004, em 03/11/2004 e em 01/04/2005, foram colocados à disposição da Impugnante dividendos pagos pelo B……., nos valores de, respectivamente, € 7.251.528,20, € 6.091.283,64, € 3.045.641,82 e de € 3.553.248,79, os quais foram sujeitos a retenção na fonte às taxas de 25%, resultando o valor líquido a receber de € 5.438.646,15, € 4.568.462,73, € 2.284.231,37 e de € 2.664.936,59 (cfr. art. 6.º da p.i. não contrariado pela FP, e documento nº 2 junto ao pedido de revisão oficiosa, constante do PAT);
10 – A Impugnante, sendo residente em Espanha, nos termos e para os efeitos da CDT, celebrada entre Portugal e Espanha, solicitou o reembolso parcial do imposto retido com referência aos identificados dividendos, na parte em que aquele excedia a limitação de 15% prevista na CDT (cfr. arts. 9.º e 10.º da p.i, aceite pela FP na contestação);
11 – O montante do imposto retido na fonte com referência aos rendimentos colocados à disposição em 11/03/2003, em 06/04/2004, em 03/11/2004 e em 01/04/2005, na parte não reembolsada ao abrigo da CDT, ascende a € 2.991.255,37.
12 – Por força da isenção de tributação daqueles rendimentos vigente na lei espanhola e aplicável à Impugnante, esta encontra-se impossibilitada de, por via do crédito de imposto eventualmente a reconhecer aquando da declaração em Espanha dos rendimentos correspondentes àqueles dividendos, recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado (cfr. art. 11.º da p.i., não contrariado pela FP, e doc. n.º 3 junto ao pedido de revisão oficiosa, constante do PAT).

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A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise crítica das informações oficiais e dos documentos constantes dos autos, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório.
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Factos não provados

Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.”
13. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 25-07-2008, com base no projecto de decisão que consta de fls. 95v.-100 do PA apenso, do qual consta, além do mais, que:
“…
III – APRECIAÇÃO DO PEDIDO
Tempestividade e legitimidade
i. Nos termos da 2ª parte do nº 1 do artº 78º da LGT, a revisão dos actos tributários pode ainda ser efectuada por iniciativa da Administração tributaria, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços;
ii. E, no nº 3 do artº 78º da LGT prevê-se que a revisão dos actos tributários nos termos do n° 1 da referida norma, independentemente de se tratar de erro, material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do nº 1 do artº 77º da LGT;
iii. Todavia, em jurisprudência recente, tem sido entendido que o prazo de 4 anos após a liquidação, também pode ser apelado pelo contribuinte;
iv. Ora, acatando-se este prazo de 4 anos para efeito de pedido de revisão por iniciativa do contribuinte, impõe-se, contudo, analisar se no caso em apreço, estamos ou não em presença de erro, material ou de direito, imputável aos serviços;
v. Mas, antes, deverá clarificar-se o que se entende por “erro imputável aos serviços”;
vi. A jurisprudência5 tem indicado que a expressão “erro imputável aos serviços” se refere a “erro” e não a “vício”, o que inculca que quer relevar os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levam a Administração fiscal a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, ferindo, embora de ilegalidade o acto, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela relação;
vii. Ou seja, sendo usual a utilização da expressão “vícios” quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos actos dos art° 101º e 124° do CPPT, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência pelo que, a expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vícios”;
viii. Sendo ponto assente que o “erro” imputável aos serviços abrange apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, que afectem a relação jurídica tributária, impõe-se analisar se o acto de liquidação em crise foi ilegal face às normas substantivas que o enquadram;
ix. Mas, não sem antes expressar que no caso em apreço, a Administração Tributária não teve participação directa na liquidação, uma vez que esta foi da responsabilidade do substituto tributário que efectuou a retenção na fonte;
x. E, nestes termos, não é líquido que existindo erro na liquidação, este possa ser imputado aos serviços;
xi. Contudo, considerando que aqui foi colocada em causa legislação fiscal portuguesa relativa a dividendos pagos por sociedade residente a sociedade-mãe residente noutro Estado-Membro, admite-se que, indirectamente, possa ter existido erro dos serviços, sendo de analisar a situação; …” (fls. 95 v.-99 do PA apenso).

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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, notar que a Recorrente, embora sem grande convicção, aponta que considerou a ilegitimidade porquanto o impugnante não havia nomeado um representante fiscal, não obstante ter nomeado um mandatário ou representante forense, o que são figuras distintas, sendo que pelo facto da ilegitimidade ser uma excepção que conduz à absolvição do pedido, a qual foi requerida, tendo o Tribunal a quo considerado que o impugnante tinha nomeado representante fiscal em 05/10/2007, o qual não consta do cadastro da Administração Tributária, tendo-se violado o art.º 19.º n.º 5 da LGT, referindo depois que além da ilegitimidade foi alegado pela Fazenda Pública a tempestividade da impugnação, tendo-se referido que sendo o pedido de revisão oficiosa intempestivo ter-se-á de considerar a impugnação intempestiva.
Quanto ao primeiro elemento, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685.º-B do CPC - introduzido pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, de modo que, “in casu”, a Recorrente não cumpre com o referido ónus, o que significa que o presente recurso é inconsequente no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto.
Nesta medida, e quanto à ilegitimidade, retira-se da matéria de facto assente que, em 5/10/07, o Sr. Dr. Fernando …………. foi designado, pela B ……………. SL, seu representante fiscal em Portugal, através de instrumento notarial próprio, tendo tal facto sido participado à Administração Fiscal, e aí indicada a data de início da representação no dia 12.11.2007, sendo que quer a designação de representante fiscal, quer a comunicação deste facto à A.F., ocorreram, pois, em data anterior à apresentação do pedido de revisão oficiosa e, como tal, da impugnação judicial, de modo que, a inconsequência acima apontada transforma-se em improcedência da sua pretensão neste domínio, em função dos elementos acima apontados, nada relevando neste âmbito a situação do cadastro da AT a partir do momento em que existe um representante designado e o facto em apreço foi comunicado à AT.
Em relação à questão da tempestividade, cabe notar, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 12-07-2006, Proc. nº 0402/06, www.dgsi.pt, que A revisão do acto tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.
No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) ( ( ) Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art. 78.º da L.G.T. à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos arts. 161.º e seguintes do C.P.A..
Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações.
De qualquer forma, sendo a reclamação administrativa, nos termos do C.P.A., um meio impugnatório tem de ser utilizado antes do esgotamento do prazo de impugnação com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade, a anulação que através dela venha a ser decidida terá o efeito retroactivo próprio dos processos impugnatórios, obrigando à «plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio», como determina o artº 100.º da LGT, o que inclui o direito a juros indemnizatórios nos termos do artº. 61.º, n.º 3, do CPPT. ) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).
Essencialmente, o regime do artº 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto.
A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).
Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os actos de liquidação de tributos.
4 – Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.
Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviço».
É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da L.G.T. refere os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).
Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta. …”.
Por outro lado, “o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.
É esta jurisprudência consolidada e pacífica que aqui, mais uma vez, se acolhe (Além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, leiam-se, por mais recentes, os acórdãos proferidos em 17/05/2006, no recurso n.º 16/06, em 6/06/2007, no recurso n.º 606/06, em 21/01/2009, no recurso n.º 771/08, e em 22/03/2011, no recurso n.º 1009/10.), pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir” - Ac. do S.T.A. de 14-03-2012, Proc. nº 01007/11, www.dgsi.pt.
Perante o que fica exposto e a matéria descrita no projecto de decisão que deu origem à decisão posta em crise no âmbito dos presentes autos, resulta claro que a questão da tempestividade é uma não questão de acordo com a própria análise da AT, sendo deslocada da realidade a alegação de que o pedido de revisão foi indeferido em virtude de ser extemporâneo, quando a própria AT ponderou tal questão e avançou para a análise do mérito do pedido com referência à existência do invocado erro nos pressupostos de facto e de direito cuja apreciada inexistência conduziu à improcedência do pedido de revisão.
Neste ponto, cabe sublinhar que a questão da tempestividade tem de ser apreciada antes de se entrar no mérito do pedido, não fazendo muito sentido conhecer do mesmo e acabar por concluir que a pretensão é intempestiva, procedimento que a decisão recorrida também seguiu e que não se afigura como a melhor em termos de procedimento.
Com efeito, nesta situação, a AT, em função do desenho do pedido formulado pelo contribuinte, tem de apreciar se a alegação configura uma situação de erro susceptível de integrar o disposto no art. 78º nº 1 da LGT, sendo que, caso considere que a situação não é subsumível a tal conceito, estará em condições de rejeitar de imediato o pedido, situação que não se confunde com a concreta apreciação da matéria em apreço para concluir pela bondade ou não do pedido formulado, altura em que já está afastada a consideração da tempestividade do pedido.
Deste modo, ponderando a posição assumida pela AT, tem de entender-se que a sua alegação não pode proceder neste âmbito, até porque assente no pressuposto não demonstrado de que o pedido de revisão foi indeferido em virtude de ser extemporâneo.

A partir daqui, importa avançar para a questão essencial apontada nos autos, referindo a Recorrente que o thema decidendum, assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos, sendo que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art.º 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
Ora, se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, Espanha, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.
Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, BCP, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art.º 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.

Sobre a realidade em equação nos autos, reputa-se pertinente ter em consideração o exposto no Ac. do S.T.A. de 29-02-2012, Proc. nº 01017/11, www.dgsi.pt, onde se refere que “…, o princípio do primado do Direito da União Europeia, que tem, supostamente, a sua fonte dogmática nos Acórdãos do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia Costa/Enel, de 15 de Julho de 1964, Walt Wühelm, de 15 de Fevereiro de 1969, e Simmenthal, de 06 de Março de 1979, traduz-se na assumpção de que aquele Direito (originário e derivado) se encontra numa posição hierárquica superior à do direito nacional dos Estados-membros, pelo que da sua aplicação deriva "não dever o juiz nacional aplicar as normas do seu próprio direito que sejam incompatíveis com ou contrárias ao Direito Comunitário originário ou derivado" (cfr. ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Direito Comunitário, sumários, 1989, AAFDL, p. 90).
A doutrina tem também defendido que o artº 8º da CRP aceita a primazia do direito comunitário, originário e derivado, pelo menos, no que se refere à lei ordinária, tendo aquela, por isso, preferência ou prioridade sobre a legislação interna (Neste sentido V. Mota Campos – Direito Comunitário, Vol. II, 2ª edição – Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 356/357, Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição Almedina, págs. 825 e segs. e Gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, págs. 265/271).
Desta primazia resulta então que não podem ser aplicadas normas de direito interno que contrariem normas de direito comunitário.
Sendo assim, cabe apurar seguidamente se as normas internas que fundamentaram o acto de liquidação impugnado violam os artºs 56º e 58º do Tratado.
6.5. Os artigos 56º e 58º do Tratado CE, dispunham, respectivamente, o seguinte.
“1. No âmbito das disposições do presente Capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente Capítulo são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros”.
"l. O disposto no artigo 56.° não prejudica o direito dos Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) (...)
2 (…)
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.°s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capital e pagamentos, tal como definida no artigo 56º".
6.6. Como é sabido, é ao TJUE que cabe, em primeira linha, a interpretação do direito comunitário, devendo os tribunais nacionais suscitar essa interpretação por via do mecanismo do reenvio prejudicial.
Ora, este Tribunal pronunciou-se já sobre questão muito semelhante à trazida aos presentes autos em algumas das suas decisões, nomeadamente as proferidas nos processos nºs C-379/05 e C-199/10.
Seguiremos, por isso, essa interpretação que nos parece suficiente para conhecer do presente recurso, sem necessidade de suscitar a questão junto do TJUE, conforme sugerido no parecer do MºPº de fls.362/365.
No Despacho do referido tribunal, de 22.11.2010, proferido no Processo nº C-199/10, ficou escrito o seguinte:
29. Em terceiro lugar, no que respeita à interpretação dos artigos 56.° CE e 58.° CE, é de notar que, no processo principal, a taxa normal da retenção na fonte, de 25% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede em Portugal a uma sociedade beneficiária com sede em Espanha, foi fixada em 15% nos termos da convenção para evitar a dupla tributação.
30. A este respeito, há que recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, n.° 29).
31. Assim, na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I- 2793, nºs 24 e 30, e de 7 de Setembro de 2006, C- 470/04, Colect., p. I-7409, n.° 44).
32.No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, n.° 54).
33. A este respeito, é de recordar que, nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, o artigo 56.° CE não prejudica o direito de os Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência» (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, n.° 30).
34. A derrogação prevista na referida disposição é ela própria limitada pelo artigo 58.°, n.° 3, CE, que prevê que as disposições nacionais referidas no n.° 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.° [CE]» (acórdão Amurta, já referido, n.° 31).
35. Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.° 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, n.° 32 e jurisprudência referida).
36. O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro EstadoMembro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. -11949, n.° 34, e acórdão Amurta, já referido, n.° 37).
37.Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 35, e Amurta, n.° 38).
38. Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 70, e Amurta, n.° 39).
39. É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 71, e Amurta, n.° 79).
40. Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente (v., neste sentido, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colect., p. I-10983, n.° 37, e de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C- 487/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59).
41. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se, no processo principal, se verifica a hipótese referida no número anterior”.
6.7. Ora, em face do que ficou escrito, temos então de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha. …”.

Ora, do probatório consta que o montante do imposto retido na fonte com referência aos rendimentos colocados à disposição em 11/03/2003, em 06/04/2004, em 03/11/2004 e em 01/04/2005, na parte não reembolsada ao abrigo da CDT, ascende a € 2.991.255,37 e que por força da isenção de tributação daqueles rendimentos vigente na lei espanhola e aplicável à Impugnante, esta encontra-se impossibilitada de, por via do crédito de imposto eventualmente a reconhecer aquando da declaração em Espanha dos rendimentos correspondentes àqueles dividendos, recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado (cfr. art. 11.º da p.i., não contrariado pela FP, e doc. n.º 3 junto ao pedido de revisão oficiosa, constante do PAT).
A partir daqui, ganha acuidade o exposto na decisão recorrida quando se refere que para que para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento, o Estado de residência da sociedade que distribui os dividendos deve certificar-se que as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedade accionistas residentes.
Assim, e com vista a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT celebrada com Espanha tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional, que vimos ocorrer. Tal só se verificará se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento. Só assim as diferenças de tratamento, entre umas e outras beneficiárias, será eliminado integralmente.
No caso concreto, vimos que a retenção suportada em Portugal sobre os dividendos distribuídos pelo BCP à Impugnante, nos anos em causa, não pode, por esta, ser recuperada. Como efeito, e como se deixou dito já, por força da isenção de tributação dos rendimentos em causa vigente na lei espanhola e aplicável à Impugnante, esta encontra-se impossibilitada de, por via do crédito de imposto eventualmente a reconhecer aquando da declaração em Espanha dos rendimentos correspondentes àqueles dividendos, recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado.
Ora, atento o disposto na alínea a) do artigo 23° da CDT celebrada com Espanha, esta apenas permite a dedução do montante da retenção com o limite do imposto espanhol que corresponder a esses dividendos, que, no caso, é zero.
Assim sendo, há que concluir que a retenção na fonte efectuada à Impugnante não pode ser recuperada.
Verifica-se, pois, que a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário a que se fez referência anteriormente, análise que não merece qualquer censura, de modo que, como bem se conclui, face às normas internas aplicadas e aos preceitos e princípios comunitários que a legislação interna dos Estados-Membros tem que observar, há que concluir que a retenção na fonte de IRC impugnada se afigura ilegal na parte não reembolsada, ou seja, correspondente a 15% do dividendo pago, não podendo proceder a pretensão da Recorrente nesta âmbito.

Quanto ao mais, o que nos remete para a questão dos juros indemnizatórios, a posição da Recorrente tem de ser atendida, em parte, embora por motivos diferentes dos alegados pela mesma.
Efectivamente, como ficou dito, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT).
No entanto, nos casos de revisão oficiosa da liquidação, a realidade não tem esta amplitude nos termos já expostos, sendo que apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º n.º 3 da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).
Assim sendo, é óbvio que o discurso da sentença não foi o melhor nesta sede, remetendo para a aplicação do nº 1 do citado art. 43º da LGT, ao arrepio da própria pretensão da Impugnante, que fundou, e bem a sua pretensão no disposto no art. 43º nº 3 al. c) da LGT, aludindo de forma pertinente ao Ac. do S.T.A. de 12-12-2006, Proc. nº 0918/06, www.dgsi.pt, onde se ponderou que “pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, mesmo que só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada”, impondo-se proceder ao acerto da decisão neste domínio, considerando ainda que o erro da decisão não pode colocar em crise a situação da Recorrida para efeitos de custas, pois que a mesma formulou o seu pedido, nesta sede, de acordo com a lei aplicável.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando a decisão recorrida na parte em que fixa, sem mais, juros indemnizatórios a favor da ora Recorrida, determinando que os juros indemnizatórios em apreço são devidos a contar do prazo de 1 ano sobre a apresentação do pedido de revisão oficiosa sub judice, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 09 de Outubro de 2012
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
Joaquim Manuel Condesso