Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09600/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
REGIME DE TRIBUTAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA.
ARTº.89-A, DA L. G. TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO RESULTANTE DA LEI 94/2009, DE 1/9.
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA, EM SENTIDO ESTRITO (ARTºS.87, Nº.1, AL.D), E 89-A, DA L.G.T.).
INCREMENTOS PATRIMONIAIS OU DESPESA NÃO JUSTIFICADOS (ARTº.87, Nº.1, AL.F), DA L.G.T.).
ÓNUS DA PROVA.
FORÇA PROBATÓRIA DE UM DOCUMENTO AUTÊNTICO. ARTº.371, Nº.1, DO C.CIVIL.
A MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA NECESSITA DE SER COMPROVADA DE MODO DIRECTO PELA A. FISCAL.
NÃO SÃO DE ADMITIR PRESUNÇÕES SOBRE PRESUNÇÕES, EM SEDE DE AVALIAÇÃO INDIRECTA NOS TERMOS DO ARTº.89-A, Nº.5, DA L.G.T.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cfr.Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
6. O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Com o aditamento à L.G.Tributária da al.d), do nº.2, do artº.75, e do artº.89-A, efectuado pela Lei 30-G/2000, de 29/12, o legislador consagrou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei.
7. Na tributação com base em manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A do mesmo diploma (manifestações de fortuna, em sentido estrito);
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (incrementos patrimoniais ou despesa não justificados).
8. De acordo com o artº.87, nº.1, al.f), sendo detectada pela A. Fiscal uma divergência entre os valores declarados pelo sujeito passivo através da sua declaração mod.3 do I.R.S. e um acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado de pelo menos um terço, aquela encontra-se legitimada a presumir, através da avaliação indirecta, um rendimento resultante dessa diferença de valores. A aplicação deste regime depende do pressuposto da omissão da declaração de rendimentos ou da apresentação de declaração com rendimentos desproporcionados, para menos, face ao nível de rendimento evidenciado pelas manifestações de fortuna apresentadas. Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil). Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem.
9. Os ditos acréscimos patrimoniais não justificados consagrados no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., são passíveis de enquadramento no artº.9, nºs.1, al.d), e 3, do C.I.R.S. (categoria G de rendimentos na cédula de I.R.S.), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S.
10. Para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta forma de avaliação indirecta, é necessário, antes de mais, que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna:
- aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00;
- aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000,00;
- aquisição de motociclos de valor igual ou superior a € 10.000,00;
- aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000,00;
- aquisição de aeronaves de turismo;
- suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000,00.
11. Para além do requisito do valor de aquisição, é ainda necessário, para se aplicar o artº.89-A, da L. G. Tributária, que se verifiquem, em alternativa, alguma das seguintes condições:
-Falta de entrega da declaração de rendimentos;
-O rendimento líquido declarado em sede de I.R.S., no ano em causa, mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no nº.4, do mesmo normativo.
12. Mais se dirá que é à A. Fiscal que compete comprovar a existência de aquisições de valor superior ao definido na tabela do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária, em cada ano, para que possa fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta. Por sua vez, ao contribuinte compete demonstrar perante a Administração Tributária, ou perante o Tribunal, quais as fontes de rendimento que lhe permitiram efectuar as aquisições de bens referidas no artº.89-A, da L. G. Tributária. Mais concretamente, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de I.R.S. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão da declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável. Já se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade.
13. No que diz respeito à força probatória de um documento autêntico, o mesmo apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público que os realiza ou daqueles que são diretamente percepcionados pela referida entidade documentadora, já não garantindo a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador, somente que eles as fizeram. Por outras palavras, se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr.artº.371, nº.1, do C.Civil).
14. Relativamente à natureza jurídica da tributação baseada nas manifestações de fortuna essa natureza é presuntiva e, por isso, as aquisições onerosas de bens ou o consumo que se configurem como manifestações de fortuna, o que acontece quando se revelem desproporcionadas em relação ao rendimento declarado na medida legalmente prevista, representam um facto base ou indício a partir do qual se infere um facto consequência ou facto presumido. No entanto, em relação ao facto base da presunção e que corresponde à detenção, declaração ou aquisição de bens, direitos, consumo ou dívidas de valores desfasados relativamente aos elementos declarados, o mesmo necessita de ser comprovado e de modo directo, pois não são de admitir presunções sobre presunções, em sede de avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, da L.G.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.164 a 175 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, da decisão do Director de Finanças d…, datada de 18/09/2015, que fixou aos recorridos, António … e Aida…, por métodos indirectos, a matéria colectável de € 94.929,69, em sede de I.R.S. e relativamente ao ano de 2011, nos termos do disposto nos artºs.87, nº.1, al.f) e, 89-A, nºs.5 e 6, da Lei Geral Tributária.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.182 a 189 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que concedeu provimento ao recurso à margem referenciado, com as consequências aí sufragadas, e, consequentemente, aquilatou que a ora recorrente não cumpriu com os pressupostos estabelecidos na lei para o recurso à avaliação indirecta;
2-Sustentou a sentença ora recorrida que: "Ao contrário da posição vertida no relatório de inspecção, o documento de constituição da sociedade não comprova que o capital social realizado, ou seja, que o recorrente tenha disponibilizado ou apresentado naquele acto o montante de 100.000,00€, ao invés, daquele documento resulta expressamente que o recorrente declarou que no prazo de 5 dias procederia ao depósito daquela quantia.";
3-Entendeu o Tribunal que: "por ter declarado que procederia à realização do capital não significa que o recorrente o tenha feito, aliás, conforme decorre do probatório, o próprio recorrente, logo no ano de 2012, procedeu ao registo da dissolução e liquidação da sociedade, tendo declarado na respectiva acta que não havia realizado o capital social da sociedade";
4-Concluindo que: "Não tendo a AT feito prova de que o recorrente procedeu à efectiva realização do capital social da sociedade, não estava legitimada a proceder à avaliação indirecta nos termos da al. a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, donde se impõe concluir que a decisão recorrida padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação";
5-No entanto, considera a recorrente que o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento da matéria de facto, em virtude de ter sido dada relevância a meras considerações, destituídas de qualquer valoração lógica e racional, o que determinou um manifesto erro de direito, considerando não estar verificado um dos pressupostos de aplicação do mecanismo legal previsto no art.º 89.º-A da LGT;
Porquanto,
6-Estabelece o art.º 3.º n.º 1 al. a) do Código do Registo Comercial (CRC) que a constituição das sociedades comerciais está sujeita a registo, constituindo este uma presunção legal "juris tantum", da situação jurídica nos termos em que a inscrição a define;
7-A esta presunção é aplicável o regime do n.º 1 do art.º 350.º do Código Civil, sendo que a AT está dispensada de provar os factos que foram registados;
8-Assim, resulta da escritura de constituição da sociedade "Cabaz…, Lda'', que o: "capital social, integralmente realizado em numerário, a depositar no prazo legal de cinco dias úteis, é de 100.000 euros (s), representado por uma quota de igual valor nominal, pertencente ao sócio António…";
9-Determina a decisão a quo que: "Ao contrário da posição vertida no relatório de inspecção, o documento de constituição da sociedade não comprova que o capital social tenha sido realizado, ou seja, que o recorrente tenha disponibilizado ou apresentado naquele acto o montante de 100.000,00€'', o que não tem subjacente qualquer juízo de racionalidade porque se por um lado em 2011 deixou de haver um limite mínimo para o capital social, por outro não era obrigatório que o mesmo tivesse que estar "integralmente realizado", assim se o estava é porque foi apresentado;
10-Resulta assim manifesto, atenta a força probatória da escritura de constituição da sociedade, que o Tribunal a quo não podia valorar as simples alegações do ora recorrido de que o: "o acréscimo nunca existiu", como sendo capazes de afastar o juízo probatório das declarações prestadas na escritura de constituição da sociedade, tanto mais que não foi apresentando qualquer documento que corrobore as suas afirmações, nomeadamente a proposta de negócio, o plano de rendibilidade negocial, o plano de investimento ou sequer o plano de negócios;
11-Bastou-se o Tribunal a quo com meras considerações, vagas e desprovidas de qualquer valor probatório, que criaram um cenário, com circunstâncias que não podem ser sujeitas a análise em juízo, porquanto não será possível com elevado grau de certeza verificá-las;
12-Considerando que: "por ter declarado que procederia à realização do capital não significa que o recorrente o tenha feito'', errou o Tribunal na sua apreciação, porquanto não existe nenhuma sustentação lógica ou racional que apoie tal juízo;
13-Ao que acresce que não é verosímil, que face a uma mera possibilidade de negócio, alguém, e sem qualquer certeza material, incorra em custos para constituir uma sociedade, que nem sequer sabe se terá qualquer viabilidade financeira, clientes ou mercado;
14-Também não é verosímil, que se consagre uma cláusula referente ao capital social, sem qualquer fundamento, tanto mais que na data da constituição da sociedade já não existia sequer a exigência legal de se apresentar um capital social de € 5.000,00;
15-Seria razoável, no caso de ponderar avançar com o negócio, que se constituísse uma sociedade com um capital social que fosse consentâneo com os rendimentos familiares, e não com € 100.000,00, se assim o fizeram, é uma decorrência lógica que dispunham desse dinheiro, porque certamente não foi o notário que sugeriu que fosse "indicado" esse montante;
16-Tanto mais que o capital social de uma sociedade, não corresponde ao montante necessário para o desenvolvimento do negócio;
17-O capital social tem como funções determinar a situação financeira da sociedade, a quantificação dos direitos dos sócios, servindo ainda como garantia de terceiros, não existindo assim, qualquer alicerce lógico na consagração do artigo 3.º da escritura de constituição da sociedade do: "capital social, integralmente realizado em numerário, a depositar no prazo legal de cinco dias úteis, é de 100.000 euro (s), representado por uma quota de igual valor nominal, pertencente ao sócio António….", se o ora recorrido não dispusesse desse valor;
18-Pelo que não havendo qualquer dispositivo legal ou uma lógica razoável que sustente as afirmações dos recorridos, a força probatória do documento não foi materialmente afastada, daí que a verdade formal persiste, não cabendo à AT "indagar das contas bancárias da sociedade", tanto mais que da análise às suas contas bancárias não foi possível provar a origem desse montante, não ficando pois comprovada a sua origem anterior ao exercício de 2011;
19-Não é crível que se constitua uma sociedade, para o desenvolvimento de um negócio, sem que previamente se faça um qualquer estudo de impacto económico, e que se defina um valor de capital social não sustentável, sem que se disponha do mesmo, quando não existe, sequer, qualquer obrigação legal, ou financeira que o justifique;
20-Não é crível que a capitalização da empresa "Cabaz… Lda'' se faça à custa da aquisição da "Refrescantes…, Lda.";
21-Efectivamente, não se consegue explicar, através de um processo de racionalidade, como é que esta aquisição poderia influir na capitalização da empresa;
22-Assim, a sentença do Tribunal a quo padece também de deficit instrutório devido ao facto de não ter coligido prova segura e inequívoca que o capital social não foi realizado;
23-Na verdade, em momento algum a prova carreada é apta a demonstrar que não foi realizado, não existindo argumentos lógicos ou racionais que sustentem a decisão;
24-Assim, ao ter decidido em contrário da conclusão que antecede, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento que implica a respectiva revogação e justifica a procedência do presente recurso;
25-Impendendo sobre os ora recorridos o ónus de provar que os rendimentos proporcionados a suportar a manifestação de fortuna evidenciada, ou o acréscimo patrimonial tinham uma fonte diversa dos rendimentos declarados e que correspondiam à realidade os rendimentos declarados, o que manifestamente não foi feito, bastando-se com uma narrativa circunstancial e pouco plausível que não demonstra, em termos substanciais, coisa nenhuma, no entanto esta foi acolhida, erradamente, pelo Tribunal a quo, porquanto afasta uma presunção legal sem que os recorridos tenham efectuado qualquer prova material da sua falsidade ou suscitado a anulabilidade da declaração;
26-Verificando-se uma das manifestações de fortuna tipificadas na lei, não consentânea com os rendimentos declarados, cessa a presunção da veracidade das declarações do contribuinte, operando-se uma inversão do ónus da prova (cfr. artigo 89º, nº 3 da LGT), bastando à AT a verificação do facto, ainda que presumido, cujo valor probatório não tenha sido afastado para que se verifique a manifestação de fortuna;
27-À revelia do entendimento prolatado na sentença, é a própria lei que determina e legitima a actuação da Autoridade Tributária, autorizando nos termos da referida alínea f) do Art. 87.º da LGT, que esta proceda à avaliação indirecta do rendimento tributável, quando o acréscimo patrimonial ou o consumo divirjam pelo menos um terço do rendimento declarado;
28-Ora, in casu, não lograram os recorridos provar quaisquer factos susceptíveis de infirmar o juízo permitido pelo artigo 89.º - A da LGT, na fixação de rendimento padrão apurado nos termos do n.º5 do mesmo artigo;
29-A questão em causa prende-se pois com o ónus de prova, aliás, o método de tributação previsto no art. 89º-A da LGT pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade são desconhecidos;
30-As manifestações de fortuna são factos indiciadores de fraude ou evasão fiscal, quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei;
31-E dos factos, resulta que o recorrido, se coloca a si próprio numa situação de quase incapacidade, que só a si o favorece, não tendo demonstrado a inexistência de facto tributário;
32-Pelo contrário, a Administração Tributária efectuou a prova da verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos de avaliação, por contraposição à presunção de veracidade de que gozavam as suas declarações;
33-Tendo-se apurado, conforme o fundamentado no relatório da inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, um rendimento colectável dos sujeitos passivos, em sede de IRS do ano de 2011, no montante de 94.929,69 €, continuando a não ser possível determinar qual a sua origem, nem a ser ilidida a presunção de que se tratam de rendimentos tributáveis não declarados;
34-Não tendo provado quaisquer factos susceptíveis de infirmar o juízo permitido pelo art.º 89.º-A da LGT, na fixação do rendimento padrão apurado nos termos do n.º 5 do mesmo artigo;
35-Como tal, deve a douta sentença ser substituída por outra que determine ser legal e adequada a decisão administrativa de avaliação de matéria colectável, efectuada com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, por injustificada divergência entre os rendimentos declarados pelos ora recorridos e a evidência de acréscimos patrimoniais verificadas no ano 2011;
36-Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.
X
Os recorridos produziram contra-alegações (cfr.fls.197 a 201 dos autos) pugnando pela manutenção do julgado, nas quais formulam as seguintes Conclusões:
1-Com o devido respeito por diversa opinião, que é muito, entendem os aqui recorridos que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício de julgamento, e que, o douto recurso aqui respondido, faz uma incorrecta interpretação dos factos trazidos aos autos;
2-Em primeiro lugar, não se compreende o invocado em 5., 6., 8. e 9. das doutas alegações e 6 a 10 das conclusões, ora respondidas, pois a presunção de registo, além de ser uma presunção ilidível, por força do nº 2 do artigo 350° do C.C., conjugado com o artigo 11º do Código de Registo Comercial, apenas abrange a constituição da sociedade, e já não o seu capital social, que segundo a própria escritura na qual o registo teve origem não se encontrava realizado, caso contrário não faria sentido um prazo para o seu depósito;
3-Não corresponde à realidade processual que os aqui recorridos não tenham "coligido prova segura e inequívoca que o capital social não foi realizado", até porque é impossível fazer prova segura e inequívoca de um facto negativo;
4-Contudo, os aqui recorridos trouxeram aos autos a explicação da realidade dos factos, a razão de inicialmente se pensar num capital social de € 100.000,00, e a razão pela qual tal capital nunca foi realizado ou sequer existiu na esfera jurídica dos aqui recorridos, oferecendo prova testemunhal e documental do por si alegado, e, ainda, oferecendo sua autorização para qualquer consulta de documentos bancários de forma a demonstrar que o referido dinheiro (acréscimo patrimonial) nunca existiu, aproveitando aqui para relembrar que da consulta dos documentos bancários pela A.T. foi possível que se verificasse que o dinheiro referido nunca transitou por qualquer conta bancária titulada pelos aqui recorridos, nem nunca existiu na esfera jurídica dos aqui recorridos - tudo conforme G) supra e p.i. do recurso que deu origem aos presentes autos, que por razões de celeridade e economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados (incluindo documentos);
5-Tendo requerido naquela p.i. de recurso que o Tribunal se dignasse a determinar à A.T. o arquivamento dos presentes autos, com o fundamento de que o acréscimo de património que os motivou apenas existiu formalmente, em um documento, e não corresponde à realidade dos factos e aos reais rendimentos dos subscritores, não sendo, portanto, aplicável qualquer correcção ao IRS do ano de 2011 dos expoentes;
6-Não se podendo olvidar que a única razão pela qual não foi justificado o acréscimo de rendimento de € 100.000,00 - cem mil euros - como capital social, foi o simples facto deste nunca ter existido, pois as hipóteses de capitalização da empresa, supra expostas; nunca se chegaram a realizar - o que, para melhor esclarecimento desse Venerando Tribunal, não foi "inventado" para a presente defesa, mas já foi assumido pelo aqui recorrido marido, em 28.03.2012, conforme documento 8, junto à p.i. de recurso, consubstanciado na acta nº 2 de assembleia geral da sociedade unipessoal por quotas;
7-Tudo quanto foi considerado verificado, na irrepreensível douta sentença recorrida!
8-Assim, dúvidas não restam que a douta sentença recorrida andou bem em decidir como decidiu, pois baseou-se nos factos e provas trazidos aos autos que demonstram, o melhor que se poderá demonstrar um facto negativo, que o acréscimo de património presumido pela A.T. nunca existiu;
9-Como bem invoca a A.T, em 28. das doutas alegações ora respondidas: "... os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87° com vista ao procedimento de avaliação indirecta são claramente objectivos, por um lado, é requerida a existência de um acréscimo patrimonial e, pelo outro, o rendimento declarado.”;
10-Ora, e como bem explicita a douta sentença recorrida, a tributação é que é presumida! Já os pressupostos de aplicação (art. 87°, alínea f) da LGT) devem ser demonstrados pela A.T.!
11-Ou seja: o facto que serve de base à tributação presumida necessita de ser comprovado de modo directo, não podendo o mesmo constituir-se em facto presumido, como inequivocamente explicitou a douta sentença recorrida;
12-De tudo que se explicitou, mostra-se claro que a A.T. não logrou demonstrar a realidade e verificação dos referidos pressupostos, à contrário, os aqui recorridos demonstraram a inexistência dos mesmos, repete-se, tanto quanto é possível demonstrar um facto negativo;
13-Assim, e de todo o supra exposto, verifica-se que não asiste razão à recorrente (A.T.) quando afirma que se encontrava dispensada da prova dos pressupostos do recurso à avaliação por métodos indirectos da matéria tributária; quando afirma que não foram coligidas aos autos provas seguras e inequívocas da que o capital social não foi realizado; bem como quando ignora que, da documentação bancária da titularidade dos recorridos fica comprovada a total e absoluta inexistência do acréscimo patrimonial presumido pelas Finanças;
14-Daí que, em mantendo-se a douta decisão recorrida estará esse Venerando Tribunal a fazer justiça;
15-Em esse Venerando Tribunal decidindo em conformidade com o exposto supra estará a fazer a costumeira justiça.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.213 a 216 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.165 a 170 dos autos - numeração nossa):
1-Em 23 de Maio de 2011, António…, ora recorrente, assinou na Conservatória do Registo Comercial d… documento de constituição da sociedade “Cabaz…, Lda.” (cfr.documento junto a fls.35 a 37 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido);
2-Do documento mencionado no número anterior consta um “Artigo 3.º Capital” com o seguinte teor: "O capital social, integralmente realizado em numerário, a depositar no prazo legal de cinco dias úteis, é de 100.000 euro(s), representado por uma quota de igual valor nominal, pertencente ao sócio António…." (cfr. documento junto a fls.35 a 37 do processo administrativo apenso);
3-Do mesmo documento consta um “Artigo 5.º Disposição transitória” no qual pode ler-se, além do mais, o seguinte: "…o sócio declara que procederá ao depósito do capital social no prazo de cinco dias úteis, nos termos legalmente previstos." (cfr.documento junto a fls.35 a 37 do processo administrativo apenso);
4-A constituição da sociedade “Cabaz…, Lda.” foi registada na Conservatória do Registo Comercial d… através da Ap.1, de 23/05/2011 (cfr. documento junto a fls.46 e 47 do processo administrativo apenso);
5-Em 27 de Março de 2012 reuniu a Assembleia Geral da sociedade “Cabaz…, Lda.”, na qual foi deliberado proceder à dissolução e liquidação da sociedade, tendo sido lavrada a respectiva acta, da qual consta, além do mais, o seguinte: "…não tendo sido possível dar seguimento ao declarado no artigo 5º da constituição da sociedade em depositar o capital social, nos termos legalmente previstos e não tendo exercido qualquer tipo de actividade, o único sócio e gerente António… afirmou que, em virtude de a sociedade na presente data, não ter qualquer activo nem passivo, se encontra em condições de poder ser dada como liquidada…" (cfr.documento junto a fls.48 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido);
6-Através da Ap.2, de 28/05/2012, da Conservatória do Registo Comercial d… foi registado o encerramento e liquidação da sociedade “Cabaz…, Lda.” (cfr.documento junto a fls.46 e 47 do processo administrativo apenso);
7-No ano de 2011 os ora recorrentes declararam, em sede de IRS, um rendimento global de € 19.588,70, correspondente a um rendimento colectável de € 5.745,94 (cfr.documentos juntos a fls.93 a 95 do processo administrativo apenso);
8-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº …, de 23/01/2015, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças d… efectuaram um procedimento de inspecção interna aos ora recorrentes, em sede de IRS do ano de 2011, por motivo de “Controlo de Manifestações de Fortuna" (cfr.documento junto a fls.8 do processo administrativo apenso; relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.9 a 24 do processo administrativo apenso);
9-Em 17/09/2015 foi elaborado o relatório final da acção inspectiva, cuja cópia se encontra junta a fls.9 a 24 do processo administrativo apenso, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido, destacando-se o seguinte teor:
"(...)
I- 2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
(...)
Verificámos que o sujeito passivo desta acção, António, NIF , constituiu durante o ano de 2011 a sociedade “Cabaz, Lda”, NIPC , da qual é sócio único e gerente.
O capital social desta empresa é de € 100.000,00, “integralmente realizado em numerário”, conforme consta no art.º 3.º - capital, da escritura de constituição da “Sociedade”, efectuada na conservatória do Registo Comercial d.
Na sequência da análise à sua situação tributária, verificamos que o valor dos rendimentos declarados no ano de 2011 pelo sujeito passivo, e agregado familiar, é claramente inferior ao acréscimo do património e / ou consumo evidenciado, encontrando-se reunidos os pressuposto para aplicação dos n.ºs 3 e 5 do art.º 89.º-A da LGT neste exercício, procedendo-se à fixação do rendimentos tributável do sujeito passivo em sede de categoria G de IRS, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 9º do CIRS.
(...)
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
(...)
IV. 1 - Nº 3 do art.º 89.º-A da LGT

Notificámos o sujeito passivo, através do ofício 30072, de 23-01-2015, nos termos do n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, no sentido de “fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, mediante apresentação de documentos que provem a origem e a mobilização de recursos financeiros utilizados para a realização do capital social, integralmente realizado em numerário de 100.000,00 euros (conforme artigo 3.º da escritura de constituição da sociedade unipessoal por quotas) da empresa CABAZ, LOA, NIPC
Na sequência desta notificação veio o sujeito passivo responder, em 11.02.2015 (entrada n.º 2015EOO0551945), justificando a constituição da empresa "Cabaz, Lda", bem como os motivos da sua dissolução, argumentando que "o capital social nunca foi realizado".
Ora, conforme se pode comprovar no artigo 3.º (capital) da Escritura de Constituição da referida Sociedade Unipessoal por quotas, lavrada em 23 de Maio de 2011 pela Conservatória do Registo Comercial d, entidade idónea e credível, “o capital social, integralmente realizado em numerário, a depositar no prazo legal de cinco dias uteis, é de 100.000 euro(s), representado por uma quota de igual valor nominal, pertencente ao sócio António.”
Mais refere no artigo 5.° (disposição transitória) da mesma escritura que “o sócio declara que procederá ao depósito do capital social no prazo de cinco dias úteis, nos termos legalmente previstos”, bem como “o sócio declara ter sido informado de que deve proceder à entrega da declaração de início de atividade para efeitos fiscais, no prazo legal de 15 dias”.
Relativamente ao início de actividade verificamos que, de facto, veio a ocorrer em 6 de Junho de 2011, dentro do prazo concedido para tal.
Assim sendo, apesar de notificado para o efeito o sujeito passivo não comprovou a veracidade dos rendimentos declarados em sede de IRS no ano de 2011, nem especificou qual a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património em causa nesta análise.
(...)
IV. 3 - N.º 11 do art.º 89.º-A da LGT

Também o n.º 11 deste artigo tem na base a avaliação indirecta efectuada nos termos da alínea f) do n.º do art.º 87.º da LGT.
Este determina que no caso em apreço, a análise deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancária.
Assim sendo, e apesar de o sujeito passivo na sequencia da notificação de 23.01.2015 (ofício 30072, referido no ponto IV. 1) ter autorizado o acesso às contas, bem como o cônjuge, Aida, e nos termos do disposto no n.º 11 do art.º 89.º-A, conjugado com a alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 63.º-B, todos da LGT, solicitámos autorização para aceder a todas as informações ou documentos bancários do sujeito passivo e cônjuge (informação destes serviços de 12 de Fevereiro de 2015).
Em 24 de Abril de 2015, proferiu decisão a Exma Sra. Directora-Geral da Autoridade Tributária, autorizando o levantamento do sigilo bancário ao sujeito passivo e cônjuge, decisão esta devidamente notificada ao sujeito passivo, através do ofício 30591, 06 de Maio de 2015 (nos termos do art.º 63.º-B da LGT e 146.º-B do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Da análise dos extractos bancários enviados pelos bancos verificamos que não trazem ao processo quaisquer elementos esclarecedores ou reveladores de outras situações susceptíveis de correcção ou análise.
(...)
V. Critério de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

Assim, e tendo em conta o descrito no capítulo IV, estamos em condições de determinar o rendimento a englobar pelo sujeito passivo, calculado com base na alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT.
(...)
Conforme já referido no ponto IV deste Relatório, apesar do sujeito passivo em resposta à nossa notificação ter dito que o “capital social nunca foi realizado”, a Escritura de Constituição da Sociedade Unipessoal por quotas “Cabaz, Lda” lavrada em 23 de Maio de 2001 pela Conservatória do Registo Comercial d, comprova, no artigo 3.º (capital) que “ o capital social, integralmente realizado em numerário”.
Significa isto que, no momento da constituição da empresa este montante estava disponível, e foi apresentado pelo sujeito passivo para o referido ato.
Apesar de ser questionado, e de lhe ter sido dada a oportunidade para justificar a origem deste montante, o mesmo não o fez.
Sendo assim, e tendo presente o que refere a alínea b) do n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT (“os acréscimos do património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direito (…), consideramos que o acréscimo ao património do sujeito passivo, no ano de 2011, foi, por esta via, no valor de € 100.000,00.
(...)
V - 1.3 Cálculo do Rendimento Tributável

Nos termos da alínea a) do n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT, “considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, (…). a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”.
Assim, o rendimento enquadrável na categoria G no ano de 2011, é de € 100.675,67, conforme melhor se descreve no Quadro que segue:

ANO 2011
Valor
Acréscimo ao Património (capital social da empresa da qual é único sócio, totalmente realizado em numerário
€ 100.000,00
Despesa comprovadamente efectuada (despesas de saúde declaradas em sede de IRS, e IMI pago em 2011)
€ 675,67
TOTAL
€ 100.675,67
Rendimentos declarados (rendimentos líquidos, nos termos da alínea d) do n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT)
€ 5.745,94
Proporção dos rendimentos declarados no acréscimo ao património e despesas conhecidos da administração fiscal
€ 5.71 %
Diferença – rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, conforme alínea a) do n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT
€ 94.929,69

V - 2. Conclusão

As propostas de correcção ao rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, para o exercício de 2011 é de € 94.929,69.
(...);
10-Por despacho de 18/09/2015, o Director de Finanças d…, manifestando concordância com as propostas e fundamentos do relatório de inspecção, fixou, ao abrigo do disposto nº6 do artigo 89º-A da LGT, o rendimento colectável dos sujeitos passivos, em sede de IRS, do ano de 2011, no montante de € 94.929,69 (cfr.documento junto a fls.9 do processo administrativo apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pela partes e na análise dos documentos constantes do Processo Administrativo (PA) apenso, conforme discriminado nas várias alíneas do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, conceder integral provimento ao recurso apresentado pelo ora recorrido, em consequência do que revogou a decisão identificada no nº.10 da factualidade provada.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento da matéria de facto, em virtude de ter sido dada relevância a meras considerações, destituídas de qualquer valoração lógica e racional. Que a sentença do Tribunal a quo padece de défice instrutório devido ao facto de não ter coligido prova segura e inequívoca que o capital social não foi realizado (cfr.conclusões 5, 22 e 23 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto à concreta matéria de facto sobre a qual incide o alegado erro de julgamento defendido pelo recorrente.
Por outro lado, no que diz respeito ao alegado défice instrutório, recorde-se que recai sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), não vislumbrando este Tribunal que se verifique, "in casu", qualquer situação de défice instrutório e consequente accionamento do princípio da investigação no domínio do processo judicial tributário (cfr.artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária).
Em conclusão, julga-se improcedente o presente fundamento da apelação.
Aduz, igualmente e em síntese, o recorrente que atenta a força probatória da escritura de constituição da sociedade, o Tribunal "a quo" não podia valorar as simples alegações do recorrido de que "o acréscimo nunca existiu", como sendo capazes de afastar o juízo probatório das declarações prestadas na citada escritura. Que a força probatória da escritura não foi materialmente afastada, não cabendo à A. Fiscal "indagar das contas bancárias da sociedade". Que impendia sobre os ora recorridos o ónus de provar que os rendimentos proporcionados a suportar a manifestação de fortuna evidenciada, tinham uma fonte diversa dos rendimentos declarados e que correspondiam à realidade os rendimentos declarados, prova essa que não foi feita. Que a sentença recorrida deve ser substituída por outra que determine ser legal e adequada a decisão administrativa de avaliação de matéria colectável, efectuada com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, por injustificada divergência entre os rendimentos declarados pelos ora recorridos e a evidência de acréscimos patrimoniais verificados no ano 2011 (cfr.conclusões 6 a 21 e 24 a 35 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a sentença do Tribunal "a quo" comporta tal pecha.
A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cfr.Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável (cfr.A Reforma Fiscal Inadiável, J. Pina Moura e R. Sá Fernandes, Revista Fisco, ano XII, nºs.95/96, Abril de 2001, pág.23 a 25).
O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte, além do mais, os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Com o aditamento à L. G. Tributária da al.d), do nº.2, do artº.75, e do artº.89-A, efectuado pela Lei 30-G/2000, de 29/12, o legislador consagrou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7727/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14).
Na tributação com base nas mencionadas manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando “os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A”;
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja “um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
Verifica-se, pois, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão e a da existência de incrementos patrimoniais ou despesa não justificados. Ou seja, o artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., abrange uma realidade enquadrável num conceito amplo de manifestações de fortuna e designada por acréscimo ou incremento patrimonial não justificado, definido em concreto por comparação com o rendimento declarado, sendo precisamente esta a situação dos autos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.760 e seg. e 778 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.).
Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil). Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg. e 310 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.370 e seg.).
Por último, deve mencionar-se que os ditos acréscimos patrimoniais não justificados consagrados no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., são passíveis de enquadramento no artº.9, nºs.1, al.d), e 3, do C.I.R.S. (categoria G de rendimentos na cédula de I.R.S.), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.126 e seg.).
“In casu”, haverá, portanto, que analisar se estão reunidos os pressupostos legais da decisão objecto do presente processo e que foi anulada em 1ª. Instância, de acordo com o regime previsto nos aludidos artºs.87, nº.1, al.f), e 89-A, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil).
O artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, estabelecia o seguinte:
Artº.87
Realização da avaliação indirecta

1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
(…).
Por sua vez, o artº.89-A, da L.G.T., na dita redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, estabelecia o seguinte:

Artº.89-A
Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados

1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº.4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2 - Na aplicação da tabela prevista no nº.4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;

b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo;
c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
3 - Verificadas as situações previstas no nº.1 deste artigo, bem como na alínea f), do nº.1 do artigo 87º., cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou da despesa efectuada.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nº.1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do nº.2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º., que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:


Manifestações de fortuna
Rendimento padrão
1 – Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000.
20 % do valor de aquisição
2 – Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior € 50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000.
50 % do valor no ano de matrícula com o abatimento de 20 % por cada um dos anos seguintes
3 – Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000.
Valor no ano de registo com o abatimento de
20 % por cada um dos anos seguintes
4 – Aeronaves de turismo.
Valor no ano de registo com o abatimento de
20 % por cada um dos anos seguintes.
5 – Suprimentos de empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000.
50% do valor anual


5 - Para efeitos da alínea f), do nº.1 do artigo 87º.:
a)Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º., que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;
b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efectuada;
c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;
d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
6 - A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo é da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação.
7 - Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91º. e seguintes.
8 - Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
9 - Para a aplicação dos nºs.3 a 4 da tabela, atende-se ao valor médio de mercado, considerando, sempre que exista, o indicado pelas associações dos sectores em causa.
10 - A decisão de avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto constante deste artigo, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo director de finanças ao Ministério Público e, tratando-se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, também à tutela destes para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência.
11 - A avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos.

Da exegese das normas conclui-se que a sua aplicação aos contribuintes está condicionada ao preenchimento de pressupostos prévios, uns relativos ao valor de aquisição e outros relativos à divergência entre a capacidade aquisitiva demonstrada e os rendimentos declarados em sede de I.R.S. Assim, para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta forma de avaliação indirecta, é necessário, antes de mais, que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna:
- aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00;
- aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000,00;
- aquisição de motociclos de valor igual ou superior a € 10.000,00;
- aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000,00;
- aquisição de aeronaves de turismo;
- suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000,00.
Para além do requisito do valor de aquisição, é ainda necessário, para se aplicar o artº.89-A, da L. G. Tributária, que se verifiquem, em alternativa, alguma das seguintes condições:
-Falta de entrega da declaração de rendimentos;
-O rendimento líquido declarado em sede de I.R.S., no ano em causa, mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no nº.4, do mesmo normativo.
Mais se dirá que é à A. Fiscal que compete comprovar a existência de aquisições de valor superior ao definido na tabela do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária, em cada ano, para que possa fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta.
Por sua vez, ao contribuinte compete demonstrar perante a Administração Tributária, ou perante o Tribunal, quais as fontes de rendimento que lhe permitiram efectuar as aquisições de bens referidas no artº.89-A, da L. G. Tributária. Mais concretamente, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de I.R.S. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão da declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável. Já se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/5/2009, rec.403/09; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 23/9/2008, proc. 2605/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6579/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.371).
Voltando ao caso “sub judice”, entendeu o Tribunal "a quo" que a A. Fiscal não efectuou prova de que o recorrido procedeu à efectiva realização do capital social da sociedade “Cabaz…, Lda.”, pelo que não estava legitimada a proceder à avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, al.a), da L.G.T.
O recorrente, pelo contrário, defende que da força probatória da escritura pública de constituição da identificada empresa resulta a prova da realização do capital social, assim não tendo a A. Fiscal que ir indagar as contas bancárias da mesma sociedade e estando legitimada para proceder à avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, al.a), da L.G.T.
Vejamos quem tem razão.
No que diz respeito à força probatória de um documento autêntico, o mesmo apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público que os realiza ou daqueles que são diretamente percepcionados pela referida entidade documentadora, já não garantindo a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador, somente que eles as fizeram. Por outras palavras, se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr.artº.371, nº.1, do C.Civil; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 3ª. Edição, 1982, pág.325 e seg.; Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Almedina, 2015, pág.80 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o recorrente pretende demonstrar a mobilização de recursos financeiros utilizados para a realização do capital social da sociedade “Cabaz…, Lda.” com base na escritura de constituição da sociedade.
No entanto, ao contrário da posição defendida pelo apelante, o documento de constituição da sociedade não comprova que o capital social tenha sido realizado, ou seja, que o recorrido tenha disponibilizado ou apresentado naquele acto o montante de € 100.000,00. Ao invés, daquele documento resulta expressamente que o recorrido declarou que no prazo de 5 dias procederia ao depósito bancário daquela quantia.
Ora, por ter declarado que procederia à realização do capital social não significa que o recorrido o tenha feito, aliás, conforme decorre do probatório, o próprio, logo no ano de 2012, procedeu ao registo da dissolução e liquidação da sociedade, tendo declarado na respectiva acta que não havia realizado o capital social da sociedade (cfr.nºs.1 a 5 do probatório).
Por outro lado, relativamente à natureza jurídica da tributação baseada nas manifestações de fortuna essa natureza é presuntiva e, por isso, as aquisições onerosas de bens ou o consumo que se configurem como manifestações de fortuna, o que acontece quando se revelem desproporcionadas em relação ao rendimento declarado na medida legalmente prevista, representam um facto base ou indício a partir do qual se infere um facto consequência ou facto presumido. No entanto, em relação ao facto base da presunção e que corresponde à detenção, declaração ou aquisição de bens, direitos, consumo ou dívidas de valores desfasados relativamente aos elementos declarados, o mesmo necessita de ser comprovado e de modo directo, pois não são de admitir presunções sobre presunções (cfr.João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.278 e seg.; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 18/1/2012, proc.01104/11.0BEPRT).
Pelas razões acima indicadas, julgamos que seria indispensável que a A. Fiscal fizesse a prova directa e inequívoca de que o recorrido procedeu à efectiva realização do capital social da sociedade, prova essa que passaria, essencialmente, pela indagação das contas bancárias da sociedade, pois só assim se poderia concluir pela verificação de um acréscimo patrimonial ou despesa efectuada, enquadrável no examinado artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T.
Não tendo o recorrente produzido tal prova, não estava legitimado a proceder à avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, al.a), da L.G.T., donde se impõe concluir que a decisão identificada no nº.10 da factualidade provada padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação, mais não estando o recorrido obrigado a comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados, mediante a demonstração de que era outra a fonte dos recursos utilizados.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Junho de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)