Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1071/07.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
ALOJAMENTO HOTELEIRO
NEUTRALIDADE
IMPUTAÇÃO DE CUSTOS INTERNA
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
Sumário:I-Resultando do probatório, não impugnado, que os serviços realizados se coadunam com o alojamento hoteleiro, dimanando inclusive que se os membros do Clube deixarem de efetuar os pagamentos anuais deixam de o integrar e por consequência direta não podem usufruir da unidade habitacional, no período em questão, então não pode advogar-se que o pagamento anual visa remunerar um conjunto de serviços de administração do imóvel.
II-Exercendo a Recorrida atividade de alojamento hoteleiro a sócios do clube e a não sócios, a tributação dos mesmos serviços a taxa distinta, concretamente taxa normal aos sócios e taxa reduzida aos não sócios, acarretaria uma distorção da concorrência, e uma clara violação do princípio da neutralidade, porquanto estar-se-iam a tributar os mesmos serviços a taxas diferentes apenas decorrente de uma mera diferenciação do utilizador.
III-Encontrando-nos perante uma mera imputação de custos interna, sem que a sede tenha assumido qualquer dívida da sucursal, elementos esses ponderados e validados por Relatório Pericial, ter-se-á de concluir que não nos encontramos perante uma operação sujeita a IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO



O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou, totalmente, procedente a impugnação judicial deduzida por “F..... LIMITED”, (doravante Recorrida) contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios, dos anos de 1997 a 2000, no valor global de €1.586.102,21.

A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma:

I. O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a presente impugnação judicial apresentada pela Impugnante "F..... Limited” (doravante designada por Recorrida), e como tal, decidiu pela anulação dos actos de liquidação adicionais de IVA, referentes aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000.

II.               Atento a que a decidida ilegalidade das referidas liquidações adicionais, plasmada na douta sentença, respeitam a dois tipos de operações distintas: por um lado, a emissão de facturas pela ora Recorrida à casa-mãe relativas a prestações de serviços de alojamento, nas quais procedeu à liquidação de IVA à taxa reduzida, e por outro lado, a assunção, por parte da casa-mãe, da responsabilidade pelo pagamento de dívidas do estabelecimento estável.

III.             A Recorrida é uma sucursal da empresa F..... Limited, sendo o seu objecto social a exploração dos serviços de apoio integrados no aldeamento turístico privado instalado no aldeamento turístico F....., propriedade da casa-mãe.

IV.             Ou seja, o estabelecimento estável F..... Limited (Recorrida) detém o direito de utilização exclusiva de um aldeamento turístico de 1ª categoria, propriedade da empresa F..... Limited, no qual são prestados serviços de alojamento, restauração e de recreio aos membros do Club.

V.              Assenta o motivo da existência deste estabelecimento estável (a Recorrida) como de administração do empreendimento, e não de prestação de serviços de alojamento, uma vez que estes foram adquiridos pelos membros do clube no momento em que adquiriram esse estatuto, conforme se pode confirmar do contrato promessa de arrendamento celebrado entre ambas as entidades.

VI.             Na senda da posição já anteriormente assumida, em momentos diversos pela Autoridade Tributária, a Fazenda Pública não pode considerar que sejam prestados serviços de alojamento hoteleiro, uma vez que os seus utilizadores adquiriram esse direito através da compra dos títulos à casa- mãe, estando o acesso ao empreendimento condicionado aos membros do clube, detentores do respectivo título, não basta, assim, que inviabilize a Recorrida de cobrar qualquer importância referente à prestação de serviços de alojamento.

VII.           E isto porque, a referida contrapartida financeira é paga à casa-mãe, com sede na Ilha de Man, pelos membros do clube, que depois procede à sua transferência, dando origem aos valores aqui em pareço.

VIII.          Assim sendo, torna-se evidente que as transferências efectuadas pela casa-mãe correspondem às verbas necessárias à administração do empreendimento, pelo que os valores em causa enquadram-se no conceito residual de prestações de serviços, previsto no n.° 1 do art.° 4.º do CIVA, e, como tal, sujeitas à taxa normal.

IX.             Daí a necessária conclusão que radica na aplicação da taxa normal de IVA às referidas operações, sendo esta a taxa que deveria, de igual modo, ter incidido sobre as transferências efectuadas pela casa-mãe, a título de compensação de prejuízos.

X.              Em concreto, apesar de não existir uma transferência física do dinheiro para fazer face aos compromissos assumidos pelo estabelecimento estável, dado que o lançamento é efectuado com base num documento interno, existe, contudo, uma desoneração do pagamento de uma dívida através do assumir da mesma por parte da casa-mãe, pelo que se impõe legalmente, o seu tratamento da mesma forma e como tal sujeitas a IVA à taxa normal.

XI. Deste modo, é entendimento da Autoridade Tributária, corroborada pela Fazenda Pública, de que as transferências efectuadas pela casa-mãe à sucursal pressupõem a contraprestação das prestações de serviços de administração, nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 4º do CIVA, que se encontram sujeitas a IVA à taxa normal.

XII. Pese embora o facto da inexistência em sede de IVA, de qualquer definição de estabelecimento estável, certo é que o Tribunal de justiça da Comunidade Europeia vem defendendo que se deve considerar que uma entidade tem estabelecimento estável em determinado Estado-membro quando aí disponha de instalação que reúna, com carácter de permanência, meios humanos e técnicos necessários à realização de operações tributáveis (Acórdão de 02 de Maio de 1996 - processo C- 231/94; Acórdão de 20 de Fevereiro de 1997 - processo C-260/95; Acórdão de 07 de Maio de 1998 - C-390/96).

XIII.          Ora, assim sendo, dúvidas não há de que a Recorrida dispõe de estabelecimento estável em Portugal, sendo que, possui por esse facto, número de identificação fiscal de pessoa colectiva.

XIV.          No que concerne às transferências efectuadas, alegadamente para “compensação de prejuízos” cumprirá esclarecer que, as mesmas também não pressupõem quaisquer prestações de serviços de alojamento, pelo que, se encontram sujeitas ao mesmo regime das referidas acima, e como tal, sujeitas a IVA à taxa normal.

XV.           Ora, se a sucursal em Portugal se integra no conceito de estabelecimento estável, e tendo a sede e estabelecimento estável personalidades tributárias distintas, as operações entre si realizadas não poderão considerar-se movimentos internos fora do campo de incidência do IVA como pretende a Recorrida, mas sim prestações de serviços (ou transmissões de bens, consoante o caso).

XVI.          Nem poderá ser atendido o argumento de que se trata de um documento interno, na medida que, o resultado prático é, a desoneração do pagamento de uma dívida, enquadrável no conceito residual de prestações de serviços vertido no n.° 1 do art.° 4º do CIVA, em nome do princípio da substância sobre a forma que vigora no sistema fiscal português.

XVII.        Assim, atenta a legislação aplicável em vigor à data dos factos, ter-se-à de entender que, as situações supra referidas, consubstanciam prestações de serviços, na medida em que, o que está em causa, é a contraprestação das prestações de serviços de administração sujeitas à taxa normal de IVA.

XVIII.       Atento o exposto, inexistem os motivos conducentes à anulação dos actos tributários de liquidação, devendo estes permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”


***

Notificada, a Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído da forma que infra se descreve:

I. O recurso jurisdicional é o meio processual adequado para a impugnação de decisões judiciais (art°627, 1 NCPC);

II.               Para que o tribunal de recurso proceda ao reexame da decisão recorrida recai sobre o recorrente o ónus de alegar e de formular conclusões (art° 639° NCPC) de acordo com o qual deve o recorrente indicar quais os vicíos que imputa à decisão recorrida, indicar as razões por que pretende a sua anulação ou revogação e incluir conclusões em que essas razões sejam sintetizadas;

III.             A peça processual apresentada pela F.P. como constituindo as suas alegações não faz qualquer critica à sentença recorrida, não indica uma única razão ou fundamento pelos quais pretende a revogação da sentença recorrida e, nas conclusões, limita-se a reproduzir integral e textualmente o teor dos vários artigos do corpo das alegações;

IV.             A F.P. , nas referidas alegações, limita-se a reproduzir resumidamente a fundamentação da AT para as liquidações de IVA impugnadas,

V.              A F.P. não cumpriu assim, ainda que minimamente o ónus de alegar e formular conclusões;

VI.             Não se encontrando formulada qualquer crítica à sentença recorrida e havendo total omissão quanto aos fundamentos pelos quais a FP pede a sua revogação, há que concluir pela falta de alegações, de onde decorre a deserção do recurso;

VII.           Não é aplicável a previsão dos n°s 5, 6 e 7 do art° 282° CPPT e n° 3 do artº 639 NCPC, porque o despacho de aperfeiçoamento aí previsto se refere apenas à falta ou irregularidades das conclusões das alegações, o que pressupõe a existência de alegações, o que não se verifica neste caso.

VIII.          Limitando-se a F.P., como única referência à decisão recorrida, a dizer no art° 6 do corpo das alegações que “o tribunal a quo incorre em erro de julgamento consubstanciado na incorrecta apreciação e valorização da matéria factual, há lugar à aplicação do disposto no n° 1 do art° 640° NCPC,

IX.             Não tendo a F.P. indicado nenhum concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado, nem nenhum concreto meio probatório que imporia decisão diversa da recorrida, nem a decisão que em seu entender deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas - alíneas a), b) e c) do n° 1 do art° 640° NCPC - não cumpriu ainda que minimamente o ónus de impugnação previsto naquela disposição legal, pelo que o recurso tem de ser rejeitado, nos termos do disposto no corpo do n° 1 do art° 640° cit, in fine,

X.              Não pode assim o Tribunal ad quem conhecer do recurso, quer por violação do ónus de alegar e formular conclusões consubstanciada na falta de apresentação de alegações e conclusões nos termos legalmente exigíveis, quer por violação do ónus de impugnação previsto no n° 1 do art° 640° NCPC;

XI.             Acresce que a falta de cumprimento do disposto na alínea b) do n° 1 do art° 640° NCPC impede a Recorrida de dar cumprimento ao disposto na alínea b) do n° 2 do mesmo artigo.

Sem conceder quanto à impossibilidade de conhecimento do recurso por violação do ónus de apresentar alegações e conclusões e por violação do ónus de impugnação;

XII.            A Recorrente não pode rebater, em sede de contra alegações, as razões e fundamentos pelos quais a Recorrida pede a revogação da sentença recorrida, porque a Recorrente omitiu por completo qualquer crítica à sentença recorrida e não indicou uma única razão ou fundamento pelos quais entende que a sentença recorrida deve ser revogada.

XIII.          Limitando-se a F.P., em jeito de alegações, a repetir a fundamentação das liquidações anuladas, mais não pode a Recorrida senão comparar a compatibilidade dessa fundamentação com o que resultou provado nos autos e reiterar a sua posição oportunamente expressa nos autos nas alegações apresentadas em 23.5.2013 ao abrigo do art° 120° CPPT.

XIV.          Resultando provado nos autos que a Recorrida, no exercício da sua actividade de exploração do aldeamento turístico F....., nele fornece serviços de alojamento hoteleiro - serviços de alojamento, restauração e recreio - a sócios do Clube F..... improcede a tese da AT, veiculada pela F.P., segundo a qual a actividade da Recorrida é exclusivamente a administração do aldeamento.

XV.           Resultando provado nos autos que os sócios do Clube, ao adquirirem essa qualidade, pagam uma quantia denominada “preço de venda” e adquirem por tal o direito de uso e ocupação de uma determinada unidade habitacional no referido aldeamento, numa determinada semana e ficam ainda obrigados ao pagamento de uma quantia anual para terem, em cada ano, acesso à referida unidade habitacional na semana determinada, improcede totalmente a tese da AT, veiculada pela FP nas suas alegações, segundo a qual a prestação anual paga todos os sócios se destina a remunerar a prestação de serviços de administração do aldeamento.

XVI.          Tendo designadamente ficado provado nos autos (ponto 8 do probatório) que o não pagamento da quantia anual tem como consequência que o sócio não possa beneficiar de alojamento, não pode substituir qualquer dúvida sobre a natureza desse pagamento como contrapartida de serviços de alojamento, inviabilizando assim a tese da AT segundo a qual esse pagamento se destinaria a pagar serviços de administração do aldeamento;

XVII.        Mais tendo resultado provado nos autos que a Recorrida presta os mesmos serviços, de alojamento hoteleiro, a sócios e a clientes não sócios, não podem aqueles ser tributados à taxa de 17% e estes à taxa de 5%, sob pena de violação do principio da neutralidade do IVA, assim improcedendo as teses da A.T.

XVIII.       Em tudo o mais no que a esta questão respeita e tendo em atenção que a Recorrida apenas está em condições de pronunciar-se sobre a fundamentação das liquidações impugnadas, a Recorrida remete para as alegações e conclusões apresentadas em 23.5.2013 ao abrigo do art° 120 CPPT, que aqui dá por reproduzidas e para as quais remete.

XIX.          Tendo ficado provado nos autos que as operações internas de contabilidade consubstanciadas na transferência para a conta da sede de contas de sinal contrário não são operações tributáveis em IVA, falecem por completo as teses da AT veiculadas pela F.P. nas suas alegações.

XX.           Para serem tributáveis em IVA essas operações teriam de corresponder a uma prestação de serviços (art° 1o 1 a) e art° 4º ClVA e para constituírem prestação de serviços seria necessário que o prestador de serviços fosse sujeito passivo de IVA (art° 2º CIVA e art° 4º n° 1 da Sexta Dírectiva actualmente art°s 9º, 1 e 1º da Directiva IVA), porém, de acordo com as disposições citadas, o sujeito passivo de IVA, para o ser precisa de ter carácter de independência;

XXI.          As sucursais não tem personalidade jurídica distinta da sede, pelo que podendo ser sujeitos passivos do IVA nas relações com terceiros, não são contudo sujeito passivo de IVA perante a sede: sede e sucursal (estabelecimento estável) são a mesma entidade, são o mesmo sujeito passivo de IVA, como resulta do Acórdão FCE Bank do TJUE, (caso C210/02«4) onde se decidiu que sede e sucursal são "um único e mesmo sujeito passivo na acepgão do art° 4°, 1 da Sexta Directiva"

XXII.         Face à matéria provada nos autos e não impugnada pela Recorrente, designadamente pontos 5, 6, 7 8 e 9 do probatório, resultam a improcedência das teses da AT, veiculada pela F.P. e a total procedência das posições da Recorrida;

XXIII.       Com efeito, provado nos autos (resposta dos peritos ao 3o quesito) que sendo a Recorrida sucursal da sede, todos os seus valores activos e passivos pertencem ao património da sede (Casa-Mãe) pelo que é incorrecto dizer, como fez a AT, que a sede assumiu uma dívida da Recorrida, pois tendo a divida sido incorrida oríginalmente pela Recorrida já era divida da sede (Casa-Mãe)

XXIV.       Também face à demais matéria provada nos autos, designadamente ponto 27 do probatório que considera as operações em causa como uma regularização financeira, resulta a improcedência das teses da AT, veiculadas pela FP em jeito de alegações, e a total procedência da posição da Recorrida. 

Nestes termos,

a)              deve o presente recurso ser considerado deserto por falta de apresentação de alegações e conclusões nos termos legalmente exigíveis, conforme alínea b) do n° 2 do art° 641 NCPC e n° 4 do art° 282 CPPT assim não se entendendo

b)              deve ser rejeitado o presente recurso, nos termos do artigo 640, 1o NCPC, por violação do ónus de impugnação aí previsto;

sem conceder

c)               Deve o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência mantida a sentença recorrida.”


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Na sequência de diversos pedidos de esclarecimentos, veio a Recorrente informar, documentadamente, que a dívida objeto de cobrança no processo de execução fiscal nº ....., subjacente aos atos impugnados havia sido declarada prescrita, no âmbito de um processo de reclamação de atos de execução intentado pela Recorrida (cfr. ofício e respetiva documentação a fls. 1530 a 1545 dos autos).

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Assegurado o contraditório relativamente a despacho para pronúncia sobre, eventual, inutilidade superveniente da lide, a Recorrida deduziu oposição a que a mesma fosse decretada porquanto existiram pagamentos coercivos no âmbito do processo de execução fiscal em contenda, donde mantém interesse na apreciação do mérito da causa, mormente, para efeitos de reconstituição da situação hipotética, concretamente, o reembolso das quantias indevidamente pagas (cfr. fls.1568 a 1584 dos autos). A Recorrente devidamente notificada manteve-se silente.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da não procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 1308 a 1449 dos presentes autos):

1) A Sociedade F..... Limited, NIPC ....., é uma sociedade de responsabilidade limitada, constituída de acordo com as leis da Ilha de Man, com sede em Douglas, Ilha de Man (cfr. fls. 369 a 372 dos autos);

2) A impugnante, F..... Limited, NIPC ....., é uma sucursal da sociedade identificada no ponto anterior, tem como objecto social a exploração dos serviços de apoio integrados no complexo turístico privado, instalado no aldeamento turístico de primeira categoria sito na ....., propriedade da “F..... Limited” , está enquadrada em sede de IVA, no regime mensal desde 1988 e declarou como actividade principal, a exploração do citado complexo turístico (cfr. fls. 84 a 93, 94 a 97 do procedimento de RG n.º ..... apenso, 365 a 366 e informação da Divisão de Justiça Contenciosa de fls.220 dos autos);

3) Em 07/03/1989 foi celebrado entre a sociedade F..... Limited, como primeira outorgante, e a impugnante, como segunda outorgante, um contrato promessa de arrendamento no qual a primeira outorgante declara prometer arrendar à segunda outorgante o empreendimento turístico designado “F.....”, sito em ....., Algarve, constituído por áreas de alojamento, restauração e de recreio, a ter início após a conclusão do empreendimento, pelo período de 2 anos, renovável, nas demais condições contratualmente previstas (fls. 57 a 60 dos autos);

4) A impugnante apresentou um requerimento dirigido ao Director Geral das Contribuições e Impostos, em data não concretamente apurada, mas anterior a 18/01/1996, nos termos do artigo 20.º, alínea c) do CPT, onde solicitava um esclarecimento vinculativo sobre a correcta aplicação das taxas de IVA às operações tributáveis efectuadas no exercício da sua actividade e sobre a possibilidade de deduzir o IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários à realização das mesmas operações (cfr. fls. 61 a 63 e ponto 2 da informação n.º ....., de 28/02/2000);

5) A impugnante explora o Aldeamento Turístico de 1ª Categoria situado na ....., no qual são prestados serviços de alojamento, restauração e de recreio aos membros do Club e a não sócios (cfr. requerimento de fls. 61 a 63, 128 a 178, 359, RIT e depoimento testemunhas);

6) A comercialização deste empreendimento foi feita através da criação de um clube privado, cuja aquisição da qualidade de sócio foi feita através de uma “Proposta para membro do clube” (cfr. fls. 359 e depoimento testemunhas);

7) Para os efeitos referidos no ponto anterior os sócios devem efectuar o pagamento à sociedade F..... Limited, do “preço de venda” correspondente ao direito de uso e ocupação de unidade habitacional, numa determinada semana (cfr. fls. 359 e depoimento de testemunhas);

8) Os membros do Clube devem ainda efectuar o pagamento anual de uma taxa de manutenção, para terem acesso ao uso e ocupação da unidade habitacional, cuja falta de pagamento impede o membro do clube de usar e ocupar a unidade habitacional na semana atribuída (cfr. fls. 359 e depoimento de testemunhas);

9) Nos anos de 1996 a 1999, a impugnante emitiu facturas a clientes não sócios (individuais e agências de viagem) à sede (casa-mãe) relativas a serviços de alojamento prestados aos sócios do Clube, na sequência do que sede transferiu para a sucursal as quantias recebidas nos termos do ponto anterior, nas quais liquidou IVA à taxa reduzida (cfr. fls. 174 do procedimento de RG n.º .....; fls. 128 a 178 dos autos, RIT e depoimento de testemunhas);

10) Em resposta ao requerimento referido no ponto 4) foi elaborada a informação n.º ....., datada de 28/02/2000, que aqui se dá por integralmente reproduzida, sobre a qual recaiu despacho concordante do Director de Serviços do IVA, da mesma data, com o seguinte teor:

(…) 4. Através da analise o relatório dos serviços de fiscalização, bem como dos seus anexos, nomeadamente o regulamento do clube podemos concluir que:

4.1. As transferências efectuadas pela casa-mãe incluindo as designadas “para compensação de prejuízos” não pressupõe a prestação de serviços de alojamento, uma vez que, aqueles foram adquiridos pelos membros do clube na altura em que adquiriam os “direitos obrigacionais de habitação turística”

4.2. Sendo a administração do empreendimento a razão principal da existência da requerente e pagando os membros do Clube uma quantia anual de acordo com o número de semanas adquiridas e o tipo de apartamento e não se encontrando estas registadas pela exponente, leva-nos a deduzir que tais quantias são pagas directamente à casa-mãe que depois as transfere dando origem às verbas em causa.

4.3. Assim sendo, atendendo ao conceito residual de prestações de serviços previsto no n.º 1 do artº 4.º do CIVA, bem como ao seu reflexo económico, as transferências efectuadas pela casa mãe pressupõe a contraprestação das prestações de serviços de administração que se encontram sujeitas a IVA à taxa normal.” (cfr. fls. 64 a 71 dos autos);

11) Na sequência da ordem de serviço n.º ....., a impugnante foi alvo de uma acção de inspecção externa realizada no âmbito de IVA, relativa aos exercícios de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000, que teve início em 21/05/2001 e foi concluída em 04/10/2001 (cfr. do relatório de inspecção, fls. 72 a 85);

12) Em resultado da acção de inspecção aos exercícios de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000 foram propostas correcções meramente aritméticas, às declarações apresentadas pela impugnante relativamente a IVA, com a fundamentação constante do Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, resultantes da impugnante ter emitido à sede (Casa-Mãe) facturas relativas a prestação de serviços de alojamento, nas quais procedeu à liquidação de IVA à taxa reduzida de IVA e não à taxa normal, a que no entender da administração tributária estaria obrigada, por a impugnante exercer a actividade de administração do empreendimento, que se enquadra no conceito residual de prestação de serviços, previsto no n.º 1, do artigo 4.º do CIVA (cfr. fls. 73 a 85);

13) Para além das correcções referidas no ponto anterior foi proposta no relatório de inspecção a sujeição a IVA à taxa normal aos lançamentos internos pelos quais a sede (Casa-Mãe) nos exercícios de 1996 a 2000 assumiu a responsabilidade do pagamento de diversas dívidas da impugnante, nomeadamente as rendas de empreendimento, apesar de não existir uma transferência física do dinheiro (cfr. RIT);

14) Com base nas correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, de fls. 88 a 114, com data limite de pagamento voluntário em 31/03/2002;

15) Através do ofício n.º ....., datado de 11/02/2002, foi a impugnante notificada das liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios referidas no ponto anterior, na sequência do que apresentou, em 13/05/2002, reclamação graciosa (cfr. fls. 86 a 87 dos presentes autos e carimbo fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa n.º ..... apenso);

16) Através do ofício n.º ....., datado de 26/02/2002, foi a impugnante notificada das liquidações oficiosas de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 31/03/2002, relativas a 10 das liquidações adicionais de IVA, a que se refere o ponto 14), na sequência do que apresentou, em 17/05/2002, reclamação graciosa (cfr. fls. 115 126 dos presentes autos e carimbo fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa n.º 818 apenso);

17) As liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, a que se referem os pontos 14) e 16) totalizam o montante de € 1.586.102,21;

18) A partir do mês de Janeiro de 2000, de acordo com a informação a que se refere o ponto 10) supra, a impugnante passou a liquidar IVA à taxa e 17%, aos serviços de alojamento prestados aos sócios do Clube, que apenas foi reflectido nas declarações periódicas de IVA a partir do mês de Maio, mantendo a liquidação de IVA à taxa reduzida para os serviços de alojamento prestados a não sócios (cfr. artigos 45.º e 46.º da p.i. e Relatório de Inspecção Tributária);

19) Nos exercícios de 1997 a 1999 os saldos devedores da impugnante para com a sede, resultantes do saldo devedor inicial e do montante anual das facturas relativas a prestações de serviços de alojamento serem inferiores às transferências bancárias, foram através de operação interna, objecto de regularização financeira com os saldos credores da impugnante para com a sede, resultantes do saldo inicial credor e das facturas relativas às rendas das instalações, que esta debitou ao longo dos mesmos anos (cfr. Relatório de Inspecção Tributária e relatório de perícia, resposta quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 6.º e 7.º);

20) A reclamação graciosa referida no ponto 15) foi indeferida por despacho de 29/11/2007, exarado na informação n.º REC ....., que aqui se dá por integralmente reproduzida, notificado à impugnante pelo ofício n.º ..... de 06/12/2007 (cfr. reclamação graciosa apensa);

21) A reclamação graciosa referida no ponto 16) foi indeferida por despacho de 29/11/2007, exarado na informação n.º REC ....., notificado à impugnante pelo ofício n.º ..... de 30/11/2007 (cfr. reclamação graciosa apensa);

22) A presente impugnação foi deduzida em 21/12/2007 (cfr. carimbo aposto a fls. 2).

23) Foi realizada perícia colegial no âmbito dos presentes autos, cujo relatório consta de fls. 304 a 327, e aqui se dá aqui por integralmente reproduzido;

24) Os saldos credores elevados da impugnante para com a F..... Limited, resultam do saldo credor inicial de 340.592.484$00 (equivalente a 1.698.868,15 €), bem como das facturas relativas às rendas das instalações que o F..... Limited debitou à Impugnante ao longo do período em análise (1997 a 2000) (síntese da resposta ao quesito 1º do relatório de perícia colegial);

25) Os saldos devedores elevados da Impugnante para com a “Casa -Mãe”, resultam do saldo devedor inicial 341.235.885$00 (equivalente a 1.702.077,42 €); bem como do montante anual de facturas de alojamento à F..... Limited, serem superiores às transferências bancária nos anos de 1997 a 1999. Em 2000 os montantes foram exactamente os mesmos (Síntese da resposta ao quesito 2.º do Relatório de perícia colegial);

26) A conta “211002-F....., Limited-Sede” apresentava saldos devedores elevados nos anos de 1997 a 1999, devido ao facto de nela serem lançadas as facturas emitidas pela “Impugnante” para a “Casa -Mãe” relativas à prestação de serviços de alojamento. No ano de 2000, conforme resulta da resposta ao quesito 2 não se verifica a existência destes saldos (resposta dos peritos ao quesito 4.º do relatório pericial colegial);

27) Os saldos devedores foram utilizados para efectuar a regularização financeira das dívidas da Impugnante (resposta dos peritos ao quesito 5.º do relatório pericial colegial).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito ou considerações pessoais da impugnante ou são inócuas à decisão da causa.”


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e dos processos apensos, que não foram impugnados, em conjugação com o depoimento das testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos e relatório de perícia, relativamente às respostas aos quesitos aprovados por unanimidade, as quais afiguram-se-nos consentâneas com os demais elementos constante dos autos, quer os fundamentos, quer o raciocínio que às mesmas conduz.

As testemunhas não obstante terem ligações profissionais à Impugnante, depuseram com rigor e isenção, revelando conhecimento directo dos factos.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

28) A 27 de junho de 2019, a F..... LIMITED, apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8, um requerimento a solicitar a declaração da prescrição no âmbito do processo de execução fiscal nº ....., o qual foi indeferido mediante despacho datado de 03 de janeiro de 2020 (cfr. docs. juntos a fls. 1549 a 1564 dos autos);

29) Na sequência do indeferimento do requerimento evidenciado no ponto antecedente, a F..... LIMITED, apresentou reclamação de atos do órgão da execução fiscal, tendo sido prolatado, a 10 de julho de 2020, despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, com o seguinte teor:

“Face ao entendimento da Sra Subdiretora Geral, explanado no Despacho proferido no âmbito da análise prévia instruída no processo de reclamação do artº 276º CPPT nº ....., para efeitos da declaração da prescrição das dívidas de IVA dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, revogo a decisão reclamada nos autos, pelo que declaro prescrito o processo de execução fiscal nº ....., ao abrigo do disposto no art. 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).”(cfr. docs. juntos a fls. 1549 a 1564 dos autos);

30) Desde a data da instauração da execução fiscal até à data da declaração da prescrição identificada na ponto antecedente, em montante não exatamente apurado foram realizadas compensações tributárias e pagamentos não espontâneos, no âmbito do visado processo de execução fiscal nº ..... (facto alegado pela Recorrida e não contestado e facto corroborado pelo teor dos docs. juntos a fls. 1565 a 1584 dos autos);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, dos anos de 1997 a 2000.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento, competindo analisar se:
Ø O presente Tribunal é o competente em razão da hierarquia.
Ø A Recorrente não cumpriu o ónus de alegar e formular conclusões, devendo, por isso, o recurso ser julgado deserto;
Ø Foi incumprido o artigo 640.º do CPC relativamente à impugnação da matéria de facto, devendo, por isso, o recurso ser rejeitado;
Ø A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito porquanto não valorou, adequadamente, a factualidade constante no acervo probatório, e face a essa errada valoração decidiu erroneamente que:
o As prestações de serviços de que são contrapartida as prestações anuais pagas pelos adquirentes de timeshare obrigacional-sócios do Clube F....., qualificam-se como de alojamento hoteleiro, donde tributadas à taxa reduzida de 5%.
o A transferência de saldos de duas contas de sinal contrário para a conta da sede, conta 25, não é uma operação sujeita a IVA.

Feita a delimitação da lide e das questões decidendas, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente.

A título de questão prévia, importa tecer uma breve abordagem quanto à declaração da prescrição da obrigação tributária.

In casu, conforme dimana do acervo probatório, no âmbito do processo de reclamação de atos de execução respeitante ao processo de execução fiscal nº ....., foi declarada a prescrição da obrigação tributária o que, regra geral, determina a inutilidade superveniente da lide de impugnação judicial, porquanto embora a prescrição da obrigação tributária não consubstancie qualquer vício invalidante do ato de liquidação, a sua declaração torna inútil, na maioria das situações, a apreciação do mérito do causa.

Porém, se é certo que, como vimos, essa é a regra geral existem situações em que tal não sucede, mormente, em situações em que tenham ocorrido pagamentos coercivos, ou seja pagamentos não espontâneos por parte do sujeito passivo.

Com efeito “[a]inda que a obrigação tributária esteja prescrita, não pode considerar-se pagamento espontâneo o pagamento que, apesar de voluntário, tenha sido efectuado para obviar à iminente prossecução da execução e à prática de um acto lesivo, uma vez que o n.º 2 do art. 403.º do CC refere que «a prestação considera-se espontânea quando é livre de toda a coacção»[1]”.

Neste particular, vide, designadamente, o Aresto do STA proferido no processo nº 01577/15, de 16 de novembro de 2016, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“Em causa no presente recurso jurisdicional está a decisão de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, proferida no âmbito de impugnação judicial deduzida contra acto de liquidação de IRC, alicerçada na extinção da respectiva obrigação tributária por força da prescrição decretada pela administração tributária no âmbito do processo de execução fiscal onde essa obrigação se encontrava em cobrança coerciva.

A recorrente imputa à decisão erro de julgamento, na medida em que o Mm.º Juiz não deveria ter julgado extinta a instância por inutilidade superveniente e, ao invés, deveria tê-la feito prosseguir a fim de averiguar da legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação impugnado, porquanto uma parte da obrigação tributária fora já coercivamente cobrada «através da penhora e cativação de diversas quantias arrecadadas ao longo dos anos e desde 2007 a 2010(…)

E, na verdade, assiste-lhe razão caso se verifique o invocado pagamento (ainda que coercivo e parcial) da obrigação tributária; ou melhor, caso se confirme que na altura em que foi declarada a prescrição na execução fiscal as quantias aí penhoradas e depositadas à ordem do processo já haviam sido aplicadas no pagamento parcial da dívida exequenda, porquanto tal circunstancialismo tornará manifesto o interesse da impugnante na continuação da lide que intentou com vista ao reconhecimento dos vícios que imputou ao acto de liquidação e sua anulação nos termos peticionados, já que tal conduzirá à restituição da quantia coerciva e ilegalmente cobrada.

Com efeito, a consumação do prazo prescricional não provoca a anulação da liquidação donde emerge a dívida exequenda nem provoca a anulação dos actos e diligências que na execução fiscal hajam sido praticados com vista à cobrança dessa dívida, e só a eventual procedência da impugnação determinará a anulação do acto de liquidação e o desaparecimento da ordem jurídica do respectivo crédito tributário, acarretando para a administração tributária o dever de devolver, oficiosamente ou a requerimento do interessado, aquilo que indevidamente arrecadou, como lhe impõe o princípio da legalidade que deve observar em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da Lei Geral Tributária).”

Face ao exposto, e tendo por base os considerandos supra, dimanando do probatório, que ocorreram compensações tributárias e pagamentos não espontâneos, ainda que sem uma expressão quantitativa exata de quantos pagamentos ocorreram e em que montante- o que em nada releva nos presentes autos atenta a delimitação da presente lide, sendo certo que qualquer apuramento concreto e exaustivo em termos de reconstituição da situação hipotética pode ser apurado, designadamente, em sede de execução de sentença- persiste, efetivamente, utilidade na presente lide.

Note-se que, como já expendido anteriormente, só deve ser decretada a inutilidade superveniente da lide, quando seja absolutamente seguro e manifesto que a apreciação do mérito da causa, não traduz qualquer utilidade, o que, face a todo o expendido, não resulta no caso vertente. De todo o modo sempre se dirá, existindo dúvidas, compete ao julgador adoptar uma conduta que confira absoluta tutela à parte, o que se coaduna, natural e necessariamente, com a apreciação da concreta ilegalidade assacada aos atos impugnados e com todas as consequências legais.

Face ao exposto, existindo, como visto, utilidade na presente lide, importa apreciar as questões decidendas e devidamente elencadas anteriormente.

Comecemos pela arguida incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Recorrida, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide[2].

In casu, atentando no teor das alegações da Recorrente constata-se que a mesma não procedeu à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, de todo o modo aquilatando o seu teor, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto.

Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto. In casu, a dilucidação das questões implica um juízo de valor sobre a matéria fática vertida no probatório, mormente, sobre o concreto escopo societário da Recorrida e contratos outorgados.

Ademais, a alicerçar a competência do presente Tribunal está, desde logo, o aditamento de factualidade (factos nº 28 a 30 ) pelo Tribunal ad quem e no âmbito dos seus poderes de cognição, pelo que em ordem ao consignado nos artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF, a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal.

E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela Recorrida.


***

Vejamos, ora, a outra questão suscitada que se prende com o incumprimento do ónus de alegar e formular conclusões consignado no artigo 639.º, nº1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT.

Sustenta a Recorrida que, ainda que de um ponto de vista meramente formal tenha a Recorrente apresentado alegações e conclusões, do ponto de vista substancial tal não se verificou, por não se encontrar formulada qualquer crítica ou oposição à decisão recorrida, donde ter-se-á de concluir pela falta de alegações e conclusões, o que determina a impossibilidade de o Tribunal ad quem conhecer do recurso, que terá assim de ser rejeitado.

Vejamos.

Dispõe o artigo 639.º, nº1 do CPC, sob a epígrafe de “ónus de alegar e formular conclusões”, que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”

No caso vertente, ainda que as alegações e particularmente as conclusões do recurso não traduzam, é certo, a melhor técnica jurídica, a verdade é que compulsado o seu teor é possível identificar as questões suscitadas e porque motivo se pretende uma resposta diversa da que foi dada pelo Tribunal a quo, a indicação das normas jurídicas violadas e o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou a procedência da impugnação e anulação do ato impugnado, pelo que improcede a aludida preterição convocada pela Recorrida.

Atentemos, ora, na questão atinente à falta de cumprimento dos requisitos atinentes ao artigo 640.º do CPC.

Ora, se é certo que na impugnação da decisão da matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa, tendo o mesmo de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[3].

É, igualmente, certo que no caso vertente a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto. Com efeito, atentando nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões, e como já expendido no campo atinente à incompetência, verifica-se que a Recorrente não convoca qualquer aditamento por complementação ou substituição, nada impugnando e retirando da prova produzida em termos de asserção fática que reputa relevante para a lide. Porquanto, o que se infere é que a Recorrente entende, tão-só, que a realidade factual constante nos autos não permite concluir pela qualificação jurídica das operações em causa como de alojamento e consequente aplicação da taxa reduzida de IVA e bem assim da tributação da operação resultante da assunção por parte da casa mãe da responsabilidade pelo pagamento das dívidas do estabelecimento estável, donde, pela legalidade da atuação da Recorrida.

E por assim ser, não tendo a Recorrente procedido à impugnação da matéria de facto, apenas convocado uma errónea apreciação e valoração da matéria de facto dos autos, não logra provimento a rejeição sustentada pela Recorrida.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto e de direito.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto não se pode concluir pela prestação de serviços de alojamento hoteleiro, uma vez que os seus utilizadores adquiriram esse direito através da compra dos títulos à casa-mãe, estando, por conseguinte, o acesso ao empreendimento condicionado aos membros do clube, detentores do respectivo título.

Mais propugna que não basta, nessa medida, que inviabilize a Recorrida de cobrar qualquer importância referente à prestação de serviços de alojamento, visto que a referida contrapartida financeira é paga à casa-mãe, com sede na Ilha de Man, pelos membros do clube, que depois procede à sua transferência, dando origem aos valores em contenda.

Conclui, nessa medida, que as transferências efectuadas pela casa-mãe correspondem às verbas necessárias à administração do empreendimento, o que determina a subsunção normativa no artigo 4.º, nº1, do CIVA, no conceito residual de prestações de serviços, e, como tal, sujeitas à taxa normal.

Dissente a Recorrida propugnando pelo acerto do julgamento da decisão recorrida, visto que atenta a factualidade vertida no probatório e não impugnada outra não poderia ser a decisão que não a ilegalidade dos atos de liquidação.

Substancia, para o efeito que, resultando provado que os sócios do Clube, ao adquirirem essa qualidade, pagam uma quantia denominada “preço de venda” e adquirem por tal o direito de uso e ocupação de uma determinada unidade habitacional no referido aldeamento, numa determinada semana e ficam ainda obrigados ao pagamento de uma quantia anual para terem, em cada ano, acesso à referida unidade habitacional na semana determinada, não pode proceder a tese da AT segundo a qual a prestação anual paga por todos os sócios se destina a remunerar a prestação de serviços de administração do aldeamento.

Mais enfatiza que resultando, outrossim, provado nos autos que o não pagamento da quantia anual tem como consequência que o sócio não possa beneficiar de alojamento, dúvidas não podem subsistir quanto à natureza desse pagamento como contrapartida de serviços de alojamento.

Ademais, a manutenção da posição da Recorrente determinaria uma clara violação do princípio da neutralidade do IVA.

O Tribunal a quo, fundou o seu juízo de entendimento da seguinte forma:

“[a] impugnante explora as unidades habitacionais do aldeamento Turísticos, de duas maneiras distintas: o período de tempo adquirido pelos membros do clube e o período remanescente por não-sócios.
Sendo a prestação de serviços de alojamento, em qualquer dos casos igual - quer se trate de sócios do Clube, quer de não-sócios -, a diferença reside no facto dos membros do Clube efectuarem os pagamentos directamente à sede e nas posteriores transferências daquelas quantias efectuadas por esta, enquanto os restantes utentes do aldeamento efectuarem o pagamento à impugnante.
(…)
A Administração Tributária não contesta que a impugnante possui os meios humanos e materiais para prestar os serviços de alojamento a não-sócios e a sócios do Clube. Porém, como os membros do Clube pagam uma quantia anual directamente à sede, entendem que esta quantia se refere a cada semana adquirida e que a transferência efectuada pela sede destina-se a compensar a sucursal dos custos suportados.
No entanto, o que os membros do Clube adquirem no momento do pagamento anual é um direito, de natureza contratual, que lhes confere a possibilidade de utilizar determinada unidade habitacional em um determinado período de tempo, altura em que lhes será prestado os serviços de alojamento hoteleiro.
Assim sendo, o pagamento da quantia anual tem como finalidade a utilização da unidade habitacional no ano do pagamento, garantindo, assim, o uso e a ocupação de
uma unidade habitacional em um determinado período, uma vez que, se os membros
do Clube deixarem de efectuar o pagamento anual deixam de fazer parte do Clube e em consequência, através dele ao uso e utilização da unidade habitacional, no período
acordado (cfr. ponto 8 da matéria de facto dada como assente). (…)
Os rendimentos da F....., LIMITED auferidos em Portugal dizem respeito – obviamente – aos serviços hoteleiros prestados no seu aldeamento aos turistas que lá pernoitam. O empreendimento turístico no Algarve permite-lhe auferir ganhos através da prestação de serviços hoteleiros. São esses rendimentos que são imputados à sucursal, enquanto estabelecimento estável, para efeitos de IRC. (…)
Para o TJCE, o que importa é a operação material por detrás da forma – é a relação entre prestador real e beneficiário efectivo.
de fls. 64 a 68). (…)
Ademais, a prestação de serviços de alojamento hoteleiro pela impugnante não pode estar sujeita a taxa de IVA diferentes (sócios e não-sócios), uma vez que contraria os princípios de uniformização da taxa, da neutralidade fiscal inerentes ao sistema comum de IVA e da eliminação de distorções da concorrência.
Conforme decorre do supra exposto, as correcções relativas ao enquadramento jurídico das transferências da sede para a sucursal em Portugal na taxa normal de IVA, não são de manter.
Importa, assim, concluir que as prestações de serviços de alojamento hoteleiro aos membros do Clube, pela Impugnante, por terem as mesmas características das prestação de serviço aos não-sócios e por as transferências da sede se destinaram a remunerar esses serviços, devem ter enquadramento nos termos da verba 2.17 da lista anexa ao CIVA.”

Ora, atentando na posição expressa do Tribunal a quo vertida nos seus excertos mais relevantes, e tendo presente o probatório em contenda-não impugnado-ter-se-á de concluir que nenhuma censura merece o juízo de procedência que é contestado pela Recorrente.

Senão vejamos.

Atentando no Relatório de Inspeção Tributária-o qual, desde logo, não corresponde ao excerto constante no ponto 14 das alegações de recurso- constata-se que a AT fundamentou a correção sub judice na circunstância de que “[o] estabelecimento estável emitiu à Casa-Mãe facturas relativas a “prestações de serviços de alojamento”, nas quais procedeu à liquidação de I.V.A. à taxa reduzida. No entanto, a razão principal da existência do estabelecimento estável é a administração do empreendimento, e não a prestação de serviços de alojamento, uma vez que estes foram adquiridos pelos membros do clube no momento em que adquiriram esse estatuto.”

Concluindo, assim, que “as transferências efectuadas pela Casa-Mãe correspondem às verbas necessárias à administração do empreendimento, pelo que os valores em causa enquadram-se no conceito residual de prestações de serviços previsto no nº1 do Art.º 4º do CIVA e desta forma sujeitas à taxa normal”.

Porém, sem razão.

Com efeito dimana do probatório que a Recorrida é uma sucursal da sociedade “F..... Limited”, cujo objeto social consiste na exploração dos serviços de apoio integrados no complexo turístico privado, instalado no aldeamento turístico de primeira categoria sito na ......

Tendo, nessa conformidade, sido celebrado um contrato promessa de arrendamento entre a Casa Mãe e a Recorrida no qual a primeira outorgante declara prometer arrendar à segunda outorgante o empreendimento turístico designado “FF.....”, pelo período de 2 anos, renovável.

Em resultado da aludida outorga, a Recorrida explora o aludido Aldeamento Turístico, no qual são prestados serviços de alojamento, restauração e de recreio a membros do Clube e a não sócios.

Mais dimanando que a comercialização desse empreendimento é concretizada mediante a criação de um clube privado, cuja aquisição da qualidade de sócio é materializada através de uma “Proposta para membro do clube”, com o pagamento à sociedade “F..... Limited”, do “preço de venda” correspondente ao direito de uso e ocupação de unidade habitacional, numa determinada semana.

Sendo, ainda de ressalvar, nesse concreto particular, que os membros do Clube devem efectuar o pagamento anual de uma taxa de manutenção, para terem acesso ao uso e ocupação da unidade habitacional, e cujo incumprimento coarta a possibilidade de uso e ocupação da unidade habitacional na semana atribuída.

Mais dimanando que nos anos de 1996 a 1999, a Recorrida emitiu facturas a clientes não sócios (individuais e agências de viagem), e à sede (casa-mãe), relativas a serviços de alojamento prestados aos sócios do Clube. Sendo que, neste âmbito, a casa-mãe transferiu para a sucursal as quantias recebidas tendo liquidado IVA à taxa reduzida.

Resultando, a final, que a partir do mês de janeiro de 2000, face à informação vinculativa da AT, a Recorrida passou a liquidar IVA à taxa de 17%, aos serviços de alojamento prestados aos sócios do Clube, que apenas foi reflectido nas declarações periódicas de IVA a partir do mês de maio, mantendo a liquidação de IVA à taxa reduzida para os serviços de alojamento prestados a não sócios.

Ora, face a todo o expendido e contrariamente ao aduzido pela AT, os serviços realizados coadunam-se com o alojamento hoteleiro, não podendo advogar-se que o pagamento anual visa remunerar um conjunto de serviços de administração do imóvel.

Note-se que o TJUE veio clarificar que deve encontrar-se como critério norteador da qualificação do serviço a intenção final do mesmo, sendo que, in casu, é por demais evidente, face ao recorte fático dos autos, que os membros efetuam o pagamento anual com o intuito de poderem usufruir de alojamento.

Com efeito, no Acórdão do TJUE, proferido no processo C-270/09, de 16 de dezembro de 2010, concatenado com a comercialização de direitos de utilização periódica («timesharing») de alojamentos em complexos turísticos foi fornecido o entendimento de que:
“[r]esulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Março de 1988, Apple and Pear Development Council, 102/86, Colect., p. 1443, n.os 11 e 12, e Tolsma, já referido, n.° 14).
27 Verifica‑se, portanto, que, num sistema como o programa de opções, a verdadeira prestação para cuja obtenção são adquiridos os «direitos a pontos» é o serviço que consiste em colocar à disposição dos participantes neste programa diferentes contrapartidas possíveis, que podem ser obtidas graças aos pontos que resultam desses direitos. Com efeito, o serviço não é completamente fornecido antes de esses pontos serem convertidos.
28 Daqui resulta que, nos casos em que o serviço é constituído pelo alojamento num hotel ou no direito de utilização periódica de uma residência, é no momento da conversão dos pontos em serviços concretos que se estabelece o nexo entre o serviço fornecido e a contrapartida paga pelo cliente, constituída por pontos resultantes de direitos previamente adquiridos. (…)
42. À luz de todos estes elementos, cumpre considerar que as prestações de serviços realizadas por um operador como a MRL no contexto de um sistema como o programa de opções devem ser qualificadas no momento em que um cliente participante desse sistema converte os direitos que inicialmente adquiriu num serviço proposto pelo operador. Quando estes direitos são convertidos em alojamento num hotel ou no direito de utilizar periodicamente uma residência, estas prestações são prestações de serviços conexas com um bem imóvel, na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, que se consideram realizadas no lugar onde se situa esse hotel ou essa residência.”

In casu, e ainda que no visado Aresto se visasse esclarecer o lugar da prestação, é transponível o subsídio interpretativo atinente à intenção dos utilizadores vs qualificação do serviço, sendo que, no caso sub judice, é por demais evidente que quando o cliente procede ao pagamento anual está, claramente, a pagar para que possa utilizar essa unidade de alojamento, ou seja, esse é o seu intento final.

Note-se, de resto, e resulta axiomático do probatório, mormente do ponto 8, que se os membros do Clube deixarem de efectuar os pagamentos anuais deixam de integrar o Clube e por consequência direta não podem usufruir da unidade habitacional, no período em questão.

Aliás, se atentarmos nas Conclusões da Advogada Geral no visado processo, mormente, ponto 21, é assumido e asseverado que:
“O Governo português entende que, desde que um membro de um clube de férias transfira para este um determinado montante pecuniário ou transmita um direito de utilização periódica próprio em troca de uma determinada quantidade de pontos, o referido montante pecuniário ou o referido direito de utilização periódica representam a contrapartida por uma prestação de serviços a título oneroso que é constituída pelo alojamento num empreendimento turístico, independentemente do facto de o empreendimento turístico ser propriedade do próprio clube de ou um terceiro, que factura ao clube a referida prestação de alojamento.”

Acresce que, na esteira do propugnado pelo Tribunal a quo, exercendo a Recorrida atividade de alojamento hoteleiro a sócios do clube e a não sócios, a tributação dos mesmos serviços a taxa distinta, concretamente taxa normal aos sócios e taxa reduzida aos não sócios, acarretaria uma distorção da concorrência, e uma clara violação do princípio da neutralidade, porquanto estar-se-iam a tributar os mesmos serviços a taxas diferentes apenas decorrente de uma mera diferenciação do utilizador.

Com efeito, o princípio da neutralidade, é apontado tanto pela doutrina como pela jurisprudência como um princípio estruturante, doutrinando, neste particular, Sérgio Vasques, “se quisermos concretizar o sentido da neutralidade, podemos dizer que imposto neutro é aquele que não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor), ao mesmo tempo que deixa a consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade no consumidor)[4]

Aliás, como doutrina José Guilherme Xavier de Basto “[p]ara que um imposto seja neutro é necessário que não determine “uma alteração dos preços relativos das alternativas sobre que recaem as escolhas dos agentes económicos, não originando assim distorções no seu comportamento[5]”.

Ora, face a todo o exposto dimana inequívoco que nenhuma ilegalidade pode ser assacada à Recorrida, porquanto encontrando-nos perante serviços de alojamento os mesmos deveriam, como foram, ser tributados à taxa reduzida. De relevar, in fine, e no sentido ajuizado pelo Tribunal a quo que o facto de as faturas pelo alojamento dos sócios serem dirigidas pela Recorrida à casa-mãe e serem por estas pagas, não tem as consequências alvitradas pela AT, maxime, a existência de um pagamento de administração do aldeamento. De todo o modo, sendo axiomática a prestação, efetiva, de serviços de alojamento, claudica, per se, o juízo de valoração eminentemente formal, e cuja substancialidade não é colocada em crise.

Logo, a sentença recorrida que assim o decidiu não enferma de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser mantida.

Atentemos, ora, na correção remanescente inerente à tributação de operações internas de contabilidade entre a sede e a sucursal.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo interpretou erroneamente a questão porquanto, deveriam, de igual modo, serem tributadas à taxa normal as transferências efectuadas pela casa-mãe, a título de compensação de prejuízos.

Propugna, neste concreto particular, que pese embora não exista uma transferência física do dinheiro para fazer face aos compromissos assumidos pelo estabelecimento estável, dado que o lançamento é efectuado com base num documento interno, existe, contudo, uma desoneração do pagamento de uma dívida através do assumir da mesma por parte da casa-mãe, pelo que se impõe legalmente, o seu tratamento da mesma forma e como tal sujeitas a IVA à taxa normal.

Adensando, para o efeito, que se a sucursal em Portugal se integra no conceito de estabelecimento estável, e tendo a sede e estabelecimento estável personalidade tributárias distintas, as operações entre si realizadas não poderão considerar-se movimentos internos fora do campo de incidência do IVA como pretende a Recorrida, mas sim prestações de serviços (ou transmissões de bens, consoante o caso).

Em sentido dissonante, contralega a Recorrida relevando, neste particular, que tendo ficado provado nos autos que as operações internas de contabilidade consubstanciadas na transferência para a conta da sede de contas de sinal contrário não são operações tributáveis em IVA, não pode lograr provimento a tese da Recorrente.

E isto porque, advoga para serem tributáveis em IVA essas operações teriam de corresponder a uma prestação de serviços e para tal seria necessário que o prestador de serviços fosse sujeito passivo de IVA, donde, assumir carácter de independência. O que não sucede, in casu, porquanto as sucursais não tendo personalidade jurídica distinta da sede, só podem ser sujeitos passivos de IVA nas relações com terceiros, não sendo, contudo, sujeito passivo de IVA perante a sede.

Aliás, o Relatório Pericial veio, precisamente, coligir informação nesse sentido, atestando que sendo a Recorrida sucursal da sede, todos os seus valores activos e passivos pertencem ao património da Casa-Mãe pelo que é incorrecto dizer-se, como fez a AT, que a sede assumiu uma dívida da Recorrida, pois tendo a dívida sido incorrida originariamente pela Recorrida já era dívida da Casa-Mãe. Mais, certificando que as operações em causa representam uma regularização financeira.

O Tribunal ajuizou no sentido da ilegalidade da correção porquanto face:
“[à] prova pericial há-de reconhecer-se que o juízo científico que encerra o parecer pericial só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica.
No relatório de perícia, concluíram os peritos sobre a existência dos saldos credores e devedores da impugnante com a sede, bem como a operação interna de regularização financeira. Referindo que é incorrecto dizer que a dívida da impugnante foi assumida pela sede, porque tendo sido originariamente contraída pela impugnante, já era da sede. Esclarecendo que estabelecimento pode ter uma contabilidade que reflecte as operações praticadas por seu intermédio, como no caso da impugnante.

Mais relevando que:
“As regras de incidência subjectiva constantes do artigo 2.º do CIVA indicam quem são os sujeitos passivos de IVA. Tal conceito é bastante amplo, mas não define estabelecimento estável.
Ora, a impugnante trata-se de um estabelecimento estável, de acordo com o conceito de Direito Comunitário, determinado pelo TJCE, que faz acentuar a presença de recursos humanos e técnicos, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA, ao abrigo de cujo Código declarou início de actividade e se sujeitou ao regime de periocidade mensal (cfr. pontos 1 e 2 da matéria de facto dada como assente).
Assim, a impugnante é uma sucursal de uma sociedade sediada na Ilha de Man.
As sucursais de sociedades estrangeiras, bem como as sucursais de sociedades portuguesas no estrangeiro não têm, no plano do Direito Privado, personalidade jurídica distinta daquela de que são mero prolongamento para efeitos fiscais, apesar da reconhecida autonomia patrimonial (cfr. artigos 2º do CIRC e 13º do CSC). (…)”

Densificando, ulteriormente, à luz do acervo fático que:
“Conforme resulta do probatório e do relatório de perícia os saldos credores e devedores resultam em larga medida da facturação emitida pela sede e pela impugnante, facturação ela própria alvo de tributação (cfr. pontos 23, 24, 25 e 26 da matéria de facto dada como assente).
Com efeito, as contas da sede na contabilidade da impugnante foram debitadas e estes lançamentos correspondem à transferência da responsabilidade pelo pagamento de determinadas dívidas da sucursal para com a sede, dividas essas relativas às rendas.
O que a impugnante fez foi, perante os saldos de sinal contrário das duas contas – saldo devedor da conta 21 e saldo credor da conta 22 – através de um lançamento contabilístico transferir os saldos de sinal contrários das contas 21 e 22 para a conta da sede (conta 25), conforme a resposta dos peritos a estas questões (resposta aos quesito 5.º)
Sendo ainda de considerar o relatório de perícia na resposta aos quesitos 6.º e 7.º , que descrevem a forma como foram registados na contabilidade da impugnante as facturas relativas ao alojamento de clientes e as correspondentes transferências para a sede e as contas em que foram registadas.
Ora, de acordo com o decidido supra, a impugnante presta serviços de alojamento aos membros do Clube, que são pagos através das transferências bancárias efectuadas pela sede, sendo a esta que é emitida a factura, em consequência da forma de negócio delineada. Daqui resulta, que a impugnante não prestou, nem presta serviços à sede, mas aos membros do clube, sendo certo que nas facturas relativas aos serviços de alojamento emitidas pela sucursal e nas facturas emitidas pela sede relativas à renda do empreendimento foi liquidado IVA.
Conforme já deixamos expresso supra as sucursais de sociedades estrangeiras revestem a natureza jurídica de meros estabelecimentos comerciais, sendo que a noção de sujeito passivo de IVA é uma noção de direito comunitário. (…)

Concluindo, assim, que:
“Nesta matéria também não se pode dar razão à Administração Tributária, por a sede não ter assumido qualquer dívida da sucursal, tratando-se antes de uma imputação de custos interna, operação não sujeita a IVA.”

E, de facto, valida-se, inteiramente, o entendimento do Tribunal a quo. Com efeito, face a todo o já dirimido anteriormente e ao probatório constante nos autos, não impugnado, e à existência de relatório pericial que atesta que nos encontramos face a uma mera imputação de custos, dúvidas não podem subsistir que a aludida correção padece de ilegalidade devendo ser anulada.

De relevar, neste conspecto que, contrariamente ao aduzido pela Recorrente, a Recorrida nunca contestou a existência de estabelecimento estável em Portugal, nem defendeu que não é sujeito passivo de IVA. Com efeito, o que sustenta e bem -com fundamento legal e jurisprudencial- é que não é sujeito passivo de IVA perante a sede.

Neste particular, importa ter presente e convocar o Aresto do TJUE, proferido no processo nº C-210/04, de 23 de março de 2006, no qual se declarou que:

“Os artigos 2.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados­ -Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado-Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações.”

No mesmo sentido, em processo similar ao dos presentes autos, já decidiu este Tribunal no âmbito do processo nº 80/17.0 BCLSB, datado de 22 de março de 2018[6], do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“No que respeita às transferências com vista à cobertura de prejuízos ocorridos na impugnante, a recorrente alega que recolheu indícios suficientes que permitem, quer a caracterização da prestação de serviços onerosa entre a sociedade mãe e a impugnante, quer a desconsideração da contabilidade da impugnante. O que justificaria a liquidação adicional de IVA à taxa normal, sustenta.
Sucede, porém, que do probatório acima referido, sem impugnação eficaz por parte da recorrente, resulta o inverso do alegado pela recorrente e constante do RIT.
A impugnante exerce a actividade de exploração de alojamento turístico, o qual foi cedido pela “casa mãe”, através de contrato de arrendamento, pelo qual a segunda recebe da primeira uma contrapartida pecuniária (renda); perante a existência de prejuízos nos exercícios de 1992 a 1994, em 1995, a “casa mãe” determinou a efectivação de transferência com vista a cobertura de prejuízos ocorridos na impugnante.
No que respeita à mencionada transferência para cobrir prejuízos, não existem elementos nos autos que suportem a asserção da realização da prestação de serviços da impugnante em favor da “casa mãe”, mediante o pagamento de uma contrapartida. Pelo que soçobra o pressuposto fáctico em que repousa o acto tributário sob escrutínio. O qual não se pode manter, como se decidiu na sentença recorrida.
A mesma não enferma de erro que necessite de ser reparado”.

Face a todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de outros considerandos, os atos impugnados, abrangendo, naturalmente o de juros compensatórios, padecem, efetivamente, de vício de violação por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, devendo, por isso, ser cominados com a anulabilidade, estando, naturalmente, a AT obrigada a reconstituir a situação ex ante,  devolvendo, sendo caso disso e mediante concreto apuramento, aquilo que indevidamente arrecadou, como lhe impõe o princípio da legalidade que deve observar em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 55.º e 100.º da LGT).


***

Uma nota final quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, constante no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014[7]: resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Negar provimento ao recurso, manter a decisão recorrida e a decretada anulação dos atos impugnados, com todas as legais consequências.

Custas a cargo da Recorrente, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de Abril de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_______________________
[1] In Aresto do STA, proferido no processo nº 0912/13, datado de 10.07.2013.
[2] Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada
[3] cfr. António Santos Abrantes Geraldes: “Recursos no Novo Código de Processo Civil”: 5ª Edição-2018: p.p 165 e 166;Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13.
[4] Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Almedina: reimpressão, fevereiro 2020, p.105.
[5] A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 164, Lisboa 1991, pág. 29.
[6] No mesmo sentido, vide os acórdãos deste Tribunal proferidos nos processos nº05630/12, 18.06.15, nº 52/17.4, de 19.12.18, e 6/17, de 13.12.2019, já transitados em julgado
[7] integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.