Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:589/04.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:AAE
CESSAÇÃO ISENÇÃO CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
ALÇADA
Sumário:I. Nos termos do n.º 2, do artigo 97.º do CPPT e 191.º do CPTA, a acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
II. Por sua vez, o artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPTA, dispõem que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, e que atende-se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância.
III. Apesar de caber ao juiz a fixação do valor da causa, este não pode deixar de ter em conta a posição das partes relativamente ao valor assumido no processo, quer ela seja expressa ou tácita, só devendo modificar o valor da acção quando o valor aceite pelas partes estiver em plena desarmonia com os critérios gerais ou especiais de fixação do valor.
IV. No caso dos autos, a Mma. Juiz a quo não fixou nos vários momentos previstos na lei valor à acção, mas também não referiu qualquer divergência ao valor atribuído pelas partes à acção, valor que não foi impugnado, nem as partes arguiram a correspondente nulidade, por omissão de pronuncia (cfr. artigo 615.º, n.º 4 do CPC), pelo que, esta questão ficou definitivamente assente, devendo, por isso, considerar-se relevante e fixado o valor atribuído pelas partes à acção, ou seja, o valor de € 1.230,84.
V. Os processos do contencioso tributário que são regulados pelas leis de processo nos tribunais administrativos aplicam-se as alçadas previstas para estes, sendo as dos tribunais tributários iguais aos dos tribunais judiciais de 1.ª instância (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do ETAF; vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, nota 9 ao artigo 280.º, pág.418).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.º Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A SUBDIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial deduzida por J..., em que impugnou o acto administrativo datado 16/07/04 do Subdirector Geral da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica da DGI, que lhe indeferiu parcialmente o recurso hierárquico apresentado na sequência da decisão do chefe do Serviço de Finanças que anteriormente indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra o despacho, de 15/04/2003, que revogou o benefício de isenção da Contribuição Autárquica, a partir de 01/01/2002.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) A, aliás douta sentença, a fls..., ao decidir julgar procedente a acção administrativa especial e, em consequência, ao anular o despacho de 15/04/2003, mantendo na ordem jurídica o despacho que reconheceu a isenção da contribuição autárquica de 01/01/96, revogado pelo despacho ora anulado, fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, não deve ser mantida.

B) Quanto à matéria da excepção, foi dado como provado nos autos que o A., ora recorrido, apresentou reclamação graciosa contra o despacho que lhe revogou a isenção de CA, cfr. ais. B) e F) da matéria de facto dada como provada. E, notificado da decisão de indeferimento dessa reclamação que data de 04/07/03, e não como erradamente se refere na al. G) da matéria de facto dada como provada de 15/01/04, o que se admite constitua mero lapso, apresentou o ora recorrido recurso hierárquico em 14/08/03.

C) O facto de a AT ter indevidamente indicado no ofício de notificação de um acto administrativo um meio processual que não era o correcto não desonera o contribuinte de analisar devidamente a situação e de optar pelo meio que considere ser o mais adequado, o que melhor defende os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

D) Donde, no caso presente, sendo certo que à data em que o ora recorrido interpôs recurso hierárquico já tinha sido ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido no n° 2 do art. 66° do CPPT, não podia o Tribunal “ a quo” penalizar a AT por, pese embora a indevida dos meios processuais feita pelo então A., esta ter analisado a sua pretensão e até tê-la deferido parcialmente.

E) Pelo que, salvo o devido respeito, devia o Tribunal “ a quo” ter concluído pela intempestividade da apresentação do recurso hierárquico e, por consequência, ter concluído pela caducidade do direito de interposição da presente acção.

F) Quanto à matéria da impugnação, à data em que foi atribuída isenção de CA ao então A., o art. 52° do EBF, estabelecia que ficam isentos de CA, nos termos da tabela a que se refere o n° 5, os prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados à habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar e sejam efectivamente afectos a tal fim, no prazo de seis meses após a aquisição ou a conclusão da construção, da ampliação ou de melhoramentos, salvo por motivo não imputável ao beneficiário, devendo o pedido de isenção ser apresentado pelos sujeitos passivos até ao termo dos 90 dias subsequentes àquele prazo.

G) A Lei n° 109-B/01, de 27/12, veio, entretanto, introduzir o n° 7, ao artigo 42° do EBF, correspondente ao anterior art. 52° do mesmo Estatuto, segundo o qual o imóvel afecto a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar é aquele onde estiver fixado o respectivo domicílio fiscal. E, também já o art. 19° da LGT tinha vindo a estabelecer que o domicílio fiscal das pessoas singulares corresponde ao da residência habitual.

H) Assim, conferindo-se a isenção de CA à habitação própria e permanente do sujeito passivo, ainda que o sujeito passivo tenha mais que uma habitação, só uma das mesmas cumpre os requisitos para efeitos da isenção, presumindo a lei que é aquela onde o sujeito passivo tem o seu domicílio fiscal.

I) Sendo ao mesmo sujeito passivo que cabe o ónus de ilidir tal presunção (cfr. art. 350° do CC).

J) E, mesmo após o acto de reconhecimento da isenção é preciso que seja mantida, no imóvel que goza da isenção, a habitação própria e permanente pelo período de tempo para o qual foi a mesma foi concedida. E a AT pode, durante o período de duração da isenção, controlar se o contribuinte mantém a sua habitação no prédio para o qual esta foi concedida, cfr. n° 5 do art. 65° do CPPT.

K) Deste modo, cabendo ao então A. afectar e manter no imóvel a sua habitação própria e permanente não é correcto concluir, como se faz na sentença recorrida, que há erro nos pressupostos de facto no acto concedente da isenção, devendo, ao invés, concluir-se que caducaram os pressupostos da isenção.

L) E, foi neste pressuposto de que tinham caducado os pressupostos da isenção que a AT entendeu ser legítimo declarar a caducidade do benefício e praticar um acto que determinasse a reposição da tributação-regra, a partir da data em que se verifica a extinção dos pressupostos da isenção.

M) Assim, tal acto não revoga o acto anterior, mas apenas declara a caducidade, para o futuro, do benefício, uma vez que é um acto que se limita a constatar a extinção do benefício (por não se verificarem mais os pressupostos da isenção, a manutenção da residência permanente no imóvel) que opera por efeito da lei, cfr. art. 41° n° 6 aplicável “ex vi” n° 6 do art. 42° do EBF.

N) Daí que esteja correcto e conforme à lei, o acto ora impugnado que faz cessar a isenção de CA a partir de 2003 e para os anos de 2003 e 2004, por extinção dos pressupostos que levaram à concessão da isenção de CA.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa.s, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar-se a sentença recorrida que deve ser substituída por outra que julgue procedente a excepção invocada e absolva a R. da instância, ou, pelo menos, julgar-se improcedente, por não provada, a acção e absolver-se a R. do pedido, com todas as legais consequências.»

3. O recorrido apresentou as suas contra-alegações, que se reproduzem ipsis verbis:




«Imagem no original»




4. O presente recurso jurisdicional foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, que por decisão sumária proferida em 19/01/2016, declarou o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e ordenou a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.

5. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e notificado o Exmo. Procurador-Geral Adjunto para querendo se pronunciar sobre o mérito do recurso, nada disse.

6. Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável por força do disposto no artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito, relativamente à (i) intempestividade do recurso hierárquico (ii) e à anulação do despacho de 15/04/2003 que revogou o benefício de isenção de contribuição autárquica, reconhecido por despacho de 10/01/1996, a partir de 01/01/2002.

Como questão prévia apreciar-se-á da admissibilidade do presente recurso, por o valor da causa não ultrapassar o da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, questão introduzida pelo Recorrido nas contra-alegações.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Por despacho de 15/04/03, o chefe do Serviço de Finanças revogou a partir de 01/01/02 a isenção de Contribuição Autárquica, anteriormente, concedida, por despacho de 10/01/1996, referente ao prédio inscrito na matriz predial sob o art° 1173° da freguesia de Enxara do Bispo (cf. fls. 12 e 13 do apenso),

B) O despacho que revogou a isenção da Contribuição Autárquica tem a data de 15/04/2013 (fl. 3 do processo administrativo);

C) Por ofício n° 5017 de 04/07/2003;

D) Em 27/05/03 o autor foi notificado da decisão, referida na al. anterior (cf. processo administrativo),

E) Pelo mesmo ofício, foi notificado o autor de que podia reclamar ou impugnar judicialmente a decisão (cf. fls. 13 a 15 do apenso);

F) Em 21/04/03, deduziu reclamação graciosa, cf. carimbo na petição (fl. 2 do apenso)

G) Por despacho de 15/01/2004, foi indeferida a reclamação graciosa, (cf. apenso);

H) Em 09/07/03, o autor foi notificado da decisão referida na al. anterior, e de poderia, recorrer hierarquicamente ou deduzir impugnação judicial, (cf. apenso)

I) Em 14/08/03, apresentou o recurso hierárquico, (cf., carimbo a fl.2 do apenso)

J) Por despacho de 16/07/04, o recurso foi, parcialmente, deferido, com a fundamentação a que se reporta a informação, infra (cf. apenso);

K) Na referida informação, consta, que o recurso hierárquico é tempestivo (fl. 3 da informação);

L) Em 10/09/04, o autor foi notificado da decisão referida em h) e i) (cf. apenso);

M) A presente acção administrativa especial deu entrada neste tribunal em 10/11/04 cf. carimbo aposto no canto superior direito de fls. 1 dos autos).»


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2. DE DIREITO

2.1. Questão prévia: Do conhecimento do presente recurso.

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial, e, consequentemente, anulou o despacho de 15/04/2003 mantendo na ordem jurídica o despacho que reconheceu a isenção da contribuição autárquica em 01/01/1996.

Interposto o recurso, foi o mesmo admitido pelo Tribunal a quo.

Porém, como decorre do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, o despacho que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, pelo que o mesmo não obsta, no caso, a que se aprecie e decida a questão suscitada que se prende com admissibilidade do presente recurso jurisdicional em função do valor fixado para a causa.

Dito por outras palavras, o despacho de admissão de recurso não vincula o tribunal superior, o qual poderá não tomar conhecimento do recurso, quando entenda que ele não é admissível.

Vejamos, então.

Resulta dos autos que a petição inicial de acção administrativa especial que está na origem do presente recurso deu entrada no Serviço de Finanças de Mafra em 10/11/2004 e posteriormente foi remetida por aquele Serviço de Finanças ao então Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures, onde deu entrada (cfr fls. 1 da numeração dos autos de suporte físico e ponto M do probatório).

Mais resulta dos autos que o Autor atribuiu à acção administrativa especial o valor de € 1.230,84 (cfr. fls. 1 e 25 da numeração dos autos de suporte físico), que esse valor não foi contestado pela Ré, nem foi alterado pela Mma. juíza a quo.

Em causa nos autos está, assim, um recurso jurisdicional interposto de uma decisão proferida em acção administrativa especial cuja petição inicial foi apresentada em 10 de Novembro de 2004, com o valor de € 1.230,84.

Nos termos do n.º 2, do artigo 97.º do CPPT e 191.º do CPTA, a acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.

O artigo 31.º, n.º 4 do CPTA preceitua que é aplicável o disposto na lei processual civil quanto aos poderes das partes e à intervenção do juiz na fixação do valor da causa.

Neste aspeto relevam, então, os artigos 314.º, 315.º 317.º a 319.º do CPC (actuais artigos 305.º, 306.º, 308.º a 310.º do CPC).

Por sua vez, o artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPTA, dispõem que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, e que atende-se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância.

Os artigos 308.º e 314.º do CPC (actuais 299.º e 305.º do CPC), dispõem que, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta (…), e que no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor.

Assim, está prevista a faculdade de o réu impugnar, na contestação, o valor da causa indicado na petição inicial, oferecendo outro em substituição, que o autor poderá aceitar, sendo que a falta de impugnação por parte do demandado, como explicita o artigo 314.º, n.º 4 do CPC (actual artigo 305.º), significa que ele aceita o valor atribuído à causa pelo autor.

Ao juiz compete fixar o valor da causa com base na indicação oferecida pelas partes (artigo 315.º do CPC - actual 306.º), mas quando haja desacordo das partes quanto ao valor a atribuir à causa, ou seja, caso haja sido impugnado pelo demandado o valor indicado pelo autor e apresentado um outro, em substituição, o autor venha expressamente declarar que não aceita esse outro valor, ou o juiz não aceite o valor acordado pelas partes, a determinação do valor da causa é feita no incidente de verificação, regulado nos artigos 317.º a 319.º do CPC - actuais 308.º a 310.º).

Está definido na lei (art. 306.º do CPC) o momento em que é fixado o valor da causa, nomeadamente, no despacho saneador, na sentença (em todos os casos em que não haja lugar a despacho saneador), na decisão que fixe o valor da causa no incidente de verificação, ou no despacho referido no artigo 641.º do actual CPC, quando o recurso seja interposto antes da fixação do valor da causa.

Apesar de caber ao juiz a fixação do valor da causa, este não pode deixar de ter em conta a posição das partes relativamente ao valor assumido no processo, quer ela seja expressa ou tácita, só devendo modificar o valor da acção quando o valor aceite pelas partes estiver em plena desarmonia com os critérios gerais ou especiais de fixação do valor.

E, uma vez fixado definitivamente o valor da causa, fica precludida a possibilidade de ele ser alterado, mesmo que seja contrário à realidade, não podendo ser modificado pela instância de recurso, se a decisão sobre o valor da causa ou do incidente tiver transitado em julgado (cfr. CPTA Comentado, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, 4.ª edição, Almedina, pág. 221).

Decorre do exposto que, em regra, o valor da causa é fixado no tribunal de 1.ª instância, sendo que se o juiz não fixar o valor da causa em qualquer um dos momentos indicado no artigo 306.º do actual CPC, deverá a parte nisso interessada arguir a corresponde nulidade, por omissão de pronuncia (cfr. artigos 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 615.º do actual CPC).

No caso dos autos, a Mma. Juiz a quo não fixou nos vários momentos previstos na lei valor à acção, mas também não referiu qualquer divergência ao valor atribuído pelas partes à acção, valor que não foi impugnado, nem as partes arguiram a correspondente nulidade, por omissão de pronuncia (cfr. artigo 615.º, n.º 4 do CPC), pelo que, esta questão ficou definitivamente assente, devendo, por isso, considerar-se relevante e fixado o valor atribuído pelas partes à acção, ou seja, o valor de € 1.230,84 (cfr. Ac. STJ de 29/1072015, proc. n.º 478/11.7TTVRL.G1-A.S1 e Ac. do STA de 18/04/2018, proc. n.º 0128/18, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

De acordo com o n.º 6 do artigo 6.º do ETAF, a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção.

Nos termos do disposto no artigo 280.º n.º 4 do CPPT, não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância proferidos em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância.

Porém, no presente caso não se aplica o preceituado na citada norma do CPPT.

Como já se deixou expresso supra, a acção administrativa especial é regulada pelas normas do CPTA, por força do estatuído no n.º 2, do artigo 97.º do CPPT (cfr. artigo 191.º do CPTA).

De acordo com disposto no n.º 3 do artigo 6.º do ETAF, a alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.

Assim, os processos do contencioso tributário que são regulados pelas leis de processo nos tribunais administrativos aplicam-se as alçadas previstas para estes, sendo as dos tribunais tributários iguais aos dos tribunais judiciais de 1.ª instância (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do ETAF; vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, nota 9 ao artigo 280.º, pág.418).

Neste sentido decidiu o acórdão do Pleno do STA, de 02/05/2007, prolatado no processo n.º 01128/06, que sufragamos, e com a devida vénia transcrevemos a seguinte passagem do seu discurso fundamentador:

«(…)As acções administrativas especiais são meios comuns da jurisdição administrativa e fiscal, aonde substituíram os recursos contenciosos de anulação, que cabiam em qualquer das duas subjurisdições. Só que, enquanto antes do ETAF de 2002, fosse no contencioso administrativo, fosse no tributário, o julgamento era feito pelo juiz singular, agora, ao menos no contencioso administrativo, ele compete a um tribunal colectivo, nos casos que se viram.

Podem encontrar-se duas razões para a inovadora intervenção do colectivo:
Uma, é que se trata de processo a que a competência estava, não raras vezes, atribuída a um tribunal superior – veja-se a alínea b) do artigo 40º do ETAF84, com paralelo na mesma alínea do artigo 41º, tudo na redacção de 1996 –, o que justificará que, sendo, agora, da competência de um de inferior grau hierárquico, se preveja a intervenção de três juízes no seu julgamento.

Outra, é que a sucessão do recurso contencioso de anulação pela acção administrativa especial não se reduz a uma alteração de nome: o novo meio processual é bem mais complexo do que o seu antecessor, face ao elenco dos pedidos principais e cumuláveis que consta dos artigos 46º e 47º do ETAF02, permitindo supor questões de facto e de direito intrincadas, a recomendar o julgamento por mais do que um juiz.
Ora, estas razões são tão válidas para as acções administrativas especiais que correm nos tribunais administrativos como para as que se tramitam nos tribunais fiscais.
E também a coerência do sistema exige que a mesma forma processual tenha igual tratamento nos tribunais administrativos e nos fiscais, quer no que respeita à marcha do processo, quer no que toca à formação a quem é entregue o julgamento.
Nesse sentido aponta, aliás, o artigo 97º nº 2 do CPPT. Nem seria de fácil compreensão que, presidindo aos tribunais administrativos e os fiscais um mesmo Estatuto, e operando eles formas processuais comuns, regidas pela mesma lei de processo, houvesse tais diferenças de organização e funcionamento.

(…) Quanto à alçada, a estabelecida no CPCI foi eliminada pelo ETAF84.
Ficaram sem alçada quer os tribunais administrativos – que já antes a não tinham – quer os fiscais. E assim continuou com o CPT.

Mas a alçada dos tribunais tributários foi restaurada pelo CPPT - ainda que só para os processos de impugnação e execução fiscal - e mantida pelo ETAF02, que também a criou para os tribunais administrativos. Só que enquanto a destes últimos foi fixada em medida igual à que vale para os tribunais judiciais, a dos tribunais tributários ficou-se por ¼ da desses tribunais.

A alçada, como escreve JOSÉ LEBRE DE FREITAS, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, volume 2º, pág. 280, «tem a função principal de marcar o limite até ao qual um tribunal de instância (…) julga definitivamente as causas da sua competência. Mas tem outras funções, entre as quais a de distribuir a competência entre os tribunais (…) e de determinar a forma de processo declarativo comum».

No caso que nos interessa, a alçada tem por função principal estabelecer a possibilidade de recurso jurisdicional e por função secundária a de servir de valor de referência para determinar se o julgamento é feito por juiz singular se por um tribunal colectivo.
Para efeitos daquela função principal, não há dúvida de que é diferente a alçada dos tribunais administrativos e a dos fiscais. O resultado é que as decisões dos tribunais tributários são recorríveis em maior número de casos do que as dos tribunais administrativos, já que o valor da causa, naqueles primeiros tribunais, não tem de ser tão alto como nos segundos.

Mas, em se tratando de saber quem procede ao julgamento numa certa forma processual, há que atribuir precedência às normas que regulam essa espécie de processo.

Aqui, o que está em causa não é, ainda, a possibilidade de recurso jurisdicional, mas o modo como se processa o julgamento em 1º grau de jurisdição. E, para o efeito, o que o legislador relevou não foi, directamente, a alçada, mas o valor da causa, ainda que o tenha feito por referência ao que escolheu para definir a alçada.

Ou seja, a regra que serve para determinar se o julgamento das acções administrativas especiais é feito por juiz singular ou colectivo é a do nº 3 do artigo 40º do ETAF02, com atinência ao mesmo número do artigo 6º do mesmo diploma.

De outro modo, duas acções administrativas especiais de valor igual poderiam ser julgadas, uma, num tribunal fiscal, por um colectivo de juízes; e a outra, num tribunal administrativo, por um só juiz, sem qualquer justificação atendível para a discrepância.
Ainda aqui à interpretação da lei deve presidir a intenção de guardar a coerência e unidade do sistema, preferindo as soluções que, com suporte no teor literal das normas, melhor se quadrem com essas unidade e coerência.

2.7. Eis, então, como entendemos deverem interpretar-se as normas que interessam à nossa questão, advertindo que não se nos afigura necessário fazer uma interpretação analógica para resolver a dificuldade.

O nº 3 do artigo 40º do ETAF02 contem a regra para as acções administrativas especiais, quer corram pelos tribunais administrativos, quer pelos fiscais. Aliás, a letra da norma não autoriza distinção segundo a matéria de que se ocupam os vários tribunais: «Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito».

A previsão da norma respeita, portanto, às acções administrativas especiais, abrangendo-as a todas, e não ao funcionamento dos diferentes tribunais que integram a ordem. A porventura deficiente inserção sistemática da norma, que melhor ficaria em capítulo que tratasse dos meios processuais, e não dos tribunais, não pode fazer-nos esquecer o essencial, que é o seu conteúdo, e esse, repete-se, é referido a todas as acções administrativas especiais.

O artigo 46º nº 1 não proíbe que os tribunais tributários funcionem em formação de três juízes. Limita-se a ditar uma regra, que é de funcionamento com juiz singular, sem proibir nem inviabilizar excepções. Excepções que logo são impostas pelo nº 3 do artigo 40º, do modo como o interpretamos. (…)

Aliás, se tivéssemos que socorrer-nos da analogia (e, a nosso ver, não temos, porque a lei não é lacunosa, bastando uma interpretação extensiva, nos termos propugnados), chegaríamos a igual conclusão, já que o mesmo espírito que criou o nº 3 do artigo 40º para os tribunais administrativos faria com que se concebesse norma do mesmo teor para os tribunais tributários, pois nada, nos dois casos, justifica tratamento diverso.

Quanto ás alçadas, a previsão do artigo 6º nº 2 vale para tudo quanto não é regido pelo artigo 40º nº 3, de acordo com o qual «Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito». Ou seja, serve para a sua função principal – definir quando cabe e quando não cabe recurso das decisões jurisdicionais –, mas já não para estabelecer quando, nas acções administrativas especiais, intervém o juiz singular ou uma formação plural de juízes, pois essa é matéria tratada pelo nº 3 do artigo 40º.

Encerramos, assim, com as respostas para que já apontava o bem fundado parecer do Exmº. Procurador-Geral Ajunto junto deste Tribunal:
Às acções administrativas especiais em matéria tributária é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do ETAF de 2002, sendo a alçada a considerar para determinar o julgamento por tribunal colectivo a dos tribunais administrativos estabelecida no artigo 6º nº 3 do diploma.» (disponível em
www.dgsi.pt/).

Prosseguindo, secundados pelo entendimento e jurisprudência supra citada.

A alçada dos Tribunais Judiciais de 1.ª Instância foi fixada em € 3.740,98, pelo artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, aplicando-se a todos os processos após a sua entrada em vigor e até 31/12/2007, visto que o Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto deu nova redacção ao artigo 24.º, n.º 1 da LOFTJ, fixando a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em € 5.000,00, sendo que esta redacção só se aplica aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, isto é, em 01/01/2008 (vide entre outros, acs. do TCAS de 11/05/2017, proc. n.º 440/14, de 25/07/2016, proc. 09718/16; Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, nota 9 ao artigo 280.º, pág.418).

Por último, sublinha-se que, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a admissibilidade dos recursos, por efeito das alçadas, é regulada pela lei em vigor à data em que seja instaurada a acção (cfr. artigo 29.º, n.º 3 da Lei 3/99 (na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro) e 44.º, n.º 3 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto).

Ora, a presente acção foi instaurada em 10/11/2004, pelo que o valor da alçada a atender é, logo, o de € 3.740,98.

No caso vertente, a acção administrativa especial na qual se interpôs o recurso foi, como se viu, instaurada em Novembro de 2004 e a mesma tem o valor de € 1.230,84, valor que, assim, não ultrapassa o da alçada já fixada naquela data para os tribunais administrativos de circulo, que corresponde à alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância, pelo que não cabe recurso da sentença proferida pelo tribunal tributário da 1.ª instância.

Assim sendo, o recurso interposto não é legalmente admissível, o que obsta ao seu conhecimento.

O que, sem necessidade de mais considerações, inviabiliza a respectiva tomada de conhecimento por este Tribunal Central Administrativo Sul, sentido em que se decidirá seguidamente.


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Conclusões/Sumário:

I. Nos termos do n.º 2, do artigo 97.º do CPPT e 191.º do CPTA, a acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.

II. Por sua vez, o artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPTA, dispõem que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, e que atende-se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância.

III. Apesar de caber ao juiz a fixação do valor da causa, este não pode deixar de ter em conta a posição das partes relativamente ao valor assumido no processo, quer ela seja expressa ou tácita, só devendo modificar o valor da acção quando o valor aceite pelas partes estiver em plena desarmonia com os critérios gerais ou especiais de fixação do valor.

IV. No caso dos autos, a Mma. Juiz a quo não fixou nos vários momentos previstos na lei valor à acção, mas também não referiu qualquer divergência ao valor atribuído pelas partes à acção, valor que não foi impugnado, nem as partes arguiram a correspondente nulidade, por omissão de pronuncia (cfr. artigo 615.º, n.º 4 do CPC), pelo que, esta questão ficou definitivamente assente, devendo, por isso, considerar-se relevante e fixado o valor atribuído pelas partes à acção, ou seja, o valor de € 1.230,84.

V. Os processos do contencioso tributário que são regulados pelas leis de processo nos tribunais administrativos aplicam-se as alçadas previstas para estes, sendo as dos tribunais tributários iguais aos dos tribunais judiciais de 1.ª instância (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do ETAF; vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, nota 9 ao artigo 280.º, pág.418).


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em não tomar conhecimento do presente recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Notifique.

Lisboa, 9 de Junho de 2021.


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A Juíza Desembargadora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).