Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1006/17.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC,
FATURAS FALSAS
Sumário:Coligidos indícios sólidos e consistentes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante faturas que não consubstanciam operações verdadeiras, cessa a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita (art. 75.º da LGT), cabendo-lhe o ónus da prova da realidade das transações.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

C... C..., Ld.ª, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO Judicial por aquela deduzida, pedindo a anulação da liquidação adicional relativa a IRC e juros compensatórios, referentes ao exercício de 2010, no valor global de 115.630,43€.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«A) Salvo o devido respeito, a Recorrente discorda do julgamento da matéria de facto contido na douta sentença recorrida, ou seja, o Tribunal “a quo” efetuou um errado e incorreto julgamento da matéria de facto, dando como não provados factos em contradição com a prova testemunhal efetuada e com os demais documentos juntos aos autos.
B) Ao dar como provados os nos pontos 4., 6., 8. e 9. do probatório, não poderá ser extraída a conclusão de que a “W...” não prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da ora Recorrente.
C) O facto dado como não provado na alínea a) da douta sentença recorrida está em clara contradição com os mencionados factos provados, o que se extrai, além do mais, na seguinte afirmação “(..) a W... emitia uma nota de honorários e era realizada uma reunião com a impugnante para avaliação da execução dos trabalhos efectuados por aquela” – que constitui facto provado (ponto 8).
D) A prova testemunhal que atesta a efetividade dos trabalhos prestados pela W... à Recorrente resulta do depoimento da testemunha L... (aos minutos 00:05:10 e seg., minuto 00:08:30 e seg., minuto 00:16:00 e seg., minuto 00:16:29 e seg., minuto 00:19:15 e seg., minuto 00:22:30 e seg., minuto 00:28:30 e seg. e minuto 00:30:00 e seg.) e da testemunha S... (aos minutos 00:49:55 e seg., minuto 00:53:00 e seg. e minuto 01:21:00 e seg.), e ainda do depoimento de I..., legal representante da sociedade “U..., Lda,” aos minutos 02:06:20 e seg. e minuto 02:08:47 e seg.
E) Embora tenha sido confirmado pelas testemunhas L... e S... que havia algumas divergências quanto às horas faturadas pela W... alocadas a cada uma das ações desenvolvidas nos clientes, tal facto não é suficiente para afastar a materialidade e efetividade dos serviços prestados, apenas relevando para efeitos de quantificação dos serviços prestados.
F) Divergência de quantificação que é consentânea com a correção de saldos efetuada a 31/12/2010, dada como facto provado no ponto 22 do probatório.
G) Tendo em conta que não foram desconsideradas as declarações de parte por falta de isenção ou de rigor ou de imparcialidade notória, a douta sentença deveria ter tido em consideração tais declarações na sua íntegra, para efeitos de factos provados e não provados.
H) Designadamente, deveriam ter sido valoradas as declarações de parte de J... entre os minutos 02:23:50 e 02:28:29; entre os minutos 02:29:15 e 02:31:15; entre os minutos 02:38:00 e 02:42:00, e ainda aos minutos 02:43:00 a 02:45:30.
I) Da conjugação da análise crítica dos depoimentos das testemunhas, das declarações de parte e dos documentos 6-A a 6-I juntos à p.i., e face aos factos provados nos pontos 4., 6., 8. e 9. do probatória, resulta, que deveria ter sido considerado provado o seguinte facto: “A “W...” prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante”.
J) Face às declarações de parte prestadas por J..., aos minutos 02:4:30 a 02:50:00 (as quais, como supra se disse, não devem ser desconsideradas por não se lhe poder assacar indícios de inveracidade ou falta de rigor), conjugadas com os documentos 9 a 10 juntos com a p.i., impunham que fosse dado como provado o seguinte facto: “A sociedade “V... & L..., Lda.”, “V...” ou “R...” forneceu à Impugnante material publicitário, designadamente folhetos promocionais, flyers e brindes faturados nas faturas n.º 4757 e 4864.”
K) A douta sentença recorrida deveria, ainda, ter dado como facto provado que: “C... prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante.”.
L) Por um lado, a valoração deste facto como não provado está em contradição com o facto provado no ponto 17 do probatório, e, por outro lado, foram desconsiderados os documentos 11 a 13 juntos à p.i., meios de prova estes aptos a confirmar este facto, sem ter sido apresentada motivação justificativa para esta omissão de aceitação/rejeição dos mesmos.
M) O facto foi ainda provado pelo testemunho de V..., repre- sentante da sociedade “S..., Lda.” que identificou em concreto quais os produtos de design adquiridos à Recorrente, e da autoria dos mesmos por “R...” (aos minutos 01:52:42 a 01:57:00).
O) Relevam também para a correta apreciação do facto as declarações credíveis e isentas de C..., atinentes a factos pessoais por si praticados em 2010, enquanto fornecedora da Recorrente, com a designação comercial de “R...”, aos minutos 03:02:50 e seg., minutos 03:03:40 e seg., sendo que das passagens dos minutos 03:08:03 a 03:09:00 resulta afastada a presunção errónea da AT de falta de estrutura empresarial, que serviu para fundamentar a correção fiscal, o que, claramente se conclui não ter suporte fáctico e, portanto, não corresponder à verdade.
P) Acresce, também, considerar como meio de prova as declarações de parte de J... que asseveram os anteriores depoimentos (aos minutos 02:50:45 a 02:56:14).
Q) Em suma, a prova efetuada nos autos permite concluir, com certeza, que os serviços concretamente descritos foram efetivamente efetuados pela fornecedora C..., que usa o nome comercial “R...”, que foram objeto de contratação por parte dos clientes da Recorrente, nomeadamente da S... e que foram pagos, pelo menos, parcialmente.
R) Em suma, as provas apresentadas pela Recorrente, sejam documentais sejam testemunhais, permitem aferir, por um lado, a materialidade e efetividade dos serviços e bens adquiridos e a sua essencialidade para a obtenção de rendimentos.
S) Por outro lado, permite aferir a não responsabilidade da Recorrente relativamente ao comportamento fiscal dos seus fornecedores “W...” e “V... ou R...”.
T) Por outro lado, quanto à fornecedora “C...” ilidiu-se a presunção de falta de estrutura empresarial para a realização dos serviços caindo por terra a fundamentação da AT para a correção fiscal.
U) O TJUE tem vindo a produzir jurisprudência, em sede de IVA, no sentido em que a administração fiscal, para recusar a dedução, tem de demonstrar uma situação de fraude e a ausência de boa-fé por parte da empresa que adquiriu os bens em causa, e que esse direito à dedução não pode ser negado pelo facto do adquirente não possuir uma certificação documental de que o fornecedor/prestador de serviços dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado.
V) Logo, tal interpretação efetuada nas normas fiscais do IVA é passível de se adequar aos custos, suportados em sede de IRC.
V) A douta sentença não entendeu que era exigível à AT a prova de que a adquirente dos serviços foi parte ativa do acordo simulatório do negócio ou de uma parte do negócio ou que atuou de forma negligente em relação à atuação que lhe é imposta pela lei e pelos costumes comerciais, contudo, tal posição, contradiz o entendimento da jurisprudência comunitária no que toca ao direito à dedução do IVA, e por maioria de razão, à dedução dos custos suportados com a aquisição de bens e serviços essenciais à obtenção do rendimento.
W) Como ficou provado, a Recorrente adquiriu os serviços e bens dos identificados fornecedores e as faturas emitidas por estes titulam prestações de serviços e aquisição de bens efetivas, daí conclui-se ser ilegal a desconsideração dos custos suportados, o que significa que a douta decisão recorrida não poderá manter-se, devendo ser revogada e consequentemente anulada a liquidação de IRC e juros compensatórios, do ano de 2010.

Termos em que deve o presente recurso ser julga- do procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, do ano de 2010.
Ou caso assim não se entenda, ser anulada a liquidação de IRC e JC, no ano de 2010, relativamente às correções de custos suportados com as aquisições de serviços aos fornecedores W... e C....»

A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, porque deu como provado factos em contradição com a prova testemunhal efetuada e com as demais provas efetuadas nos autos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) A impugnante é uma sociedade comercial por quotas com o CAE 074900 – outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares não especificadas, enquadrada no regime geral para efeitos de IRC e no regime normal trimestral para efeitos de IVA (relatório de inspecção tributária a fls. 159 do processo administrativo).
2) No âmbito da sua actividade comercial, em 21/12/2009, a impugnante celebrou, com a sociedade “E... – C..., Lda.” (E...), um contrato denominado de prestação de serviços, segundo o qual aquela obrigava-se a prestar, a partir de 01/01/2010, junto dos clientes angariados, serviços de consultoria nas áreas da qualidade, segurança e saúde no trabalho e ambiente, mediante o pagamento do valor estabelecido em proposta/orçamento, a elaborar caso a caso, na medida das necessidades e especificidades das entidades designadas pela E... (contrato de prestação de serviços de fls. 25 verso e 26 do processo físico).
3) A impugnante implementava projectos desenvolvidos pela E..., comparticipados por fundos comunitários, designadamente no âmbito do QREN e do projecto PRIME.
4) A impugnante subcontratou outras entidades, para executar valências que não possuía, designadamente na área da programação informática e da desmaterialização de processos, de forma a assegurar o cumprimento do contrato referido em 2).
5) Dos serviços realizados no âmbito do contrato referido em 2), a impugnante emitia as correspondentes facturas à E..., as quais continham, no seu descritivo, além do mais, o tipo do concreto serviço prestado, o nome das entidades onde os projectos eram implementados e o respectivo valor (facturas de fls. 55 a 71, 72 verso, 73, 74 e verso e 76 a 83 verso do processo físico).
6) A impugnante e N..., que se apresentou como sócio-gerente da “W..., Unipessoal, Lda.” (W...), acordaram estabelecer uma colaboração nas áreas da consultoria, auditoria e programação informática, mediante o pagamento, desta àquela, do valor de 100,00€/hora, acrescido de IVA (proposta/contrato de colaboração de fls. 84 a 89 do processo físico).
7) A proposta referida no ponto anterior, foi apresentada à impugnante em nome da “W... N..., Ld.ª” (proposta de fls. 84 a 89 do processo físico).
8) Mensalmente, a W... emitia uma nota de honorários e era realizada uma reunião com a impugnante para avaliação da execução dos trabalhos efectuados por aquela (notas de honorários de fls. 269 a 276 verso do processo físico e fls. 122 a 137 do processo administrativo).
9) Nessas reuniões mensais, a impugnante apontou divergências quanto às horas imputadas pela W... a cada cliente e solicitou-lhe a rectificação das horas facturadas em excesso.
10) Apesar das solicitações da impugnante, a W... nunca emitiu as notas de crédito relativas às horas facturadas em excesso.
11) No ano de 2010 a W... emitiu oito facturas à impugnante, no valor global de 414.318,50€, com IVA incluído, constando do descritivo das facturas n.ºs 2010027, 2010067 e 2010118 “prestação de serviços de consultadoria, desenvolvimento, implementação e manutenção da solução p/ gestão de stocks e gestão da qualidade, ambiente e segurança” e do descritivo das facturas 2010046, 2010093, 2010162, 20101184 e 2010139 “prestação de serviços de consultoria e auditoria” (facturas de fls. 687 verso a 695 do processo administrativo).
12) A impugnante efectuou sempre pagamentos parciais das facturas emitidas pela W..., tendo, no ano de 2010, emitido cheques no valor global de 110.348,50€ e no ano de 2011, no valor global de 66.940,00€ (extractos de conta-corrente e cheques de fls. 685 verso, 687, 696 verso a 722 verso e 724 a 752 do processo administrativo).
13) No verso dos cheques referidos no ponto anterior, consta, pelo menos, um carimbo da W..., a assinatura de R... e outra assinatura ou carimbo (cheques de fls. 685 verso, 687, 696 verso a 722 verso e 724 a 752 do processo administrativo).
14) No ano de 2010, a “V..., C... & L..., D..., Ld.ª” ou “R...” emitiu duas facturas à impugnante, no valor global de 21.660,00€, com IVA incluído, constando do descritivo da factura n.º 4757 “elaboração e impressão de folhetos promocionais” e da factura n.º 4864, o descritivo “criação e impressão de material publicitário” (orçamentos, factura e relatório de inspecção tributária de fls. 277 e 278 do processo físico e fls. 138 a 140, 168 e 169 do processo administrativo).
15) A impugnante emitiu cheques no valor global de 19.550,00€ à ordem de V... – D..., Ld.ª, durante o ano de 2010 e um cheque no valor de 2.110,00€ à ordem de E... (cheques de fls. 278 verso a 280 do processo físico e fls. 141 a 144 do processo administrativo).
16) Do verso dos cheques referidos no ponto anterior, excepto o que foi emitido à ordem de E..., que foi depositado na conta bancária n.º 45... e do qual consta o carimbo da sucursal 2730 – Caixa, do Banco C..., SA, consta, pelo menos, o carimbo da V... – D..., Ld.ª, a assinatura de E... e mais duas assinaturas (cheques de fls. 278 verso a 280 do processo físico e fls. 141 a 144 do processo administrativo).
17) C... desenvolveu projectos na área da decoração para clientes da impugnante, nomeadamente para a S....
18) C... elaborou uma proposta de trabalho à impugnante que não contém qualquer assinatura, valor ou data ou indicação do efectivo destinatário do produto (proposta de trabalho de fls. 148 e 149 do processo administrativo).
19) Em 05/01/2010, C... emitiu o orçamento n.º 203, com o descritivo “desenvolvimento de linhas de mobiliário quarto de criança/quarto de casal”, no valor de 15.000,00€, com IVA incluído, do qual não consta o destinatário (orçamento de flsw. 150 do processo administrativo).
20) No ano de 2010, C... emitiu à impugnante a factura n.º 174, no valor de 15.000,00€, com IVA incluído, da qual consta o descritivo “código 7731217 – quarto criança – 6.250,00€” e “código 7731805 – quarto casal – 6.250,00€” (relatório de inspecção tributária a fls. 171 verso do processo administrativo).
21)A impugnante, no referido ano de 2010, efectuou pagamentos a C..., no valor global de 145.028,06€ (relatório de inspecção tributária fls. 172 do processo administrativo).
22) Em 31/12/2010, a impugnante efectuou uma correcção de saldos, referente ao fornecedor W..., a débito da conta 22.1.1.1.210, no valor de 237.000,00€, através do documento interno n.º 012037 (extractos de conta corrente e documento interno de fls. 685 verso, 726, 730 e 822 do processo administrativo).
23) Através do documento referido no ponto anterior, a impugnante efectuou uma correcção de saldos, referente à fornecedora C..., no valor de 82.188,06€, por crédito na conta 122 – B..., de igual valor (documento interno e extracto de conta-corrente de fls. 726, 817 verso, 818, 820 e 822 do processo administrativo).
24) Da contabilidade da impugnante não constam os documentos de suporte dos movimentos da correcção de saldos referidos em 22) e 23).
25) As facturas emitidas por C... à impugnante nunca eram pagas na totalidade (extractos e facturas de fls. 816 verso a 822 do processo administrativo).
26) Foram emitidas as ordens de serviço n.ºs OI201400882 e OI201400883, que determinaram a realização de uma acção inspectiva à impugnante, primitivamente de âmbito parcial, relativas a controlo declarativo de IVA do exercício de 2010 passando, após comunicação do ofício n.º 37552/0505, de 18/06/2014, a ter âmbito geral (relatório de inspecção tributária de fls. 156 a 614 do processo administrativo).
27) Na sequência da acção de inspecção referida no ponto anterior, em 11/11/2014, foi elaborado o relatório de inspecção tributária do qual consta, designadamente, o seguinte (relatório de inspecção tributária de fls. 156 a 181 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

“III - Descrição dos fatos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
No decorrer da ação inspetiva constatou-se a contabilização de diversos documentos relativos a aquisições de serviços a terceiros de montantes elevados que nos suscitaram algumas dúvidas relativamente à efetiva realização dos trabalhos mencionados nesses documentos.
Por esse motivo procedemos a uma análise mais aprofundada dos referidos documentos, dos meios de pagamento utilizados e de outros elementos solicitados ao SP e aos emitentes desses documentos.
Acresce que relativamente a um desses emitentes, no decorrer da ação inspetiva, veio a Direção de Finanças do Porto remeter-nos o oficio n.º 37552, já mencionado, e no qual refere que a análise efetuada à empresa W... II N..., Lda:
“… leva à conclusão inevitável que as faturas que emitiu não representam efectivas prestações de serviços, sendo a actividade desta empresa nula ou, na melhor das hipóteses, residual.”
A análise dos restantes elementos da contabilidade evidenciou-nos a contabilização de alguns documentos suscetíveis de virem a originar correções para efeitos de IRC e IVA.
III.1- Factos e valores que indiciam a prática de crime fiscal
III.1.1. W...
O nome “W...” respeita a duas entidades distintas:
- W... II N... Lda – NIPC 5...
- W... Unipessoal Lda – NIPC 50...
Ambas as entidades têm a sua sede na Rua D... – 5 – Sala 4 – Maia.
III.1.1.1. – W... II N... Lda – NIPC 5...
Consultados os elementos existentes no cadastro da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), apurou-se que a W... II, Lda iniciou a sua atividade em 22/04/2010, tendo cessado para efeitos de IRC (cessação oficiosa) e IVA em 05/02/2014, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 8.º do CIRC e no n.º 2 do art.º 34.º do CIVA, respetivamente.
(…)
III.1.1.1.1 - Informação enviada pela Direção de Finanças do Porto
Analisada a informação que nos foi enviada pela Direção do Finanças do Porto bem como a informação relativa à inspeção realizada à W... II, Lda, constataram-se aí, além dos já referidos, os seguintes factos relevantes:
- 1 - “… esta empresa somente dispôs de 2 funcionários ao longo da sua existência, para além da sócia gerente, sendo que J... laborou somente entre Maio e Setembro de 2010 e P... entre Maio de 2010 e Maio de 2011.”
- 2 - “… a partir de Maio de 2011, somente a sócia gerente constava na folha de vencimentos da empresa, …”
- 3 - “… o que não impediu esta de, ainda sem qualquer funcionário com conhecimentos técnicos de telecomunicações, facturar 385.728,00€ de diversos serviços: assistências técnicas, comissões de angariação de clientes, prestação de serviços de consultoria, etc…”
- 4 - “… mesmo quando… dispunha de um funcionário com, supostamente conhecimentos técnicos (P… )… entre Novembro de 2010 e Maio de 2011, a empresa facturou 592.440,09€…”
- 5 - “… Em suma, … somente com a socia gerente e mais dois, um ou nenhum funcionário, facturou cerca de um milhão de euros relativamente aos mais variados serviços.”
- 6 - “… Foram notificados os principais clientes da W... II… Lda… ainda que tenham sido emitidas várias faturas com serviços de auditoria, consultoria, formação, nenhum deixou o mínimo rasto: não houve um único cliente que apresentasse um relatório, ponto de situação, manual, folha de presença, ou qualquer outra prestação que comprovasse a prestação dos serviços em causa;”
- 7 - “Um dos clientes apresentou cópia dos cheques utilizados para pagamento das facturas em causa onde se verifica claramente que foi o marido da sócia gerente do cliente em questão o destinatário do dinheiro, sendo que outro emitiu cheques à ordem do sócio gerente;”
- 8 - “Alguns clientes, ao receberem a notificação da Autoridade Tributária… e ainda sem qualquer acção inspectiva iniciada, de imediato regularizaram a sua situação tributária, entregando declarações periódicas de substituição de IVA e declarações de rendimentos de IRC de substituição, onde desconsideravam as faturas emitidas pela W... II…”
- 9 - “… nos computadores da W... II… Lda, não constavam quaisquer emails recebidos ou enviados aos seus clientes relativos aos supostos serviços a estes prestados.”
- 10 - “Quanto aos pagamentos dos clientes, verifica-se os cheques destes são, na sua maioria, levantados ao balcão ou, quando depositados ou aqueles pagamentos efetuados por transferência bancária, são de imediato levantados da conta, perdendo-se o rasto do dinheiro.”
- 11 - “Em suma, estamos na presença de uma empresa que com dois, um ou, na maior parte do tempo… sem funcionários com conhecimentos técnicos de telecomunicações, alega ter prestado diversos serviços que, pela sua especificidade, necessitariam de muita mão-de-obra para a sua execução… a análise da Autoridade Tributária… leva à conclusão inevitável que as facturas que emitiu não representam efetivas prestações de serviços, sendo a actividade desta empresa nula ou, na melhor das hipóteses residual.
De resto a conclusão que a quase totalidade destas facturas não titula qualquer prestação de serviços real é demonstrada pela prontidão com que alguns dos clientes circularizados regularizou a sua situação tributária.”
III.1.1.1.2. - Proposta/contrato realizada entre a W... II, Lda e a C..., Lda
Foi-nos ainda enviada fotocópia de uma proposta/contrato no verso da qual se encontra um mail do Sr. N..., que se identifica como “Director Geral da W... II, Lda”, e através do qual este informa o Sr. J... da sua impossibilidade de se deslocar à Marinha Grande, indicando que em sua substituição deslocar-se-ia um colaborador de nome R.... Este mail tem data de 6 de Dezembro de 2010.
Releve-se que o Sr. N... (nif 19...) foi identificado na informação efetuada pela Direção de Finanças do Porto como marido da D. R... e gerente da W... II, Lda e da W..., Unipessoal, Lda além de outras empresas.
Relativamente ao Sr. R... desconhecemos quem seja e quais as suas funções.
Por consulta ao cadastro da AT não detetámos a comunicação do pagamento de qualquer valor a nenhum dos 2 quer a título de trabalho dependente (categoria A), quer a título de trabalho independente (categoria B), por parte da W....
(…)
Junto com esta proposta a DF do Porto enviou-nos ainda os seguintes elementos:
- Fotocópias das faturas n.º:
- 2011039: 65.497,50€;
- 201111: 42.744,10€;
- 2010107: 3.025,00€;
- Extratos de conta corrente da C..., Lda relativos ao fornecedor 22.1.1.1.250 – W..., Lda – nipc 5...;
- Extratos bancários da conta n.º 2..., onde são identificados alguns cheques emitidos nos quais foi manualmente escrito “cheque W...” e “pagamento W...”;
- Anexaram também fotocópias de vários cheques emitidos à ordem da W..., TODOS assinados no verso, facto que prova o levantamento imediato, em dinheiro, dos valores indicados nos cheques.
(…)
- 7 – “… foi a partir do momento (Outubro de 2010) que a W... II
… deixou de ter funcionários que a sua facturação aumentou quase 10 vezes, sendo que mesmo depois de ter deixado de dispor de qualquer funcionário com conhecimentos técnicos de telecomunicações, …”
(…)
- 6 – Foi notificada a exibir a contabilidade para os anos de 2008 a 2010, não tendo a mesma sido exibida;”
(…)
- 8 – Foi o sujeito passivo notificado… na pessoa de N... a identificar os seus fornecedores… estes esclarecimentos nunca foram prestados.”
(…)

“A W... Unipessoal, Ld.ª ficou sem a maior parte dos seus funcionários até meados de 2010 e não dispunha de nenhum a partir de outubro de 2010.”
(…)
III.1.1.2.4. – Análise dos elementos da W... Unipessoal, Ld.ª na C..., Ld.ª
No decorrer da acção inspectiva à C... constatou-se a contabilização das seguintes facturas emitidas pela W..., Unipessoal, Ld.ª:


(…)
Apurou-se ainda a contabilização dos seguintes cheques e transferência:



III.1.1.2.5 – Análise
Face aos elementos analisados e tendo em consideração os elementos recolhidos da contabilidade do SP, bem como os obtidos através da Direção de Finanças do Porto constata-se que:
- Ao longo de 2010 foram emitidas pela W... unipessoal, Lda facturas com IVA incluído no montante de 413.501,50€;
- Dessas facturas, terão sido pagos apenas os valores correspondentes ao IVA, no montante de 70.348,50€, valor este que permitiu à C..., Lda obter uma vantagem patrimonial indevida de igual montante ao considerar esse valor na sua contabilidade e ao enviar as declarações de IVA abatidas desse valor (…).
- Os restantes valores, 40.000,00€ (…) em 2010 (…) e 50.000,00€ (…) em 2011, tudo no montante global de 90.000,00€, não são mais do que meros cheques levantados ao balcão do banco na data da sua emissão e cujo destino dado desconhecemos.

De igual modo desconhecemos o destino efetivo dos cheques de 8.200,00€ e 525,00€ e dos supostos diversos cheques que totalizariam o montante de 8.215,00€.
Considerando todos os elementos apurados atendendo aos movimentos efectuados através dos lançamentos, 12037, 8010 e 12006, que não são mais do que meros artifícios contabilísticos que visam desvirtuar a realidade, bem como à ausência efectiva de qualquer comprovativo dos trabalhos realizados, apenas poderemos concluir que as faturas referidas, emitidas em 2010 pela empresa W..., unipessoal, Lda, correspondem a meras operações fictícias, não consubstanciado a existência de qualquer transacção efectiva, até porque a W... não tinha quaisquer condições, humanas materiais e técnicas para realizar qualquer dos trabalhos mencionados nas facturas, na medida em que ao longo do ano de 2010 foi perdendo na totalidade os seus funcionários (…).
III.1.2 – R..., Lda/V..., C... & L..., D..., Lda – NIPC 5...
Relativamente a esta empresa (…), constatou-se relativamente ao ano de 2010, a contabilização de duas facturas, sendo que apenas uma foi registada na conta corrente do fornecedor e a outra foi registada directamente em gastos por contrapartida da conta 122 – Bancos sem qualquer registo em conta de terceiros.
Todavia, consultado o sistema informático da AT, constatou-se que este SP se encontrava cessado à data de 31/12/2005, nos termos previstos no artigo 34.º, n.º 2 para efeitos de IVA e para efeitos de IRC nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 6 (…)
(…)
III.1.2.3 – Análise
Face aos elementos apurados e tendo em consideração os elementos recolhidos da contabilidade do SP, bem como os restantes já referidos, constata-se que:
- Ao longo do ano de 2010 foram emitidas pela R.../V.../V..., C... e L..., Lda faturas com IVA incluído no montante de 21.660,00€;
- No caso da fatura 4757 desconhecemos o meio de pagamento efetivamente utilizado. Relativamente à fatura n.º 4864 foram emitidos três cheques em nome de R... ou V....
- Dos elementos pedidos adicionalmente ao SP não nos foram entregues nenhum dos elementos solicitados.
- Um dos sócios da empresa refere que desconhece a C... Lda;
- A outra sócia, embora refira que os trabalhos foram realizados em colaboração a empresa “A...”, consultada essa empresa, nada consta na sua contabilidade nos anos em análise que indique a realização de qualquer trabalho para a V... Lda no ano de 2010.
Acresce que a sócia da V... Lda. não nos apresentou na prática nenhum dos elementos solicitados que prove a efectiva realização dos trabalhos mencionados (…).
Considerando todos os elementos apurados (…), apenas poderemos concluir que as faturas referidas, emitidas em 2010, em nome de V..., C... & L..., Lda, correspondem a meras operações fictícias (…).
III.1.3 – C... – NIF 2...
Consultado o sistema informático apuraram-se os seguintes factos (…):
- É, conforme já se referiu sócia gerente da C...;
- Foi, pelo menos até 31/12/2011, cônjuge do outro sócio da C..., Lda, Sr. J...;
(…)
III.1.3.4.- Análise
Da análise efectuada constata-se que foram emitidas, no ano de 2010, pela D. C... à C..., Lda., uma fatura no montante de 15.000,00€, além de outras de no valor global de 101.910,00€ a tratar em informação relativa ao ano de 2011.
A análise destas faturas, dos valores supostamente pagos, bem como dos justificativos da realização dos trabalhos quer pela C..., quer pela D. C..., constata-se que os elementos apresentados não são suficientes para que fique provada a efectiva realização dos trabalhos mencionados nas faturas.
Apenas poderemos concluir que as faturas referidas, no caso a emitida no ano de 2010 pela D. C... correspondem a meras operações fictícias (…).”.
28) Sobre o relatório de inspecção tributária referido no ponto anterior foi proferido despacho de concordância (despacho de fls. 156 do processo físico).
29) Por ofício datado de 24/11/2014, foi dado conhecimento à impugnante do relatório de inspecção tributária e do despacho referidos em 27) e 28) (ofício de fls. 155 do processo administrativo).
30) Na sequência das conclusões do relatório de inspecção tributária referido no ponto anterior, a administração tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2014 83..., no valor de 101.630,49€ e a liquidação de juros compensatórios n.º 2014 0000…, no valor de 13.999,94, perfazendo o total global de 115.630,43€, com data limite de pagamento voluntário até 02/02/2015, que enviou à impugnante (demonstração de acerto de contas de fls. 329 do processo físico).
31) Em 02/06/2015, a impugnante, através da mandatária por si constituída, apresentou reclamação graciosa sobre a liquidação referida no ponto anterior (reclamação graciosa de fls. 48 a 59 do processo administrativo).
32) Por ofício n.º 1139 de 31/07/2015, enviado à mandatária constituída pela impugnante, por correio registado com a referência RF144…PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 04/08/2015, foi-lhe comunicado que a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida (ofício, registo e aviso de recepção de fls. 189 a 191 do processo administrativo).
33) Em 03/09/2015, a impugnante, através da mandatária por si constituída, apresentou recurso hierárquico sobre o indeferimento referido no ponto anterior (recurso hierárquico e envelope de fls. 2 a 17 do processo administrativo).
34) Por ofício n.º 385 de 29/03/2017, enviado à mandatária constituída pela impugnante, por correio registado com a referência RF2609…PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 31/03/2017, foi-lhe comunicado que o recurso hierárquico referido no ponto anterior foi indeferido (ofício, registo, aviso de recepção informação e despacho de fls. 15 a 25 do processo físico e fls. 34 a 46 verso do processo administrativo).
35) A presente acção de impugnação judicial deu entrada em juízo no dia 28/06/2017 (comprovativo de entrega de documento via SITAF de fls. 1 do processo físico).

IV.2 - FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a presente decisão, consideram-se não provados, por não ter sido realizada a respectiva prova, em relação aos seguintes factos:
a) A W... prestou, à impugnante, os serviços a que se reportam as facturas referidas em 11).
b) A sociedade “V... & L..., Lda.”, “V...” ou “R...” forneceu à impugnante material publicitário, designadamente folhetos promocionais, flyers e brindes.
c) C... prestou, à impugnante, os serviços a que se reportam as facturas referidas em 20).

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão dos presentes autos.
A convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e dos elementos existentes no processo administrativo apenso, conforme indicado em cada um dos factos provados, os quais não foram impugnados e merecem total credibilidade.
No que concerne aos factos provados 3), 4), 8), 9), 10), 17), 20) e 24), a convicção do Tribunal baseou-se também nas declarações de parte prestadas por J... e no depoimento das testemunhas inquiridas, todos no âmbito do processo n.º 1720/15.0BELRA, na sequência do aproveitamento da prova aí produzida.
Efectivamente, as testemunhas L... e S..., ambas consultoras ao serviço da impugnante, à data dos factos, explicaram como é que esta actuava no âmbito da implementação dos sistemas de gestão e da formação nos vários clientes angariados pela impugnante e a relação comercial da impugnante com a E..., entidade acreditada pela DGERT.
Ambas afirmaram conhecer a empresa W..., uma das entidades subcontratadas pela impugnante, com instalações no Porto ou Maia, a qual foi indicada pelo Eng.º L..., funcionário da E....
Mais referiram que na execução dos trabalhos de programação informática e de desmaterialização de processos efectuados pela W..., com base nos dados fornecidos pela impugnante, mais concentrados no primeiro semestre de 2010, houve situações que ficaram pendentes, pelo que deveriam ter sido feitos ajustamentos da facturação, com o objectivo da W... compensar a impugnante pelo trabalho que tinha ficado em não conformidade, de forma que não fossem facturadas mais horas no projecto em causa enquanto essas situações não fossem resolvidas, o que era discutido em reuniões mensais.
No entanto, não sabem se os referidos ajustamentos de horas chegaram mesmo a ser feitos, mas pensam que não, tendo depois os trabalhos sido suspensos.
Esclareceram ainda que não havia troca de documentação entre a impugnante e a W..., sendo os contactos e as questões da facturação directamente tratadas entre o Sr. N... e o Eng.º J....
Disseram também que a impugnante tinha como prática oferecer brindes aos clientes, não sabendo, em 2010, qual era o fornecedor dos mesmos, uma vez que trabalhavam com várias empresas fornecedoras.
A testemunha V..., sócio-gerente da S..., Ld.ª, afirmou que, no ano de 2010, a impugnante fez a implementação do projecto para a certificação da qualidade da S..., com vista à desmaterialização, tendo reconhecido, vagamente, o nome da W..., mas não reconheceu o nome do Sr. N....
Relativamente aos trabalhos na área da decoração, referiu que, tendo em conta que a impugnante tinha uma ligação a “R...”, forneceu-lhe desenhos técnicos para o desenvolvimento de protótipos e desenvolveu uma linha de mobiliário, que ainda hoje é comercializada pela S....
Solicitou-lhe uma linha de decoração para um hotel em Angola, que foi desenvolvida, mas não chegou a ser adjudicada.
Esclareceu ainda que a facturação era emitida pela E.... Não conseguiu localizar a facturação no tempo.
A testemunha I..., sócio- gerente da U..., Ld.ª, disse ter relações comerciais com a impugnante desde 2008, implementação de certificação de qualidade e formação.
Afirmou conhecer, vagamente, a W... e o Sr. N..., por ter realizado algumas reuniões e acções de formação.
Esclareceu ainda que a facturação era emitida pela E....
A testemunha S..., inspectora tributária, afirmou que participou numa inspecção tributária externa realizada à W..., tendo-se deslocado às instalações desta na Maia.
Mais referiu que teve contacto, no âmbito de uma fiscalização cruzada, com o Sr. N..., mas que não lhe foi apresentada qualquer documentação.
Disse também que desconhece a firma da impugnante.
A testemunha C..., inspector tributário, referiu, no que diz respeito à fornecedora W..., que notificou o Eng.º J... para apresentar elementos que sustentassem o que estava descrito nas facturas, não lhe tendo sido apresentados orçamentos, comprovativos dos pagamentos, fotocópias frente e verso dos cheques, apenas tendo sido enviada uma proposta de contrato.
Na contabilidade não havia notas de lançamento nem de pagamento, documentação relativa aos meios de pagamento e os descritivos das facturas eram sempre genéricos e que, em regra, só era pago o valor correspondente ao IVA.
Esclareceu ainda que a correcção de saldos foi efectuada com base num documento interno, não lhe sendo exibido o comprovativo do cheque ou transferência, nem lhe foi apresentada qualquer justificação para a referida operação e que foi através do mesmo documento que foi feito o acerto de contas relativo a C..., saldando a conta “caixa”, não sendo possível aferir pela documentação existente, designadamente o extracto de conta, o destino dos respectivos valores.

A respeito da “V...” ou “R...”, sublinhou a falta de justificação dos serviços prestados, apenas estando lançada na contabilidade uma factura, com o recibo, sem meio de pagamento completo (fotocópia dos cheques frente e verso), não tendo conseguido seguir o rasto do meio de pagamento até ao destino e a outra factura e o recibo não se encontravam na contabilidade e o facto de se tratar de uma empresa com cessação oficiosa de actividade reportada a 2005.
Referiu, por fim, que a impugnante exerce de facto a actividade de que se arroga, não tendo motivos para pôr em causa a respectiva facturação.
Em sede de declarações de parte, J..., gerente da impugnante à data dos factos, referiu que conhecia pessoalmente, em termos profissionais, o Sr. N..., cujo contacto foi-lhe fornecido em 2009, pelo Eng.º L..., colaborador do norte da E..., que sabia que a impugnante estava à procura de uma empresa com as valências informáticas que ela não tinha.
Contratou a W..., para começarem em Janeiro de 2010, pois pareceu-lhe que, de conversas havidas e da análise dos curricula, quer o Sr. N..., quer dos outros dois colaboradores, evidenciavam ter experiência no desenvolvimento das bases de dados necessárias à conclusão dos projectos, tendo sido a empresa que apresentou a melhor proposta para colaboração em termos de qualidade/preço.
Mais referiu que não teve conhecimento de nenhum indício de que a W... tivesse algum problema, em 2010, como por exemplo, penhoras.
Disse também que até Agosto de 2010, a colaboração processou-se de uma forma contínua, tendo-se esfriado a partir dessa altura, devido à quantidade de trabalhos em não conformidade existentes.
Confirmou que toda a parte da facturação passava por si, bem como os pagamentos, que também eram feitos por si, normalmente através de cheque.
Declarou que as notas de honorários mensais apresentadas pela W... eram, em regra, objecto de acertos de horas e que a impugnante, via de regra, apresentava uma contra-proposta, que nem sempre era aceite pela W....
Nesses casos, a impugnante procedia ao adiantamento do valor correspondente ao IVA constante da factura emitida pela W..., através da emissão de cheques pré-datados e esclareceu que, tendo dificuldades na troca de informações com o Sr. N..., avolumou-se o diferencial de horas que estavam facturadas e não foram pagas, tendo a impugnante apenas pago as horas sobre as quais não havia divergência.
Referiu ainda que solicitou a emissão de notas de crédito e devolução dos cheques não descontados, mas a W... nunca chegou a emiti-las, tendo feito um acerto de saldos, na expectativa que esta enviasse as referidas notas de crédito, o que nunca chegou a acontecer.
Relativamente à R..., disse nunca ter visitado a empresa, desconhecendo a sua dimensão, mas afirmou que os produtos publicitários foram facturados e pagos.
No que concerne a C..., afirmou que esta não necessitava de colaboradores para fornecer o serviço em causa.
Não se recorda se os trabalhos facturados em 2010 foram pagos e explicou que, como também era sócia-gerente da impugnante, havia flexibilidade nos pagamentos.
Não soube explicar com clareza a correcção de saldos efectuada no final do ano de 2010, crendo que poderia ter a ver com o perdão de alguma dívida que a impugnante teria para com ela.
Mais referiu que também esta fornecedora não emitiu nenhuma nota de crédito à impugnante.
C..., ouvida na qualidade de sócia-gerente da impugnante, afirmou que efectuou trabalhos de decoração para clientes da impugnante, designadamente quartos de casal para a S... e esclareceu que, em virtude de, à data, ser casada com o Eng.º J..., havia uma grande flexibilidade nos pagamentos.
Mais referiu que as facturas nunca eram pagas na totalidade, sendo a gestão e a parte contabilística, quer da impugnante, quer da empresa em nome individual da depoente, assegurada pelo seu ex-marido, o Eng.º J....
Afirmou também que a única funcionária referida no relatório de inspecção tributária, era costureira, pelo que a criação era da exclusiva responsabilidade da depoente, não necessitando de mais nenhum colaborador.
Todas as testemunhas prestaram o respectivo depoimento de forma séria e credível, de forma lógica e coerente, unanimemente relativamente aos factos em discussão, com manifesta razão de ciência, inexistindo motivos que abalem qualquer um dos depoimentos prestados.
No que concerne às declarações de parte, tendo em conta que se reporta aos representantes legais da impugnante, com evidente interesse no desfecho do processo, foram valorados na parte supra mencionada.»

*

Com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial.

Está em causa nos presentes autos a dedutibilidade de gastos com a aquisição de bens e serviços relativos a faturas emitidas pelos fornecedores “W... Unipessoal, Ld.ª”, “V... e L..., Ld.ª” e “C...”. Efetivamente, em sede de ação de inspeção, a AT entendeu que tais faturas eram “falsas”, ou seja, que não consubstanciam operações materiais verdadeiras e efetivas, corrigindo-se o IRC do exercício de 2010, nos termos do art. 23.º do CIRC.


Na sentença recorrida entendeu-se, em síntese, por um lado, que os indícios recolhidos pela AT são suficientemente fortes e credíveis da existência de negócios jurídicos simulados, e por conseguinte, caberia à recorrente o ónus da prova de que foram efetivamente prestados os serviços subjacentes às faturas em causa.

Importa, antes de mais, fazer um enquadramento jurídico da questão.


Nas situações em que as faturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efetiva existência das alegadas transações (cf. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).


Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cf. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT).

Ora, ao contrário do que parece entender a recorrente nas suas conclusões U) a V) das alegações de recurso, a AT também não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cf. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende (cf. nesse sentido, entre outros, acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016 e proc. n.º 0600/15, de 19/10/2016, proc. n.º 511/15).
“ (…) II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” - cf. acórdão do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 600/15.

Por conseguinte, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).

A Autoridade Tributária pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (faturas falsas ou fictícias).

É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspeção”, “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, e diremos que se trata de um poder-dever, considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

Face ao direito supra exposto aplicável ao caso dos autos, importa desde já concluir que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, quando conclui que a AT logrou cumprir com o seu ónus da prova, recolhendo indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais que legitimam a sua atuação.

Efetivamente é de confirmar a sentença recorrida quando conclui que a AT cumpriu com o seu ónus probatório, que aqui passamos a transcrever:
(…)
Analisando, então, o caso concreto, importa apurar se os elementos reunidos pelos SIT constituem indícios sólidos e consistentes da inexistência de transacções verdadeiras e reais.

Os SIT alicerçaram as suas conclusões no relatório de inspecção tributária dado por integralmente reproduzido no facto provado 27), especialmente nos indícios constantes dos factos provados 11) a 16) e 18) a 25), através dos quais, em suma, não aceitaram a dedução de custos para efeitos de IRC das facturas aí descritas, emitidas pelos três fornecedores supra mencionados e registadas na contabilidade da impugnante, por ter constatado, relativamente ao fornecedor W..., essencialmente, falta de estrutura da empresa, a apresentação, como justificativo das operações, de uma proposta de contrato elaborada em nome de outra empresa (W... N..., Ld.ª), empresa esta não declarante em sede de IVA e que iniciou a sua actividade em somente em 22/04/2010, a falta de colaboração com a administração tributária em resposta ao pedido de elementos, o facto dos descritivos das facturas terem a mesma referência e serem pouco pormenorizados, o facto das facturas apenas terem sido pagas parcialmente, os levantamentos dos cheques ao balcão, com a consequente perda do rasto do dinheiro e a inexistência de qualquer prova do pagamento efectivo da correcção de saldos no valor de 237.000,00€, para além de um documento interno da impugnante.
Relativamente à “R...”, “V..., C... & L..., D..., Lda.” ou “V...”, os SIT apuraram, em síntese, que se trata de um sujeito passivo cessado oficiosamente em 31/12/2005, os meios de pagamento utilizados não foram plenamente identificados e justificados, o descritivo das facturas era pouco detalhado, houve falta de colaboração com os SIT, em resposta ao pedido de elementos e a existência de incongruências dos depoimentos dos sócios-gerentes desta empresa.
Em relação a C..., os SIT apuraram, essencialmente, a correcção de saldos no ano de 2010, no valor de 82.188,06€, por crédito na conta 122 – B..., de igual valor, a inexistência de outro documento de suporte desta operação na contabilidade, a apresentação de orçamentos que não se encontram datados nem assinados, nem identificam o destinatário final do produto e a inexistência de outros elementos de suporte das operações.
Ora, os elementos recolhidos, tal como acima descritos, analisados no seu conjunto e tendo em conta das regras da experiência comum permitem, de facto, sustentar a conclusão que os SIT alcançaram, não podendo deixar de concluir-se que lograram carrear para os autos indícios suficientemente fortes e credíveis da existência de negócios jurídicos simulados.
Recolheram, pois, como lhe competia, indícios sérios, consistentes e objectivos de se estar, com uma probabilidade elevada, perante facturação fictícia, não representativa de reais e efectivas operações económicas, cumprindo, assim, o ónus que probatório que incidia sobre a administração tributária.” (destaques nossos).

Efetivamente, tal como se entendeu na sentença recorrida, o conjunto dos elementos obtidos quer internamente na contabilidade da impugnante, quer ainda externamente junto dos emitentes das faturas traduzem uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais que legitimam a atuação da AT.

E como já referimos, ao contrário do que entende a recorrente, a AT também não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório, pelo que, a sentença não enferma de erro de julgamento nesta parte, improcendendo as conclusões U) a V) das alegações de recurso.

Portanto, foram coligidos indícios sólidos e consistes que traduzem uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante faturas que não consubstanciam operações verdadeiras, e, portanto, cessa a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita (art. 75.º da LGT), cabendo-lhe o ónus da prova da realidade das transações, tal como se entendeu na sentença recorrida.

Diverge a recorrente da sentença recorrida no que diz respeito ao entendimento de que o Impugnante não logrou cumprir o seu ónus da prova.


Efectivamente, nesta parte, entendeu-se o seguinte na sentença recorrida:

“ (…) Ora, no caso sub judice, essa prova não foi feita, nem através da prova documental junta com a presente impugnação, nem através da prova testemunhal produzida.
Com efeito, os elementos documentais carreados para os autos pela impugnante e não pondo em causa a existência de uma relação comercial de prestação de serviços com a referida empresa, não permitem demonstrar, especificamente, quais foram os concretos serviços prestados pela W..., que horas de formação foram efectivamente dadas, quando e onde, assim como quais as facturas que os titulam e os concretos meios de pagamento utilizados, relativamente ao exercício de 2010.
Através da prova testemunhal, a impugnante não logrou igualmente concretizar tais serviços em concreto, porquanto as testemunhas ouvidas sobre os correspondentes factos, não puderam precisar essas informações e, como se deixou exposto em sede de motivação da decisão de facto e nos factos provados 8), 9) e 10), tanto as testemunhas, como o seu sócio-gerente frisaram que, nas reuniões mensais realizadas, foram apontadas divergências quanto às horas imputadas pela W... a cada cliente, tendo solicitado a rectificação das horas facturadas em excesso e a emissão das correspondentes notas de crédito, o que não foi feito.
O mesmo sucedeu relativamente aos fornecedores V... ou R... e C..., pois, quanto ao primeiro, não foi carreado para os autos qualquer prova documental para além da constante do processo administrativo e, neste ponto, quer em sede de prova testemunhal, quer em sede de declarações de parte foram prestados depoimentos muito genéricos.
Quanto à segunda, não tendo, através da prova testemunhal e declarações de parte produzidas, identificado em concreto os serviços prestados, mas apenas realçada a expertise da fornecedora para a execução de tais serviços, sem os localizar no tempo e no espaço, não permitiu, a prova produzida, ir além da fundada dúvida quanto à existência efectiva das operações mencionadas nas facturas.
Consequentemente, improcedem, na totalidade, as alegações da impugnante, nada obstando a que o acto impugnado subsista no ordenamento jurídico-tributário.”


A recorrente impugnante não se conforma com o decidido entendendo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, porque deu como provado factos em contradição com a prova testemunhal e com a demais provas efetuadas nos autos, pretendendo que se altere a decisão proferida sobre a matéria de facto nos seguintes termos (conclusões A) a P) das alegações de recurso):


· que se elimine os factos dados como não provado nas alíneas a), b) e c) e que se sejam dados como provados, nomeadamente:

§ que se dê como provado que “A “W...” prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante”;

§ que se dê como provado que “A sociedade “V... & L..., Lda”, “V...” ou “R...” forneceu à Impugnante material publicitário, designadamente folhetos promocionais, flyers e brindes faturados nas faturas n.º 4757 e 4864”;

§ que se dê como provado que “C... prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante”.


Considerando que a recorrente cumpriu integralmente o ónus que sobre si recai nos termos do art. 640.º, n.º 1 e 2 do CPC, cumpre apreciar.

Em primeiro lugar a recorrente pretende que se elimine o facto dado como não provado na alínea a), ou seja, a) A W... prestou, à impugnante, os serviços a que se reportam as facturas referidas em 11”, e que se dê como provado que “A “W...” prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante”.


Efetivamente, invoca a recorrente que ao dar como provados os factos dos pontos 4, 6, 8 e 9, não poderá ser extraída a conclusão de que a “W...” não prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da recorrente (conclusão B) das alegações de recurso). Ou seja, o facto dado como não provado na alínea a) está em contradição com os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 8 e 9 (conclusão C) das alegações de recurso).


Mas sem razão, porque o que se deu como não provado foram os serviços prestados e que são titulados pelas facturas referidas em 11), o que não é incompatível com os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 8 e 9. Na verdade, de tais factos dados como provados apenas se poderá extrair a existência de um acordo de colaboração na área da consultadoria entre a Impugnante e a emitente das facturas, mas não provam de modo algum que os serviços específicos constantes daquelas facturas referidas em 11) foram efetivamente prestados. Portanto, não se verifica a contradição invocada, improcedendo as conclusões B) e C) das alegações de recurso.


A recorrente entende ainda que a prova testemunhal produzida nos autos atesta a efetividade dos trabalhos prestados (conclusão D) das alegações de recurso). E, embora confirmadas algumas divergências quanto às horas faturadas, tal facto não é suficiente para afastar a materialidade das ações desenvolvidas (conclusão E) das alegações de recurso), divergência que é consentânea com a correção de saldos efetuada e dada como provada no ponto 22 (conclusão F) das alegações de recurso). No que diz respeito às declarações de parte invoca a recorrente erro de julgamento ao terem sido desconsideradas (conclusão G), H) das alegações de recurso). Em suma, entende que da conjugação dos depoimentos das testemunhas e das declarações de partes, bem como dos documentos 6-A a 6-I juntos à p.i. e face aos factos dados como provados nos pontos 4, 6, 8 e 9 deveria se ter dado como provado o facto enunciado na conclusão I) das alegações de recurso.


Contudo, não lhe assiste razão.


Reapreciando as passagens dos depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrente Impugnante, e que se encontram transcritas nas alegações de recurso, tais depoimentos manifestamente apenas atestam a existência de uma relação empresarial entre a Impugnante e os seus clientes e a emitente das faturas.


Contudo, tais depoimentos são manifestamente demasiado genéricos, não são aptos a que se dê como provado a realização de cada um dos serviços que as faturas titulam, sendo certo que era essa a prova que importava fazer, de forma cabal, relativamente a cada um dos serviços titulados pelas faturas, não bastanto fazer-se um enquadramento genérico da existência de prestação de serviços.


Efetivamente a testemunha L... afirmou relativamente à “W...” que conhecia a empresa, e confirmou a subcontratação habitual de serviços pela Impugnante, mas não soube exatamente especificar como funcionavam essas relações, justificou a sua incerteza sobre a forma como se desenvolviam essas relações por ser uma “técnica”. Do depoimento resulta uma descrição genérica dos serviços que habitualmente prestavam, afirmando que não sabia precisar as datas em que esteve nas empresas clientes da Impugnante, tal como resulta dos minutos da gravação indicados pela Impugnante. E quanto aos pagamentos dos serviços esta testemunha afirmou que não passava por ela.


De igual modo, o depoimento da testemunha S... também é demasiado genérico, e apenas indica a existência de serviços prestados pela W..., sendo insuficiente para a prova que cumpria fazer, não foram especificados cada um dos serviços em causa nos autos, de molde a determinar as datas, locais, duração, montantes acordados, e pagamento efetuados. A testemunha I... também referiu-se a formações, mas de forma muito imprecisa e genérica, “Diz-me vagamente, mas diz-me. Deram-nos algumas formações, algumas sessões de formação e tive algumas reuniões”.


É insuficiente apurar-se que a Impugnante subcontratava serviços para os seus cliente e que a emitente das faturas tinha uma relação empresarial com a Impugnante e que eram prestados “serviços” como afirmaram as testemunhas, pois o que importava provar é a prestação efetiva de cada um dos serviços, em cada um dos dias da sua prestação, a sua duração efetiva indicando-se dias e horas, identificar concretamente quem foram as pessoas que os prestaram e aonde, identificar o mais concretamente as matérias constantes de cada ação de formação, para que se pudesse apurar da veracidade, não só da sua efetiva prestação, mas dos valores que alegadamente lhe são imputados e que constam das faturas. Ou seja, a prova que cumpria fazer deveria ter um grau de certeza, precisão e detalhe elevado, porque, repare-se, os cheques referentes aos pagamentos das faturas que foram analisados junto da contabilidade da Impugnante, para além do mais, levantam indícios muito fortes e consistentes de operações simuladas.


Efetivamente, repare-se que os cheques passados pela Impugnante para o pagamento dos alegados serviços prestados e que constam das faturas ora em causa foram emitidos à ordem, e encontram-se todos assinados no verso (cf. ponto III.1.1.2. do relatório de inspeção), o que significa que os montantes foram levantados de imediato, o que coloca em causa o destinatário efetivo dessas quantias que são incertos. Por outro lado, e ainda quanto aos montantes desses cheques, sublinhe-se que alguns deles são no montante exato do IVA que deveria ser entregue ao Estado relativamente ao valor da fatura emitida, ou seja, não foi emitido no valor total da fatura, mas tão-somente o respetivo IVA que seria devido (cf. ponto III.1.2.3. do relatório de inspeção).


Ora, os concretos depoimentos das testemunhas indicados pela Impugnante não são aptos à prova da materialidade das operações, face aos indícios consistentes que foram apurados, designadamente, indícios externos, no que diz respeito à atuação da emitente da fatura que indicia a probabilidade séria de ser emitente de faturas falsas, e indícios internos, que abrangem a contabilidade e documentos da própria Impugnante.


Em suma, a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para que se dê como provado o facto pretendido pela recorrente, improcedendo as conclusões D) a I) das alegações de recurso.


Deste modo, e conforme supra exposto, ao contrário do que entende a recorrente não se encontra provada a materialidade das operações tituladas pelas faturas emitidas por este fornecedor improcedendo a conclusão S) e W) das alegações de recurso.


Outro facto que a recorrente entende que se deve dar como provado é o seguinte: “A sociedade “V... & L..., Lda”, “V...” ou “R...” forneceu à Impugnante material publicitário, designadamente, folhetos promocionais, flyers e brindes faturados nas faturas n.º 4757 e 4864”.


Tal facto, na perspetiva da recorrente deve ser dado como provado com base nas declarações de parte prestadas por “J...”, conjugados com os documentos 9 a 10 juntos à p.i. (conclusão j) das alegações de recurso).


Contudo, sem razão.


Na verdade, as declarações do sócio gerente da Impugnante, J..., também não é suficiente para que se possa dar como provado o facto pretendido pela Impugnante, porque, por um lado, não provam os serviços específicos em causa, data da sua realização, local e duração, e por outro lado, estando em causa “faturas falsas”, facilmente se compreenderá a fragilidade das suas declarações sendo parte interessada nos autos, para a prova que cabia fazer, e portanto é manifesto que, de per se, não se poderá dar como provado aquele facto com base no depoimento de parte quando o que está em causa a desconsideração da materialidade de operações que se encontram suportadas por prova documental. Mas sobretudo, importa atender à valoração conjunta de toda a prova constante dos autos aquele facto não poderia ser dado como provado.


Efetivamente, importa atender que, por um lado a emitente das faturas tem atividade cessada desde 2005, não tendo estrutura para realizar as operações faturadas, sendo as faturas emitidas em 2010.


Detalhando um pouco mais, apreciando toda a prova, temos que, já em tribunal a Impugnante apresentou os versos dos cheques relativos à fatura n.º 4864 de 18/02/2010, no valor total de 12.660,00€. Contudo, um dos cheques tem por valor exato o IVA referido na fatura (ou seja, 2.110,00€ corresponde ao IVA dessa fatura), este é o único cheque que não se encontra assinado no verso, quando aos outros 2 cheques no valor do serviço que consta dessa fatura (no valor de 10.550,00€) estes encontram-se assinados no verso, o que coloca em dúvida quanto aos efetivos beneficiários dessa quantia, e juntamente com o depósito efetivo do valor do IVA, a materialidade da operação não se encontra minimamente provada.


Por outro lado, quanto à fatura n.º 4757, no montante de 27/01/2010, no valor de 7.500,00€ mais 1.500€ de IVA (9.000,00€), apesar de a Impugnante ter junto um orçamento feito pela fornecedora, do qual consta o material e valores detalhados, não existe na contabilidade da Impugnante qualquer meio de pagamento associado à essa fatura. Em sede da presente Impugnação foi junto um cheque no valor de 9.000,00€, contudo esse cheque encontra-se assinado no verso, o que mantém a dúvida quanto a materialidade da operação porquanto desconhece-se o efetivo beneficiário desse montante.


Em suma, a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para que se dê como provado o facto pretendido pela recorrente, improcedendo a conclusão J) das alegações de recurso.


Deste modo, ao contrário do que entende a recorrente não se encontra provada a materialidade das operações tituladas pelas faturas emitidas por este fornecedor improcedendo a conclusão S) e W) das alegações de recurso.


Finalmente pretende ainda que se dê como provado o seguinte facto: “C...” prestou os serviços que se encontram registados na contabilidade da Impugnante”.


Entende a recorrente que, por um lado, o facto dado como não provado na alínea b) está em contradição com o facto provado no ponto 17, e por outro lado, foram desconsiderados os documentos 11 a 13 juntos à p.i., bem como esse facto foi provado pelo testemunho de “V...”, e pelas declarações de “C...”, e de “J...” (conclusões K) a R) das alegações de recurso).


Ora, não se verifica o erro de julgamento assacado.


Desde logo, não se verifica a contradição entre o facto não provado e o ponto 17 do probatório, porque o que resulta provado nesse ponto é que aquela emitente das faturas em causa desenvolveu projetos na área de clientes da Impugnante, porém o que importava provar é que aqueles serviços em concreto, que as faturas titulam, foram efetivamente prestados, e por aqueles valores que constam das faturas, e para tanto, cumpria à Impugnante fazer uma prova detalhada e densificada das circunstâncias concretas em que aquela prestação ocorreu, bem como das condições em que se efetuou o pagamento efetivo, o que não logrou fazer.


Efetivamente, os depoimentos indicados pela recorrente, não são suficientes para que se possa dar como provado o facto pretendido pela Impugnante, porque, apesar de indiciarem que “C...” poderia fazer alguns serviços para a Impugnante, é preciso não olvidar que esta era sócia-gerente da Impugnante, e a verdade é que aquele serviço em concreto, ao preço faturado, fica colocado em causa, quando é a própria que em declarações ao tribunal admite que os valores nem sequer eram pagos na totalidade pela Impugnante porque esta era gerida pelo seu marido que acabava por gerir a própria empresa em nome individual da mulher, emitente da fatura. Aliás, o depoimento de “J...” marido da “C...” confirmou que nem sempre lhe pagaria a totalidade dos valores faturados.


No que diz respeito ao depoimento de “V...” este foi muito impreciso, expressamente disse que não sabia concretizar em concreto os serviços prestados pela Impugnante em 2010, mais afirmou que não tinha a certeza que a “C...” teria sido a responsável pelo serviço prestado, nem sequer afirmou ter a certeza que aquela trabalhava para a Impugnante. Portanto, não se estabeleceu clara e inequivocamente que os serviços titulados pela fatura em causa, tenham sido efetivamente prestados, mas tão-somente que a Impugnante prestava serviços à sociedade “S...”.


De igual modo, os documentos 11, 12 e 13 referidos pela recorrente que foram desconsiderados pela sentença recorrida, também não são suficientes para a prova cabal de que os serviços em causa tenham sido efetivamente prestados. Na verdade, o documento 11 é uma “requisição da C...” assinada pelo seu gerente “J...”, o documento 12 é um proposta de trabalho emitida por “C...”, e o documento 13 é orçamento para a realização de serviço no valor de 15.000€. Portanto, tais documentos, não são aptos a provar a materialidade da operação, poderiam coadjuvar a essa prova, porém, a falta de correspondência do pagamento dessa fatura e demais indícios apurados não permitem concluir nesse sentido, ou seja, atendendo à valoração conjunta de toda a prova constante dos autos aquele facto não poderia ser dado como provado.


Efetivamente, a “C...” é sócia gerente da Impugnante e exerce uma atividade com o CAE 047593. No exercício de 2010, em causa nos autos, está uma fatura de 25/06/2010, no valor de 12.500€,00, mais IVA de 2.500,00€ (total 15.000,00€), com a descrição “quarto criança – €6.250,00” e “quarto casal €6.250,00”. Ora, a emitente da fatura, sublinhe-se, que também é sócia gerente da Impugnante, não tem qualquer estrutura empresarial que lhe permitissem realizar a operação faturada. Por outro lado, no exercício de 2010 a AT apurou a contabilização de “supostos pagamentos” a “C...” no valor total de 145.028,06€, sendo que 62.740,00€ se funda num extrato bancário, 100€ sem documentação, e 82.188,06 num documento interno, ou seja, não se apurou o efetivo recebimento dessas quantias. Ora, ainda que posteriormente, ainda em sede de ação de inspeção “C...” tivesse junto documentos referentes a 41 transferências bancárias entre 11/06/2010 a 23/12/2010, no valor total de 26.470,00€, a verdade é que nenhum dos valores e datas coincide com o da fatura em causa, apenas a transferência ocorrida em 03/08/2010, no valor de 2.500€, coincide com o valor do IVA devido pela emissão dessa fatura. Portanto, todos estes elementos coligidos pela AT são consistentes com a existência de prestação de serviços fictícia, não tendo a Impugnante logrado provar a materialidade dessa operação.


Em suma, a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para que se dê como provado o facto pretendido pela recorrente, improcedendo as conclusões K) a P) das alegações de recurso.


Deste modo, ao contrário do que entende a recorrente não se encontra provada a materialidade das operações tituladas pelas faturas emitidas por este fornecedor improcedendo a conclusão Q), R), T) e W) das alegações de recurso.


Pelo exposto, improcedem in totum as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.


Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Coligidos indícios sólidos e consistentes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante faturas que não consubstanciam operações verdadeiras, cessa a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita (art. 75.º da LGT), cabendo-lhe o ónus da prova da realidade das transações.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


****


Custas pela recorrente.

Conforme requerido nos autos informes da prolação do presente acórdão o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Criminal de Leiria – Juiz 2, proc. n.º 1/15.4IDLRA.

D.n.

Lisboa, 28 de janeiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.