Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05697/12
Secção:CT - 2.º JKUÍZO
Data do Acordão:06/26/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
REGIME DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA.
QUESTÕES NOVAS.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. É o artº.42, nº.1, da L.G.T., que prevê a possibilidade do contribuinte requerer o pagamento da dívida tributária em prestações, caso não a possa cumprir integralmente e de uma só vez. No artº.86, do C.P.P.T., prevê-se a possibilidade de o pagamento em prestações ser requerido antes da instauração da execução fiscal. Por sua vez, no artº.196 e seguintes do C.P.P.T., estabelece-se o regime do pagamento em prestações requerido após a instauração do processo de execução fiscal. Mais se dirá que o pagamento em prestações apenas pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do artº.85, nº.3, do C.P.P.T., assim devendo considerar-se um regime com características excepcionais.
4. A nossa jurisprudência, repetidamente, vem afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição. Apesar disso, o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário).
5. Não constando do processo quaisquer elementos probatórios que permitam saber se o princípio da cooperação foi ou não levado em consideração pelo órgão de execução fiscal ao decidir o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda apresentado devem realizar-se diligências probatórias (v.g.prova testemunhal) nesse sentido, afigurando-se tal indagação como indispensável à boa decisão da causa, após o que se deverá estruturar nova sentença pelo Tribunal “a quo”, na qual, além do mais, se decida o mérito da causa de pedir a que se tem vindo a aludir e que é sustentada pelo recorrente, pelo que se verifica uma situação de défice instrutório, devendo ordenar-se a baixa dos autos ao abrigo do artº.712, nº.4, do C. P. Civil.

O relator
Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“A...- EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.55 a 62 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº.2232-2011/105166.0, o qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, tendo por objecto despacho que, relativamente ao seu pedido de pagamento da quantia exequenda em prestações, fixou o número de prestações em seis.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.78 a 88 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-No mesmo dia em que apresentou o requerimento de pagamento em prestações, na origem do despacho reclamado;
2-A recorrente pagou junto do mesmo órgão de execução fiscal, no 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, a quantia de € 420.000,00, tendo pago 4 dias depois a quantia de € 339.711,59;
3-Pelo que, a ora recorrente, entregou no 1º. Serviço de Finanças Setúbal, em 4 dias, a quantia de € 759.711,59;
4-Constituem factos notórios, a necessidade que o Estado português tem de obter receitas, face à conjuntura actual e a importância primacial dada nos serviços de finanças ao recebimento de impostos, designadamente, às cobranças em execução fiscal;
5-Razão pela qual, resulta evidente que a ora recorrente não é um contribuinte anónimo, sendo manifesto que estamos perante um contribuinte cuja existência e situação económica é por demais bem conhecida, pelos responsáveis do 1º. Serviço de Finanças de Setúbal;
6-O requerimento de pagamento em prestações entregue e que foi aceite, e os dois pagamentos efectuados num período de 4 dias, no valor de € 759.711,59, permitem presumir que o foram, na sequência de contactos havidos com os responsáveis do 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, tal como alegado pelo ora recorrente no ponto 5 da p. i.;
7-Na óptica da recorrente, seria de presumir que, tal como alegado pela ora recorrente, que havia sido acordado o pagamento da dívida no prazo máximo legalmente admissível de 36 prestações;
8-Tanto mais que, em 25/11/2011, a ora recorrente requereu a correcção do despacho inicial, porquanto julgou estar perante um lapso de escrita. E;
9-Ainda que dúvidas restassem, sempre seria de ouvir, pelo menos a Sra. Chefe de Finanças Adjunta do 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, à data responsável pelas Execuções Fiscais, arrolada como testemunha;
10-Acresce que, em 23/11/2011, foi proferido despacho pelo Exmo. Sr. Chefe de Divisão de Justiça Tributária de Setúbal, em que se refere expressamente: “No caso concreto o valor do rácio de liquidez imediata é de 0,008 o que permite concluir que o sujeito passivo não tem capacidade financeira para fazer face às suas DÍVIDAS DE CURTO PRAZO”;
11-A reclamação na origem dos presentes autos foi remetida para o 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, por carta registada, em 19/12/2011;
12-Pelo que, pelo menos a partir do conhecimento do despacho referido em 16, tal situação económica sempre seria do seu conhecimento dos responsáveis pelas Execuções Fiscais. E;
13-Tal conhecimento já havia ocorrido, de forma inilidível na data de entrada da reclamação na origem dos presentes autos;
14-Facto que deveria ter sido levado ao probatório, porquanto como adiante se demonstrará, pelo menos, depois da entrada da reclamação, o ato reclamado deveria ser revogado pelo seu autor;
15-Assim, a douta sentença recorrida preconizou uma errónea apreciação da matéria de facto, padecendo também, pelo ora exposto, de erro na apreciação da prova, não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica;
16-O despacho reclamado tem de se considerar indevidamente fundamentado, pois, nada consta do mesmo despacho, nem tão pouco do despacho que o manteve, acerca das razões da opção por 6 prestações, permitindo a lei que o número de prestações seja fixado entre 2 e 36 prestações;
17-Cabe à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, se não conseguir fazer essa prova, designadamente a da realidade dos elementos em que apoiou o seu juízo ou a da adequação entre esses elementos e o juízo que formulou, a questão relativa à legalidade do seu agir terá que ser resolvida contra ela (neste sentido, vide, o Acórdão do STA, de 24/04/02, proferido no Recurso nº.102/02, in, www.dgsi.pt);
18-Para que o ato se considere fundamentado, é necessário que perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante desse ato, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido (neste sentido, vide, Acórdãos do Pleno da 1a Secção do STA, de 28/05/87 e 11/05/89, citados pelos Conselheiros. S. Botelho, P. Esteves e C. Pinho, in, CPA Anot. e Com., 5e ed., 715, citados no Acórdão desse TCA Sul de 27-05-2008, proferido no Recurso n° 02111/07, in, www.dgsi.pt);
19-Assegurando-se assim a dupla finalidade, visada pela lei e pela própria CRP (artigo 268, nº.3), de acautelar, por banda da Administração, a adequada reflexão na decisão a proferir e, por parte do administrado, uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de uma tal decisão (neste sentido, vide, Acórdão do Pleno do STA, de 21-03-91, citado no Acórdão do TCA Sul de 27-05-2008);
20-Não só não se acautelou a adequada reflexão na decisão a proferir por parte da Administração Tributária, como não foi permitida à ora recorrente uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de tal decisão;
21-Assim, o ato ora em crise, padece de vício de forma por falta de fundamentação, pelo que pelo ora exposto, a sentença de 1ª. Instância, ao decidir em sentido contrário, não pode permanecer na ordem jurídica;
22-O conhecimento da situação económica e financeira da reclamante por parte dos responsáveis do 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, resulta amplamente demonstrado;
23-A ora recorrente fez prova de que a sua situação económica e financeira não permitia o pagamento da dívida na origem dos presentes autos em 6 prestações mensais, sendo o próprio Chefe de Divisão de Justiça Tributária de Setúbal que o afirma em documento junto aos autos;
24-Tal prova resulta, sem margem para dúvidas, ainda no processo executivo, se não antes, pelo menos a partir do conhecimento do despacho referido no ponto anterior, pelos responsáveis das Execuções Fiscais. E;
25-Pelo que, nos termos do artº.277, nº.2, do CPPT, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da reclamação, o órgão de execução fiscal sempre deveria ter revogado o ato;
26-Para além de que, em face de um requerimento em que não constava o número de prestações pretendidas, nos termos dos nºs.1 e 2, do artº.76, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a requerente deveria ter sido convidada a suprir tal deficiência;
27-O que se ainda não tivesse sido feito, deveria ter sido determinado pelo autor do ato reclamado, nos termos do artº.19, do CPPT (neste sentido, vide Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, in, Código do Procedimento... p. 297);
28-Não só não foi convidada a requerente a suprir tal falta, como não foi atendido a sua correcção espontânea, efectuada mediante o pedido de correcção do despacho original;
29-Ainda que se entenda que o pedido de pagamento em prestações por se enquadrar no processo de execução fiscal, se insere no âmbito de processo judicial, sempre seria de aplicar as regras do CPC, que constitui a lei subsidiária em sede de processo de execução fiscal, como decorre da alínea e), do artº.2, do CPPT;
30-Pelo que se impunha que o órgão de execução fiscal, agindo aqui como auxiliar na prossecução da justiça, respeitasse o princípio da colaboração do tribunal com as partes, na sua vertente de prevenção, ou seja, cumprisse o dever de prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (artº.508, nºs.1, alínea b), e 2, do CPC), neste sentido, vide, o Acórdão do TCA Norte de 17/11/2011, proferido no Recurso n° 00355/11.1BEVIS;
31-Mais, a tal obrigava o princípio da colaboração, a que a Administração Tributaria se encontra vinculada na sua atuação com os contribuintes (artº.59, da LGT);
32-Acresce que, nas suas relações com os contribuintes, a Administração Fiscal actua vinculada ao princípio da proporcionalidade que a impede de afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (artº.266, nº.2, da CRP, artº.5, nº.2, do CPA, e artº.55, da LGT);
33-Não permitir o pagamento no número máximo de prestações, em face de todo o exposto, mostra-se desnecessário, impondo um sacrifício à recorrente não adequado nem proporcional;
34-Assim por todo o exposto, o despacho reclamado é ilegal e padece de vício de falta de fundamentação, pelo que a reclamação sempre deveria ter procedido, padecendo a douta sentença recorrida de erro de julgamento e não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica;
35-Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, sendo revogada a douta sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, revogado o despacho reclamado e ordenada a correcção do número prestações para as 36 requeridas, com todas as consequências legais daí advindas.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.108 a 110 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.56 a 58 dos autos):
1-Em 9/6/2011, no âmbito da execução fiscal nº.2232-2011/105166.0, a correr termos no 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, para cobrança coerciva de dívidas fiscais de I.R.C. do ano de 2009 e juros de mora, foi a reclamante citada para proceder ao pagamento da quantia exequenda no montante de € 45.179,93 (cfr.documentos juntos a fls.2 e verso do processo de execução fiscal apenso);
2-Em 11/7/2011, a reclamante apresentou requerimento a solicitar o pagamento da dívida do referido processo executivo em prestações, tendo deixado por preencher os espaços destinados à indicação da motivação para o pedido, do número de prestações solicitado, e da garantia idónea oferecida (cfr.documento junto a fls.3 do processo de execução fiscal apenso);
3-Por informação datada de 24/10/2011, foi proposto o deferimento do pedido referido no número antecedente, em 6 prestações, constando na mesma informação que: “Oferece como garantia idónea: hipoteca legal constituída em 29/06/2011 sobre os automóveis 97-63-SG, 87-AV-06 e 50-91-TX; hipoteca legal constituída em 29/06/2011, sobre os prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de S. Sebastião, concelho de Setúbal sob os artigos 16657, fracção CQ e 14929, fracção N (esta última provisória por dúvidas que aguardam remoção.” Sendo ainda referido que: “O executado não beneficiou, anteriormente, de plano de pagamento em prestações no (s) processo(s)” e que: “Nos termos do nº.2, do arº.42, da L.G.T., e do nº.2, do artº.196, do C.P.P.T., não são permitidos pagamentos em prestações, sem prejuízo da parte final do nº.2, e dos nºs.3 e 4. do artº.196, do C.P.P.T.” (cfr.documento junto a fls.40-verso do processo de execução fiscal apenso);
4-Sobre a referida informação recaiu despacho de concordância do órgão de execução fiscal, datado de 9/11/2011 (cfr.documento junto a fls.40 do processo de execução fiscal apenso);
5-Por ofício datado de 10/11/2011, foi a reclamante notificada de que o seu pedido havia sido autorizado, por despacho de 9/11/2011, em 6 prestações mensais, no valor de € 6.160,65; que o valor da quantia exequenda corresponde a € 36.936,92; e que o valor da garantia ascende a € 45.300,85, devendo no prazo de 15 dias apresentar garantia idónea nesse valor ou requerer isenção da prestação de garantia (cfr.documentos juntos a fls.44 e verso do processo de execução fiscal apenso);
6-Em 25/11/2011, a reclamante requereu que seja considerada garantia idónea o imóvel penhorado no processo, cujo valor patrimonial afirma ser superior ao valor da garantia exigida, requerendo ainda que o despacho de 9/11/2011 seja corrigido em virtude de “(...) no mesmo serem indicadas apenas 6 (seis) prestações mensais, quando deveriam constar 36 (trinta e seis)” (cfr.documento junto a fls.51 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 30/11/2011, o órgão de execução fiscal proferiu despacho com o seguinte teor: “(...) decido manter o despacho anterior, já que a executada não indica no seu requerimento o número de prestações que pretende, e o artº.196, do C.P.P.T. prevê que a dívida será divisível em número de prestações situado entre 2 e 36, cabendo ao órgão de execução decidir.” (cfr.documento junto a fls.53 do processo de execução fiscal apenso);
8-Tal despacho foi notificado à reclamante em 7/12/2011 (cfr.documento junto a fls.13 dos presentes autos; documentos juntos a fls.54 e verso do processo de execução fiscal apenso);
9-A presente reclamação foi remetida ao 1º. Serviço de Finanças de Setúbal por carta registada em 19/12/2011, tendo dado entrada a 22/12/2011 (cfr.documento junto a fls.46 dos presentes autos; documento junto a fls.55 do processo de execução fiscal apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem outros factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório…”.
X
Levando em consideração que a factualidade em análise nos presentes autos se baseia em prova documental, este Tribunal julga provada mais a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-Em 23/11/2011, no âmbito do processo de execução fiscal nº.2232-2011/109220.0, o qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Setúbal, no mesmo surgindo como executado a sociedade reclamante, “A...- Empresa de Trabalho Temporário, S.A.”, com o n.i.p.c. 503 021 210, e visando a cobrança coerciva de dívidas de I.V.A. no valor global de € 382.533,01, foi exarado despacho pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da D.F.Setúbal, no qual se refere, além do mais, o seguinte:
“(…) veio a executada (…) peticionar o pagamento da dívida no maior número de prestações mensais possível, por não dispor de capacidade económica para a solver de uma só vez.
(…) Para determinar a capacidade financeira de uma empresa para poder fazer face aos seus compromissos de curto prazo utilizam-se os rácios de liquidez.
(…) No caso concreto o valor do rácio de liquidez imediata é de 0,008 o que permite concluir que o sujeito passivo não tem capacidade financeira para fazer face às suas dívidas de curto prazo.
(…) Autorizo o pagamento das dívidas de I.V.A. em 12 prestações mensais e sucessivas, nos termos do disposto no artº.196, nºs.1 e 4, do C.P.P.T. (…)”.
(cfr.documento junto sob o nº.6 com a p.i. a fls.19 a 22 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo ora recorrente, dado que o despacho reclamado não padece do vício de falta de fundamentação que lhe é assacado e assim devendo ser mantido.
X
O recorrente discorda do decidido sustentando em primeiro lugar, como supra se alude, que, em 23/11/2011, foi proferido despacho pelo Exmo. Sr. Chefe de Divisão de Justiça Tributária de Setúbal, em que se refere expressamente: “No caso concreto o valor do rácio de liquidez imediata é de 0,008 o que permite concluir que o sujeito passivo não tem capacidade financeira para fazer face às suas DÍVIDAS DE CURTO PRAZO”. Que tal facto deveria ter sido levado ao probatório, porquanto como adiante se demonstrará, pelo menos, depois da entrada da reclamação, o ato reclamado deveria ser revogado pelo seu autor. Assim, a douta sentença recorrida preconizou uma errónea apreciação da matéria de facto, padecendo também pelo ora exposto de erro na apreciação da prova, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica (cfr.conclusões 10 a 15 do recurso), com base em tais razões pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Antes de mais, refira-se que este Tribunal aditou à factualidade provada o nº.10 consignado acima, para onde se remete.
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Especificamente no processo de reclamação de acto de órgão de execução fiscal, com o regime processual previsto nos artºs.276 a 278, do C.P.P.T., mesmo a admitir-se a possibilidade de produção de prova testemunhal por força do disposto no artº.116, do mesmo diploma, este por aplicação subsidiária dos normativos relativos à impugnação judicial, que constituem o regime paradigma no processo judicial tributário, no caso dos autos, nem assim poderia ter ocorrido a apontada nulidade processual, já que a norma do artº.113, nº.1, do C.P.P.T., quando ao juiz se afigurar que logo pode conhecer do pedido, sem a necessidade da produção de quaisquer outras provas, não exige que tal ajuizamento desse conhecimento imediato tenha de ser notificado às partes.
No caso concreto, passemos ao exame do dito erro de julgamento da matéria de facto, o qual o recorrente reconduz à factualidade constante da conclusão 10ª do recurso.
Ora, apesar de tal matéria de facto revelar natureza conclusiva e instrumental face à decisão da causa(1)mesma já se encontra aditada no nº.10 do probatório.
Efectuando, agora, a apreciação da prova produzida no processo deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que no seu pedido apresentado em 11/7/2011 (cfr.nº.2 da matéria de facto provada), a recorrente não só não indicou, expressa e formalmente, o número de prestações pretendido, como também não adiantou quaisquer elementos sobre a sua condição económica e financeira, de modo a permitir que o órgão de execução fiscal pudesse ponderar da necessidade do seu cumprimento em prazo mais alargado. E não o fez nesse momento, nem o fez posteriormente, quando em 25/11/2011 manifestou concretamente que a autorização pretendida era a de que o pagamento fosse efectuado em 36 prestações (cfr.nº.6 do probatório). Isto, independentemente do conhecimento que o órgão de execução fiscal possua sobre essa condição económica e financeira, a propósito de eventual informação relativa a outros processos. A este desígnio deve recordar-se a velha máxima latina “quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos não existe no mundo).
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Mais aduz o recorrente que o despacho reclamado tem de se considerar indevidamente fundamentado, pois, nada consta do mesmo despacho, nem tão pouco do despacho que o manteve, acerca das razões da opção por 6 prestações, permitindo a lei que o número de prestações seja fixado entre 2 e 36 prestações, pelo que padece de vício de forma por falta de fundamentação e a sentença de 1ª. Instância, ao decidir em sentido contrário, não pode permanecer na ordem jurídica (cfr.conclusões 16 a 21 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
Mais se dirá que para apurar se um despacho está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11).
“In casu”, examinemos rapidamente o regime de pagamento em prestações da dívida tributária.
É o artº.42, nº.1, da L.G.T., que prevê a possibilidade do contribuinte requerer o pagamento da dívida tributária em prestações, caso não a possa cumprir integralmente e de uma só vez.
No artº.86, do C.P.P.T., prevê-se a possibilidade de o pagamento em prestações ser requerido antes da instauração da execução fiscal. Por sua vez, no artº.196 e seguintes do C.P.P.T., estabelece-se o regime do pagamento em prestações requerido após a instauração do processo de execução fiscal. Mais se dirá que o pagamento em prestações apenas pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do artº.85, nº.3, do C.P.P.T., assim devendo considerar-se um regime com características excepcionais.
Do exame do citado artº.196, do C.P.P.T. (redacção resultante da Lei 3-B/2010, de 28/4 - OE de 2011, a aplicável ao caso “sub judice”), deve concluir-se que, quando o devedor demonstre a sua impossibilidade económico-financeira de solver a dívida exequenda de uma só vez, poderá ser autorizado a pagar a mesma em prestações, num número máximo de trinta e seis (36), mais não devendo ser cada prestação de valor inferior a uma U.C. (€ 102,00). Já no caso de dívidas superiores a 500 U.C., se o sujeito passivo demonstrar a impossibilidade de pagar as prestações mensais resultantes da divisão por 36 do imposto em dívida ou que tal pagamento comprometeria gravemente a sua situação económica (v.g.pondo em risco a continuidade da sua actividade empresarial), pode o pagamento em prestações ser autorizado até um máximo de sessenta (60) prestações, desde que estas não resultem inferiores a dez U.C. em cada prestação. Ao montante da dívida de capital incluída em cada prestação acrescerão os respectivos juros de mora, vencidos até à data em que cada pagamento deva ter lugar (cfr.Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.56 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, III, pág.398 e seg.).
No caso concreto, os despachos sob análise (cfr.nºs.2, 3, 4 e 7 da matéria de facto provada) devem considerar-se devidamente fundamentados de acordo com as exigências legais, assim se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”.
Expliquemos porquê.
De acordo com o disposto no artº.198, nº.1, do C.P.P.T., no requerimento para pagamento da dívida exequenda em prestações o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta. Conforme mencionado supra, a reclamante não só não indicou a forma como se propunha efectuar o pagamento, como não indicou os fundamentos para o seu pedido. Ainda assim, apesar da evidente irregularidade do pedido apresentado, este foi apreciado, sendo proferida decisão no sentido de autorizar o pagamento em seis prestações, mais se tendo baseado o despacho reclamado no regime previsto, além do mais, no citado artº.196, do C.P.P.T.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente mais este fundamento do recurso.
Por último, aduz o recorrente que em face de um requerimento em que não constava o número de prestações pretendidas, nos termos dos nºs.1 e 2, do artº.76, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), a requerente deveria ter sido convidada a suprir tal deficiência. O que se ainda não tivesse sido feito, deveria ter sido determinado pelo autor do acto reclamado, nos termos do artº.19, do C.P.P.T. Que se impunha que o órgão de execução fiscal, agindo aqui como auxiliar na prossecução da justiça, respeitasse o princípio da colaboração do Tribunal com as partes, na sua vertente de prevenção, ou seja, cumprisse o dever de prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos. Mais, a tal obrigava o princípio da colaboração, a que a Administração Tributaria se encontra vinculada na sua actuação com os contribuintes (artº.59, da L.G.T.). Acresce que, nas suas relações com os contribuintes, a Administração Fiscal actua vinculada ao princípio da proporcionalidade que a impede de afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (artº.266, nº.2, da C.R.P.; artº.5, nº.2, do C.P.A.; e artº.55, da L.G.T.). Pelo que, não permitir o pagamento no número máximo de prestações, em face de todo o exposto, mostra-se desnecessário, impondo um sacrifício à recorrente não adequado nem proporcional (cfr.conclusões 26 a 34 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Na análise do presente fundamento do recurso começará por constatar-se que a recorrente aduz que face a um requerimento em que não constava o número de prestações pretendidas, nos termos dos nºs.1 e 2, do artº.76, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), a requerente deveria ter sido convidada pela A. Fiscal a suprir tal deficiência. O que se ainda não tivesse sido feito, deveria ter sido determinado pelo autor do acto reclamado, nos termos do artº.19, do C.P.P.T.
O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.272, do C.P.Civil), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
No caso “sub judice”, conforme se retira do exame da p.i. que originou o presente processo, deve concluir-se que o fundamento de recurso ora sob apreciação (o convite da reclamante a suprir deficiência do requerimento inicial, efectuado pela A. Fiscal, ao abrigo dos artºs.76, nºs.1 e 2, do C.P.A., e 19, do C.P.P.T.), constitui questão que não foi invocada na petição inicial pelo que não pode ser agora apreciada, já que também não é de conhecimento oficioso. Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada.
Concluindo, a recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.
Alega, igualmente, a recorrente que se impunha que o órgão de execução fiscal, agindo aqui como auxiliar na prossecução da justiça, respeitasse o princípio da colaboração do Tribunal com as partes, na sua vertente de prevenção, ou seja, cumprisse o dever de prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos, a tal obrigando também o princípio da colaboração, a que a Administração Tributaria se encontra vinculada na sua actuação com os contribuintes (artº.59, da L.G.T.).
É o citado artº.59, nº.1, da L.G.T., que consagra o dever de colaboração recíproco entre a A. Fiscal e os contribuintes. O princípio da colaboração da Administração Pública, em geral, com os particulares já resulta do artº.7, do C.P.A. No processo civil, o princípio da colaboração encontra-se enunciado no artº.266, nº.1, do C.P.Civil.
O pedido de colaboração deve ser adequado à satisfação das necessidades do procedimento tributário, o que implica que deva ter em vista o esclarecimento de factos que sejam relevantes para a instrução e decisão do procedimento, que deva respeitar a factos que sejam do conhecimento da pessoa a quem a colaboração é pedida e que não haja forma menos onerosa para obter tal esclarecimento. Enuncia o artº.59, nº.3, da L.G.T., um leque de deveres de informação concretos que oneram a A. Fiscal e são relativos a contribuintes intervenientes em procedimentos tributários pendentes (cfr.Diogo L. Campos e Outros, L.G.T. comentada e anotada, Vislis Editores, 3ª. edição, 2003, pág.274 e seg.).
É este o regime vigente no âmbito do procedimento tributário, que não do processo judicial tributário, como é o processo de execução fiscal (cfr.artº.103, da L.G. Tributária), assim não tendo aplicação no caso “sub judice”.
No processo judicial tributário justifica-se a aplicação do princípio da colaboração que se encontra enunciado no citado artº.266, nº.1, do C.P.Civil, pois vale a mesma razão que o justifica no processo civil, que é a de procurar evitar que as partes deixem de fazer valer os seus direitos por deficiências ou irregularidades formais ou processuais.
No caso concreto, conforme consta de informação prestada pela Chefe de Finanças Adjunta Maria Luciana Luciano (cfr.fls.83 a 85 do processo de execução apenso) a decisão do requerimento apresentado pela reclamante com vista ao pagamento em prestações da dívida exequenda terá, alegadamente, levado em consideração a vontade da mesma sociedade, verbalmente expressa pelo Sr. Sebastião Caeiro, TOC da empresa. Mais se constata que os citados Maria Luciana Luciano e Sebastião Caeiro foram arrolados como testemunhas pela recorrente no final da p.i. que originou o presente processo. Ora, os depoimentos destas pessoas afiguram-se importantes para esclarecer até que ponto o examinado princípio da cooperação foi levado em consideração ou, pelo contrário, foi violado pelo órgão de execução fiscal ao decidir o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº.2232-2011/105166.0.
A aludida violação do princípio da cooperação foi alegada pela sociedade reclamante nos artºs.63 a 65 da p.i. que originou os presentes autos.
Examinemos, agora, se este Tribunal deve anular parcialmente a sentença recorrida, por défice instrutório, nos termos do artº.712, nº.4, do C. P. Civil, atento o acabado de mencionar e dado que do presente processo não constam todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal “ad quem” no que diz respeito à mencionada violação do princípio da cooperação.
Na perspectiva da finalidade do recurso, três sistemas se podem configurar: o sistema de substituição, o sistema de cassação e o sistema intermédio.
No sistema de substituição, o Tribunal “ad quem”, se der razão ao recorrente, substitui a decisão impugnada por aquela que lhe pareça correcta, ou seja, por aquela que devia ter sido logo proferida pelo Tribunal “a quo”, quer perante a matéria de facto apurada ou que deva considerar-se como provada no processo, quer perante o quadro legal que, nas circunstâncias, reclamasse aplicação. No processo civil português o sistema de substituição é a regra e encontra-se bem documentado nas duas situações previstas no artº.715, do C. P. Civil:
a) quando o Tribunal de recurso declara nula a decisão que põe termo ao processo, não deixa de conhecer do objecto da apelação;
b) e quando o Tribunal de recurso entende que a apelação procede, deve conhecer das questões que o Tribunal recorrido se dispensou de apreciar, designadamente, por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre que para isso disponha dos elementos necessários.
No sistema de cassação, o Tribunal “ad quem”, no caso de procedência do recurso, limita-se a cassar ou anular a decisão recorrida, para que o Tribunal “a quo” decida de novo, mas em termos diversos da decisão rejeitada. Ordena-se a repetição do julgamento, muito embora a mesma repetição não abranja a parte da decisão não afectada pelo vício patenteado.
No processo civil português já se prevê um sistema de cassação quanto à reapreciação da matéria de facto, quando o Tribunal “ad quem” anula, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª. Instância por reputar deficiente, obscuro ou contraditório o julgamento sobre pontos determinados da matéria de facto ou, ainda, quando considere indispensável a ampliação desta (cfr.artº.712, nº.4, do C.P.Civil).
Por último, no sistema intermédio o Tribunal superior, se o recurso for provido, determina ao Tribunal recorrido que profira nova decisão com o conteúdo que aquele fixar. Expressão paradigmática deste sistema intermédio são os recursos de constitucionalidade ou de legalidade, dado que o Tribunal Constitucional define o direito aplicável nesse âmbito, o qual deve ser acatado pelo Tribunal “a quo”, caso o recurso tenha sido provido, aquando da reforma da decisão (cfr.artº.80, nº.2, da Lei 28/82, de 15/11). No processo civil consagra-se tal sistema, por exemplo, no artº.730, nº.1, do C. P. Civil, ou seja, quando o Supremo, depois de definir o direito aplicável, manda julgar novamente a causa, em harmonia com a dita decisão de direito (cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, págs.125 e 131; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.190 e seg.).
Voltando ao caso concreto, para saber se o dito princípio da cooperação foi ou não levado em consideração pelo órgão de execução fiscal ao decidir o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº.2232-2011/105166.0, deve o Tribunal desenvolver diligências instrutórias nesse sentido, dado que da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida tal não é possível, igualmente não constando dos autos prova produzida que a tal decisão permita.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, nos termos do disposto nos artºs.13, do C. P. P. Tributário, e 99 da L. G. Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio do inquisitório pleno do Tribunal Tributário no domínio do processo tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.512; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.163).
“In casu”, não constando do processo quaisquer elementos probatórios que permitam saber se o dito princípio da cooperação foi ou não levado em consideração pelo órgão de execução fiscal ao decidir o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda devem realizar-se diligências probatórias (v.g.prova testemunhal) nesse sentido, afigurando-se tal indagação como indispensável à boa decisão da causa, após o que se deverá estruturar nova sentença pelo Tribunal “a quo”, na qual, além do mais, se decida o mérito da causa de pedir a que se tem vindo a aludir e que é sustentada pelo recorrente.
Por último, dir-se-á que a situação “sub judice” se não enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artº.712, nº.1, do C. P. Civil, norma aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C. P. P. Tributário, e que consagra os casos em que é possível a alteração da decisão de facto pelo Tribunal de 2ª. Instância.
Nestes termos e conforme mencionado supra, não podendo este Tribunal conhecer com base no apreciado sistema de substituição, verifica-se uma situação de défice instrutório quanto à mencionada causa de pedir, devendo antes ordenar-se a baixa dos autos ao abrigo do artº.712, nº.4, do C. P. Civil, com vista a que seja completada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância nos termos supra mencionados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência:
1-Confirmar a sentença recorrida no que se refere à inexistência dos expostos vícios de erro de julgamento de facto e de falta de fundamentação do despacho reclamado;
2-Anular a sentença recorrida no que tange à alegada violação do princípio da cooperação e ordenar a baixa dos autos, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à ampliação da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
X
Condena-se o recorrente em custas na proporção do decaimento.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Junho de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)



(Gomes Correia - 2º. Adjunto)


1- (para a destrinça entre factos fundamentais e instrumentais vide A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 1985, pág.412 e seg.)