Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:188/20.4BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO;
PAGAMENTO ESPONTÂNEO;
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:1. Em sede de execução fiscal, o pagamento voluntário, por contraponto com o pagamento coercivo, é aquele que é feito pelo executado directamente, ou seja, sem que o mesmo decorra de qualquer actuação directa do órgão de execução fiscal.
2. Instaurado que esteja o PEF considerar-se-á que um determinado pagamento voluntário foi feito espontaneamente se não resultar da tramitação desse PEF uma iminência na execução, que reflicta a designada “coacção lícita”, não o sendo no caso inverso.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

B….., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que rejeitou liminarmente a oposição deduzida à execução fiscal n.º ….. instaurada para cobrança de dívidas ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) referentes a ajudas indevidamente percebidas no âmbito de medidas “Agro-Silvo-Ambientais”, e acrescido, no montante global de 11.695,77 Euros.

O Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
A. O Recorrente não pode, de modo algum, conformar-se com a sentença que rejeitou liminarmente a sua oposição à execução fiscal, por suposta impossibilidade superveniente da lide decorrente do facto de o Oponente ter procedido ao pagamento voluntário da dívida exequenda e acrescido e, por essa razão, se encontrar extinta a execução.

B. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo decidiu com base em factos decorrentes de documentos
– designadamente o Processo de Execução Fiscal – relativamente aos quais não foi dado ao Oponente o direito de exercer o respectivo contraditório antes da sentença.

C. O que viola o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC) e constitui uma nulidade processual que determina a anulação da sentença (art. 195.º do CPC), o que desde já se requer.

D. Em segundo lugar e sem conceder quanto à procedência da nulidade atrás arguida, a sentença recorrida padece também de erro de julgamento quanto à matéria de facto:

E. Foram omitidos factos, alguns oportuna e pertinentemente alegados pelo Recorrente, outros constantes do PEF, os quais, por serem relevantes para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, deveriam constar dos Factos Provados.

F. Desde logo, não foi seleccionado e incluído nos Factos Provados que o Recorrente apenas pagou “para prevenir a adopção de medidas susceptíveis de atingir o seu património por parte da Administração Tributária” e “mesmo sabendo que se encontrava prescrita a dívida exequenda” (cfr. art. 19.º da Oposição).

G. Também foi omitido que o Oponente, antes de ter pago, protestou por escrito junto do Serviço de Finanças do Funchal 1, por estar a ser citado para uma execução fiscal que considerava ilegal e que receava que, findo o prazo da oposição, lhe penhorassem bens e direitos que considerava fundamentais para garantir a sua subsistência e do seu agregado familiar (cfr. email do Oponente, de 19/03/2020, a fls. 8 do PEF apenso aos autos).

H. A factualidade alegada pelo Oponente em torno da motivação que o levou a pagar voluntariamente a dívida (não confundir com espontaneamente), era facilmente apreensível por decorrer dos elementos juntos aos autos, nomeadamente do PEF, e até das regras de experiência comum, e não podia ser ignorada pelo tribunal, pois era relevante para se julgar se o pagamento feito Recorrente foi espontâneo ou não.

I. Assim, requer-se ao tribunal ad quem que altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, proferindo decisão nos termos art. 662.º do CPC que adite aos Factos Provados o seguinte facto: “O Oponente apenas pagou a dívida e acrescido para prevenir a adopção de medidas susceptíveis de atingir o seu património por parte da Administração Tributária, sabendo de antemão que a dívida se encontrava prescrita a dívida exequenda”.

J. Em terceiro lugar e sem conceder quanto aos vícios já apontados, a decisão recorrida a viola ainda a lei substantiva, errando na interpretação, na determinação e na aplicação do direito:

K. Para começar, o tribunal a quo aplicou os arts. 304.º, n.º 2 e 403.º, n.º 1, do CC sem constar dos Factos Provados um único facto que apontasse no sentido de que o pagamento por parte do Recorrente foi espontâneo, isto é livre de “toda a coacção” (art. 403.º, n.º 2 do CC), o que constitui um erro claro de julgamento.

L. Esta errada a aplicação do direito está também intimamente ligado à incorrecta interpretação e determinação das normas aplicáveis.

M. A questão não é, aliás, nova nos tribunais portugueses e resume-se a saber se o pagamento voluntário feito no âmbito de uma execução fiscal se deve ter, ainda assim, como livre e espontâneo, por não poder considerar-se coacção a ameaça de “exercício de prerrogativas processuais” (art. 255.º, n.º 3 do CC)?

N. O Recorrente dispensa-se de reproduzir aqui os argumentos já enunciados no corpo destas alegações e que justificam as respostas diametralmente opostas que têm vindo a ser dadas à questão pela doutrina e jurisprudência nacionais.

O. Não pode, contudo, deixar de afirmar que considera que a melhor interpretação e determinação das normas aplicáveis é a que foi aplicada pelos já citados Acórdãos STA de 10/07/2013 e 14/09/2017, na esteira do defendido por Jorge Lopes de Sousa na obra atrás citada.

P. No essencial, entende que não se pode confundir o conceito de “pagamento voluntário” e o
de “pagamento espontâneo” a que aludem os arts. 304.º, n.º 2 e 403.º, n.º 1, do CC.

Q. Pagamento espontâneo é apenas aquele que for “livre de toda a coacção” (art. 403.º, n.º 2,
do CC).

R. Uma coisa é a coacção moral como vício do negócio jurídico, a que se refere o art. 255.º do CC; outra coisa é “toda a coacção” a que se refere o art. 403.º, n.º 2, que respeita ao uso dos instrumentos coercivos do Estado (proibidos no caso de obrigações naturais) e que, evidentemente, é normalmente lícita (ver neste sentido Pedro Múrias, in “Coacção em Sentido Amplo”, publicado nos estudos de homenagem “Liber Amicorum de José de Sousa e Brito em Comemoração do 70.º Aniversário”, Estudos de Direito e Filosofia, Almedina, Coimbra, 2009, 681-722; ver ainda Miguel Teixeira de Sousa, “Introdução ao Direito”, Almedina, 2012, p. 92, que remete ao estudo de Pedro Múrias).

S. A coacção do art. 403.º, n.º 2 é aquela a que lei se refere quando afirma que execução da prestação é coactiva, conforme se diz no art. 404.º do CC, bem como nos arts. 817.º e ss., abrangendo a chamada coacção lícita. Aquilo a que o CPC chama prestação “coerciva”.

T. Aplicando esta interpretação ao caso em apreço, é forçoso concluir que o pagamento da dívida exequenda e acrescido por parte do Oponente não foi espontâneo, na medida em que o foi na iminência da prossecução da execução fiscal, como decorre da notificação, recebida pelo Oponente em 18/03/2020, para pagar em 30 dias, sob a cominação de a execução “prosseguir com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património”.

U. Acresce que, neste caso concreto, o pagamento realizado pelo Oponente foi determinado por uma actuação ilícita da Autoridade Tributária:

V. À data em que foi instaurada a execução (03/03/2020) e expedida a citação para notificar o
Oponente para pagamento (15/03/2020), a dívida já se encontrava prescrita desde 26/08/2019.

W. A Autoridade Tributária tinha a obrigação de conhecer e declarar oficiosamente a prescrição
e de se abster de instaurar e/ou prosseguir com a execução fiscal (art. 175.º do CPPT). Não o tendo feito, a sua actuação deve julgar-se ilícita por contrária à lei.

X. Tal como se deve julgar ilícita a ameaça (coacção) de penhora dos bens e direitos na sequência da qual o Oponente efectuou o pagamento controvertido nos autos. Portanto, nem mesmo à luz do art. 255.º do CC o pagamento poderia ter sido julgado espontâneo.

Y. Neste quadro jurídico-fáctico, o pagamento por feito pelo Oponente não constituía obstáculo
à possibilidade de pedir a restituição do que pagou e, consequentemente, não poderia julgar-se inútil (bem pelo contrário) a averiguação sobre a prescrição daquela obrigação de pagamento (art. 176.º, n.º 3 do CPPT).

Z. E ainda que assim não fosse, a lide continuaria a ter utilidade, também à luz do artigo 176.º,
n.º 3 do CPPT, porque não se encontra demonstrado que o Oponente haja sido notificado da extinção da execução por parte do Serviço de Finanças do Funchal e que não haja reclamado da mesma ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT.

AA. Para efeitos de cumprimento do art. 639.º do CPC, consigna-se que a decisão corrida errou
na interpretação, na determinação e na aplicação do direito, mais concretamente:
a) Aplicou erradamente o art. 403.º, n.º 1 do CC – cuja aplicação pressupõe a realização de uma prestação espontânea – sem que constasse da factualidade provada ou dos autos qualquer elemento ou evidência de que o Oponente pagara espontaneamente a dívida exequenda e o acrescido. A única evidência existente era a de que o pagamento foi voluntário;
b) Aplicou erradamente o n.º 2 do art. 304.º do CC – que proíbe a restituição do pagamento espontâneo de obrigações prescritas – ao pagamento que Oponente fez sob ameaça de penhora dos seus bens e direitos;
c) Violou o disposto no art. 403.º, n.ºs 1 e 2 do CC, na medida em que – na interpretação do que se deve ter por “prestado espontaneamente”, isto é, “livre de toda a coacção” – aplicou erradamente o conceito de “coacção moral” próprio do vício do negócio jurídico, a que se refere o art. 255.º do CC, sendo que a “toda a coacção” a que se refere o art.
403.º, n.º 2, respeita ao uso dos instrumentos coercivos do Estado (proibidos no caso de obrigações naturais) e que, evidentemente, é normalmente lícita;
d) Violou ainda o art. 176.º, n.º 3 do CPPT,
i) quando o interpretou no sentido de considerar que, caso o executado haja pago voluntariamente a dívida e o acrescido, é inútil o controlo jurisdicional da legalidade da execução fiscal por a mesma se encontrar já extinta por força do disposto do n.º 1 daquele art. 176.º, isto mesmo que a obrigação exequenda já se encontrasse
prescrita na data em que foi instaurada a execução;
ii) quando julgou inútil a lide apesar de não se encontrar demonstrado que o Oponente houvesse sido notificado da extinção da execução por parte do Serviço de Finanças do Funchal e que não houvesse reclamado da mesma ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT.

BB. Em face dos erros de julgamento de facto e de direito atrás assinalados, requer-se que a decisão recorrida seja revogada e que o tribunal ad quem, em obediência ao disposto no art. 665.º, n.º 2 do CPC, ex vi art. art. 281.º do CPPT, e em ordem a indagar da procedência da oposição à execução, conheça desde logo da questão da prescrição da obrigação exequenda, julgando-a procedente e condenando logo a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir a quantia exequenda paga pelo Oponente, no montante de € 11.854,23 (onze mil e oitocentos e quatro euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.

CC. Em quarto e último lugar, para o caso de se entender que as normas ínsitas nos arts. 304.º, n.º 2, e 403.º, n.º 1, ambas do CC, devem ser interpretadas no sentido de que proíbem a restituição de pagamentos feitos à Autoridade Tributária, em data posterior àquela em que ocorreu a respectiva prescrição, mesmo que tais pagamentos não sejam livres de “toda a coacção”, desde já se invoca a inconstitucionalidade dessa dimensão interpretativa daquelas normas, por violação do princípios da justiça e da boa-fé consagrados no art.
266.º, n.º 2 CRP e nos art. 8.º e 10.º do Código do Procedimento Administrativo, em particular do princípio da primazia da materialidade subjacente decorrente deste último, e se requerer que o tribunal ad quem recuse a aplicação das normas que resultam daquela concreta interpretação.

Termos em que requer-se a V.ª Ex.ª se digne admitir e declarar procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento na nulidade ou erros de julgamento atrás indicados e substituindo-a por outra que julgue procedente a oposição à execução deduzida pelo Oponente e condene logo a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir-lhe a quantia por ele paga, no montante de €11.854,23 (onze mil e oitocentos e quatro euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.

».

O Recorrido IFAP, I.P., apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
No âmbito do presente recurso o Recorrente impugna a matéria de facto constante da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, imputando-lhe a omissão de «factos, alguns oportuna e pertinentemente alegados pelo Recorrente, outros constantes do PEF os suais sor serem relevantes para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito» que no seu entender «deveriam constar dos Factos Provados» - cfr. Conclusão E – tendo «requer[ido] ao tribunal ad quem que altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, proferindo decisão nos termos art. 662.° do CPC que adite aos Factos Provados o seguinte facto: "O Oponente apenas papou a dívida e acrescido para prevenir a adopção de medidas susceptíveis de atingir o seu património por parte da Administração Tributária, sabendo de antemão que a dívida se encontrava prescrita a dívida exequenda" – cfr. Conclusão I;

A tal respeito, releva-se o discurso fundamentador da Sentença recorrida, segundo o qual, “… se o Oponente pretendia suspender a execução fiscal de modo a prevenir a adoção de medidas suscetíveis de atingir o seu património por parte do Exequente, teria de prestar garantia idónea, ou pedir a sua dispensa, nos termos previstos nos artigos 52.° da Lei Geral Tributária e 169.°, 170.° e 199.° do CPPT, não podendo pretender beneficiar desse efeito por via do pagamento voluntário da dívida, quando lhe era assegurado meio legal para suspender a execução.”;

Ou seja: “… se o Oponente pretendia suspender a execução fiscal de modo a prevenir a adoção de medidas suscetíveis de atingir o seu património por parte do Exequente; então a quantia por si entregue na execução fiscal subjacente deveria tê-lo sido a título de caução nos termos do artº 199º do CPPT (prestação de garantia) e não de pagamento da dívida exequenda.

Mas como se viu, a quantia entregue pelo Recorrente na execução fiscal subjacente, não teve em vista a prestação e garantia suscetível de poder suspender a execução, antes, diversa e confessadamente, teve em vista o pagamento da quantia nela exequenda;

Todavia, a verdade é que, bem vista a Sentença recorrida, dela não consta na respectiva Fundamentação de Facto o facto confessado pelo Recorrente em 19º da sua Petição segundo o qual, “mesmo sabendo que se encontrava prescrita a dívida exequenda, optou por pagá-la voluntariamente dentro do prazo legal de 30 dias que lhe foi conferido para o efeito. (cfr. 19º da Petição);

Afigurando-se tal facto relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, e mostrando-se o mesmo omitido na Sentença recorrida (omissão, essa, que não é impugnada pelo Recorrente no recurso), o IFAP requer nos termos do disposto no nº 2 do artº 636º do CPC que no âmbito do presente recurso o seja aditado à respectiva Fundamentação de Facto o seguinte facto confessado pelo Recorrente 19º da sua Petição:
 Em 30/06/2020, o Recorrente, mesmo sabendo que se encontrava prescrita a dívida exequenda, optou por pagá-la voluntariamente dentro do prazo legal de 30 dias que lhe foi conferido para o efeito. (reconhecimento/confissão);
*
O facto de o Recorrente ter efectuado voluntariamente, no processo de execução fiscal, o pagamento voluntário da quantia nele exequenda (cfr. 19º da Petição) “mesmo sabendo que se encontrava prescrita a dívida exequenda” - não poderá deixar de relevar para efeitos de se considerar objetivamente tal pagamento voluntário, também, como pagamento espontâneo, expressamente confessado pelo próprio Recorrente, porquanto constitui o “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (cfr. artº 352º do CC);

Acresce que, tendo o Recorrente efectuado o pagamento da quantia exequenda na execução fiscal subjacente “mesmo sabendo que se encontrava prescrita a dívida exequenda”, tal facto também não poderá deixar de constituir renúncia à prescrição na acepção do artº 302º do CC;

Assim,
iii) tendo, por um lado, o Recorrente na Oposição a que respeitam os presentes autos
 apenas suscitado a prescrição da execução da Decisão Final exequenda na execução fiscal subjacente a que alude o nº 2 do artº 3º do R 2988/95;
 efectuado, na execução fiscal subjacente, o pagamento voluntário e expontâneo da quantia nela exequenda;
iv) e, por outro lado, tendo o órgão de execução fiscal
 extinguido a execução fiscal subjacente com fundamento em tal pagamento
 não podendo ser restituída ao Recorrente a quantia por si paga na execução fiscal subjacente por força do disposto nos artºs 302º, 304º, 402º e 403º, do CC;

10ª Consequentemente, de concluir será que a Oposição a que respeitam os presentes autos careceria em absoluto de qualquer objecto na data da sua apresentação, pelo que, por tais ordens de razões, se afigura que a Oposição que aqui se contesta não poderia ser conhecida pelo Tribunal a quo por falta de um pressuposto processual – a pendência da execução fiscal de cuja tramitação dependesse a admissibilidade da Oposição contra ela deduzida;

11ª Como, tal bem andou o Mº Juiz a quo ao ter considerado na Sentença recorrida verificada a impossibilidade superveniente da lide nos termos nela mencionados com a consequente extinção da presente instância executiva, ao abrigo do disposto no art. 277°, al. e) do CPC, aplicável "ex vi" artº 2º, al. e) do CPPT, e, nela ter decidido rejeitar a Oposição.
***
Termos em que, concedendo-se provimento à ampliação do objecto do recurso, deverá ser aditado à Fundamentação de Facto da Sentença recorrida o Facto levado à 6ª Conclusão, e no mais ser mantida a Sentença recorrida, assim se fazendo
JUSTIÇA».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, sendo de manter na ordem jurídica a sentença recorrida por não padecer de quaisquer vícios.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se o pagamento efectuado pelo oponente foi um pagamento voluntário ou espontâneo.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para o conhecimento da questão suscitada, importam os seguintes factos dados como provados:
1. No dia 03 de março de 2020, foi instaurado no Serviço de Finanças do Funchal - 1 o processo de execução fiscal n.º ….., contra o ora Oponente, para cobrança coerciva de dívidas ao IFAP, provenientes de ajudas consideradas indevidamente recebidas ao abrigo de medidas “Agro e Silvo Ambientais”, e acrescido, no montante global de € 11.695,77 – cfr. fls. 01 e 02 do Processo de Execução Fiscal (PEF) junto aos autos.

2. O oponente foi citado para a execução fiscal n.º ….., por ofício datado de 15 de março de 2020 – cfr. fls. 04 do PEF junto aos autos e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

3. A 30 de junho de 2020, o Oponente procedeu ao pagamento da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.º ….., e acrescido, no montante total de € 11.854,23 – cfr. fls. 23 e 24 do PEF junto aos autos e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

4. No mesmo dia, 30 de junho de 2020, processo de execução fiscal n.º ….. foi extinto – cfr. fls. 29 dos autos (suporte digital).

5. Em 28 de julho de 2020, o Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 a presente oposição – cfr. fls. 04 dos autos (suporte digital).

Factos não provados:
Com relevância para o conhecimento da questão, inexistem factos dados como não provados.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos e no processo executivo junto aos mesmos, conforme o referido em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, elementos que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como questão central do recurso, considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, o pagamento efectuado da dívida exequenda não configura um pagamento voluntário e espontâneo, o que implica que não poderia haver lugar a rejeição liminar da oposição por inutilidade superveniente da lide em vista do fundamento do pedido, que é a verificação e declaração da prescrição da dívida.

Considerou o Tribunal a quo, por seu lado, que o pagamento voluntário da dívida exequenda se tratou de pagamento espontâneo susceptível de fundar a extinção da execução e, por esse fundamento, a declaração de inutilidade superveniente da lide de oposição.

Apreciemos, seguindo com as adaptações necessárias, a linha decisória do acórdão deste TCA, de 04/23/2020, tirado no proc.º 314/09.4BELRS, em que o Relator deste interveio como Adjunto.

Nos termos do art.º 176.º do CPPT:
“1 - O processo de execução fiscal extingue-se:
a) Por pagamento da quantia exequenda e do acrescido;
b) Por anulação da dívida ou do processo;
c) Por qualquer outra forma prevista na lei”.

No mesmo sentido vai o art.º 269.º do CPPT, atinente especificamente à extinção da execução por pagamento voluntário.

In casu, o Recorrente fundou a sua oposição, como se disse, na prescrição da dívida exequenda, pelo que cumpre analisar o efeito do pagamento que foi efectuado face à prescrição.

A prescrição é um instituto jurídico que confere ao decurso do tempo efeitos extintivos, em termos de exercício de direitos e correspondentes deveres.

Relativamente às dívidas tributárias, o seu regime encontra-se previsto nos art.ºs 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária (LGT), nos quais estão definidos o prazo de prescrição e as respectivas causas de suspensão e interrupção.

No mais, cumpre atentar no regime constante do Código Civil.

Assim, é pertinente a este propósito chamar à colação o disposto no art.º 304.º do Código Civil, sob a epígrafe efeitos da prescrição, nos termos do qual:

“1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias”.

Assim, pelo decurso do prazo de prescrição, a obrigação cuja exigibilidade se encontra prescrita não deixa de existir. No entanto, deixa de ser uma obrigação legal e passa a ser uma obrigação natural, que, se realizada espontaneamente, não pode ser repetida.

Sobre as obrigações naturais, há que apelar ainda ao disposto no art.º 402.º do Código Civil, segundo o qual “[a] obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.

Por seu turno, dispõe o art.º 403.º do mesmo código que:

“1. Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.

2. A prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção”.

É neste contexto que cumpre analisar a dicotomia entre pagamento voluntário e pagamento espontâneo.

Assim, em sede de execução fiscal, o pagamento voluntário, por contraponto com o pagamento coercivo, é aquele que é feito pelo executado directamente, ou seja, sem que o mesmo decorra de qualquer actuação directa do órgão de execução fiscal.

No entanto, nem todos os pagamentos voluntários são necessariamente espontâneos, como desde logo resulta do disposto no n.º 2 do citado art.º 403.º do Código Civil.

Assim, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que não se está perante um pagamento espontâneo, ainda que voluntário, quando tal pagamento foi feito na iminência da prossecução da execução fiscal.

A este respeito chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.07.2013, tirado no Proc.º 0912/13, onde se refere:

“O pagamento efectuado no âmbito da execução fiscal, mesmo que voluntário (i.e., mesmo que não seja efectuado através dos meios processuais coercivos próprios do processo de execução), pode não ser espontâneo, o que se repercute sobre a possibilidade de conhecimento da prescrição. Diz JORGE LOPES DE SOUSA, que, com a devida vénia passamos a citar:

«Se, apesar de a prescrição ser de conhecimento oficioso, ela não for declarada e a dívida tributária vier a ser paga espontaneamente, antes ou depois da instauração da execução, o contribuinte não tem direito a ser reembolsado do que pagou.

Com efeito, completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, mas não pode ser repetida (isto é, recuperada) a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição (n.ºs 1 e 2 do art. 304.º do CC).

Diferente, porém, deve ser a solução se o pagamento for coercivamente efectuado, por prosseguir a execução fiscal, apesar de a prescrição ter ocorrido. Com efeito, a situação em que, no n.º 2 do art. 304.º, se proíbe o reembolso da quantia utilizada no pagamento de obrigação prescrita é apenas a do pagamento espontâneo. O facto de estar instaurada execução fiscal não obsta a que se considere que o pagamento é feito espontaneamente, se ela, depois do decurso do prazo de prescrição, se encontrar parada, sem que seja proferida decisão a extingui-la. Mas, se, depois de transcorrido o prazo de prescrição, a execução prossegue, sendo praticados actos tendentes a concretizar o seu objectivo de cobrança coerciva (como, por exemplo, a citação, a penhora, ou a preparação da venda) não será adequado entender que o pagamento é feito espontaneamente, mesmo que se trate de pagamento qualificável como voluntário, para efeitos dos arts. 264.º a 269.º do CPPT pois o devedor será pressionado por esses actos a efectuar o pagamento, para evitar as consequências lesivas que deles lhe advêm.

Devem distinguir-se os conceitos de «pagamento voluntário» e de «pagamento espontâneo», pois, desde logo, não coincide o significado natural destas expressões na linguagem corrente, apontando esta última expressão para situações em que o pagamento é efectuado por exclusiva iniciativa do devedor, de moto próprio, sem incitamento derivado de qualquer causa externa. O «pagamento espontâneo», será, na linguagem corrente, uma modalidade de «pagamento voluntário», mas será manifestamente inadequado falar em pagamento espontâneo quando ele, por exemplo, é efectuado na iminência da venda, para obstar à sua concretização.

Por outro lado, há também suporte jurídico consistente para distinguir os dois conceitos.

O conceito jurídico de «prestação espontânea» é dado no art. 403.º, n.º 2, do CC, referindo-se que «a prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção». Esta referência a «toda a coacção», parece abranger não só a ilícita como a lícita, pois é esse o significado natural da expressão «toda». É certo que, no art. 255.º, n.º 1, do CC, para efeitos do conceito de coacção utilizado em matéria de vícios do negócio jurídico, se dá relevância apenas à ameaça ilícita e, no n.º 3 do mesmo artigo se esclarece, além do mais, que «não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito». Porém, se se pretendesse utilizar naquele n.º 2 do art. 403.º do CC este conceito de coacção restringido à ameaça ilícita bastaria, naturalmente, dizer que se considerava espontânea a prestação quando é livre de coacção, não se justificando a referência a «toda» a coacção, pois esta expressão tem precisamente o alcance de afastar restrições.

De qualquer modo, mesmo que se entenda que aquele conceito de espontaneidade utilizado no art. 403.º, n.º 2, do CC apenas se reporta a coacção ilícita, não poderá deixar de entender-se que integra este conceito a prática de actos de execução fiscal depois de decorrido o prazo de prescrição, pois a prescrição, no processo de execução fiscal é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 175.º do CPPT e, por isso, decorrem desta norma deveres legais para a administração tributária de declarar a prescrição e de se abster da prática de actos executivos, deveres estes cuja omissão constitui facto ilícito, à face do conceito de ilicitude aplicável em matéria de actos de gestão pública, que é dado no art. 6.º do DL n.º 48051, de 21-11-1967 e no art. 9.º do RRCEE, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

Consubstanciando o prosseguimento indevido da execução um facto ilícito, está-se perante um acto gerador de responsabilidade civil extracontratual, que pode ser efectivada através de acção de indemnização que será da competência dos tribunais tributários ou dos tribunais administrativos, conforme se entenda ou não que são utilizáveis no contencioso tributário as acções comuns para apreciação de litígios emergentes de relações fiscais.

Na verdade, depois de o pagamento ter sido efectuado, a execução fiscal extingue-se (arts. 264.º, n.º 1, e 269.º do CPPT), bem como a oposição que eventualmente tenha sido instaurada (por inutilidade superveniente da lide, pois a finalidade da oposição à execução fiscal é apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente e, no caso de não poder prosseguir, extinguir ou suspender a execução; extinta a execução fiscal, fica definitivamente assente que a execução não prossegue contra o oponente, pelo que está concretizado o objectivo da oposição). (…)» (“Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 10 ao art. 175.º, págs. 290/291, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 25 a 30.)”.

Assim, instaurado que esteja o PEF considerar-se-á que um determinado pagamento voluntário foi feito espontaneamente se não resultar da tramitação desse PEF uma iminência na execução, que reflicta a designada “coacção lícita”, não o sendo no caso inverso.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Mostram os autos e o probatório que em 03/03/2020 foi instaurada execução fiscal para cobrança de dívida ao IFAP, I.P. proveniente de Ajudas concedidas no âmbito das medidas Agro-Silvo-Ambientais; o oponente foi citado em 15/03/2020; em 30/06/2020 efectuou o pagamento da dívida e acrescido; foi extinta por pagamento a execução.

Alega o oponente que a dívida já se encontrava prescrita quando foi instaurada a execução fiscal e efectuada a citação.

Do que decorre que, após o momento em que alegadamente terá ocorrido a prescrição, foram ainda praticados actos tendentes à cobrança coerciva da dívida exequenda, nomeadamente a citação, acto executivo no seguimento do qual veio a ser efectuado o pagamento.

Considerando a doutrina que dimana da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que temos vindo a reportar, resulta, pois, que não se pode falar aqui na existência de um pagamento espontâneo, nos termos melhor ali explanados.

Não se tratando de pagamento espontâneo, não há, pois, lugar a inutilidade superveniente da lide de oposição, porquanto assiste sempre ao oponente, não obstante a extinção da execução por pagamento voluntário, direito à repetição do indevido, nos preditos termos.

Pretende o Recorrente que o tribunal ad quem conheça em substituição da questão da prescrição.

Todavia, há que respeitar no processo tributário o princípio estruturante do contraditório, lembrando-se que o Recorrido apenas se pronunciou em contra-alegações, como lhe competia, quanto à matéria objecto do recurso (erro da sentença quanto à rejeição liminar da oposição por inutilidade superveniente da lide em vista da extinção da execução por pagamento), mas não da oposição (prescrição da dívida).

Ou seja, não pode o tribunal ad quem em recurso da decisão liminar de rejeição da oposição, sem instrução contraditória, conhecer de imediato do mérito da oposição.

É, pois, necessário que os autos baixem à 1.ª instância para prolação de despacho liminar que não seja de rejeição pelos motivos indicados, seguindo-se os ulteriores termos do processo de oposição.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para despacho liminar que não seja de rejeição por impossibilidade superveniente da lide.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 24 de Junho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes