Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09722/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PARÂMETROS LEGAIS DA ACTUAÇÃO DA A. FISCAL NO EXERCÍCIO DA SUA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.
NATUREZA SUBSTANTIVA E SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
REGIME PREVISTO NO C.P.T. POSSIBILIDADE DE RECURSO À APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDICIÁRIOS.
ARTº.80, DO C.I.V.A. PRESUNÇÕES "IURIS TANTUM" QUE PODEM SER ILIDIDAS PELO SUJEITO PASSIVO.
Sumário:1. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
2. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
3. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).
4. Ao abrigo do regime previsto no C.P.T., aplicável à data em que se realizou a inspecção tributária (1998 - cfr.nº.1 do probatório), devia levar-se em consideração o disposto no artº.81, do C.P.T., sendo que a possibilidade de recurso à aplicação de métodos indiciários, com vista à determinação da matéria colectável no âmbito do I.V.A., se fazia tendo por base o disposto nos artºs.82 e 84, do C.I.V.A., e de acordo com os vectores consagrados no artº.38, do C.I.R.S., e nos artºs.51 a 56, do C.I.R.C.
5. A Fazenda Pública estruturou a liquidação de I.V.A. objecto do processo tendo por base a previsão do artº.80, do C.I.V.A., vigente à data dos factos (1994), norma que não se confunde com a aplicação de métodos indiciários. A previsão e estatuição da norma sob exegese constitui uma consequência directa da obrigação de inventariação física das existências consagrada no artº.79, do mesmo diploma. Como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros, tal como a constatação da existência de bens não documentados, nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Em ambos os casos, o legislador admite, por um lado, uma presunção "iuris tantum" de aquisição dos bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, assim motivando a liquidação do correspondente imposto. Tratando-se, porém, de presunções "iuris tantum", o sujeito passivo poderá ilidi-las fazendo prova de que os bens em causa não foram, efectivamente, objecto de transmissão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.419 a 435 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação tendo por objecto liquidação adicional de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1994 e no montante total de € 34.514,35.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.459 a 467 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, porquanto decidiu que não estavam contemplados os pressupostos para aplicação de métodos indiciários e que havia erro na quantificação;
2-Neste âmbito, o thema decidendum, consiste em saber se estavam ou não contemplados os pressupostos para aplicação de métodos indiciários e se havia erro na quantificação;
3-A Fazenda Pública considera que no RIT foram elencados os motivos justificativos do porquê de se aplicar os métodos indiciários, nos termos o art.°51.° n.° 1, al. d) do CIRC, à data dos factos, quando se refere a erros e inexactidões, sendo estes os constantes do RIT quando é mencionado que faltam 55.053 cassetes contendo o campeonato de futebol de 93/94, em que a impugnante tinha adquirido 150.000 cassetes e, que o critério usado em 1994 foi diferente nos anos subsequentes;
4-Na verdade, face aos indícios para aplicação de métodos indiciários e, se constatarmos o laudo da Fazenda e o laudo da impugnante, neste existem contradições pois tanto é oferta aos clientes que adquirissem o jornal “...”, como é cedência das cassetes a custo de aquisição. Ora, se é cedência a custo de aquisição, há uma prestação de serviços de venda que não foi contabilizada, havendo lugar à tributação de IVA. Ora, esta situação não foi explicada para se perceber se se trata de ofertas ou uma cedência a custo de aquisição;
5-Por outro lado, a impugnante não demonstrou o destino dado às cassetes em falta bem como não provou que os cálculos e os dados apurados e relevados pelos serviços de inspecção estavam incorrectos;
6-Nos termos expostos, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o art.° 51 do CIRC e 80 do CIVA, sendo a liquidação emitida legítima, devendo a sentença ser revogada;
7-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.482 a 493 dos autos), as quais rematou com as sequentes Conclusões:
1-O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença de fls. proferida nos autos identificados em epígrafe, a qual considerou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra o acto de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 1994, com o n.° … e o valor de PTE 4.355.793,00, e bem assim contra o acto de liquidação de juros compensatórios relativo ao período 9412, com o n.° … e o valor de PTE 2.563.712,00;
2-No relatório de inspecção tributária, a AT presume a venda de 55.053 cassetes, adquiridas com propósitos publicitários, por um preço unitário médio equivalente a PTE 494,50;
3-Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou, ao invés, que ficou provado nos autos que, em 1994, a recorrida encetou efectivamente diligências promocionais, que se traduziram, no essencial, na distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais, de cassetes de vídeo, contendo um resumo alargado do campeonato de futebol referente à época desportiva de 1993/94. Em concreto, o Tribunal a quo considerou que ficou provado que foram oferecidas 55.053 cassetes a clientes da ... (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida;
4-Contra esta factualidade, demonstrada com recurso a meios de prova documental e testemunhal - laudo do vogal e contabilista da impugnante A... e depoimento do mesmo como testemunha e ainda das restantes testemunhas A... e L..., que esteve nos locais de distribuição gratuita das cassetes, a orientar a sua entrega - nunca se insurgiu a recorrente - que em ponto nenhum das suas alegações se insurge contra o rol de factos dados por provados pelo Tribunal a quo ou contra a respectiva valoracão - posto o que não pode, nesta sede, e tendo por base o exposto, senão assentar-se em que as cassetes em causa foram adquiridas no âmbito de uma campanha publicitária e, nesse contexto, distribuídas gratuitamente a clientes efectivos e potenciais;
5-E, neste sentido, não só não é verdade que as mesmas tenham sido adquiridas com a finalidade de revenda, como não o é que o tenham sido efectivamente;
6-Cristalizados estes factos, não se vê como pode a AT insistir, sem outros fundamentos - que, de qualquer forma, nunca poderia utilizar nesta sede - na ideia de que estes, afinal, não sou como o Tribunal os infere, só porque sim, só porque assim entenderam, em 1999 - pasme-se - os serviços inspectivos da AT;
7-Simplesmente, se o ponto da recorrente fosse a inverosimilhança do facto identificado no ponto 8 do capítulo 4.1 da sentença recorrida, que contundentemente afirma que as cassetes foram oferecidas a clientes da ... (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida em 6 ele teria que ser especificamente atacado, feita a sua contraprova ou demonstradas as razões pelas quais a avaliação da prova documental e testemunhal produzida enferma de erro e as circunstâncias em que tal pode ser notado;
8-Nada disso aconteceu, porém;
9-Por outro lado, as incoerências da fundamentação da AT vêm de longe. Na realidade, compulsado o relatório de inspecção tributária, qualquer leitor médio se interroga sobre o motivo pelo qual os factos ali descritos servem para sustentar a liquidação de imposto aqui em crise. Com efeito, é com muita dificuldade que se percebe como podem as circunstâncias e factos mobilizados - unicamente relacionadas com a prática comercial da recorrida em anos subsequentes àquele aqui em causa - justificar a carga tributária que se pretende opor à ora recorrida, não obstante o cumprimento, por parte desta, de todos os procedimentos de documentação e reporte contabilístico das operações e da manifesta adequação da respectiva contabilidade e comportamento em matéria fiscal;
10-É evidente que os argumentos em que a AT entendeu sustentar a liquidação impugnada são manifestamente insuficientes para permitir presumir a transmissão onerosa das cassetes em crise, o que, como bem decidiu o Tribunal a quo, se traduz num inalienável vicio de fundamentação imputável aos serviços;
11-Para além disso, ao basear-se no artigo 80 do CIVA para presumir a ocorrência de operações tributáveis, a AT não logrou recorrer, devendo tê-lo feito, aos procedimentos de avaliação indirecta da matéria colectável, e bem assim, à demonstração da falta de veracidade das declarações do contribuinte e de idoneidade da respectiva contabilidade;
12-No caso sub judice, não só não ficou provada a existência do tal facto conhecido que permitia firmar o facto desconhecido, como não ficou provada a necessidade de recorrer a presunções atentos os seguintes factores: (a) a existência de uma contabilidade idónea; (b) a exibição de todas as declarações e informações requeridas; (c) a colocação à disposicão de todo o acervo documental susceptível de permitir controlar a classificação das mercadorias impróprias para vendas como quebras; (d) e, finalmente, as diversas evidências da campanha publicitária efectivamente levada a cabo pela recorrida e, bem assim, no seu âmbito, da distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais, das cassetes de vídeo;
13-A utilização de presunções no caso concreto, em clara ofensa dos preceitos legais que lhe reservam um regime excepcional, balizado pelos pressupostos de ordem formal e material próprios do recurso a métodos indirectos, inquina definitivamente os actos impugnados do vício de violação da lei que determina a anulabilidade dos actos postos em crise;
14-TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.507 a 509 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.421 a 427 dos autos - numeração nossa):
1-Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa (Oriental) procederam a exame à escrita da sociedade impugnante, “..., L.da.”, com o n.i.p.c. …, em resultado da qual foi elaborado, em 18/09/1998, o relatório de fiscalização, junto a fls.159 e seg. dos presentes autos - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos - do qual, além do mais, consta o seguinte:
"(...)
5.1.1.2.- POR MÉTODOS INDICIÁRIOS

1- Cassetes vídeo do campeonato de futebol 93/94

Por se encontrarem em falta 55.053 cassetes, das 150.000 adquiridas para venda, presumiu-se, por força do disposto no artigo 80 do CIVA e com observância do referido na alínea d) do n. 1 do artigo 51 do CIRC, que as mesmas foram transmitidas.
O valor total desta transmissão presumida é de 27.223.709$00, apurado com base no preço de venda praticado pela empresa nesse ano;
- Quantidades adquiridas, fact. 8854 de Setembro 150.000
- Quantidades vendidas, fact. 5843 de Outubro - 96.860
- Quantidades devolvidas n/c 200176 de Novembro 1,913
- Quantidades em falta 55.053
- Preço unitário de venda s/IVA 494$50
- Vendas presumidas (55.053 x 494$50) 22.223.709$00

Ver anexos VII e VIII deste relatório.

Não obstante ter contabilizado o custo das cassetes para despesas de publicidade, a conclusão de que as referidas cassetes foram adquiridas para venda decorre dos seguintes factos:
a) Durante o ano 96.860 cassetes das 150.000 adquiridas foram vendidas.
b) Nos anos seguintes, esta operação repetiu-se com cassetes referentes a outros campeonatos. Porém, o remanescente das cassetes entretanto adquiridas, foram inventariadas e para as mesmas constituídas provisões, nos termos do artigo 35.° do CIRC.
c) Nos anos seguintes, as cassetes remanescentes, cujo conteúdo não tinha qualquer valor comercial eram reutilizadas com a gravação de novos eventos desportivos.

Em face do exposto, deverá ser acrescido ao lucro tributável em IRC de 1994, a importância de 27.223.709$00, referente as vendas presumidas.
Constitui tal falta infracção ao artigo 17 do CIRC, com observância do disposto nos artigos 80º do CIVA e 51º do CIRC, sendo punível nos termos do artigo 34.° do RJIFNA.

5.1.2. - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

5.1.2.1. - RESULTANTE DE PRESUNÇÕES

I - Cassetes do campeonato de futebol 93/94

Sobre o valor da transmissão que lhe foi presumida, nos termos do artigo 80º do CIVA, conforme referido no ponto anterior deste relatório, será liquidado IVA no montante total de 4.355.793$00;
27.223.709$00 x 16% = 4.355.793$00

Constitui tal falta infracção à referida disposição legal, sendo punível, nos termos do artigo 29º do RJIFNA.
(...)
(cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.158 a 167 dos presentes autos);
2-A impugnante foi notificada do relatório de fiscalização, tendo reclamado da fixação da base tributável em sede de I.V.A., no montante de 4.355.793$00 (por aplicação da taxa de 16% a vendas presumidas de 22.223.709$00), nos termos do artigo 84.° e segs. do CPT, cujos argumentos constam do articulado de fls.24 e segs. dos autos, os quais reproduzem os fundamentos da presente impugnação (cfr.documento junto a fls.24 a 35 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3-Não tendo sido possível obter acordo, entre o vogal da Fazenda Pública e o vogal da impugnante, foi mantida a correcção proposta pela AT, no sentido de se manter a fixação da matéria colectável de IVA, relativa ao ano de 1994 em 4.355.793$00 (cfr.acta junta a fls.135 a 149 dos presentes autos, contendo os laudos dos peritos das partes, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
4-Na sequência da decisão, tomada em sede de Comissão de Revisão, foi efectuada a liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 1994, bem como a liquidação dos respectivos juros compensatórios, nos montantes parciais de Esc.4.355.793$00 e de Esc. 2.563.711$00, com datas limites de pagamento até 31/01/2000, que constituem o objecto dos presentes autos (cfr.documentos de cobrança juntos a fls.11 e 12 dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
5-A sociedade "... ", no ano de 1994 tinha como objecto social a organização de espectáculos desportivos, representação e comercialização de artigos de desporto, mediação desportiva, agência de publicidade e edição e comercialização de videogramas (cfr.certidão de registo comercial junta a fls.49 a 56 dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
6-Em 1994, a ... decidiu, na prossecução do seu escopo social, promover uma campanha publicitária que se traduziu, no essencial, na distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais, de cassetes de vídeo, contendo um resumo alargado do campeonato de futebol referente à época desportiva de 1993/94, com a finalidade de reforçar a sua penetração no mercado e a sua associação aos mais representativos "players" do desporto profissional, designadamente do futebol nacional (cfr.citado laudo do vogal e contabilista da impugnante A... e depoimento do mesmo como testemunha e ainda das restantes testemunhas A... e L...);
7-Os gastos com as cassetes adquiridas destinadas a campanha publicitária foram inscritos na rúbrica contabilística de despesas de publicidade: conta 6223301 e o sujeito passivo não exerceu o direito à dedução do IVA na respectiva aquisição (cfr.diário de contabilidade junto a fls.57 dos autos, factura junta a fls.58 dos autos, esclarecimentos prestados pelo contabilista da impugnante, A..., inquirido como testemunha e facto admitido pela Autoridade Tributária em sede de relatório de inspecção);
8-Concretamente foram oferecidas 55.053 cassetes a clientes da ... (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida no nº.6 (cfr.depoimento das testemunhas A..., A... e L...);
9-A entrega das referidas cassetes foi efectuada à saída dos jogos de futebol do … na época de 1994/1995 e noutros eventos, nomeadamente no final da Taça de Portugal, no Portugalsport, no Hollywood Cars, no Solverde/BMW Tennis Cup e no Salão Internacional do Cavalo (cfr.depoimento das citadas testemunhas, maxime da testemunha L... que esteve nos locais de distribuição gratuita das cassetes, a orientar a sua entrega);
10-Nos anos subsequentes a 1994, foram adquiridas cassetes para comercialização, tendo sido distinto o tratamento contabilístico e fiscal dado a essas aquisições (cfr. depoimento das testemunhas, máxime do contabilista A..., bem como de A...).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…1-Que a ... vendeu, no ano de 1994, a quantia de 55.053 cassetes.
O facto elencado em 4.3.1. foi dado como não provado, por se encontrar em contradição com os factos provados supra, cuja fundamentação se encontra explanada supra...".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos, supra ids., os quais não foram impugnados pelas partes, sendo que partes dos factos, supra ids., se encontram admitidos por acordo.
Foi ainda determinante, para dar como provados os factos elencados nos números 6 a 10, o depoimento das três testemunhas arroladas pela impugnante, que depuseram com isenção e conhecimento directo dos factos, maxime das testemunhas L... e A....
A primeira testemunha: L..., porque exerceu as funções de Director de operações e logística da impugnante, no ano em causa, e coordenou a entrega e distribuição gratuita das cassetes, tendo estado presente em alguns dos eventos a orientar a sua entrega, sabendo identificar os respectivos locais e os festejos e jogos, em que foram distribuídas as cassetes ao público.
A segunda testemunha A..., porque exerceu as funções de contabilista da impugnante e, da conjugação do seu depoimento com a leitura do laudo que subscreveu como vogal da impugnante, em sede de procedimento de revisão, foi explicado, com pormenor, que a aquisição das cassetes foi inscrita na então conta 622331 do POC - Publicidade e Propaganda e não na conta 31-Compras (destinando-se esta última conta a custo de aquisições de matérias primas e bens aprovisionáveis destinados a consumo ou venda).
Esclareceu ainda que o sujeito passivo não exerceu o direito à dedução do IVA na respectiva aquisição, atento o objectivo que perseguia de ceder as cassetes ao público, no âmbito da sua estratégia de publicidade e o disposto na alínea f) do n.°3 do artigo 3 do CIVA e da Circular n.° 19/89 de 19/12.
Por último referiu que, nos anos seguintes, a estratégia de planeamento e gestão da empresa foi alterada e foi decidida a comercialização de cassetes com conteúdos de campeonatos de futebol daqueles anos, pelo que o tratamento, contabilístico e fiscal, conferido à aquisição das cassetes foi outro…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação, devido a errónea quantificação da matéria colectável por métodos indiciários.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que no relatório de inspecção foram elencados os motivos justificativos do porquê de se aplicar os métodos indiciários, nos termos do artº.51, nº.1, al.d), do C.I.R.C., à data dos factos, quando a norma se refere a erros e inexactidões. Que o impugnante não demonstrou o destino dado às cassetes em falta, bem como não provou que os cálculos e os dados apurados e relevados pelos serviços de inspecção estavam incorrectos. Que a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artºs.51, do C.I.R.C., e 80, do C.I.V.A., sendo a liquidação ora emitida legal (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09).
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Mais se dirá que a avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que é mester recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável/matéria colectável do sujeito passivo em causa, situação em que cessa a presunção de veracidade de que goza a contabilidade/declarações dos contribuintes (cfr.artº.75, nº.2, da L.G.T.).
No caso "sub judice" e ao abrigo do regime previsto no C.P.T., aplicável à data em que se realizou a inspecção tributária (1998 - cfr.nº.1 do probatório), devia levar-se em consideração o disposto no artº.81, do C.P.T., sendo que a possibilidade de recurso à aplicação de métodos indiciários, com vista à determinação da matéria colectável no âmbito do I.V.A., se fazia tendo por base o disposto nos artºs.82 e 84, do C.I.V.A., e de acordo com os vectores consagrados no artº.38, do C.I.R.S., e nos artºs.51 a 56, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.T. de 2ª. Instância, 12/5/92, C.T.F.368, pág.234 e seg.; ac.T.C.A.-2ª. Secção, 16/3/99, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
No entanto, do exame da factualidade provada (cfr.nº.1 do probatório), a Fazenda Pública estruturou a liquidação de I.V.A. tendo por base a previsão do artº.80, do C.I.V.A., vigente à data dos factos, norma que não se confunde com a aplicação de métodos indiciários e que dispunha o seguinte:
Artº.80
(Presunções de aquisição e transmissão)

Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais.

A previsão e estatuição da norma sob exegese constitui uma consequência directa da obrigação de inventariação física das existências consagrada no artº.79, do C.I.V.A. Como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros, tal como a constatação da existência de bens não documentados, nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Em ambos os casos, o legislador admite, por um lado, uma presunção "iuris tantum" de aquisição dos bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, assim motivando a liquidação do correspondente imposto. Tratando-se, porém, de presunções "iuris tantum", o sujeito passivo poderá ilidi-las fazendo prova de que os bens em causa não foram, efectivamente, objecto de transmissão (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.813 e seg.).
Ora, de acordo com a fundamentação da A. Fiscal, constituiu fundamento para a utilização de métodos indiciários, a previsão do artº.51, nº.1, al.d), do C.I.R.C., isto é, a existência de erros ou inexactidões no registo das operações da sociedade recorrida ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido. Sem prejuízo do acabado de referir, a própria Fazenda Pública admite ter a empresa contabilizado o custo das cassetes para despesas de publicidade e não ter deduzido o I.V.A. da respectiva aquisição (cfr.nº.1 do probatório).
No entanto, a Fazenda Pública invoca a seu favor a presunção ilidível consagrada no citado artº.80, do C.I.V.A., como fundamento para a estruturação da liquidação objecto dos presentes autos.
Ora, de acordo com a factualidade provada (cfr.nºs.6 a 9 do probatório) deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a sociedade recorrida fez prova de que não procedeu à venda das 55.053 cassetes em falta, as quais foram oferecidas aos seus clientes (actuais e potenciais) no âmbito de eventos desportivos, assim ilidindo a presunção que fundamentou o acto tributário impugnado, o qual padece, desde logo, do vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Por último, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida tenha violado o disposto nos artºs.51, do C.I.R.C., e 80, do C.I.V.A., sendo que o recorrente igualmente não consubstancia tal violação.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 15 de Setembro de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)