Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8973/15.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
NÃO CONDENAÇÃO EM CUSTAS.
Sumário:I - Ao juiz impõe-se o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II – No caso, a Requerida, ATA, aqui Impugnante, havia defendido nos autos, em diversos requerimentos dirigidos ao processo, a sua não condenação em custas, por ter sido a Requerente “quem deu azo ao processo, com a recusa constante de apresentar os efectivos documentos que permitiriam à AT a comprovação dos factos em causa”. Ou seja, para a ATA, independentemente da Requerente vir a obter ganho de causa, há razões a considerar para afastar a responsabilidade da Requerida no que toca às custas.
III - Não há dúvidas que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre as custas, verificando-se que a Requerida foi condenada nas mesmas, em ¾ do seu valor, atendendo ao decaimento.
IV - Contudo, a determinação da responsabilidade por custas teve apenas em atenção o decaimento objectivado no dispositivo decisório, com expressa invocação do artigo 12º, nº2 do RJAT, quando, no caso, o que a Requerida pretendia era a sua não condenação em custas por, face ao concreto circunstancialismo alegado, não poder ser considerado que “deu azo processo”, devendo, sim, ser tida em conta a actuação do sujeito passivo, mormente a junção tardia de documentos e a sua não exibição atempada à Administração (princípio da causalidade).
V - Esta linha de sustentação do pedido formulado pela ATA afigura-se-nos como uma verdadeira questão a decidir e não apenas mera argumentação, questão essa que não se mostra sequer implicitamente considerada.
VI - Verifica-se, assim, uma nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão assinalada, nulidade esta que é parcial e apenas afecta na parte correspondente o acórdão impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, Entidade Demandada nos autos de Pronúncia Arbitral n.° …../2014-T, que correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa, e em que foi Requerente a L………… SGPS, S.A., NIF 500……, «vem, por não se conformar com a decisão final aí proferida, e nos termos do art. 27° do Decreto-Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar IMPUGNAÇÃO».

Finaliza a sua petição com as seguintes conclusões:

1ª.- A presente impugnação parcial do acórdão arbitral, proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído sob a égide do CAAD, é apresentada ao abrigo do disposto no artigo 27.° e da alínea c), do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, respeitando ao segmento decisório do acórdão arbitral referente à condenação da ora Impugnante em custas, o qual padece do vício de omissão de pronúncia;

2ª.- E, vem a presente Impugnação apresentada no prazo de 15 dias contado da notificação da decisão arbitral impugnada (cf. artigo 27.°, n.° 1, do RJAT), atentas as regras previstas para as notificações efetivadas por transmissão eletrónica de dados e a suspensão em férias judiciais [cf. artigos 148.° e 248.° do NCPC, ex vi do artigo 29.°, n.° 1, alínea e) do RJAT];

3ª.- Devendo, a presente impugnação ser admitida, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo [cf. artigos 27.°, 28.°, n.° 1, alínea c) e n.° 2 e 26.° do RJAT];

4ª.- A Impugnante não concorda nem se pode conformar nos termos legais com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo no que respeita à condenação em custas da AT em 3/4, porquanto o mesmo omitiu pronúncia relativamente a questão de não condenação em custas da Requerida, devidamente suscitada nos autos, sobre a qual se deveria pronunciar [artigo 28.°, n.° 1, alínea c) do RJAT], logo, contrário à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, conforme se passará a expor.

5ª.- A referida questão foi devidamente suscitada e desenvolvida pela Impugnante ao longo dos autos, quer em requerimentos autónomos (em 02-02-2015, 27-03-2015 e 27-04-2015), quer nas alegações escritas (fls. 19 das alegações), sendo perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;

6ª.- Contudo, o Tribunal nada disse quanto ao pedido expressamente formulado pela Requerida nos autos relativamente à sua não condenação em custas face à junção tardia da prova documental pela ora Impugnada, ou seja, não dedicou no acórdão arbitral uma palavra sequer à questão suscitada, omitindo assim a devida pronúncia;

7ª.- A problemática em torno da imputabilidade das custas processuais em função da junção tardia de prova por quem invoca o respetivo direito a seu favor constitui uma verdadeira questão e não um mero argumento;

8ª.- O Tribunal Arbitral Coletivo não justificou a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa;

9ª.- Acresce que a questão suscitada pela AT, relativa à não condenação em custas da Requerida face à junção tardia da prova documental pela Requerente, não era (nem é) uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões;

10ª.- O acórdão arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma "decisão surpresa";

11ª.- Motivos pelos quais não deve ser mantido, na parte impugnada, na ordem jurídica o acórdão arbitral ora colocado em crise, devendo antes ser aquele declarado nulo;

12ª.- Pelo que, nos termos expostos, deve ser julgada procedente a nulidade do segmento decisório do acórdão arbitral referido, com todas as legais consequências.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser parcialmente anulada a decisão arbitral, nos termos peticionados, com as devidas consequências legais.


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Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145º nº 1 do CPTA, por força do nº 2 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20/1, para querendo, contra-alegar, veio a Impugnada juntar aos autos “despacho dos Exmos. Árbitros do CAAD, onde é decidida a questão da nulidade que é objecto do presente processo.” (fls. 19 e ss.)

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º nº 1 do CPTA, não emitiu parecer.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a questão que constitui objecto da presente impugnação, atento o exposto e as conclusões das alegações, consiste em saber se o acórdão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre “a questão de não condenação em custas da Requerida, devidamente suscitada nos autos, sobre a qual se deveria pronunciar…”.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da decisão impugnada:


Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos (incluindo o processo administrativo) e nas declarações das testemunhas, o Tribunal fixa a seguinte factualidade relevante:

22.1. A Requerente dedica-se à venda de livros em 55 estabelecimentos distribuídos pelo País;

22.2.Por vezes, a Requerente realiza eventos de vendas fora dos estabelecimentos;

22.3.No exercício de 2009 a Requerente, L………., SGPS, SA, era sociedade dominante de um grupo de empresas, tributado no âmbito do RETGS, designado "Grupo B…….", composto pelas seguintes sociedades:

NIPCDENOMINAÇÃO SOCIAL
500 ……L………, SGPS, S.A.
501 ……Distribuidora L……., Lda.
501 ……B…….., Lda.
501 ……L…….. – Sociedade Comércio Livreiro, S.A.

22.4. Relativamente ao exercício de 2009, as sociedades referidas no número anterior entregaram, individualmente, as respectivas Declarações de Rendimentos Modelo 22, apurando os resultados seguintes:

NIPCDeclaração de Rendimentos - Modelo 22
NúmeroDataResultado Fiscal
501 ……..3263-2010-C0…..-1104-05-2010- € 426.833,08
501 ……..3263-2010-C0…..-1111-05-2010€ 289.851,95
501 ……..3263-2010-C0…..-1829-04-2010€ 941.749,09
501 ……..3263-2010-C2…..-1225-05-2010€ 888.880,77
Total€ 1.693.648,73

22.5. O somatório dos resultados individuais do grupo identificados no número anterior corresponde ao resultado fiscal do Grupo declarado pela Requerente na Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo de Sociedades, submetida em 26.05.2010, e à qual foi atribuído o número 3263-2010-C3……-02.

22.6. Para efeitos de apuramento do Lucro Tributável, todas as sociedades que compõem o Grupo inscreveram valores na linha 225 (linha em branco) do Quadro 07, nos termos abaixo discriminados:

NIPCDeclaração de Rendimentos
Modelo 22
Quadro 07
Linha 225
500 ……3263-2010-C……-11€ 37.964,45
501 ……3263-2010-C……-11€ 227.568,65
501 …….3263-2010-C……-18€ 42.224,98
501 …….3263-2010-C……-12€ 1.934.892,57

22.7. Em 20 de Fevereiro de 2012, a B………… SGPS apresentou Reclamação graciosa com fundamento em erro na autoliquidação, pedindo as correcções das declarações das declarações modelo 22 da L……… e do grupo Fiscal B……… SGPS (PA, RG, fls 1 a 65).

22.8. A reclamação graciosa (processo nº 32632…….) foi objecto de informação propondo o indeferimento que mereceu despacho superior favorável em 18 de Julho de 2012, sendo notificada por ofício datado de 20 de Julho de 2012 para exercício do direito de audição prévia, que não exerceu, foi o despacho de indeferimento convertido em definitivo por despacho de 6 de Setembro de 2012 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, notificado a 10 de Setembro de 2012 (PA, RG, fls 73 a 83).

22.9. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi, em 4 de Outubro de 2012, interposto Recurso Hierárquico que, após informações da Direcção de Finanças de Lisboa e da Direcção de Serviços do IRC, foi indeferido por despacho da Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, de 30 de Abril de 2014, notificado à Requerente em 15 de Maio de 2014 (PA, RH, fls. 1 a 105).

22.10 No âmbito da sua actividade, como procedimento habitual, a L……… procede a inventariação e catalogação dos livros (i. e., inventários/existências) nas diversas lojas, procedendo, semestral ou anualmente, ao confronto dos livros.

22.11. À semelhança de exercícios anteriores, verificou-se, em 2009, uma quebra na inventariação física (dado que as existências finais não correspondiam as que estavam registadas), pelo que, de forma a representar fielmente os resultados da sua actividade, foi registado contabilisticamente um gasto no montante de EUR353.345,25, embora não seja possível identificar individualmente e com rigor as datas efectivas das quebras em existências verificadas, e inequívoco que as mesmas resultam de furtos e extravios de livros,

22.12. Os livros são objectos de pequenas dimensões, leves e maleáveis, fáceis de transportar e encontram-se expostos em áreas de grande dimensão, com livre acesso ao público em geral, fatos que facilitam o contacto com os livros e que dificultam a detecção de furtos ou extravio dos mesmos.

22.13. Os responsáveis da L………. tem envidado os seus melhores esforços no sentido de intensificar as medidas de segurança, tendo sempre como objectivo a redução ao máximo das quebras registadas e a minimização das perdas.

22.14. Tais esforços concretizaram-se na implementação de diversas medidas de segurança, as quais implicam avultados gastos imediatos e de manutenção:
• Contratação de vigilantes e seguranças privados, que são colocados nas lojas de rua (uma vez que as lojas situadas em centros comerciais já possuem segurança própria);
• Colocação de camaras de vigilância,
• Colocação de alarmes nas lombadas dos livros e de "antenas-alarme" nas lojas, que detectam a saída de livros quando não haja sido efectuado pagamento prévio. (Cfr. Doc.s 2 a 4)

22.15.Não obstante as referidas diligencias, não é possível evitar ou eliminar a totalidade dos furtos oque implica, por consequência, que as quebras em inventários se considerem uma realidade intrínseca da própria actividade, inerentes a natureza do próprio negocio do retalho (seja ele qual for), ainda que causadas par factores extemos a mesma (são as designadas "quebras desconhecidas").

22.16. É possível remover com relativa facilidade os alarmes dos livros bem como oculta-los de modo a não serem detectados a saída das lojas.

22.17.Por outro lado, são também possíveis métodos mais engenhosos que poderão implicar a troca de etiquetas e/ou códigos de barras de um livro de valor superior por outras pertencentes a livros de valor inferior, implicando urna registo incorrecto na saída da mercadoria.

22.18.O próprio seguro não abrange as situações, aqui em apreço, quer por se tratar de furtos de valor reduzido (se considerados individualmente), inferiores a franquia do seguro, quer porque a data da sua ocorrência e desconhecida e apenas são detectados aquando da inventariação periódica,

22.19. A apólice Multirriscos da L……., atento o constante do art. 5º nº 7, alínea e), (pagina 23 das condições gerais), ficam, por vontade unilateral da Seguradora, expressamente excluídos, de protecção e respectiva cobertura “O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravios, bem como as subtracções de qualquer espécie", previsão em que se enquadram, as situações em causa nestes autos. (Cfr doc. nº5).

22.20. Sempre que os autores do furto são identificados, os gerentes de loja apresentam queixa junto das autoridades policiais competentes (Doc. nº? 3, junto com a Reclamação), tendo demonstrado a experiência prática que tal procedimento é inócuo quando os autores dos crimes são desconhecidos, o que acontece na maior parte das situações),

22.21. A própria AT concorda com a Recorrente no que respeita a proporcionalidade da taxa media das quebras verificadas, referindo que "acredita-se que, como informado, a taxa media de perdas, em Portugal seja de 1,26% e que na L…….., SA, esse rácio tenha sido de 0,94%".

22.22. O relatório do "The Global Retail The Barometer 2009", do Centre for Retail Research - entidade independente que se dedica a análise do impacto do furto no sector do retalho a nível europeu - que concluiu, em referência ao exercício de 2009, que a taxa de perdas desconhecidas em Portugal, no sector do retalho, se cifrou em 1,26% das vendas.

22.23. O mesmo estudo refere que os livros se encontram no top 5 de artigos ou produtos mais furtados e dos que teve um maior crescimento de 2008 para 2009.

22.24. A L……….. apresenta um rácio de 0,94% do volume total das vendas (dado que o valor total das vendas efectuadas pela L…….., no exercício de 2009, ascendeu a EUR 37.556.964,58).

22.25.Em 2009 a Requerente teve um volume de negócios de 37.556.964,58€;

22.26. Para o controlo e contabilização das existências (livros) a Requerente adopta um sistema informático de gestão de stocks (SAP), que integra o sistema de inventário permanente, obrigatório pelo DL 44/99 de 12 de Fevereiro, com vista à determinação real dos seus resultados, para a qual é determinante o valor do custo das mercadorias vendidas e consumidas e as suas determinantes;

22.27.. A utilização do referido sistema de inventário permite saber a cada momento o nº de unidades teóricas de cada livro existente em cada livraria, podendo cada livraria saber as existências teóricas das restantes, de cada título, e assim satisfazer a curto prazo algum pedido sem disponibilidade na livraria onde o pedido é efectuado mas porventura existente noutra livraria do grupo. Tudo em tempo real, pois as saídas de livros actualizam imediatamente o stock, quando passam no caixa;

22.28. Os livros furtados continuam contabilisticamente a figurar como existentes, uma vez que não passam pela caixa;

22.29.. É o sistema de inventario permanente que permite à Requerente a evidenciação na contabilidade das perdas por loja e por tipo de livro, das perdas por quebras sem justificação verificadas em 2009;

22.30.. É impraticável controlar em permanência o stock físico de cada livro, assim como é impraticável detetar com oportunidade os furtos e outras quebras;

22.31..Pode acontecer também existir algum livro no stock contabilístico e não ser detetado pelo empregado no momento de um pedido, mas não é relevada de imediato a falta pois o livro em questão pode estar fora do sítio devido;

22.32..As faltas só são confirmadas nos inventários anuais (ou bianuais), onde os livros existentes são introduzidos um a um (incluindo recontagem), e apenas após terminado o inventário físico, quando este é informaticamente comparado com o stock teórico e são evidenciadas as faltas. São os chamados mapas com determinação das diferenças de inventario por lojas e produtos, que servem de base ao lançamento contabilístico ou em alternativa poderiam ter justificado um aumento do custo das mercadorias consumidas sem relevação autónoma;

22.33. A Requerente relevou na contabilidade autonomamente estas perdas, mas não as reconheceu para efeito de IRC, acrescendo-as no quadro O7 da declaração fiscal;

22.34. Mais tarde, alertada por parecer de um seu consultor, a Requerente decidiu alterar o critério de aceitação fiscal deste custo e apresentou uma reclamação graciosa;

22.35. Esta listagem “ diferenças de inventario” que inclui o resumo dos livros furtados por loja, e loja a loja, os título furtados e o respetivo valor, sendo a base do lançamento contabilístico evidenciando as perdas dos elementos em stock (inventario) é retirada do sistema informático, que permite formatar os “outputs de acordo com as necessidades;

22.36. Usualmente imprimem-se resumos destes outputs formatados, que no caso concreto e apenas as listagens das diferenças de inventário por loja, recebidas em ficheiros informáticos, incluiriam muitos milhares de páginas impressas;

22.37.O verdadeiro comprovante é o próprio sistema informático donde se extraem formatadas a pedido as listagem de suporte para os vários fins em vista;

22.38. A evidência física na contabilidade do registo das perdas no stock por causas desconhecidas em conta própria terá sido o resumo das quebras por loja, (uma página) constante dos autos;

22.39. A Requerente optou por lançar na contabilidade as diferenças de inventario em conta própria, o que foi possível por dispor de um sistema informático que lhe permite evidenciar por loja e por produto as quebras;

22.40. Em 2009 o valor das quebras relevadas na contabilidade totalizou 353.345,25;

22.41. Aquele valor corresponde a 0,94 % das vendas do mesmo ano. (37.556.964,58 €);

22.42. A apresentação de queixa às autoridades ocorre sempre que os autores dos furtos são detetados, o que corre em raríssimas ocasiões. É outro procedimento dissuasor estabelecido;

22.43. As quebras de inventários deste tipo, são uma inevitabilidade no negócio do retalho, nomeadamente nas livrarias, ao qual se dedica a L………;

22.44. A Requerida reconhece a inevitabilidade referida no número anterior, tal como resulta do Parecer nº 63/92 do Centro de Estudos Fiscais e a informação vinculativa A509 2009009 de 26 de Junho de 2009, onde o mesmo parecer é referido;

22.45. A AT admite que a aceitação para fins tributários das perdas por "quebras desconhecidas" depende de análise casuística e circunstanciada da situação em concreto;


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Por se revelar útil à decisão da causa, adita-se o seguinte ao circunstancialismo de facto:

a) Em 02/02/15, em 27/03/15 e em 27/04/15, em articulados dirigidos aos autos arbitrais com o nº ……../2014-T, a Requerida, ATA, requereu, além do mais, a sua não condenação em custas, atenta a tardia junção de documentos por parte da Requerente, L…… (cfr. volume 15 e 16 do processo arbitral, cuja cópia se mostra registada em suporte CD, junto aos autos;

b) Em 24/09/15, foi proferido, pelos Senhores Árbitros subscritores do acórdão impugnado, o despacho que sustentou a não verificação da alegada nulidade, no qual, além do mais, consta o seguinte (cfr. fls. 20 a 23 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“(…)

D.

Quanto à invocada nulidade:

A AT pediu a sua não condenação em custas. É este o pedido. O Tribunal pronunciou-se sobre este pedido ao condenar a AT em ¾ das custas. Não há omissão de pronúncia.

Como fundamento do seu pedido a AT invocou “a relevação de documentos somente após o pedido de pronúncia arbitral”.

O Tribunal fundamentou a condenação da AT em ¾ das custas, em esta ter decaído parcialmente na sua argumentação e nos pedidos e cita o artº 12º, nº2 do RJAT, o qual dispõe que a eventual repartição das custas pelas partes será feita na decisão.

Nessa formulação concisa está implícito o princípio da sucumbência, que é uma constante no nosso direito em matéria de custas, hoje inscrito no artº 527º, nº2 do CPC, segundo o qual entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

(…)

Do exposto conclui-se pela improcedência da invocada nulidade”.


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2.2. De direito

Tal como resulta das conclusões da alegação da presente impugnação, a questão a decidir é a de saber se o acórdão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre “a questão de não condenação em custas da Requerida, devidamente suscitada nos autos, sobre a qual se deveria pronunciar…”.

Vejamos.

Como se deixou dito no acórdão desta secção proferido em 18/04/18, no processo nº nº121/17.0BCLSB, “O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Feito este enquadramento, avancemos.

Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº.1, al. d), do Código Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº.2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra coisa são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra.

Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário, o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT.

A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, então, lembrando que os Senhores Árbitros sustentaram a não verificação da alegada nulidade.

A Requerida, ATA, aqui Impugnante, havia defendido nos autos, em diversos requerimentos dirigidos ao processo, a sua não condenação em custas. No essencial, e como reitera no corpo das alegações, por ter sido a Requerente “quem deu azo ao processo, com a recusa constante de apresentar os efectivos documentos que permitiriam à AT a comprovação dos factos em causa”. Ou seja, e como se percebe, para a ATA, independentemente da Requerente vir a obter ganho de causa, há razões a considerar para afastar a responsabilidade da Requerida no que toca às custas.

No acórdão impugnado decidiu-se quanto à condenação em custas o seguinte: “considerando que ambas as partes decaíram parcialmente na sua argumentação e nos pedidos, condenar a Requerida em ¾ das custas e a Requerente em ¼, nos termos do artº 12º do RJAT”.

Ora, na formulação avançada no despacho transcrito, da autoria dos Senhores Árbitros:

“A AT pediu a sua não condenação em custas. É este o pedido. O Tribunal pronunciou-se sobre este pedido ao condenar a AT em ¾ das custas. Não há omissão de pronúncia.

Como fundamento do seu pedido a AT invocou “a relevação de documentos somente após o pedido de pronúncia arbitral”.

O Tribunal fundamentou a condenação da AT em ¾ das custas, em esta ter decaído parcialmente na sua argumentação e nos pedidos e cita o artº 12º, nº2 do RJAT, o qual dispõe que a eventual repartição das custas pelas partes será feita na decisão.

Nessa formulação concisa está implícito o princípio da sucumbência, que é uma constante no nosso direito em matéria de custas, hoje inscrito no artº 527º, nº2 do CPC, segundo o qual entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

(…)

Do exposto conclui-se pela improcedência da invocada nulidade”.

Não há dúvidas que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre as custas, verificando-se que a Requerida foi condenada nas mesmas, em ¾ do seu valor, atendendo ao decaimento.

Contudo, a determinação da responsabilidade por custas teve apenas em atenção o decaimento objectivado no dispositivo decisório, com expressa invocação do artigo 12º, nº2 do RJAT, quando, no caso, o que a Requerida pretendia era a sua não condenação em custas por, face ao concreto circunstancialismo alegado, não poder ser considerado que “deu azo processo”, devendo, sim, ser tida em conta a actuação do sujeito passivo, mormente a junção tardia de documentos e a sua não exibição atempada à Administração (princípio da causalidade).

Ora, esta linha de sustentação do pedido formulado pela ATA afigura-se-nos como uma verdadeira questão a decidir e não apenas mera argumentação. Não estamos, no caso concreto, perante a mera falta de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados para concluir sobre uma questão; estamos perante o não conhecimento de uma questão colocada pela ATA (não responsabilidade pelas custas), que, do nosso ponto de vista, não se mostra sequer implicitamente considerada.

Face ao que vem dito, verifica-se, pelas razões expostas, uma nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão assinalada, nulidade esta que é parcial e apenas afecta na parte correspondente o acórdão impugnado.

Atento o que vem de se dizer, tem, portanto, a impugnação da decisão arbitral ora sindicada necessariamente que proceder.

Aqui chegados, deve recordar-se que o TCA Sul não tem poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, visto que essa competência, e em moldes muito restritos, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional e ao STA.

Assim, sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o TCA Sul deve apenas declarar a nulidade da sentença e ordenar a devolução do processo para que o Tribunal Arbitral a reforme em consonância com o julgado rescisório deste Tribunal e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito, da qual poderá caber recurso para o Tribunal Constitucional ou STA nos termos do artigo 25º do RJAT.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em julgar procedente a presente impugnação da decisão arbitral e anular, parcialmente e nos termos expostos, a decisão impugnada, ordenando a baixa dos autos ao Centro de Arbitragem Administrativa.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 22/05/19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Jorge Cortez)