Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11791/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
CASAMENTO
Sumário:i) Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional.

ii) O ónus da prova para efeitos do disposto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege-se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342.º e 343.º do C. Civil.

iii) A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, intimamente conexionada com a vida privada do interessado, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. O que é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade.

iv) Não demonstra a existência de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, o interessado que assenta o pedido de aquisição da nacionalidade apenas na circunstância de ser casado com cidadã portuguesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

O Ministério Público intentou no T.A.C. de Lisboa acção de oposição à aquisição de nacionalidade contra Luiz ……………….

Por decisão proferida em 17 de Junho de 2014 foi julgada improcedente a acção.

Inconformado com o decidido, recorreu o M.P. para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. - O Requerido/Recorrido não contestou a presente acção, pelo que tratando-se esta de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que o Requerido trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações que prestou na Conservatória do Registo Centrais.

2. - Pelo que, tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.º, alinea a), da Lei n.º 37/81, na redacção da Lei n.º 2/2006 , de 17 de Abril , artigo 56.º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343º, n.º 1, do Código Civil.

3 - No regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade;

4. - A Lei ao exigir que a declaração do cônjuge seja proferida na constância do casamento é perfeitamente perceptível quanto à sua razão de ser, já que é em atenção a essa relação conjugal que se possibilita a aquisição do novo vínculo jurídico-político.
5. - A intencionalidade deste instituto é clara: visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados, por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, ou seja, que o casamento não seja designadamente um simples meio para a aquisição da nacionalidade portuguesa;

6. - A luz do artigo 4º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, as acções de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser consideradas como acções de simples apreciação negativa, pois que são destinadas à demonstração (e consequente declaração judicial) da inexistência de ligação à comunidade nacional,

7. - Consequentemente, e de harmonia com o disposto no artigo 343º, nº 1, do Código Civil, a prova os factos constitutivos do direito que se arroga, sempre competiria à ora recorrente.

8. - Acrescendo, ainda, que pelo facto se estarmos face a uma acção que é consequência de uma pretensão inicialmente formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais pelo interessado em obter a nacionalidade portuguesa, sempre lhe caberia, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos de tal pretensão.

9.- A redacção do artigo 3.º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, foi mantida pela Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril, assim continuando o (a) estrangeiro(a) casado com nacional português a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa.

10. -Todavia, enquanto o artigo 9º, na sua redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional", na sua redacção actual estabelece o mesmo normativo que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros factores, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.

11.- Estatuindo o n.º 1 do artigo 57º do D.L. 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que "Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c,) do nº 2 do artigo anterior" (destaque e sublinhado meus).

12. - Pois que, por mais profunda que seja a ligação afectiva da Recorrida que a liga ao nacional português com a qual contraiu casamento, tal ligação afectiva, em si mesma considerada, à luz dos diplomas legais que regem a aquisição da nacionalidade portuguesa, não é - não pode ser, como se entendeu na sentença, ora em recurso - sinónimo de que a recorrida tenha uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

13. - Na realidade, e ao contrário do que expressamente resulta da lei, a decisão recorrida equipara a ligação afectiva; que une o Recorrido a uma actual cidadã detentora da nacionalidade portuguesa para de tal facto extrair uma, pretensa e não demonstrada, ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa considerada na sua globalidade.

15. - O facto de a Lei exigir que a declaração do cônjuge seja proferida na constância do casamento é perfeitamente perceptível quanto à sua razão de ser, já que é em atenção a essa relação conjugal que se possibilita a aquisição do novo vínculo jurídico-político.

16. - A "ligação efectiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.

17 - A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos da comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, que no caso concreto não se verifica, porquanto a recorrida quer o seu cônjuge, filhos e família nasceram na República Federativa do Brasil, país onde sempre terão residido e no qual ainda residem actualmente, tudo num quadro que aponta, impõe-se afirmá-lo, para uma identificação com a realidade brasileira e não com a realidade portuguesa, pese embora os conhecidos laços históricos (e mesmo afectivos) existentes entre as repúblicas brasileira e portuguesa.
18. - Com efeito, ao contrário do entendido na decisão recorrida, é nosso entendimento que os factos dados como provados na sentença, não evidenciam a existência de laços que corporizam um sentimento de pertença à comunidade nacional, pelo contrário evidenciam a inexistência da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa.

19. - Nem a mesma interpretação viola o disposto no artigo 36.º, nº 3, da CRP pois não implica qualquer desigualdade entre os cônjuges (desde logo, porque, à partida, os cônjuges não estão em situação igual, uma vez que um tem uma ligação à comunidade portuguesa, por ser cidadão nacional e o outro não), nem viola o artigo 67.º da CRP, porque o princípio da unidade familiar não sai beliscado pelo facto de se impor ao membro não nacional a demonstração da sua efectiva ligação à comunidade nacional, imposição que, como resulta de todo o exposto, nada tem de ilegítima.

20. - Assim, mal decidiu o Tribunal Administrativo Círculo de Lisboa ao julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do Recorrido e ao ordenar o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que deve ser revogada, e substituída por outra em que se declare a procedência da presente acção, devendo dar-se provimento ao recurso.

O recorrido apresentou requerimento, subscrito pelo próprio, formulando pretensão de manutenção da decisão recorrida.


II) Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) O Réu nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, no dia 12 de Agosto de 1946 (Certidão de Nascimento junto a fls. 12 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);

B) É filho de ………………… e de Florinda ……………….., ambos naturais da República Federativa do Brasil (Certidão de Nascimento cit.);


C) No dia 5 de Julho de 1975, contraiu casamento com Marli ………………. (Assento de Casamento n.º ………../2006 do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Brasil, junto a fts. 19 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);

D) Titular do Assento de Nascimento n.o 3303/2005 do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Brasil, junto a fls. 7 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido;

E) Em data não determinada (em virtude da ilegibilidade do carimbo de entrada) foi registada a entrada na Conservatória dos Registos Centrais Declaração para Aquisição da Nacionalidade Portuguesa, assinada pelo Réu (fls. 5 dos autos do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido);

F) Na qual o Réu declarou:
- Que é casado com nacional portuguesa há mais de três anos;
- Que tem ligação efectiva à comunidade portuguesa;
- Que não foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
- Que nunca exerceu funções públicas de carácter predominantemente técnico a Estado estrangeiro;
- Que nunca prestou serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro
(Declaração cit.);

G) Para prova da ligação efectiva à comunidade portuguesa juntou, além dos acima referidos, os seguintes documentos: depoimentos prestados pelo próprio e por um amigo ou conhecido bem como assentos de nascimentos de três filhos e de um neto registados na Conservatória dos Registos Centrais (fls. 11 e 12 e 21 e 26 dos autos do processo físico, cujos teores se dão por reproduzidos)

H) Com base na Declaração referida em E) e F) foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o Processo n.0 47664/11 (Despacho da Conservadora Auxiliar de 16 de Novembro de 2012, junto a fls. 34-36 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);

I) Cuja certidão foi mandada remeter ao Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, sob invocação do art.º 10° da Lei n.0 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica n.0 2/2006, de 17 de Abril (Despacho cit.).

Ao abrigo do artº 662º nº 1 do C.P.C adita-se o seguinte facto:
J) A mulher do recorrido nasceu no Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de Abril de 1950, tendo promovido a integração do respectivo registo de nascimento, no Registo Civil Português, em 23 de Dezembro de 2005. – cfr fls. 7 dos autos

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações importa conhecer do mérito do mesmo, não sem antes se abordar a questão prévia da apresentação, pelo recorrido, do requerimento de fls. 83/87.

Nos termos do artº 11º nº 1 “nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado”; ora, sendo o requerimento supra referido subscrito pelo recorrido, é de ordenar, face ao incumprimento do aludido preceito, o desentranhamento do mesmo.

O cerne da pretensão de recurso dirigida a este Tribunal Central prende-se com a questão do ónus da prova, alegando o recorrente que competir ao requerido a prova dos factos constitutivos de que se arroga. E com razão, desde já se adianta.

Começando por traçar o quadro normativo de referência, temos que no art. 3°, nº 1 da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro - na redacção da Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto -, prevê-se o seguinte:

“1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.”.

Por outro lado, no art. 9.°, na redacção anterior, estabelecia-se que:

“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

E a redacção actual é esta:

“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

No art. 56.°, n.º 2, do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, prevê-se o seguinte:

“2- Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:

a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igualou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

Por fim, no art. 57.°, n.° 1, deste diploma, dispõe-se que:

“Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.”

Sobre a questão do ónus da foi proferido, recentemente, por este Tribunal, Acórdão em 29 de Janeiro de 2015, no âmbito do Proc. 10708/13, que contém análise exaustiva da questão e do qual se transcreve o seguinte trecho:

“Conforme se retira da leitura destes preceitos, antes exigia-se que o interessado comprovasse a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a “não comprovação” dessa ligação efectiva. Agora, não se faz menção a essa “não comprovação”, mas tão-só à “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.

A verdade é que o interessado terá de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”, crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.

A oposição à aquisição de nacionalidade, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional (que é o que está em causa no presente processo) continua a derivar da existência de um requerimento feito por alguém que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito e devendo pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. A constatação, face às explicações dadas, de que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir pela ligação à comunidade nacional, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição (como no caso sucedeu).

A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa continua, pois, a configurar-se, como uma acção de simples apreciação negativa. Neste sentido concluiu, entre outros, o acórdão deste TCAS de 17.05.2012, proc. n.º 8726/12, ou, para citar o mais recente, o acórdão de 20.11.2014, proc. n.º 10824/14. Como se escreveu neste último aresto, em tese que subscrevemos integralmente: “(…) neste recurso a questão essencial reporta-se ao ónus da prova em sede do previsto no artigo 9º/a) da atual Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade (DL 237-A/2006) [o que aqui também ocorre]. // Face ao teor das normas citadas, não temos a mínima dúvida de que este processo contencioso é uma acção declarativa de simples apreciação negativa (artigo 10º/3/a) do NCPC), por isso sujeita ao imposto no artigo 343º/1 do CC, que dispõe sabiamente que nas acções de simples apreciação ou declaração negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (cfr., sobre esta importante matéria, P. LIMA/A. VARELA, C.C.Anot., I, notas aos artigos 342º e 343º; MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, V, 2011, capítulo VII; RITA LYNCE DE FARIA, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa, Lex, 2001). // Note-se, aliás, que aqui o autor, MP, não está a invocar nenhum direito (seu, substantivo), na terminologia do artigo 342º/1 do CC. // A aplicação do artigo 343º/1 do CC é ainda mais justificada pelo facto óbvio de que a tese contrária exigiria normalmente do MP uma prova verdadeiramente impossível, sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado. A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do interessado no pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Exigir neste contexto a aplicação do artigo 342º/1 do CC, além de ilegal, seria irracional ou ilógico”.

Concluindo-se no acórdão que temos vindo de transcrever: “Portanto, interpretando as leis como manda o artigo 9º do CC, conclui-se que decorre do artigo 343º/1 do CC, das 2 normas referidas da LN e das 4 normas referidas do RN que, nas acções de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa com fundamento na al. a) do artigo 9º da LN, é o réu quem tem o ónus de provar a factualidade integrante da pretensão que o interessado quis fazer valer junto das autoridades administrativas portuguesas”.

Temos, assim, como seguro para nós que a lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas.

Ora, de acordo com o disposto no art. 343.º, n.º 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (v. supra).

Como muito sugestivamente concluiu este TCA Sul no acórdão de 2.10.2008, proc. n.º 4125/08, em consideração que aqui se sufraga na íntegra: “De qualquer modo, pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão.”

Ou como mais recentemente se refere no acórdão deste TCA Sul de 6.11.2014, proc. n.º 11025/14, adoptando idêntico discurso fundamentador a propósito do ónus da prova: “O artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv, uma vez que está em causa uma acção de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu). // Este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja “pronúncia” sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar acção de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade).”
Assim, ao entender, a sentença posta em crise, que o Recorrido beneficiava de uma presunção iuris tantum que lhe assegurava a existência de ligação efectiva à comunidade nacional por ser casado com cidadã de nacionalidade portuguesa, fazendo recair o ónus probatório – da prova de factos negativos - no Ministério Público, incorreu, a mesma, em erro de julgamento, razão pela qual não pode ser mantida.

A sentença recorrida acabou, assim e erradamente, por imputar ao Estado, através do Ministério Público, o ónus da prova dos factos impeditivos do direito do ora recorrido, mas não exigiu a este a prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga.

O ora recorrido alicerçou o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa no facto de ser casado com cidadã nacional portuguesa há mais de três anos, cidadã que em 2005 promoveu a integração do nascimento no Registo Civil Português, o que se afigura manifestamente insuficiente para assegurar uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

Retomando a argumentação expendida no Acordão supra parcialmente transcrito:

“A jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de factores, inter alia, como o domicílio, a língua, as relações familiares e de amizade, a integração social e económico-profissional, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que se possa radicar um sentimento de pertença. Isto em ordem a expressar um sentimento de pertença perene à Comunidade Portuguesa (neste sentido o ac. deste TCAS de 13.11.2008, proc. n.º 3697/08). Exige-se, entendemos nós, a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença efectiva à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de actos isolados ou escassos.

Com especial aplicação no caso em apreço, especificou já o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 14.12.2006, proc. n.º 06B4329, que:
“Não resulta da lei, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de algumas das suas exigências.
Apesar do interesse da família nuclear da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei não o arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social.”

Reforçando o supra expendido, a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve factores vários, designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro. Necessário é pois que se possa concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa, não constituindo o facto de o recorrido ser casado com cidadã de nacionalidade portuguesa elemento suficiente para se concluir que tal ligação existe, não tendo sido erigido pelo legislador que a circunstância de se ser casado com cidadã portuguesa constituiria elemento bastante de ligação à comunidade portuguesa, não pode manter-se a decisão recorrida.

III) Decisão
Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, julgando procedente a presente oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, determinando, em consequência, o arquivamento do respectivo processo na Conservatória dos Registos Centrais
Sem custas, dado se dever entender que o recorrido não contra alegou.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Nuno Coutinho

Carlos Araújo

Rui Belfo Pereira