Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1935/09.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DIVIDENDOS.
RETENÇÃO NA FONTE.
SOCIEDADE COM SEDE NA NORUEGA.
Sumário:A tributação dos dividendos distribuídos a sociedade com sede na Noruega, Estado parte do Acordo do Espaço Económico Europeu, isentos no Estado da sede da sociedade beneficiária do rendimento, constitui tratamento discriminatório em relação a sociedades com sede no território da União Europeia, que, tal como a primeira, preenchem os pressupostos da Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, relativos à isenção de tributação de tais rendimentos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
D ………….., S.A., sociedade de direito norueguês, aqui representada pela D E………….. Portugal – ……………….., Lda., intentou no Tribunal Tributário de Lisboa acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças pedindo a anulação do despacho de 18/08/2009, da autoria da Directora de Serviços das Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira, que lhe indeferiu o pedido de reembolso do IRC, do ano de 2006 no montante de €37.060,00, retido sobre os dividendos que lhe foram distribuídos pela sociedade residente em Portugal, requerendo ainda ao tribunal que condene a Entidade Demandada à prática do acto devido, ou seja, a reembolsá-la do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios, contados após um ano da apresentação do pedido de reembolso.
Por sentença do referido Tribunal, datada de 31/10/2020 e inclusa a fls. 178 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o Ministério das Finanças foi condenado «a atribuir à Autora o reembolso no valor de €37.060,80, referente a imposto (IRC) retido na fonte que suportou indevidamente» e «ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios desde 18.08.2009, até integral e efetivo pagamento».
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional, tendo na alegação apresentada (fls. 208 e ss., numeração em formato digital – sitaf), formulado as seguintes conclusões:
A. A Entidade ora Recorrente, salvo o devido respeito entende que, contrariamente ao que se entendeu na douta sentença, não podia, in casu, a A., ora recorrida, beneficiar da isenção de retenção na fonte decorrente da Directiva 90/435/CEE.
B. Sobre a matéria relativa à isenção de retenção na fonte dos “dividendos distribuídos por uma sociedade de direito português a uma sociedade de um Estado membro da União Europeia”, rege o n.º 3 do artigo 14.º do CIRC, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 90/435/CEE. Entende-se na sentença recorrida que a administração deveria ter aplicado esse regime no caso em apreço, pois que tal aplicação decorreria do Acordo sobre o Espaço económico Europeu (de ora em diante EEE).
C. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, “incluem-se no âmbito de aplicação material das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento as disposições nacionais que se aplicam á detenção, por um nacional do Estado-Membro em causa, de uma participação no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro que lhe confira uma influência certa sobre as decisões dessa sociedade e lhe permita determinar as respectivas actividades”
D. Uma vez que a participação que a A. detém na sociedade D ……………… Portugal – ………………………. Lda, SA alegadamente corresponde a 88,24% do respectivo capital social, mesmo admitindo, sem conceder, que a legislação portuguesa em apreço pudesse ter efeitos restritivos sobre a livre circulação de capitais, tal deveria ser apreciado à luz do regime da liberdade de estabelecimento.
E. No Acordo EEE, enquanto a matéria da Liberdade de Circulação de Capitais se encontra estabelecida no artigo 40º, a Liberdade de Estabelecimento aparece regida no artigo 31º
F. Ora, embora no resto idêntico ao artigo 43.° do Tratado CE, o artigo 31.° do Acordo EEE remete para as disposições específicas constantes dos anexos VIII a XI desse Acordo e os signatários do acordo EEE entenderam não fazer constar desses anexos a Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990.
G. Daí decorrendo a inexistência de base legal para aplicação do regime da Directiva 90/435/CEE ao caso em apreço.
H. Acresce que, ainda que assim não entendesse, não poderia a sentença recorrida deixar de analisar, como tem entendido o TJUE, se estava assegurado, através da CDT, “que o imposto retido na fonte seja compensado pelo Estado da Sociedade-mãe, neutralizando o efeito da aplicação da retenção na fonte”.
I. É que, ademais, nos termos do n.°3 do artigo 23° da Convenção da CDT com a Noruega, a A. tem a possibilidade de deduzir no imposto pago na Noruega uma importância correspondente às importâncias retidas cujo reembolso está em causa, pelo que nunca poderia considerar verificar-se qualquer violação das disposições do Acordo EEE.
J. Acresce ainda que, como de resto decorre da douta sentença, mesmo que, hipoteticamente, a A. fosse uma entidade susceptível de beneficiar da isenção de retenção na fonte prevista na Directiva 90/435/CEE, bem como no artigo 14º do CIRC, para tal tinha de cumprir o disposto no nº4 desse artigo 14º do CIRC, cabendo-lhe fazer prova de que se encontrava nas condições de que dependia a isenção aí prevista.
K. Ora, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, a ora recorrida não apresentou prova: nem da percentagem de participação que detinha na sociedade portuguesa; nem que ainda tinha essa participação dois anos depois da sua aquisição; nem que manteve essa participação de modo ininterrupto na sua titularidade durante esses dois anos.
L. Na realidade relativamente a isso a A. apenas apresentou os modelos RFI (mod.8 RFI e mod.22 RFI) e, como se pode ver pela análise do quadro IX da Mod.8-RFI e quadro IX da mod.22-RFI (que constam do verso da folha de cada um desses modelos, juntos ao PA), dos mesmos apenas consta uma declaração da própria A. de que tem determinada percentagem de participação no capital da sociedade portuguesa, bem como de qual a data em que terá adquirido tal participação (e nada consta, sequer, relativamente à questão da titularidade ininterrupta).
M. Pelo que, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, não foi feita prova de que “a Autora manteve de forma ininterrupta por período superior a dois anos, quotas representativas de 88,24% da sociedade D ………………., Portugal Lda”.
N. Nem, diga-se, tal prova consta de fls.24 dos autos, como é afirmado na douta sentença, e isso porque naquela fl.24 dos autos se encontra, precisamente, o acima referido Mod. 8-RFI e apenas a parte da frente dessa folha (não constando sequer aí o verso da folha desse modelo RFI).
O. Ao ter considerado provados os factos supra - ponto nº2 da matéria dada como provada na douta sentença - incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento em matéria de facto.
P. Por fim, dado que, como demonstrámos nos presentes autos, o acto impugnado nos presentes autos não padece de qualquer vício ou erro, de facto ou de direito, carece de sentido, a condenação da Administração no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.
Q. Temos, pois, que a douta sentença recorrida padece dos apontados erros de julgamento em matéria de facto e de direito, apresentando-se, ademais, desconforme com todos os preceitos acima referenciados, e, em consequência, não deve ser mantida.
R. Ao que acresce que o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais não padece de qualquer vício, designadamente dos que lhe foram assacados pela sentença recorrida, traduzindo, antes, a correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que merece ser confirmado na ordem jurídica.»
Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente.
X
A sociedade recorrida, nas suas contra-alegações de fls. 248 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação do julgado, apresentando na sua motivação as seguintes conclusões:
A. Muito bem andou a sentença recorrida, que, com elevado rigor técnico-jurídico, fez uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos que foram dados por provados, ao condenar o Ministério das Finanças a atribuir à Autora o reembolso no valor de € 37.060,80, referente a imposto (IRC) retido na fonte que suportou indevidamente, bem como o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.
B. Resulta provado nos autos que, aquando da colocação à disposição dos dividendos no exercício de 2004, a Recorrida detinha, de forma ininterrupta desde a data de aquisição e há mais de dois anos, uma quota representativa de 88,24% do capital social da sociedade portuguesa.
C. Tendo a Administração fiscal já na sua posse o Modelo 8-RFI certificado pelas Autoridades Norueguesas, tal consubstanciaria, só por si, suficiente demonstração de que os pressupostos legais de que depende a isenção de retenção na fonte de IRC estavam cumpridos nos termos do artigo 14.º, n.º 3, do Código do IRC.
D. Por isso, quando a Recorrida deduziu o pedido de reembolso, em 07-10-2008, tendo já previamente apresentado o Modelo 8-RFI, não é admissível que a Administração fiscal argumente o desconhecimento (ou o conhecimento apenas naquela data) das condições que necessariamente a levariam a deferi-lo.
E. Por outro lado, quando a Administração fiscal vem, posteriormente, instar a Recorrida, para substituir o Modelo 8-RFI apresentado, já o devia ter feito em bom rigor aquando da aplicação da aludida taxa de retenção na fonte.
F. Ou seja: aquando da apresentação do Modelo 8-RFI, antes do «termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto», a Recorrida havia já efectuado a prova dos pressupostos legais de que dependeria a isenção de retenção na fonte de IRC, pelo que o prazo foi cumprido, ao que acresce que deveria ter sido também por referência àquela data que as dúvidas da Administração fiscal, a respeito do formulário entregue, deveriam ter sido suscitadas, e não apenas muito mais tarde como veio efectivamente a ocorrer.
G. Não restam quaisquer dúvidas de que, no caso dos autos, existiu um «erro imputável aos serviços» na liquidação de IRC na retenção na fonte: uma vez que, desde logo, e face ao direito comunitário, tal liquidação não poderia ter tido lugar e, por outro lado, a mesma não é da responsabilidade da Recorrida, mas da Administração.
H. Uma vez que as condições de aplicação objectivas da isenção previstas no artigo 14.º se mostram verificadas (conforme resulta provado nos autos), a questão colocada é a de saber se estão igualmente preenchidas as condições de aplicação subjectivas da isenção, isto é, se uma entidade residente em território português que coloque à disposição os rendimentos a uma entidade residente na Noruega – como a Recorrida - pode beneficiar da isenção de tributação de retenção na fonte dos dividendos que sejam distribuídos por àquela.
I. A Recorrida entende ser incompatível com o direito comunitário que os dividendos que sejam distribuídos por uma sociedade de direito português a uma sociedade de direito norueguês não estarem isentos de retenção na fonte quando, nas mesmas condições, os dividendos distribuídos por uma sociedade de direito português a uma sociedade de um outro Estado membro da União Europeia estariam isentos de tributação na fonte.
J. Com efeito, a retenção na fonte dos dividendos distribuídos pela sociedade portuguesa à Recorrida, que preenche as condições de aplicação objectivas da isenção, é incompatível com o direito comunitário e, em particular, com as obrigações que decorrem do Acordo EEE, de aplicação obrigatória em todos os Estados membros da União Europeia, sem necessidade de qualquer formalidade adicional, por força do disposto no artigo 216.º, n.º 2, do TFUE.
K. Independentemente das medidas de transposição para o direito nacional, o decisivo é que estas não prejudiquem o direito comunitário, designadamente a Directiva 90/435/CEE, pois que, a intenção do legislador neste domínio é a de harmonizar o regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes e extensível, com as devidas adaptações, aos Estados membros da EFTA.
L. Os lucros colocados à disposição da Recorrida, no ano de 2004, deveriam assim ter beneficiado da isenção de tributação prevista no artigo 14.º do Código do IRC, (resultado da transposição da Directiva 90/435/CEE, tal como alterada pela Directiva 2003/123/CE), por força da aplicação do artigo 40.º do Acordo EEE.
ACRESCE AINDA QUE
M. Nas suas alegações a Recorrente parece continuar a ignorar um princípio basilar da nossa ordem jurídica, o princípio do primado do direito comunitário sobre os direitos internos dos Estados-membros, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
N. A superioridade do direito comunitário sobre as normas dos Estados membros foi já exaustiva e expressamente afirmado pelo TJUE, em diversos acórdãos que proclamaram o primado do direito comunitário sobre o direito interno.
O. Precisamente, se um órgão jurisdicional nacional tiver dúvidas quanto à interpretação do direito comunitário para apreciar da compatibilidade do mesmo de uma disposição do direito interno, necessária ao julgamento da causa, pode suspender a instância e recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE) formulando um pedido de pronúncia ao TJUE.
P. Contudo, a Recorrida não tem dúvidas sobre a violação do direito comunitário, e realiza que nem este Tribunal superior as terá, uma vez que o TJUE já se pronunciou sobre esta questão em casos análogos a este aqui colocado em crise.
Q. Com efeito, nos Acórdãos Comissão/ Holanda, Comissão/Itália, Comissão/Espanha e Comissão/Portugal (supra citados) o TJUE veio reforçar que as obrigações que incumbem aos Estados membros por força do Tratado e, em particular as que relevem a liberdade de circulação de capitais, são igualmente aplicáveis aos Estados membros da EFTA por força do artigo 40.º do Acordo EEE, na exacta medida em que não devem ser adoptadas medidas fiscais desfavoráveis entre os seus Estados membros.
R. O TJUE tem vindo consistentemente a determinar que as disposições do artigo 40.º Acordo EEE têm o mesmo alcance jurídico que as disposições do artigo 63.º do TFUE e que o tratamento menos favorável que as legislações nacionais sujeitam aos dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas nos Estados que são partes no Acordo EEE constitui uma restrição à livre circulação de capitais na acepção do respectivo artigo 40.º.
S. Daqui decorre que embora as restrições à livre circulação de capitais entre nacionais de Estados partes no Acordo EEE devam ser apreciadas à luz do artigo 40.º e do anexo XII do referido acordo, essas disposições têm o mesmo valor jurídico que as disposições, em essência idênticas, do artigo 63.º do TFUE.
T. Resulta, por isso, directamente dessa jurisprudência que a Directiva 90/435/CEE, alterada pela Directiva 2003/123/CE, deve ser aplicável não só em relação aos Estados membros da União Europeia que estejam nas mesmas condições das entidades residentes em território português, mas também em relação aos Estados membros da EFTA (como a Noruega) que fazem parte do Acordo EEE.
U. Com efeito, as situações apreciadas na vasta jurisprudência do Tribunal Comunitário espelham situações perfeitamente análogas à que aqui está em causa e vieram tornar evidente a violação do direito comunitário ao sustentar que a Directiva 90/435/CEE é igualmente aplicável aos Estados membros da EFTA que fazem parte do Acordo EEE.
V. Pelo que a decisão de indeferimento do pedido de reembolso violou não só o artigo 14.º do Código do IRC (interpretado em conformidade com o direito comunitário); bem como as disposições e os princípios directamente aplicáveis de direito comunitário, designadamente, o artigo 63.º do TFUE, as disposições da Directiva 90/435/CEE e do artigo 40.º do Acordo EEE (directamente aplicável e vinculativo nos termos do artigo 216.º, n.º 2 do TFUE).
Termina, pedindo a improcedência do recurso.
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A Magistrada do Ministério Público notificada nos termos e para efeitos do disposto no art.146.º, nº1 do CPTA, nada disse.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:“
1) A Autora, D ………………., AS, é uma sociedade com “residência” na Noruega para efeitos de imposto sobre o rendimento do exercício de 2006 - cf. teor de fls. não numeradas do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos.
2) A Autora, D ………….., AS, participa em 88,24% no capital social da sociedade D ………….. Portugal - …………………., Lda., desde 01.01.89 - cf. doc. de fls. 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
3) Em Assembleia-Geral realizada em 20.08.2006, os acionistas da D …………… Portugal, deliberaram a distribuição de resultados transitados num total de €420.000,00 dos quais €370.608,00 foram distribuídos à D …………., AS, e os restantes €49.392,00 à A/S V……….. Holding - cf. doc. n.º2, junto com a petição inicial (PI), cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
4) Os dividendos foram colocados à disposição da D …………. Varitas, AS no dia 05.09.2006 e, foram sujeitos à taxa de retenção na fonte de 10% - cf. doc. n.º3, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
5) Em 11.09.2006, a Autora procedeu à liquidação do imposto retido no valor total de € 37.060,80 - cf. doc. n.º 4, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
6) Em 07.10.2008, a Autora deduziu junto da Direção de Serviços de Relações Internacionais da Direção Geral dos Impostos, pedido de reembolso do imposto retido na fonte, tendo apresentado o Mod. 8-RFI e juntando o certificado de residência emitido na Noruega e a guia de pagamento das retenções na fonte - cf. doc. n.º5, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
7) No Projeto de Decisão do pedido de reembolso entendeu a DSRI que o pedido de reembolso seria de indeferir - cf. doc. n.º 6, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
8) Por despacho de 18.08.2009 da Diretora de Serviços da Direção de Serviços das Relações Internacionais foi indeferido o pedido de reembolso da retenção na fonte no valor de €37.060,00 - cf. doc. n.º 7, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
9) Por ofício datado de 26.08.2009 e, notificado no dia 28.08.2009, tomou a Autora conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do imposto retido na fonte - cf. doc. n.º 7, junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
10) Em 13.10.2009 deu entrada neste tribunal a presente AAE - cf. carimbo aposto a fls.2 dos autos.
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“II. 2 -Factos não provados: Dos factos enunciados não resultam provados os que não constam do probatório supra.”
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“II. 3 –Motivação: convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e PA apenso, expressamente referidos no probatório”
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
11) Por meio de despacho de 17/11/22, este TCAS notificou as partes do seguinte:
«No recurso jurisdicional interposto, a recorrente invoca, entre o mais, que: // Acresce que, ainda que assim não entendesse, não poderia a sentença recorrida deixar de analisar, como tem entendido o TJUE, se estava assegurado, através da CDT, “que o imposto retido na fonte seja compensado pelo Estado da Sociedade-mãe, neutralizando o efeito da aplicação da retenção na fonte”. // É que, ademais, nos termos do n.°3 do artigo 23° da Convenção da CDT com a Noruega, a A. tem a possibilidade de deduzir no imposto pago na Noruega uma importância correspondente às importâncias retidas cujo reembolso está em causa, pelo que nunca poderia considerar verificar-se qualquer violação das disposições do Acordo EEE. // Compulsados os autos, impõe-se notificar as partes com vista à junção de elementos que comprovem que o eventual tratamento discriminatório da impugnante não foi (ou não podia ter sido) neutralizado através da aplicação da CDT com a Noruega, em conjugação com o regime de tributação a que estão sujeitos os rendimentos em causa no Estado da sociedade-mãe. // Prazo: dez dias».
12) Na sequência do despacho referido, a recorrente juntou aos autos informação prestada pela Administração Fiscal norueguesa do teor seguinte:
«Regarding request for information – D ………….. AS (DNV AS) Dear Mr Rui ……………………., We are writing with reference to your letter dated 03.01.2023 (your ref. ……………….), concerning Norwegian taxpayer D…………….. Veritas AS (DNV AS), TIN …………..1. The following information is provided under the conditions of the Double Taxation Convention between our two countries. The use or disclosure of this information must be governed according to the conditions contained therein. 1. Please confirm if D ……….Verit AS deducteed in Norway the withholding tax in Portugal in 2006. If affirmative case, please indicated if under our DTC our under your national law. 2. Please indicate if dividends received in 2006 by …………Verit AS were exempt of taxation (corporate income tax) in Norway. D …………. Veritas AS submitted a tax return on paper for the 2006 income year. However, the Norwegian Tax Administration (NTA) regret to inform that we are not able to obtain this document dating back from the income year 2006. Unfortunately, we cannot provide information on how the dividend from D ……………… Portugal to D ……………. Veritas AS in 2006 was treated for tax purposes in Norway. NTA would like to add general comment to the matter: The exemption method, cf. section 2-38 of the Norwegian Tax Act was introduced in Norway in 2004. This means that dividends from EEA countries were exempt from taxation if the dividend was legally distributed. We hope this information will be useful to you. The Norwegian Tax Administration would greatly appreciate notification if this information is used in the assessment of the abovementioned taxpayer».
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o aleado erro de julgamento quanto à apreciação dos meios de prova (i) e quanto ao enquadramento jurídico da causa (ii) em que terá incorrido a sentença sob escrutínio.
A mesma julgou procedente a presente acção administrativa, condenando a entidade demandada na restituição do montante retido, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios. Considerou, em síntese, que a não aplicação da dispensa da retenção na fonte, prevista no artigo 14.º, n.º 3 e n.º 4, do CIRC constitui tratamento discriminatório contrário ao Direito da União Europeia e, por isso, ilegal. Mais determinou a atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pedido de restituição do imposto entregue.
O assim decidido deve ser confirmado, pelo que a sentença não incorre no erro de julgamento que lhe é imputado.
2.2.2. No que respeita ao alegado erro na apreciação da prova, cumpre referir o seguinte.
A recorrente não impugna, de forma directa, a veracidade dos elementos considerados nos n.os 2 e 6 do probatório. Também não observa o ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC), dado que não aduz elementos que deponham no sentido da falta de veracidade dos quesitos em causa.
Da matéria assente resulta que a entidade beneficiária do rendimento preenche os pressupostos previstos no preceito do artigo 14.º do CIRC para beneficiar da isenção de IRC português, a saber: trata-se de sociedade com sede na Noruega, detentora de participação social superior a 25% na sociedade portuguesa distribuidora dos dividendos, desde 01.01.89, de forma ininterrupta. A prova da sede na Noruega da sociedade em causa resulta dos elementos colhidos nos autos, sem que a recorrente logre reverter ou impugnar os mesmos (n.os 2 e 6 do probatório).
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.3. No que respeita ao alegado erro quanto enquadramento jurídico da causa cumpre referir o seguinte.
Está em causa a legalidade da retenção na fonte, por conta de IRC (2006), de dividendos distribuídos por sociedade portuguesa à sua participante, a sociedade norueguesa.
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se o disposto no artigo 14.º/3, do CIRC, é de aplicar à distribuição de dividendos por uma sociedade portuguesa a uma sociedade com sede na Noruega, que preenche as condições estabelecidas na norma para que haja lugar à isenção de tributação, atendendo ao princípio da não discriminação, associado às liberdades de estabelecimento e de capitais, consagradas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, celebrado entre as Comunidades Europeias e os Estados membros da EFTA (1), de que é parte a Noruega.
Nos termos do artigo 14.º/3, do CIRC, «Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 15% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos» // «Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, efectuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 119.º do Código do IRS» (n.º 4).
Estabelece o artigo 3.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados- membros diferentes, que «[é] reconhecida a qualidade de sociedade-mãe, pelo menos, a qualquer sociedade de um Estado-membro que satisfaça as condições enunciadas no artigo 2° e que detenha no capital de uma sociedade de outro Estado-membro, que preencha as mesmas condições, uma participação mínima de 25 %» (a); «Deve entender-se por «sociedade afiliada» a sociedade em cujo capital é detida a participação referida na alínea a)» (b). Impõe o artigo 5.º da Directiva n.º 90/435/CEE, citada, que «[o]s lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte».
Nos termos do artigo 1.º/1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, «[o] objectivo do presente Acordo de associação é o de promover um reforço permanente e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as Partes Contratantes, em iguais condições de concorrência e no respeito por normas idênticas, com vista a criar um Espaço Económico Europeu homogéneo, a seguir designado EEE». Determina o artigo 31.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que «não serão impostas quaisquer restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro das Comunidades Europeias ou de um Estado da EFTA no território de qualquer outro destes Estados. (…)». Estatui o artigo 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que «são proibidas quaisquer restrições entre as Partes Contratantes aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados-membros das Comunidades Europeias ou nos Estados da EFTA, e quaisquer discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar do investimento (…)».
A este propósito, constitui jurisprudência assente a seguinte:
i) «Atendendo ao primado do [Direito Europeu] e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via do disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, porque nos Países Baixos os dividendos em causa estão isentos de tributação». (2)
ii) «O Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE) criou uma zona de livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais em 31 países europeus, visando promover um reforço permanente e equilibrado das relações comerciais e económicas entre tais países. // As disposições dos art.ºs 28.° e 31.° do Acordo EEE são análogas às dos art.ºs 43.º e 56.º do Tratado CE (equivalentes aos art.ºs 45.° e 49.° do TFUE). // O tratamento fiscal de dividendos é suscetível de estar abrangido tanto pela liberdade de estabelecimento, como pela livre circulação de capitais. // A apreciação de uma determinada situação sob uma ou outra perspetiva depende, num primeiro momento, de o objeto da legislação em causa ser ou não apenas aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades. // Não sendo a lei exclusivamente destinada a participações que exercem a tal influência determinante, o TJUE considera que, num segundo momento, há que aferir a situação concreta, para daí se determinar qual a liberdade sob cujo prisma a mesma deve ser analisada (…) // A interpretação no sentido da não aplicação do regime de isenção, previsto no então art.º 14.º, n.º 3, do CIRC, a sociedade com sede na Noruega, atenta contra a liberdade de estabelecimento, prevista no Acordo EEE, na medida em que, ao tributar de forma distinta os dividendos distribuídos em função da nacionalidade da sociedade-mãe, torna menos atrativo o exercício de tal liberdade, dissuadindo o mesmo. // Sendo a situação em causa comparável com qualquer outra em que a sociedade mãe fosse residente num Estado-membro da União Europeia e existindo um mecanismo de troca de informações em matéria de imposto sobre o rendimento, previsto na CDT Portugal/Noruega, não se vislumbra a existência de qualquer justificação suficientemente ponderosa para a compressão da liberdade de estabelecimento». (3)
No caso em exame, está em causa a percepção de dividendos, distribuídos por sociedade portuguesa, a sociedade com sede na Noruega, detentora de participação social superior a 25% na sociedade portuguesa distribuidora dos dividendos,, desde 01.01.89. de forma ininterrupta.
A tributação dos dividendos distribuídos à sociedade com sede na Noruega constitui tratamento discriminatório em relação às sociedades residentes no espaço da União Europeia, que, tal como a sociedade benificiária do rendimento, preenchem as condições de acesso à isenção de tributação, previstas no artigo 14.º/3, do CIRC. É que as liberdades de estabelecimento, de livre circulação de capitais e o tratamento não discriminatório das sociedades abrangidas pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu estão em causa, quando se impõe diferente tratamento fiscal para o recebimento da mesma categoria de rendimento, apenas em razão da origem da sociedade beneficiária do rendimento, como sucede no caso dos autos, em que as sociedades oriundas da União Europeia não estão sujeitas à presente retenção na fonte.
A retenção na fonte em exame ofende, pois, as disposições do Acordo EEE, bem como as disposições correspondentes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigos 49.º e 63.º (4)), os quais vigoram na ordem interna (artigo 8.º/4, da CRP).
Seja considerando o disposto no artigo 10.º (“Dividendos”) da Convenção Sobre Dupla tributação, celebrada entre Portugal e a Noruega (5), seja atendendo à informação prestada pela Administração Fiscal norueguesa (n.º 12, do probatório), verifica-se que não é possível neutralizar a discriminação em causa, dado que o rendimento em apreço não é tributado no Estado da sede da sociedade beneficiária do rendimento. A retenção e entrega do imposto em causa não se pode manter, por ser ilegal. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do indeferimento do pedido de reembolso (18/08/2009) (6) até à data da restituição do imposto indevidamente pago, porquanto os serviços da recorrente podiam e deviam - perante os elementos fornecidos pela autora - ter procedido à devolução do imposto indevidamente entregue, quando tal lhes foi solicitado. A sentença que assim decidiu deve ser confirmada na ordem jurídica, porquanto não enferma dos erros de julgamento que lhe são imputados.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)
(1) V. https://eur-lex.europa.eu/legal
(2) Acórdão do STA, de 10-03-2021, P. 02214/09.9BELRS 0276/17. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 14-10-2020, P. 01273/08.6BELRS 01364/17.
(3) Acórdão do TCAS, de 24-02-2022, P. 1931/09.8BELRS.
(4) https://eur-lex.europa.eu/
(5) Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 504/70, de 27/10.
(6) N.º 8 e artigo 43.º/1. da LGT.