Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:270/07.3BELRA-A
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO
PRAZO PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA
ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
Sumário:I. À execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA, no tocante ao prazo processual de instauração da ação executiva em juízo.
II. Não obstante a diferenciação entre as sentenças de anulação e de declaração de nulidade de ato administrativo, quanto ao conteúdo e aos efeitos das respetivas sentenças, sendo a primeira constitutiva e a segunda de conteúdo meramente declarativo, não existe diferenciação quanto a regime processual da ação executiva.
III. Independentemente do regime material de invalidade do ato administrativo, é único o regime processual aplicável em sede de execução de sentenças.
IV. Não é porque o prazo para a instauração da ação executiva já terminou que ocorre qualquer exceção de impropriedade do meio processual, que determine a sua convolação noutro meio processual tempestivo.
V. O regime previsto no artigo 193.º do CPC, relativo ao erro na forma do processo ou no meio processual exige um juízo de desadequação do meio utilizado pela parte para prosseguir ou alcançar o fim pretendido, por não ser possível através daquele meio processual obter a pronúncia judicial adequada a tutelar o direito material invocado.
VI. A ação de execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo é o meio processual próprio e adequado a obter a condenação do Município, a quem é imputável a autoria do ato impugnado e declarado nulo e sobre quem recai o dever de dar plena execução ao julgado, em relação ao qual se encontra demonstrada a inércia ou omissão no dever de reconstituição da situação que deveria existir se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, a praticar os atos de execução devidos.
VII. Nem a aplicação da regra legal em matéria do prazo de execução prevista no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA à presente execução, nem a não convolação da presente execução em ação administrativa, constituem a derrogação pelo Tribunal a quo do disposto do princípio pro actione ou a favor do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Ministério Público, nos autos de execução de sentença de declaração de nulidade de atos administrativos, instaurada contra o Município de Ourém e os Contrainteressados M..... e marido, F....., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, datada de 14/12/2016, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação de execução e absolveu o Executado do pedido.

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Formula o aqui Recorrente, Ministério Público, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 111 e segs. do processo físico, assim como todas as demais referências posteriores):

1. Como é sabido os regimes jurídicos inerentes à “anulação de um ato” e à “declaração de nulidade”, de um ato administrativo são substancialmente diferentes entre si, sendo configurados expressamente, de forma distinta, no art. 50º/1 do CPTA.

2. Perante essa a evidente divergência, referindo-se o art. 173º e ss. do CPTA apenas à “execução de sentenças de anulação de atos administrativos”, e não à execução de sentenças de declaração de nulidade de atos administrativos só pode querer significar que aquele mecanismo processual foi especialmente previsto para a execução daquelas primeiras sentenças, até por força da natureza das segundas.

3. Pressuposto dos processos previstos nos arts. 173º e ss. do CPTA, “como processos executivos que são … no caso de o título ser uma sentença, ela tem de ser, portanto, uma sentença de condenação, isto é, tem de ser uma sentença que, embora possa incluir componentes constitutivos (de anulação, por exemplo) e/ou declarativos (de reconhecimento de factos ou situações jurídicas), imponha formalmente a realização de uma ou mais prestações de conteúdo determinado.

Isto é, nesses casos, a declaração de nulidade deverá ser complementada com qualquer dos aspetos acessórios previstos no art. 47º/2 do CPTA, o que, na circunstância, não sucede.

4. Não obstante, a admissibilidade de aplicação do regime jurídico estabelecido nos art.s 173º e ss. do CPTA, poderá assentar em 3 vertentes:

i) – por via do regime de nulidade de atos administrativos

A sentença não deixa, assim, de se dirigir ao responsável do ato nulo, a quem incumbe tirar as consequências da nulidade declarada.

As consequências executivas da declaração judicial de nulidade de uma licença de construção, não resultando da sentença respetiva e uma vez que não são fixadas explicitamente na lei, devem ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade;

Donde, ao contrário do defendido na sentença recorrida, o ato nulo está intimamente ligado à sentença que, assim, o declarou, até porque não se trata de executá-la, mas “de aplicar as normas substantivas cujos efeitos são desencadeados por ela”.

Se resto, até mesmo em casos de sentença de anulação, não é irrelevante o vício que gerou a invalidade para efeitos do limite objetivo do caso julgado, já que a eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do ato.

ii) – por via do regime executivo de atos administrativos

Depois, o art. 175º/3 do CPTA (então em vigor) permite lançar mão das vias previstas do processo executivo, também, para atos administrativos.

iii) – por via do regime executivo de sentenças anulatórias

Noutra perspetiva, se é verdade que a doutrina tem vindo a defender que o processo de execução de sentenças de anulação de atos administrativos também pode “ser utilizado para extrair consequências das pronúncias que tenham declarado a nulidade ou a inexistência desses atos”, essa remissão para execução de sentença de anulação é feita para os seus termos, para o seu regime ou para o processo executivo respetivo, sem que isso signifique uma remissão total, no sentido de englobar os prazos de caducidade.

5. A douta sentença ao privilegiar normas processuais em detrimento de normas substantivas, em que por força de aplicação das primeiras tornou sanável e legal, pelo decurso do tempo, um ato nulo insanável, de acordo com normas substantivas, não observou o princípio da promoção do acesso à justiça, pro actione ou favor do processo, consagrado no art. 7º do CPTA, nem o de plena jurisdição executiva, consagrada no art. 3º/3 do CPTA (atual nº 4).

6. Além dessa tese contrariar, também, o disposto nos art.s 41º e 58º/1 do CPTA, acarretaria uma manifesta incongruência no sistema jurídico, ao permitir que um mesmo ato ilegal fosse tratado desigualmente, com consequências divergentes e contraditórias, caso fosse declarado nulo por decisão administrativa ou decisão judicial, com a agravante de neste caso, ser o próprio tribunal a permitir que um ato nulo pudesse, assim persistir no tempo, e vir a produzir efeitos, pois na 1ª situação a reposição da legalidade passaria ao lado da execução de sentença e reclamaria, como adequada, a ação administrativa (comum), prevista no art. 37º-2/d), que pode ser interposta a todo o tempo, de harmonia com o art. 41º/1, ambos do CPTA.

7. Incoerência jurídica, essa, também resultante da circunstância de não se poder vir a “executar” um ato nulo, quando, ao mesmo tempo, o incumprimento da sentença que declarou essa nulidade, poderá gerar, eventualmente, as nefastas consequências previstas nos arts. 159º e 9º/a) da Lei nº 27/96, de 1/8.

8. Sendo a causa de pedir e pedido, na presente Ação, inteiramente compagináveis com a ação administrativa (comum) significa que, sempre, se impõe ao Tribunal a competente convolação para o meio próprio, por força do estatuído nos art.s 7º do CPTA, 193º/3 e 547º do CPC,

9. Ao não decidir de tal forma fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do preceituado de todos os sobreditos dispositivos legais, pelo que deve a mesma ser revogada e alterada por outra que defira o pedido no requerimento inicial.”.


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O Recorrido, notificado, veio apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 130 e segs.):

“I. A sentença que declara a nulidade de um ato administrativo se tem de diferente da sentença anulatória o efeito declarativo da nulidade, já é semelhante quanto aos demais efeitos típicos legais, quer no “denominado efeito conformativo, preclusivo ou inibitório” quer no “denominado de efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo”. E, aliás, o Recorrente por duas vezes o escreve nas suas alegações no final da p. 4 e a meio da p. 5, afirmando que para o autor do ato resultam determinadas consequências de atuar no sentido de repor a legalidade, o dever de reconstituição da situação atual hipotética…

II. Mário Aroso de Almeida ensina que “Embora tradicionalmente se fale, neste contexto, das sentenças de anulação, por serem as mais frequentes, afigura-se-nos que o mesmo regime é aplicável às sentenças declarativas de nulidade de atos administrativos. Na verdade, trata-se, sempre, de impor à Administração o dever de reconstruir a situação que deveria existir sem um ato administrativo ilegal e de assegurar ao impugnante que teve ganho de causa no processo impugnatório a possibilidade de fazer valer pela via jurisdicional o direito ao cumprimento desse dever.” - cfr. Manual do Processo Administrativo, 2017, p. 500.

III. Por isto, seria absurdo permitir a convolação do processo requerida num novo processo segundo o novo modelo de ação administrativa, o suscetível de convolar o processo na previsão do art. 37º-2/d) do CPTA: “condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao reestabelecimento de direitos ou interesses violados”, cuja ação pode ser intentada a todo o tempo, conforme art. 41º/1 do mesmo Código, para assim “conceder idêntica tutela jurisdicional efetiva à pretensão peticionada sem impedimentos ou constrangimentos processuais”, pois a tal se oporia a excepção do caso julgado, por um lado, e a caducidade do direito de ação executiva necessária, por outro lado;

IV. O critério sistemático de interpretação aponta claramente para uma regra geral do art. 41.º sem prazo para propor ações administrativas e uma regra geral de prazo de um ano do art. 164.º para os processos executivos.

V. Por estarem em títulos distintos são duas formas processuais necessárias e não fungíveis, são dois géneros próprios. (Título II ação administrativa e Título VII Processo Executivo).

VI. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, o Professor Mário Aroso de Almeida a propósito das “§2. Formas do processo executivo e prazo para a sua utilização” afirma expressamente “Como, na verdade, parece evidente que o artigo 4.º do CPTA não tem em vista os processos executivos, a solução…”(cfr. Manual do Processo Administrativo, 2017, p. 484). E acrescenta: “O Código estabelece, entretanto, o prazo de um ano para o exercício da ação executiva (artigos 164.º, n.º2, e 170.º, n.2). Com o decurso do prazo, extingue-se o poder de ação.” (cfr. ibidem, loc. cit.)

VII. O fundamento legal do prazo de caducidade da ação executiva, que se traduz na chamada reposição da legalidade através da declaração de actuações concretas devidas, é, digamos, que ainda mais intenso quando a sentença for de declaração de nulidade, por ser mais grave o desvalor jurídico a reintegrar. Mais se justifica que não seja possível a todo o tempo, mas antes num prazo razoável mas definido, exigir o cumprimento dos deveres de reconstituição da situação hipotética anterior.

VIII. Não é possível ignorar que a previsão e aplicabilidade do prazo de caducidade referido (aliás a todos os prazos deste tipo) resulta das mais elementares ponderações realizadas pelo legislador entre vários princípios jurídicos aplicáveis, e em que a par da legalidade encontramos a segurança jurídica e a confiança nos atos administrativos como fonte de juridicidade, com reflexos em diversos aspetos do regime do ato administrativo.

IX. Por outro lado, deve ter-se presente que nem sempre é o MP a propôr ações declarativas de nulidade, mas também particulares e outros órgãos, e, portanto, admitir não haver qualquer prazo para a propor a ação de execução seria fornecer “opções em série” para ponderar outros interesses privados ou públicos distintos do da reintegração da ordem jurídica, que é o único que deve ser feito valer na ação executiva destas sentenças, criando condições no mínimo para atuações em desvio de poder.

X. Defender o contrário é possível, mas é simplesmente defender uma opção fundamental distinta da estabelecida na ordem jurídica, o que apenas cabe ao legislador: é uma opção legislativa a que se requer ao tribunal superior.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.


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Os Contrainteressados, ora Recorridos, vieram contra-alegar o recurso, tendo assim concluído (cfr. fls. 135 e segs.):

“a. O Ministério Público vem recorrer da decisão que declarou procedente por provada a exceção de caducidade invocada pelos Recorridos, que julgou totalmente improcedente a execução e que, em consequência, decidiu absolver o Executado dos pedidos formulados pelo Exequente.

b. Nas alegações do Ministério Público são colocadas duas questões à apreciação dos Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores a saber, se o pedido de reposição da legalidade de um ato administrativo, no caso, de um licenciamento, declarado nulo por decisão judicial, deve obedecer ao prazo de caducidade fixado no artigo 176º/2 do CPTA e qual o processo adequado para se alcançar a reposição da legalidade do ato administrativo que por decisão judicial foi declarado nulo.

c. Relativamente à Primeira Questão, é manifesto que o prazo de caducidade fixado no art. 176º/2 do CPTA é aplicável ao pedido de reposição da legalidade de um ato administrativo, no caso, um licenciamento de construção, declarado nulo por decisão judicial.

d. O prazo de caducidade impede que após o seu decurso seja proposta uma ação judicial, estando subjacente a este instituto a necessidade da certeza e segurança jurídicas, bem como o princípio da confiança.

e. Relativamente à caducidade quanto ao direito de requerer a execução de uma sentença na ordem jurídica administrativa o legislador considerou de igual modo a sentença de anulação e a sentença de declaração de nulidade do ato administrativo.

f. O pedido de execução de sentença de declaração de nulidade do ato administrativo, proferido nos autos principais, é extemporâneo, por caducidade, pelo que deve ser confirmada a sentença recorrida.

g. Os autos configuram uma execução de sentença de declaração de nulidade proferida nos autos principais relativamente a um ato administrativo praticado pelo Município de Ourém, consubstanciado concretamente na emissão de uma licença de construção de um prédio.

h. A Assembleia Municipal de Ourém na sua sessão de 26 de fevereiro de 2015 aprovou por unanimidade a proposta de alteração regulamentar ao Plano Diretor Municipal de Ourém, apresentada pela Câmara Municipal, a qual tinha sido aprovada em 6 de fevereiro de 2015.

i. O aviso nº 4602/2015, relativo à referida alteração regulamentar foi publicado no Diário da República, II Série - Nº 82 - 28 de abril de 2015, com a republicação do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Ourém, de fls.10473 a fls. 10494.

J. De acordo com as alterações introduzidas, o edificado é suscetível de legalização, estando o Recorrido Município de Ourém e os Contrainteressados Recorridos a providenciar para a sua legalização.

k. A prática de atos de demolição requerida pelo Recorrente será desproporcionada uma vez que a ser realizada a demolição, ficaria inviabilizada a atividade de Restauração, com a realização de eventos designadamente de casamentos e batizados, com o consequente despedimento dos trabalhadores, o que configura uma causa legítima de inexecução da sentença, nos termos pedidos pelo Recorrente.

l. A autoridade recorrida já concluiu pela viabilidade da legalização do edificado, uma vez que este satisfaz os requisitos legais e regulamentares aplicáveis pelo uma causa legitima de inexecução da sentença, nos termos pedidos pelo Recorrente

1. A autoridade recorrida já concluiu pela viabilidade da legalização do edificado, uma vez que este satisfaz os requisitos legais e regulamentares aplicáveis pelo que, também de acordo com este fundamento deve ser declarado o não provimento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.”.

Pede que seja declarado o não provimento do recurso e seja confirmada a sentença recorrida.


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O processo teve os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, indo agora à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à decisão de caducidade do direito da ação executiva, em violação do princípio da promoção do acesso à justiça, consagrado no artigo 7.º do CPTA e da plena jurisdição executiva, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPTA e violação dos artigos 41.º e 58.º, nº 1 do CPTA, impondo-se a convolação do processo para ação administrativa, nos termos dos artigos 7.º do CPTA e 193.º, n.º 3 e 547.º do CPC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. Em 16/03/2007 foi instaurada pelo Magistrado do Ministério Público neste Tribunal Administrativo e Fiscal uma ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, à qual foi atribuído o n.º 270/07.3BELRA, requerendo a declaração de nulidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Ourém de 26/03/2003 e do Despacho do Vereador da Câmara Municipal de Ourém de 13/05/2003 (proferido no uso de competência delegada) que aprovaram, respetivamente, o projeto de arquitetura, e os projetos de especialidades, deferindo o licenciamento que deu origem à emissão do Alvará de licença n.º 3…./2003 [cf. PI e registo de entrada em Tribunal da PI apresentada no processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

2. Em 06/12/2007 foi proferido acórdão nos autos da ação administrativa especial 270/07.3BELRA, que julgou a ação procedente e declarou “(…) nulos e de nenhum efeito os despachos de 26/3/2003, do Presidente da Câmara Municipal de Ourém, e de 13/5/2003, do vereador com competência delegada, que aprovaram, respectivamente, o projecto de arquitectura, e os projectos de especialidades, deferindo o licenciamento que deu origem à emissão do Alvará de licença n.º 3…/2003.(…)[cf. fls. 139 a 150 (numeração do SITAF) do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

3. Em 23/01/2008 os contrainteressados apresentaram recurso do acórdão referido no ponto anterior para o Tribunal Central Administrativo Sul [cf. fls. 160 a 186 (numeração do SITAF) do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

4. Em 05/07/2012 o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão através do qual veio “(…) negar provimento ao recurso confirmando o acórdão recorrido; (…)[cf. fls. 229 a 248 (numeração do SITAF) do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

5. Os contrainteressados foram notificados do teor do acórdão referido no ponto anterior através de ofício datado de 06/07/2012 [cf. fls. 229 a 248 (numeração do SITAF) do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

6. O Executado foi notificado do teor do acórdão referido no ponto 4. através de ofício datado de 06/07/2012 [cf. fls. 229 a 248 (numeração do SITAF) do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

7. O Digno Magistrado do Ministério Público foi notificado do acórdão referido no ponto 4. em 09/07/2012 [cf. fls. 229 a 248 do processo n.º 270/07.3BELRA de que estes autos são um apenso];

8. A presente ação foi instaurada em 01/09/2015 [cfr. cópia do e-mail de entrada a fls. 1 do processo n.º 270/07.3BELRA-A].

9. O Executado não procedeu à execução do acórdão referido no ponto 2..


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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

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Os factos dados como provados foram-no com base nos elementos constantes do processo n.º 270/07.3BELRA e dos presentes autos, conforme indicado em relação a cada um dos factos elencados nos pontos 1. a 8. do probatório, tendo o facto constante do ponto 9. sido dado como provado atentas o teor das contestações do Executado e dos contrainteressados na qual os mesmos reconhecem não ter sido executado o acórdão exequendo e pugnam pela sua não execução.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, quanto à decisão de caducidade do direito da ação executiva, em violação do princípio da promoção do acesso à justiça, consagrado no artigo 7.º do CPTA e da plena jurisdição executiva, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPTA e violação dos artigos 41.º e 58.º, nº 1 do CPTA, impondo-se a convolação do processo para ação administrativa, nos termos dos artigos 7.º do CPTA e 193.º, n.º 3 e 547.º do CPC

Vem o Ministério Público recorrer da sentença recorrida que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação executiva, por ter sido apresentada em juízo para além do prazo legalmente previsto.

A questão fundamental de direito controvertida respeita a saber se o pedido de reposição da legalidade de um ato administrativo declarado nulo deve obedecer ao prazo de caducidade fixado no artigo 176.º, n.º 2 do CPTA e qual o processo adequado a prosseguir esse fim.

Defende o Recorrente que no caso de se perfilhar pela execução da sentença de anulação prevista no artigo 173.º e seguintes do CPTA, não faz sentido aplicar o prazo de caducidade do direito de ação aí previsto para a execução de sentenças de anulação, visto estar em causa um ato declarado nulo e no caso de se entender não ser o processo de execução de sentenças de anulação o aplicável, então a convolação para o processo comum, previsto no artigo 37.º, n.º 2, d) do CPTA, por força dos artigos 7.º do CPTA e 193.º, n.º 3 e 547.º do CPC.

Vejamos, tendo presente a factualidade apurada em juízo.

Como resulta do julgamento de facto, foi instaurada ação administrativa no âmbito da qual foi declarada a nulidade dos atos impugnados, decisão que foi mantida em recurso, por acórdão datado de 05/07/2012, do qual as partes foram notificadas por ofícios datados de 06/07/2012 e o Ministério Público, em 09/07/2012.

Mais resulta demonstrado que a presente ação executiva foi instaurada em 01/09/2015.

Tendo presente este quadro factual, vejamos o discurso fundamentador da sentença sob recurso, na parte relevante para a decisão sobre o fundamento do recurso:

Apreciando, cumpre referir que, não obstante as alegações do Ministério Público no sentido de não ser aplicável ao presente pedido de execução qualquer prazo de caducidade, por se tratar da execução de uma declaração de nulidade (cujo regime substantivo prevê a invocação de tal vício a todo o tempo), tal alegação não colhe.

Isto porque às decisões judiciais anulatórias é aplicável o regime previsto no artigo 176.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que na redação aplicável à execução em apreço dispunha especificamente que:

“(…) 2 - A petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contado desde o termo do prazo do n.º 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito. (…)” [negrito e sublinhados sempre nossos].

Sendo que, o artigo 175.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, prescreve que: “(…) 1 - Salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses. (…)

Mais prescrevendo o artigo 163.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

“(…) 3 - A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respectivos fundamentos, dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, e só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo.(…)”.

Estabelecendo o artigo 162.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que: “(…)1 - Se outro prazo não for por elas próprias fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração no prazo máximo de três meses, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, segundo o disposto no artigo seguinte. (…)”.

Assim sendo, no caso de execução de sentença anulatória prescrito no artigo 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a petição devia ter sido apresentada, sob pena de preclusão do direito à execução, após o decurso do prazo de três meses de que a Administração dispunha para a execução espontânea da decisão judicial, ou para a notificação da causa legítima de inexecução.

Nesse mesmo sentido, atente-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/09/2010, proferido no processo n.º 0855/08 [disponível em www.dgs i.pt] em cujo sumário se refere que: “(…) I - Nos termos do artigo 175, número 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a Administração deve executar as sentenças anulatórias de actos administrativos no prazo de três meses, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução que, nesse mesmo prazo, deve ser invocada e notificada ao interessado, conforme as disposições combinadas dos artigos 175, número dois, 163, número 3 e 162, número 1, do mesmo Código.

II - Decorrido esse prazo de três meses, sem que a Administração dê execução à sen tença ou invoque causa legítima de inexecução, inicia-se o prazo de seis meses, estabelecido no artigo 176, número 2, do referido Código, para a apresentação, pelo interessado, de petição de execução.

III - Findo esse prazo de seis meses, caduca o direito do interessado a requerer execução.(…)”.

E este prazo se aplica de forma indistinta a todos os tipos de sentenças anulatórias, quer se tratem de casos de anulação quer respeitem a casos de declaração de nulidade ou de inexistência, máxime quando na petição da ação em que tenha sido proferida a decisão exequenda não tenham sido cumulados com os pedidos de declaração de nulidade os constantes do artigo 47.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como sucede no caso em apreço [cf. ponto 1. do elenco dos factos provados].

Nesse sentido de ser aplicável às decisões judiciais de declaração de nulidade de atos administrativos o regime do artigo 176.º do Código de Processo no Tribunais Administrativos pronunciam-se, aliás, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA que referem, em sede de anotação ao artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que “(…) [é] a partir do artigo 176.º que o Código regula o processo de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, que só intervém se a Administração não observar o disposto nos artigos 173.º a 175.º. Uma vez anulado o ato administrativo (ou declarado nulo ou inexistente) no âmbito do processo impugnatório no qual não tenham sido cumulados os pedidos mencionados no artigo 47.º, n.º 2, se a Administração não der espontânea satisfação às prestações complementares a que esses pedidos se referem, pode o interessado regressar ao tribunal que anulou o ato (ou o declarou nulo ou inexistente) para fazer valer essas pretensões, que não tinha sido cumulado, desde logo, no processo impugnatório. Como é evidente, pois que se trata de apreciar, pela primeira vez, pretensões que, embora já pudessem ter sido apreciadas no processo de impugnação, não o foram, este processo vai ser um processo iminentemente declarativo, dirigido a condenar a Administração a extrair as consequências da anulação (ou declaração de nulidade ou inexistência) do acto administrativo (…)[cf. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pp. 983 e 984].

Sendo que os mesmos autores explicitam em sede de anotação ao artigo 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que: “(…) Note-se que o prazo para recorrer à via judicial foi, deste modo, significativamente reduzido neste domínio, uma vez que o artigo 96.º, n.º 1 da LPTA o fixava em três anos. Houve a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, sobretudo no interesse dos eventuais contrainteressados.

A petição deve ser apresentada junto do tribunal que tenha proferido a sentença de anulação (ou de declaração de nulidade ou inexistência) em primeiro grau de jurisdição (artigo 176.º, n.º 1), sendo autuada por apenso aos autos em que foi proferida a referida sentença (artigo 176.º, n.º 2). (…)”[cf. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição, Almedina, 2010, p. 995].

Perfilhando o mesmo entendimento quanto à aplicação do prazo de caducidade previsto no artigo 176.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos às execuções de decisões judiciais que declaram a nulidade de atos administrativos, atente-se na jurisprudência plasmada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14/06/2007, proferido no processo n.º 02703/07 [disponível em www.dgsi.pt], a cujo teor aderimos, por se nos afigurar o mais consonante com a letra e teleologia das normas em questão, e no qual se explicita que: “(…) não se referindo, a lei, a prazos diferentes e a processos diferentes, conforme a sentença determine a nulidade ou a anulabilidade dos actos administrativos, parece-nos, salvo melhor opinião, que, sendo os actos nulos produtores de efeitos, tudo se passa em igualdade com os efeitos dos actos anulados, devendo ser reposta a ordem jurídica violada nos mesmos termos, pelo que deveriam ter sido cumpridos os prazos estabelecidos nos artº 175º e 176ºdo CPTA.

De contrário, a execução de sentenças declaratórias de nulidade ou teriam prazos especiais, ou poderiam ser interpostas a todo o tempo, o que não se deduz minimamente ter sido intenção do legislador.

Mas ainda que assim fosse, o processo não poderia deixar de ser o regulado no artº 173 e segs do CPTA, para seguir os trâmites da acção administrativa comum, por força do já citado nº1 do artº 37º,

Defende ainda o recorrente a inconstitucionalidade do artº 176º nº2 do CPTA, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que contém um prazo extremamente curto que não pode ser aplicável aos pedidos de execução de actos nulos.

Não tem, porém, razão, a nosso ver.

De facto, o objecto da execução é a sentença e não o acto que constitui o seu objecto, pelo que é indiferente que o acto tivesse sido anulado ou que tivesse sido declarada a sua nulidade, não se justificando, por consequência, prazos diferentes para a respectiva execução, cujo processamento também é idêntico.

Assim, ao rejeitar os pedidos de execução formulados, a sentença fez correcta apreciação do direito aplicável. (…)”.

Assim sendo, aplicando este entendimento in casu cumpre verificar, em face da factualidade dada como provada, se de facto o prazo para requerer a execução de sentença pelo Autor havia já decorrido tendo o seu direito a peticionar a execução precludido, ou se, pelo contrário, o mesmo o realizou em tempo.

Nesse sentido, e uma vez que o prazo para execução espontânea pelo Executado ou invocação de causa legítima de inexecução, apenas se conta a partir do trânsito em julgado da decisão cumpre referir a esse propósito que nos termos do artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “(…) A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. (…)”, sendo que o artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos dispõe que “(…) 1 - O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida. (…)

Assim sendo, atentos os factos dados como provados nos pontos 5. e 6. do respetivo elenco, tendo a sentença sido notificada ao Executado e contrainteressados, a quem incumbia, por força do decaimento a possibilidade de recorrer, por ofícios datados de 06/07/2012, o acórdão em questão transitou em julgado 30 dias após a referida notificação.

Sucede que, trinta dias após essa data corria o período de férias judiciais e de acordo com o disposto no artigo 138.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe que:“(…) 1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo -se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. (…)”.

Assim sendo, o trânsito em julgado da decisão operou-se em 07/09/2012, atento o período de férias judiciais, o facto de 01/09/2012 ter ocorrido a um sábado, e atenta possibilidade de apresentação do recurso com multa nos três dias subsequentes ao último dia para o efeito (por força da aplicação do artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil), os três meses para execução espontânea para a invocação da existência de causa legítima de inexecução, começaram a contar-se a partir de 07/09/2012.

Acresce que, o prazo para a execução espontânea pela Administração é um prazo administrativo cuja contagem observa, tal como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, os termos do artigo 72.º do Código de Procedimento Administrativo [cf. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pp. 983 e 984].

(…)

Pelo que é dessa forma que deve ser contado o prazo para a execução espontânea pela Administração.

Perfilhando esse mesmo entendimento o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/10/2010, proferido no processo n.º 0941A/05, [disponível em www.dgsi.pt] refere no seu sumário que: “(…) I – O prazo previsto no n.º 1 do art. 175° do CPTA tem natureza administrativa (procedimental) contando-se, por isso, nos termos do art. 72° do CPA.

II – O prazo fixado no n.° 2, do art. 176° do CPTA é um prazo de caducidade, que terá de ser contado nos termos do art. 144º do CPC.

III – A decisão que anulou um acto administrativo deve ser executada pela Administração, reconstituindo a situação actual hipotética como se o acto anulado não tivesse existido na ordem jurídica. (…)”.

(…)

Verifica-se pois que na data em que a presente ação executiva foi instaurada, em 01/09/2015 [cf. ponto 8. do elenco dos factos provados], o prazo de caducidade do direito de apresentação da petição executiva já havia decorrido há muito.

Termos nos quais será de julgar procedente a exceção de caducidade do direito do Exequente a peticionar a execução.”.

A sentença recorrida apresenta-se amplamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, mediante análise da situação factual concreta do litígio em presença e ainda do regime normativo aplicável, com referências doutrinárias relevantes e com citações de jurisprudência dos tribunais superiores que, em ambos os casos, apoiam e sustentam o decidido.

Embora a recente reforma do direito processual administrativo aprovada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, tenha introduzido alterações em matéria de prazo e alargado o prazo previsto no disposto no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA, de seis meses para um ano, não só tal redação não é a aplicável ao litígio em presença, considerando a data dos factos, como ainda que assim não fosse, não seria essa alteração apta a alterar o sentido da decisão proferida.

Reconhecendo-se a diferença entre a sentença anulatória de ato administrativo, de natureza constitutiva e a sentença declarativa da nulidade de ato administrativo, de natureza meramente declarativa ou de simples apreciação (vide Ana Celeste Carvalho, “Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa”, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, pp. 252 e segs.), assim como a diferenciação operada do ponto de vista substantivo entre o regime material de invalidade dos atos administrativos, da anulabilidade e da nulidade, nos termos previstos no Código do Procedimento Administrativo, constituiu opção do legislador prever e regular no Capítulo IV do Título VII do CPTA, a matéria da execução de sentenças de anulação de atos administrativos, enquanto sentença que constitui o título executivo mais frequente no direito processual administrativo, sem introduzir qualquer diferenciação de regime processual em relação às sentenças de declaração de nulidade de ato administrativo.

Tal apresenta-se consensual quer entre a doutrina, quer entre a jurisprudência, não se reconhecendo existir razões substantivas relevantes entre a anulabilidade e a declaração de nulidade de um ato administrativo ao nível da reposição da legalidade administrativa, para introduzir diferenciações ao nível do direito adjetivo ou processual aplicável.

Em ambos os casos recai sobre a Administração o dever de dar voluntária execução do julgado e de reconstituição a situação que deveria existir se não tivesse sido praticado o ato ilegal, anulado ou declarado nulo.

Por opção legislativa não se distinguiu o prazo processual para a instauração da ação de execução de sentenças de anulação ou de declaração de nulidade, sendo o mesmo e único, por aplicação o disposto no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA.

No demais, não se encontra qualquer distinção quanto ao regime processual aplicável em matéria de ação executiva tendo como título a sentença administrativa, em função do regime de invalidade do ato impugnado, nem no tocante ao prazo para requerer a execução, quer quanto à tramitação da causa ou quanto aos deveres que recaem sobre a Administração no plano extraprocessual.

Nesse sentido, não tem fundamento no direito legislado defender a aplicação ao processo de execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo de outro prazo que não o que se encontra previsto no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA ou sequer defender que a ação executiva com esse objeto não está dependente de prazo, podendo ser instaurada a todo o tempo, por não existir norma legal que o consinta.

No que respeita a saber qual a forma processual adequada a atingir o fim pretendido pelo Exequente na presente instância, designadamente, se a presente forma de ação executiva que foi instaurada satisfaz e dá uma resposta adequada às finalidades que se pretendem atingir com o processo, importa considerar que cabe prima facie ao Autor/Requerente/Exequente a escolha do meio processual, enquanto meio para atingir os fins no processo.

Para tanto importa considerar os exatos termos dos contornos do presente litígio, segundo a alegação do pedido e da causa de pedir da presente ação, de forma a compreender se a ação executiva que foi instaurada pelo Ministério Público, na qualidade de Exequente constitui a forma adequada e própria ou se outro meio processual é mais adequado, de forma a se promover a suscitada convolação processual para a ação administrativa.

A presente execução de sentença de declaração de nulidade de atos administrativos foi instaurada, nela se pedindo que o Executado, Município, seja compelido à reposição da construção na situação anterior à realização das obras licenciadas ilegalmente, que foram declaradas nulas por sentença transitada em julgado e condenado quanto à prática dos atos de execução, à demolição da parte que excede a área máxima de implantação estabelecida para a construção, determinando-se a cassação do alvará de utilização, caso não se arranje solução legal alternativa.

Tal como a presente execução foi instaurada e configurada em juízo, mediante a alegação que é feita da causa de pedir e do pedido formulado, é manifesto que vem na sequência da anterior ação declarativa, que declarou a nulidade do ato impugnado, ou seja, vem o Exequente requerer que, em face da omissão da Administração em dar voluntário cumprimento à sentença administrativa que declarou a nulidade do ato de licenciamento, que o Tribunal condene à prática dos atos de execução, assim qualificados nos autos.

Nestes temos, não é porque o prazo para a instauração da ação executiva já terminou que ocorre qualquer exceção de impropriedade do meio processual, que determine a sua convolação noutro meio processual tempestivo.

O regime previsto no artigo 193.º do CPC, relativo ao erro na forma do processo ou no meio processual exige um juízo de desadequação do meio utilizado pela parte para prosseguir ou alcançar o fim pretendido, por não ser possível através daquele meio processual obter a pronúncia judicial adequada a tutelar o direito material invocado.

No caso configurado em juízo não é possível concluir no sentido de a presente ação de execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo não ser o meio processual próprio e adequado a obter a condenação do Município, a quem é imputável a autoria do ato impugnado e declarado nulo e sobre quem recai o dever de dar plena execução ao julgado, mas em relação ao qual se encontra demonstrada a inércia ou omissão no dever de reconstituição da situação que deveria existir se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, a praticar os atos de execução devidos.

Nestes termos, falecem em absoluto os fundamentos do presente recurso jurisdicional, nenhum erro de julgamento de direito podendo ser apontado contra a sentença recorrida, a qual se apresenta em conformidade e respeito com as normas legais aplicáveis.

Nem a aplicação da regra legal em matéria do prazo de execução prevista no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA à presente execução, nem a não convolação da presente execução em ação administrativa, constituem a derrogação pelo Tribunal a quo do disposto do princípio pro actione ou a favor do processo, por tais soluções se mostrarem corretas e em conformidade com o regime legal aplicável.

Por outro lado, a decisão de procedência da exceção de caducidade do direito da ação executiva não posterga o princípio da plenitude do processo executivo no direito processual administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º, do CPTA, atualmente o disposto no seu n.º 4, já que não são postos em causa os poderes dos tribunais administrativos para executar as suas próprias sentenças, nem está em causa uma qualquer limitação de conhecimento ou de pronúncia, mas antes apenas a aplicação de uma regra disciplinadora do momento da prática dos atos processuais pelas partes, que estipula o momento até ao qual os atos processuais podem ser praticados em juízo, sob pena de extemporaneidade.

Em face de todo o exposto, nenhuma censura merece a sentença recorrida, não incorrendo nos erros de julgamento que lhe são assacados, sendo de julgar improcedentes, por não provadas todas as conclusões do recurso.

Em consequência, será de negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.


***


Sumariando, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. À execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA, no tocante ao prazo processual de instauração da ação executiva em juízo.

II. Não obstante a diferenciação entre as sentenças de anulação e de declaração de nulidade de ato administrativo, quanto ao conteúdo e aos efeitos das respetivas sentenças, sendo a primeira constitutiva e a segunda de conteúdo meramente declarativo, não existe diferenciação quanto a regime processual da ação executiva.

III. Independentemente do regime material de invalidade do ato administrativo, é único o regime processual aplicável em sede de execução de sentenças.

IV. Não é porque o prazo para a instauração da ação executiva já terminou que ocorre qualquer exceção de impropriedade do meio processual, que determine a sua convolação noutro meio processual tempestivo.

V. O regime previsto no artigo 193.º do CPC, relativo ao erro na forma do processo ou no meio processual exige um juízo de desadequação do meio utilizado pela parte para prosseguir ou alcançar o fim pretendido, por não ser possível através daquele meio processual obter a pronúncia judicial adequada a tutelar o direito material invocado.

VI. A ação de execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo é o meio processual próprio e adequado a obter a condenação do Município, a quem é imputável a autoria do ato impugnado e declarado nulo e sobre quem recai o dever de dar plena execução ao julgado, em relação ao qual se encontra demonstrada a inércia ou omissão no dever de reconstituição da situação que deveria existir se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, a praticar os atos de execução devidos.

VII. Nem a aplicação da regra legal em matéria do prazo de execução prevista no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA à presente execução, nem a não convolação da presente execução em ação administrativa, constituem a derrogação pelo Tribunal a quo do disposto do princípio pro actione ou a favor do processo.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da sua isenção subjetiva.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marques)

(Helena Canelas)