Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1494/04.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA;
MÉDICOS;
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
ACTIVIDADE ISENTA.
Sumário:1.Dispõe o art.º 9.º do CIVA, que estão isentas de imposto, entre outras, nos termos do seu n.º1, “As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
2.Embora nem toda e qualquer prestação de serviços feita por um médico esteja isenta de IVA, a prestação de serviços efectuada por médico que se traduz na interpretação de resultados laboratoriais visando habilitar o profissional de saúde que assiste o utente/ paciente a uma melhor compreensão do quadro clínico que sobressai daqueles resultados, consubstancia actividade isenta de IVA, nos termos do n.º1 do art.º 9.º do respectivo Código, inserida nos objectivos da isenção ditados pela finalidade de protecção da saúde dos cidadãos, direito social assegurado no art.º 64.º da CRP.
Votação:UNANIMIDADE- COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por R.......... visando o despacho do Sr. Chefe de Finanças da Repartição de Finanças do 12.º Bairro Fiscal de Lisboa, que indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado referentes aos anos de 1999 e 2000.

O Recorrente conclui as alegações assim:
«
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou procedente a impugnação judicial, e, em consequência, determinou que nos termos do artigo 9.º, n.º1 , al.b) do CIVA, por se tratar de actividade isenta, não podem as correções efetuadas ao IVA de 1998 e 1999 manter-se na ordem jurídica, pois padecem de erro sobre os pressupostos de direito.
B. A contabilidade do Laboratório, como espelho da actividade económica de determinado sujeito passivo, não evidencia qualquer proveito com consultas médicas, pelo que é facto demonstrativo que não houve um efectivo exercício dessa actividade do reclamante por via do laboratório
C. O Impugnante não tem formação no âmbito das análises clínicas, e mesmo de âmbito médico, a formação adequada seria de médico patologista, e dessa forma, o Impugnante não tem formação para o efeito pretendido, como o próprio reconhece.
D. Conforme decorre do Acordo de Colaboração, as partes acordaram uma avença anual fixa para a uma prestação de serviço de apoio técnico/consultadoria sempre que necessário vertido em pareceres clínicos ou informação complementar. Daqui resulta um carácter vago deste acordo de colaboração, e que caso o Acordo de Colaboração fosse efectivamente para o exercício de atividade médica então certamente que seria, ou devia, ser mais expresso. Mas, estranhamente, o Acordo de Colaboração não têm uma única expressão referente à atividade ou prestação de serviços médicos.
E. Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, mas a experiência assim nos ensina, diz-nos que a utilização de expressões de consultadoria funciona como um chavão quer permite abstratamente abarcar vastas e diversas situações, sem comprometer qualquer enquadramento.
F. Por outro lado), deve ser desconsiderado o facto provado Y) porque não se pode aceitar que o documento junto pelo Impugnante, sob Doc.2, possa consubstanciar prova suficiente desse facto, atendendo que o documento é uma mera folha em branco com algumas expressões a título de tópicos, que não constitui um exemplo de algum parecer/informação complementar emitido pelo Reclamante, não ter uma marca individualizadora, não estar garantida a autenticidade ou aparência da realidade desse documento como impresso próprio.
G. Com base no raciocínio e argumentos supra expostos, deveria a douta sentença proferida ter considerado que provado nos presentes autos que a atividade de consultadoria praticada pelo Impugnante no Laboratório, não consubstanciava a pratica de atos médicos, pelo que não estava abrangida pela isenção de IVA, consagrada na al.b) do n.º 1 do art.9.º do CIVA
H. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto no art.18.º e alínea b) do n.º 1 do art. 19.º do Código do IVA, ao considerar, que o Impugnante demonstrou que a atividade de consultadoria se traduziu na emissão de “pareceres clínicos” e “informação complementar”, sempre que as análises registassem valores laboratoriais desconformes aos padrões de normalidade.
I. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a situação factiva à luz da al.b) do n.º 1 do art.9.º do CIVA deveria ter sido interpretado no sentido que a actividade desenvolvida de consultor no laboratório S.......... pelo Impugnante não se encontrada abrangida pela isenção prevista no art.9.º CIVA.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
A) Quer a atividade de consultoria centrada na interpretação e correlação clínico- laboratorial dos resultados analíticos dos exames complementares de diagnóstico, quer, evidentemente, as consultas médicas, relativas aos anos de 1999 e 2000, que o Impugnante assegurou, no “S……., Ld.ª”, ao abrigo do “Acordo de Colaboração” celebrado em 30 de julho de 1995, são, por natureza, atos médicos, materialmente integrados na área profissional da medicina geral e familiar.

B) Tais atos médicos estão e sempre estiveram abrangidos pelo regime de isenção consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

C) Pelo que o Impugnante nunca procedeu, nem tinha que proceder, à liquidação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) sobre os rendimentos auferidos por conta das duas prestações de serviços médicos acima referidas.

D) O ato impugnado nos presentes autos – que indeferiu a reclamação graciosa do Impugnante, de 26 de abril de 2004 – enferma, assim, vício de violação de lei, decorrente de erro sobre os pressupostos de direito, já que os rendimentos em causa estão isentos de tributação em IVA (artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do CIVA), o que releva, nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, para efeitos de fundamentação da presente impugnação.

Nestes termos,

E nos mais de direito – sempre do douto suprimento de V. Exas. – deverá ser recusado provimento ao recurso interposto e confirmar-se, na íntegra, a sentença recorrida, como é de inteira
JUSTIÇA».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que os serviços concretamente prestados pelo sujeito passivo impugnante se enquadram no regime de isenção previsto no n.º1 do art.º9.º do Código do IVA.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

3.1 FACTOS PROVADOS:

A) A AT a coberto da ordem de serviço n° 29 600, procedeu a ação inspetiva, de análise interna à atividade do Impugnante que decorreu entre os dias 18 e 19 de setembro de 2003 (conforme resulta de fls. 39).

B) A ação incidiu nos exercícios de 1999 e 2000, em sede de IVA, e deveu-se ao facto de o contribuinte, tendo obtido rendimentos no exercício duma atividade não isenta de imposto, não ter liquidado o IVA devido e, consequentemente, não ter apresentado as declarações respetivas (conforme resulta de fls. 39).

C) Em matéria de “caraterização e enquadramento fiscal” resulta do RIT:

«O sujeito passivo exerce a atividade de médico; as prestações de serviços efetuadas no exercício desta profissão estão isentas de IVA, conforme n° 1 do art° 9.º do CIVA.

No entanto, efetuou outras prestações de serviços, de consultoria, pelas quais auferiu, em 1999, 12469,95 € e em 2000 17 956,72 €, situação não enquadrada no regime de isenção referida no parágrafo anterior.

O sujeito passivo não procedeu à liquidação do imposto e entrega da prestação tributária invocando a isenção de cobrança do imposto ao abrigo do n° 1 do art° 9.º do CIVA.

No entanto, nas informações já prestadas no processo, não foi feita suficiente prova de que essas prestações de serviço pudessem beneficiar do regime de isenção a que vimos aludindo.

Conforme determinado pelo art° 53°, n° 1, do CIVA, estão isentos de imposto os sujeitos passivos que não tenham atingido um volume de negócios superior a 7. 481,97 €; este, conforme n° 5 do mesmo artigo, é determinado de harmonia com o art° 41° do mesmo diploma, pelo que o volume de negócios é constituído pelas prestações de serviço efetuadas, com exceção das mencionadas nas alíneas a), b) e c), que não incluem qualquer das efetuadas pelo sujeito passivo em análise.

Considerando que o sujeito passivo, não se encontrava isento de IVA, mas apenas as prestações de serviço efetuadas no exercício da atividade de médico, deveria ter liquidado IVA nos documentos emitidos pelo exercício da atividade de consultoria.» (conforme resulta de fls. 39).

D) «DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Conforme referido no capítulo anterior, o sujeito passivo, não se encontrando isento, exerceu uma atividade passível de tributação em IVA, tendo emitido os documentos devidos; nestes, não procedeu à liquidação do imposto devido, aplicando a taxa prevista no art° 18° do CIVA.

Assim, iremos proceder à determinação do imposto em falta: 1999
O documento foi emitido em dezembro, pelo que o imposto corresponde ao período 9912T, calculado como segue:

12 469,95* 17% 2 119,89 €

2000

O documento foi também emitido em dezembro pelo que o critério é o mesmo do exercício anterior.

17 956,72 * 17% 3 052,64 €»

(conforme resulta de fls. 39 e 40).

E) O Impugnante exerceu o direito de audição:

«O sujeito passivo exerceu o direito de audição previsto no art° 60° da Lei Geral Tributária e art° 60° do Regime Complementar de Procedimentos da Inspeção Tributária.

Os argumentos, factos e documentos aduzidos e apresentados são basicamente os já constantes do processo.

Assim, mantêm-se os pressupostos mencionados nos capítulos anteriores pelo que, em cumprimento do despacho de S. Exa o Sub Diretor Geral da Inspeção Tributária, de 20-08-2003, será liquidado o imposto determinado no capítulo III.»

(conforme resulta de fls. 41).

F) Sobre o RIT recaíram o parecer e o despacho de concordância de 35 e 36, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

G) Em 18/11/2003, a AT emitiu as liquidações ora sob impugnação de IVA relativas a 1999 e a 2000 (conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).

H) O prazo para pagamento voluntário terminou em 31/01/2004.

I) O ora Impugnante, em 26/0472004, apresentou reclamação graciosa (conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).

J) Em apreciação da reclamação graciosa foi elaborada a informação de fls. 45 a 47 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

K) Com interesse para a decisão resulta da informação a que se refere a alínea anterior:

«(…) Estão sujeitas a Imposto Sobre o Valor Acrescentado, as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, art.° 1.° do CIVA.

Nos termos do art.° 2.° do mesmo diploma, são sujeitos passivos, as pessoas singulares que de modo independente e com caráter de habitualidade exerçam a atividade de prestação de serviços, incluindo a das profissões liberais.

Logo, quer as prestações de serviços médicos quer as prestações de serviços de consultor, estão sujeitas a este tributo.

No entanto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 9.°, do diploma a que se tem vindo a fazer referência, estão isentas de imposto, as prestações de serviços efetuadas no exercício da profissão de médico.

O enquadramento nos diferentes regimes, regimes de isenção ou regimes de tributação, são da responsabilidade exclusiva dos serviços.

Na declaração de início de atividade, a que se refere o art.° 30.° do CIVA apresentada pelo reclamante em 03.12.92, ficou enquadrado, a vigorar a partir de 01.01.86, no regime de isenção, previsto no art.° 9.° do CIVA, face à atividade exercida, Médico de Clínica Geral, código 08.02.

DECISÃO

Está provada nos autos a seguinte matéria de facto.

Que o laboratório de análises clínicas, pagou ao reclamante nos anos de 1999 e 2000 o montante de 6 100 0000$, que a sócia-gerente da S.......... diz respeitar em parte, a consultas cobradas pelo laboratório.

Que na contabilidade desta, não estão evidenciados quaisquer proveitos relacionados com consultas médicas.

Que face à atividade exercida pelo laboratório, análises clínicas, se acharia correto a colaboração de um consultor. Consultor com formação própria. Formação que o reclamante não tem, como aliás o próprio reconhece.

O grau de consultor de que é titular, é da carreira de médico de clínica geral, e não de outra especialidade, por exemplo, de médico patologista.

Ora nos termos da alínea e) do art.° 69.° do CPPT, é regra fundamental do procedimento da reclamação graciosa, a limitação dos meios de prova, à forma documental.

Prova que o reclamante não fez. E que não poderá fazer, face à matéria provada, melhor explanada no relatório elaborado em conjunto pela Inspeção-Geral de Finanças e pela Inspeção-Geral de Saúde, junto a fls. 37/39 dos autos, remetido a este serviço através do ofício n.º 2 461, datado de 2002.05.29.

Porquanto, da contabilidade da S.........., não existe prova da contabilização das consultas como receita, que a sua sócia gerente afirma na declaração também junta aos autos fls. 35/36, serem receita do laboratório.

Que a atividade de consultor nada tinha a ver com a realização de análises clínicas, ponto 6 da dita declaração.

Ora, sendo a atividade desenvolvida pelo laboratório, apenas a de análises clínicas. a consultoria dada pelo reclamante, só pode ser noutra área que não nesta, logo fora do âmbito da atividade médica.

Donde, a atividade desenvolvida de consultor, não se encontra abrangida pela isenção prevista no art.° 9.° do CIVA.

Assim parece-me dever ser a presente reclamação INDEFERIDA.»

L) Sobre informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 44 do processo de relação graciosa aqui se dão por integralmente reproduzidos.

M) A decisão a que se refere a alínea anterior foi notificada ao Impugnante por carta registada com AR, em 07/06/0204 (conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).

N) A decisão a que se refere a alínea anterior converteu-se em definitiva em 16/06/2004.

O) A petição inicial foi apresentada em 30/06/2004 (conforme resulta de fls. 54).

P) O Impugnante é licenciado em Medicina (facto não contravertido).

Q) Encontra-se inscrito na Ordem dos Médicos (OM), na área profissional de Medicina Geral e Familiar (facto não controvertido).

R) Enquanto funcionário público e na sua qualidade de Assistente Graduado, com o grau de Consultor, da Carreira Médica de Clínica Geral, exerce funções no Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

S) Em acumulação com tal atividade pública, não submetida ao regime de dedicação exclusiva, exerce a Medicina Geral e Familiar em regime de profissão liberal (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

T) Na sequência da apresentação da respetiva declaração de início de atividade, a Repartição de Finanças da área de residência do Impugnante enquadrou-o, com efeitos a 1 de janeiro de 1 986, no regime de isenção previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 9.º, do CIVA, face à atividade profissional exercida - Médico de Clínica Geral (código 08.02).

U) E foi sempre nessa qualidade que o Impugnante requisitou e emitiu os correspondentes recibos, já que nunca exerceu qualquer outra atividade profissional (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

V) Em 30 de julho de 1995, o Impugnante celebrou com a sociedade “S.......... - Laboratório de Análises Clínicas, Lda.”, um “Acordo de Colaboração (conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI).

W) Nos termos do qual se obrigou, mediante contraprestação pecuniária fixa mensal, a prestar “apoio técnico/consultoria” ao mencionado Laboratório (conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI e dos depoimentos das testemunhas).

X) A qual se traduzia-se, na prática, na emissão de “pareceres clínicos” e “informação complementar”, sempre que as análises registassem valores laboratoriais desconformes aos padrões de normalidade (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

Y) Tais “pareceres” e “informação complementar”, exarados em impresso próprio, procediam à correlação clínico-laboratorial dos resultados analíticos registados e destinavam-se, exclusivamente, aos Médicos de Clínica Geral assistentes dos doentes em causa (conforme resulta do documento n.º 2, junto com a PI e dos depoimentos das testemunhas).

Z) Tratava-se de informação estritamente médica, exclusivamente dirigida à interpretação clínica dos resultados laboratoriais (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

AA) Tal atividade médica de apoio e consultoria, no contexto de uma economia de mercado fortemente concorrencial, é hoje desenvolvida na grande maioria dos Laboratórios de Análises Clínicas, enquanto marca distintiva da qualidade do serviço prestado (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

BB) Nenhum dos elementos do staff técnico do “Laboratório S..........” possuía formação médica (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

CC) Paralelamente à atividade vinda de descrever, as partes acordaram ainda, mediante ajuste verbal não reduzido a escrito, na utilização, pelo Impugnante, de um gabinete anexo às instalações do Laboratório e a este pertencente, para a prestação de consultas médicas aos seus doentes (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

DD) Sendo que o pagamento de tais consultas médicas era cobrado pelo Laboratório e as respetivas quantias, deduzidas do valor respeitante à utilização do gabinete, eram posteriormente entregues, no final de cada mês, ao Impugnante (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

EE) Os montantes constantes dos recibos emitidos pelo Impugnante e entregues ao “Laboratório S..........” corresponderam ao somatório dos rendimentos originados por duas prestações de serviço diferenciadas: o “apoio técnico/consultoria” ao Laboratório e as consultas médicas aos doentes (conforme resulta do documento n.º 3, junto com a PI e dos depoimentos das testemunhas).

*

3.1 FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


*

3.2 FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende o recorrente que seja desconsiderado o ponto Y) da matéria assente, uma vez que o doc.2 junto à P.I. se trata de “mera folha em branco com algumas expressões a título de tópicos, que não constitui um exemplo de algum parecer/ informação complementar emitido pelo Reclamante, não ter uma marca individualizadora, não estar garantida a autenticidade ou aparência da realidade desse documento como impresso próprio” (cf. Conclusão F) do recurso).

Todavia, não acompanhamos a leitura do recorrente. Do referido documento (a fls.16), constam os seguintes elementos: “Data da colheita”, “N.º da análise”, “INFORMAÇÃO CLÍNICA COMPLEMENTAR” e “SUGERE-SE”. Trata-se, pois, de um documento-tipo de uso interno, o qual era preenchido pelo impugnante e entregue à responsável do laboratório clínico (cf. depoimento da 1.ª testemunha, D.......... ). Ora, o que se pretende com a apresentação desse documento – e é isso que o probatório da sentença reflecte – não é fazer a prova de qualquer declaração atribuível ao impugnante com referência à concreta situação clínica de determinado utente do laboratório, mas sim e unicamente demonstrar o documento tipo (impresso ou formulário), utilizado internamente na prestação da informação. Nessa medida, não vemos que marca ou aposição individualizadora falte e retire autenticidade ao documento, pois, repete-se, em causa, não está fazer a prova de determinado conteúdo declaratório atribuível ao impugnante que conste do documento. A demais factualidade que consta desse ponto Y) da matéria assente, motivou-se no depoimento das testemunhas, não tendo o recorrente impugnado eficazmente, isto é, com observância do ónus que lhe é imposto no art.º 640.º do CPC, o segmento da decisão de facto baseada no depoimento das testemunhas.

Improcede a impugnação da decisão de facto.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, flui do probatório e dos autos que:

i) O sujeito passivo impugnante exerce a actividade de médico para que está devidamente habilitado pela Ordem dos Médicos;
ii) Não discute a Administração tributária que as prestações de serviços efectuadas no exercício dessa profissão estão isentos de IVA, conforme o n.º1 do art.º9.º do CIVA;
iii) No entanto, pretende a AT que nos anos em causa de 1999 e 2000, o sujeito passivo efectuou outras prestações de serviços, de consultadoria, pelas quais auferiu rendimentos anuais de 12.469,95€ e 17.956,72€, respectivamente, que, na óptica da AT, não se enquadram naquele regime de isenção de IVA.
iv) A sentença, já se vê, não validou o entendimento da AT, tendo concluído diferentemente que as designadas prestações de serviços, de consultadoria, exercidas pelo sujeito passivo impugnante, se compreendiam no regime de isenção do n.º1 do art.º 9.º do CIVA, com o que se não conforma o recorrente.
Dispõe o art.º 9.º do CIVA, no segmento pertinente:

«Estão isentas de imposto:
1 – As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
2 – As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
3 – (…)».

A questão que se coloca é saber se a prestação de serviços feita por um médico e que se traduz na emissão de pareceres e/ou informações sobre a concreta situação clínica dos utentes de um laboratório de análises clínicas em vista dos resultados laboratoriais se compreende no âmbito da isenção prevista no n.º1 do art.º 9.º do CIVA.

As isenções fiscais são determinadas por lei – art.º 103/2 da CRP e 2.º, n.º2 do EBF.

Assim, na determinação do sentido da norma de isenção devem seguir-se as regras de interpretação previstas no art.º 11.º da Lei Geral Tributária e 10.º do EBF, ex vi do seu art.º 1.º.

Tendo isso presente, em termos genéricos, o objectivo das isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 9.º do CIVA é beneficiar a prestação de serviços por médicos, em ambiente hospitalar ou fora dele, com a finalidade de protecção da saúde dos cidadãos, direito social assegurado no art.º 64.º da CRP.

Assim, entendemos que toda a actividade médica visando a protecção da saúde dos cidadãos, seja de natureza preventiva ou terapêutica, de diagnóstico ou de tratamento de patologias existentes, se incluem nos objectivos da isenção.

Claro que um sujeito pode exercer uma actividade como médico que não se destine, ao menos directamente, à protecção da saúde dos cidadãos. Tal será o caso de um parecer cientifico elaborado por um médico, da participação em conferências médicas ou de um escrito em revista científica ou académica.

Esses documentos não se debruçam sobre casos clínicos concretos, não se focam nem têm por objectivo a prevenção, o diagnóstico ou o tratamento de determinado paciente, nem a avaliação da sua particular situação clínica, objectivos que se inserem no âmbito da isenção.

Regressando aos autos, o que se constata é que o impugnante é médico, está legalmente habilitado para o exercício da profissão e, nessa qualidade foi contratado para emitir informação sobre o resultado dos exames clínicos realizados por utentes do “Laboratório S..........”. O escopo dessa intervenção do impugnante era habilitar outros profissionais de saúde a uma melhor compreensão do quadro clínico do respectivo paciente/ utente em vista dos resultados/ marcadores obtidos nos exames laboratoriais.
Ora, este tipo de acto médico indirecto – no sentido de que não envolve o contacto directo do médico com o utente/paciente, mas apenas com o quadro clínico deste revelado pelo resultado dos exames laboratoriais – e que se leva a cabo, com recurso a linguagem técnica, para melhorar a atenção médica do profissional de saúde que assiste o paciente, numa interpretação meramente literal, não pode deixar de se compreender no conceito de “prestações de serviços efectuadas no exercício da profissão de médico”, que subjaz à isenção prevista no n.º1 do art.º 9.º do CIVA.

Concluindo, de acordo com a nossa interpretação do n.º 1 do art.º 9.º do CIVA, embora nem toda e qualquer prestação de serviços feita por um médico esteja isenta de IVA, a prestação de serviços efectuada por médico que se traduz na interpretação de resultados laboratoriais visando habilitar, a jusante, o profissional de saúde que assiste o utente/ paciente a uma melhor compreensão do quadro clínico que sobressai daqueles resultados, consubstancia actividade isenta de IVA, nos termos do n.º1 do art.º 9.º do respectivo Código, inserida nos objectivos da isenção conformados pela finalidade de protecção da saúde dos cidadãos, direito social programaticamente assegurado no art.º 64.º da CRP.

Por último e no que respeita à alegação constante do ponto B) das doutas conclusões, no preconizado entendimento de que quer as consultas clínicas, quer os informes médicos prestados, constituem actividade médica isenta, o conhecimento da questão (da eventual consideração como actividade de prestação de informes médicos de actividade que, na realidade, era de consultas clínicas), fica prejudicada.
A sentença recorrida não incorreu no apontado erro de julgamento, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021.

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes

DECLARAÇÃO DE VOTO:

Voto a decisão, contudo considero que in casu, se tratando de matéria referente à interpretação do âmbito de uma isenção em sede de IVA, esta deveria assentar não em normativos de direito interno referente à interpretação de normas de isenção, mas na interpretação do TJUE nessa matéria - Cristina Flora