Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:117/16.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:: IVA.
CONSTRUÇÃO CIVIL.
NOÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO COM VISTA À INTEGRAÇÃO DA BASE TRIBUTÁRIA.
A REGRA DA INVERSÃO DO SUJEITO PASSIVO.
Sumário:1) Para efeitos da exclusão da base tributária em IVA, a indemnização tributável supõe a existência de uma prestação de serviços onerosa.
Esta pressupõe uma relação jurídica na qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.
2) No contexto de contrato de empreitada, os débitos de sobrecustos, de prejuízos calculados e de reequilíbrio financeiro, estão directamente ligados à prestação de serviços executada pelo empreiteiro ao dono da obra e visam remunerar essa prestação de serviços.
3) A reverse charge (regra da inversão do sujeito passivo) determina, que no caso em que o sujeito passivo é beneficiário de prestações/fornecimentos realizados por operadores económicos de construção civil, que se relacionam com o mesmo nessa qualidade, cabe a este último, como tal, a liquidação de IVA, devido pelas quantias em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública interpõe recurso contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Sociedade de C....., S.A., contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de Março a Dezembro de 2012, no valor total de € 1.882.084,20, e da liquidação de juros compensatórios, no montante de € 58.069,46, na parte relativa à emissão de notas de débito sem liquidação de imposto.

Formula, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
«
i. O suporte documental dos autos (nomeadamente o Relatório de Inspeção Tributária) demonstra factos que implicam uma decisão judicial de sentido diverso do proferido na douta sentença recorrida.
ii. A fundamentação de facto na decisão recorrida não releva o quadro factual completo no qual resultou a emissão das liquidações adicionais de IVA dos períodos de janeiro, de março a dezembro de 2012, e que conduziu à decisão de anulação das mesmas na decisão a quo.
iii. Da análise à fundamentação de facto da decisão recorrida, extrai-se do Ponto C a citação do Ponto «III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTAÇÃO DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL» do Relatório de Inspeção Tributária com origem na ordem de Serviço n.º OI20……, de 05.04.2013, sem reproduzir o conteúdo dos Quadro II, Quadro III, Quadro IV e Quadro V que fazem parte integrante do excerto citado.
iv. O conteúdo global do referido Relatório de Inspeção Tributária e dos respetivos Quadros III e IV permite concluir que as notas de débito emitidas pela Recorrida se referem a realidades descritas como “custas, multas, ou trabalhos não concluídos, por incumprimento contratual”, “diversos custos e penalizações”, “débito de despesas” ou “prejuízos”, mas todas têm uma natureza contratual e remuneratória, conexionada com a prestação de serviços que os seus fornecedores lhe prestaram de modo defeituoso e com os serviços que a Recorrida prestou aos clientes e dos quais resultaram de “sobrecustos”, “prejuízos calculados” e “reequilíbrio financeiro”, conforme se extrai das linhas 2, 3 e 6 do Quadro III constante do RIT.
v. Por outro lado, a sentença recorrida refere no final da fundamentação jurídica que as notas de débito em causa não foram contabilizadas ou aceites pelos clientes e foram devolvidas à Impugnante, concluindo que as mesmas foram anuladas do ponto de vista contabilístico, económico e fiscal, todavia, na fundamentação de facto não se encontram descritos os factos com base nos quais seja possível extrair essa conclusão.
vi. Neste âmbito, no ponto C refere-se a respeito das notas de débito indicadas nas linhas 3 e 6, que as notas de débito foram devolvidas, por não apresentarem fundamento contratual ou legal, e que relativamente à nota de débito n.º 3/…., de 22.03.2012, a Parque Escolar E.P.E. informou que essa nota de débito e o respetivo documento anexo foi devolvido ao empreiteiro por não ter fundamento legal ou contratual, acrescentando ainda que, por referência ao contrato 09/…… respeitante a obras na Escola Secundária de S…. em Sintra, a Recorrida solicitou a anulação das multas contratuais aplicadas e o pagamento do reequilíbrio financeiro do contrato à Parque Escolar E.P.E.
vii. No entanto, a fundamentação de facto é omissa quanto à indicação expressa de factos que possam fundamentar a conclusão de que todas as notas de débito foram devolvidas à Recorrida.
viii. Em face deste quadro factual, salvo o devido respeito por melhor entendimento, verifica-se um erro na fundamentação da matéria de facto a quo no que concerne, quer à natureza das operações que estiveram na base da emissão das notas de débito indicadas na petição, quer à demonstração da anulação das notas de débito.
ix. Diante dos factos especificados, existe fundamento para nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC) impugnar a decisão recorrida quanto à matéria de facto, devendo aditar à fundamentação de facto os Quadro II, Quadro III e Quadro IV, que conjuntamente com o texto do RIT permitem verificar a síntese da descrição das notas de débito impugnadas, demonstrando que se referem a realidades e valores com natureza e finalidade remuneratória enquadrada no âmbito de contratos de empreitada ou sub-empreitada de obras de construção.
x. Em face da falta de especificação de todos os factos relevantes na fundamentação de facto para a decisão da causa, a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil (CPC), por remissão da alínea e) do art.º 2 do CPPT e no n.º 1 do art.º 125.º do CPPC, por omissão na especificação da matéria de facto que justifique o sentido da decisão.
xi. Existe fundamento para nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC) impugnar a decisão recorrida quanto à matéria de facto, porque as premissas de facto subjacentes à emissão das notas de débito vertidas no RIT não passaram integralmente para o corpo da fundamentação dos factos provados, nomeadamente quanto aos factos vertidos no Quadro III e no Quadro IV do RIT.
xii. Dito isto, pede-se a anulação da decisão por erro na apreciação da fundamentação de facto e erro na aplicação das normas jurídicas.
xiii. No que concerne ao erro na aplicação das normas jurídicas, a sentença recorrida viola o disposto na alínea a) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA, em conjugação com o n.º 1 do art.º 1.º e o n.º 1 do art.º 4.º, ambos do CIVA.
xiv. Conforme conclui o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.10.2012, no Processo n.º 01158/11, publicado em www.dgsi.pt, «serão tributadas em IVA as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
Apesar desta conclusão, a questão de saber se em concreto estamos ou não perante uma indemnização ressarcitória nem sempre se afigura tarefa fácil exigindo delicada tarefa de ponderação e análise da situação.».
xv. Na decisão a quo não foi tomado em consideração que as notas de débito n.º 2/0…., n.º 3/0…., n.º 2/0…., indicadas nas linhas 2, 3 e 6 do Quadro III do RIT, respeitam a operações com clientes (K....., Parque Escolar e Câmara Municipal de Lisboa) no âmbito da execução de contratos de prestação de serviços no contexto de contratos de empreitadas.
xvi. No contexto de contrato de empreitadas, os débitos de sobrecustos, de prejuízos calculados e de reequilíbrio financeiro, estão diretamente ligados à prestação de serviços executada pelo empreiteiro ao dono da obra, e visa remunerar essa prestação de serviços de construção civil.
xvii. Neste âmbito o débito de encargos com sobrecustos, com prejuízos e com reequilíbrio financeiro evidenciam a sinalagmaticidade entre o valor que o empreiteiro deve receber a final como contraprestação dos serviços prestados e o valor que o dono de obra deve pagar, fazendo parte de um processo de acerto de contas realizado de acordo com os custos suportados pelo empreiteiro para a realização das prestações de serviços e o valor dos serviços prestados ao dono da obra pelo empreiteiro durante a execução do contrato de empreitada.
xviii. Em face desta intrínseca ligação entre o débito dos referidos encargos e a realização de prestação de serviços de obras de construção como operações tributáveis, afigura-se evidente o carácter remuneratório dos sobrecustos faturados no âmbito das notas de débito n.º 2/0…, n.º 3/0…, n.º 2/0…..
xix. As restantes notas de débito dizem respeito a operações com fornecedores, relacionados com situações que se reconduzem ao cumprimento defeituoso de contratos de fornecimento, que naturalmente implicam a redução do preço final dos contratos de fornecimento, mas que não deixam de ter natureza contratual e de ser contraprestação relativamente a prestações de serviços de operações tributáveis em IVA.
xx. Confirmando-se a natureza remuneratória dos valores descritos nas referidas notas de débito, e a sua conexão com operações tributáveis em IVA, a decisão recorrida padece de nulidade por violação do disposto n.º 1 do art.º 2.º, do n.º 1 do art.º 4.º e da alínea a) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA.
xxi. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a tributação das operações subjacentes às notas de débito em apreço nos presentes autos afigura-se em linha com a interpretação teleológica e sistemática da alínea a) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA, em conjugação com o n.º 1 do art.º 1.º e o n.º 1 do art.º 4.º do CIVA, aludida no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.10.2012, no Processo n.º 01158/11, publicado no sítio www.dgsi.pt.
xxii. Em sede de contestação, por os presentes autos tratarem de uma impugnação judicial de valor superior a € 275.000,00, a Fazenda Pública requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tendo em atenção o valor da ação e a natureza da questão em apreço.
xxiii. Na decisão recorrida, foi decidido fixar o valor da ação no valor de € 1.940.153,66, e condenou- se a Fazenda Pública em custas, mas nada foi decidido sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, muito embora atendendo ao grau de complexidade da causa determinado de acordo com os critérios elencados no n.º 7 do art.º 530º do CPC, e à conduta das partes, encontram-se verificadas no caso concreto todas as circunstâncias de que a lei faz depender a dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
xxiv. Atenta a teologia do preceito, e as razões subjacentes ao seu aditamento, a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) deveria ter sido apreciado no âmbito da decisão recorrida.
xxv. Não deve ser admitida qualquer interpretação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 6.º do RCP, que conduza à aplicação do cálculo das custas judiciais sem tomar em conta o limite máximo estipulado no mesmo RCP (€ 275.000,00), por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e da segunda parte do n.º 2 do art.º 18.º da CRP.
xxvi. A omissão do conhecimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente deduzido pela Fazenda Pública, em sede de contestação, fere a decisão recorrida de ilegalidade por violação do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, no n.º 7 do art.º 530.º do CPC, e no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT.»

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A Recorrida contra-alegou, sintetizando as seguintes conclusões:
«Em face do que se alegou nas presentes contra-alegações de recurso, bem como em sede de petição inicial para onde se remete e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, ficou demonstrado que:

a) Da impugnação da matéria de facto pela Fazenda Pública

i. A Fazenda Pública defende que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que as notas de débito emitidas pela Recorrida têm uma natureza contratual e remuneratória, considerando o descritivo dos Quadros lI, IlI, IV , V e VI do relatório de inspeção tributária em apreço;
ii. O Tribunal a quo ao transcrever acriticamente parte do relatório de inspeção tributária em apreço não significa que aderiu ao seu teor mas, simplesmente, deu como provado que o relatório de inspeção tributária em apreço exprimiu aquele conteúdo transcrito;
iii. Em relação aos Quadros II, III, IV, V e VI do relatório de inspeção tributária em apreço que se encontram omissos da transcrição acrítica na sentença recorrida, é convicção da Recorrida que o Tribunal a quo apreciou criticamente esses quadros, apesar de não os ter transcrito;
iv. O Tribunal a quo dos elementos constantes dos autos, incluindo o teor do relatório de inspeção tributária em apreço, do qual transcreveu parcialmente, concluiu, em termos de Direito, diversamente AT;
v. E para essa conclusão considerou, como veremos, todo o alegado no relatório de inspeção tributária em apreço, bem como o alegado em sede de petição inicial;
vi. Portanto, a impugnação da matéria de facto aqui em apreço é desprovida de sentido, pois encontramo-nos no domínio da matéria de Direito e não de facto;
vii. Deste modo, podemos concluir que o Tribunal a quo analisou criticamente o relatório de inspeção tributária em apreço, sem prejuízo da sua transcrição acrítica parcial, bem como os demais elementos constantes dos autos;
viii. Do exame crítico dos documentos constantes dos autos o Tribunal a quo concluiu, em termos de Direito, que as indemnizações subjacentes às notas de débito aqui em apreço consubstanciam o caráter ressarcitório e não remuneratório;
ix. Questão de Direito essa que foi objeto de discussão e que adiante será retomada;
x. A Fazenda Pública defende, ainda, que não ficou demonstrado que as notas de débito em causa foram anuladas do ponto de vista contabilístico, económico e fiscal;
xi. A sua discussão apenas é materialmente relevante se considerarmos, o que não se aceita e sem prescindir, que as notas de débito aqui em apreço tinham caráter remuneratório e estariam sujeitas a IVA;
xii. Ora, tendo o Tribunal a quo concluído, e bem, que as indemnizações subjacentes às notas de débito em apreço têm natureza ressarcitória e, portanto, não estão sujeitas a IVA, não importa examinar as notas de crédito;
xiii. Deste modo, podemos concluir que a questão de saber se as notas de débito foram efetivamente anuladas pelas notas de crédito emitidas pela Recorrida apenas é materialmente relevante a título meramente subsidiário, isto é, se concluirmos, o que não se aceita e sem prescindir, que as notas de débito aqui em apreço estão sujeitas a IVA;
xiv. Sem prescindir, sempre se dirá que é um facto perfeitamente provado e dado por assente que as notas de débito foram anuladas do ponto de vista contabilístico, económico e fiscal pelas notas de crédito aqui em causa;
xv. Conforme documentos juntos pela Recorrida no exercício do seu direito de audição do projeto de relatório de inspeção tributária em apreço (Doe. 31 da reclamação graciosa);
xvi. A AT pronunciou-se a respeito da validade das notas de crédito a pp. 14 e 15 do relatório de inspeção tributária em apreço, a p. 6 da decisão da reclamação graciosa em apreço e a p. 9 da decisão do recurso hierárquico em apreço;
xvii. As considerações então tecidas foram apenas de Direito;
xviii. As quais a Recorrida teve oportunidade de responder nos artigos 80 a 124 da reclamação graciosa aqui em apreço e nos artigos 131 a 195 da petição inicial da impugnação judicial aqui em causa, para onde remete e dá aqui por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais, fazendo parte das presentes contra-alegações de recurso;
xix. Deste modo, podemos concluir que a Recorrida emitiu efetivamente as notas de crédito a anular as notas de débito aqui em apreço, conforme documentos junto aos autos;
xx. Por conseguinte, as notas de débito foram contabilisticamente e economicamente anuladas;
xxi. Quanto à sua anulação fiscal, a AT questionou a sua validade porquanto os destinatários das notas de débito não tomaram conhecimento das notas de crédito;
xxii. A relevância de tal conhecimento pelos destinatários é uma questão de Direito sobre a qual a Recorrida já discorreu em sede de reclamação graciosa em apreço (artigos 80 a 124), do recurso hierárquico em apreço (artigos 102 a 159), de petição inicial da impugnação judicial (artigos 131 a 195) e que será diante retomada;

b) Do Direito

a. Da não sujeição a IVA das notas de débito em apreço

xxiii. Como salienta com propriedade o Tribunal a quo: "estamos perante valores que foram debitados pela Impugnante tendo em vista, a final, o recebimento de uma compensação pelos danos que sofreu em resultado do incumprimento contratual por parte da entidade que foi debitada nos termos melhor descritos no RlT";
xxiv. De facto, não houve qualquer contraprestação sujeita para efeitos de IVA;
xxv. "Nesta conformidade, é manifesto que as notas de débito em causa não têm subjacente qualquer operação tributária em sede do IVA, uma vez que inexiste qualquer fornecimento de bens ou serviços cuja compensação seja efetuada através dos débitos em causa. Com efeito, a Impugnante procedeu ao débito dos valores em causa com objetivo manifesto de ser ressarcida dos danos que sofreu, e não recuperar qualquer benefício (lucro cessante) que deixou de obter. Tratam-se, pois, de verdadeiras indemnizações sem caráter remuneratório que foram debitadas pela Impugnante, estando, por isso, fora do campo de incidência do IVA";
xxvi. Caso se admita, como faz a AT, que houve contraprestação por serviços de construção civil presados pela Recorrida, o que não se aceita e sem prescindir, então essa contraprestação está sujeita às regras da inversão do sujeito e, por conseguinte, o IVA seria devido pelos adquirentes desses serviços e não pela Recorrida;

xxvii. Quanto à questão da desnecessidade de declaração judicial, tal como referiu, e bem, o Tribunal a quo, a jurisprudência pacifica do Tribunal Central Administrativo do Sul e, sobretudo, do Tribunal de Justiça da União Europeia, apenas estão sujeitas a IVA as indemnizações com natureza indemnizatória, sem dispensada a questão da declaração judicial;
xxviii. Deste modo, podemos concluir que as operações aqui em apreço constituem indemnizações contratuais não sujeitas a IVA, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16º do Código do IVA;
xxix. Consequentemente, as liquidações adicionais do IVA aqui em apreço padecem do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de Direito (artigo 16º, n.º 6, alínea a), a contrario, do Código do IVA), e, por conseguinte, devem ser anuladas, com todas as consequências legais, nos termos e com os fundamentos acima invocados;

xxx. Assim, a decisão recorrida dever-se-á manter integralmente e nos mesmos termos em que foi proferida;

b. Da anulação das notas de débito em apreço através da emissão das notas de crédito
xxxi. Em relação à questão também de Direito suscitada pela Fazenda no artigo 13º das suas alegações de recurso - se as notas de débito foram anuladas do ponto de vista contabilístico, económico e fiscal -, importa então referir o seguinte:
xxxii. A J..... emitiu diversas faturas, pela execução de trabalhos de construção civil, a clientes, sem liquidação do IVA , por via da regra da inversão do sujeito passivo (reverse charge);
xxxiii. A J....., na qualidade de adquirente de trabalhos de construção civil, recebeu faturas de fornecedores (subempreiteiros), sem liquidação de IVA, por via da regra da inversão do sujeito passivo (reverse charge);
xxxiv. Posteriormente, a J..... emitiu notas de débito respeitantes às referidas operações tributáveis sem liquidação de IVA, a título de indemnizações contratuais (anexo 2 do relatório de inspeção tributária em apreço);
xxxv. As notas de débito foram emitidas sem a liquidação de IVA porque consubstanciavam operações não sujeitas a IVA , nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 16º do Código do IVA - "indemnizações";
xxxvi. As notas de débito em apreço não foram aceites pelos seus destinatários, que as devolveram, não as tendo refletido na sua contabilidade, conforme reconhecido pela AT, na página 7 do relatório de inspeção tributária aqui em apreço;
xxxvii. Mas a operação foi anulada porque a J....., na qualidade de emitente das notas de débito, emitiu as notas de crédito em apreço a anulá-las (documentos anexos ao direito de audição do projeto de relatório de inspeção tributária em apreço);
xxxviii. Por conseguinte, a operação foi corrigida e anulada;
xxxix. Quanto à referida prova de que os devedores dos débitos em apreciação tomaram conhecimento da extinção, importa salientar que tal prova apenas é exigível caso os seus destinatários aceitassem, registassem as notas de débito e deduzissem o respetivo IVA, pois só nestes casos é que faz sentido;
xl. Assim, a prova de que o destinatário da nota de crédito tenha conhecimento da regularização a favor do sujeito passivo efetuada pelo emitente da respetiva nota, e assim possa regularizar a favor do Estado, apenas faz sentido quando esse destinatário tenha deduzido o imposto;
xli. Deste modo, podemos concluir que a liquidação adicional do IVA aquiem apreço, ao abrigo da alínea a) a contrario do nº 6 do artigo 16º do Código do IVA, respeitantes às notas de débito sem liquidação de IVA emitidas pela J....., deve ser anulada, com todas as consequências legais, nos termos e com os fundamentos acima invocados;»

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Aberta vista nos termos do artigo 289º nº 1 do CPPT, a Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Matéria de facto

A decisão recorrida efectuou o seguinte julgamento de facto:
«

Com base na documentação junta aos autos e na posição assumida pelas Partes, considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão:
A) A Impugnante exerce a atividade de construção civil de edifícios residenciais e não residenciais, destinados a venda direta, e de prestação de serviços de construção civil, no cumprimento de contratos de empreitada, celebrados com clientes privados e entidades públicas, utilizando mão- de-obra direta e subcontratada a outros empreiteiros na área da construção civil – cf. RIT que consta de fls. 150 a 169 do processo de reclamação graciosa (PRG) que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
B) Com base na Ordem de Serviço n.º OI20…., de 05.04.2013, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) realizaram um procedimento de inspeção externa à Impugnante, de âmbito parcial, que incidiu sobre o IVA do exercício de 2012, o qual teve início em 12.03.2013 e foi concluído em 13.05.2013 – cf. RIT que consta de fls. 150 a 169 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

C) Em 28.06.2013, foi concluído o RIT elaborado na sequência da ação de inspeção referida no ponto B. que antecede, no qual, além do mais, consta o seguinte:

“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III.1 – Alguns aspectos sobre o enquadramento em IVA

A sociedade de C....., SA, exerce a actividade de construção de edifícios residenciais e não residenciais, destinados a venda directa, ou a título de prestação de serviços, no cumprimento de contratos de empreitada, celebrados com clientes privados e entidades públicas, designadamente autarquias. Utiliza mão-de-obra directa, e subcontrata diversos empreiteiros da área da construção civil.
Sendo a sociedade uma pessoa colectiva, com sede em território nacional, que exerce a titulo principal uma actividade comercial ou industrial, cujas operações praticadas conferem o direito a dedução total ou parcial do imposto, nos termos da alínea j) do n.º 1 artigo 2.º do CIVA, na qualidade de adquirente de serviços de construção civil (subcontratação), está sujeito à regra de liquidação de IVA, por inversão do sujeito passivo, isto é liquida o imposto nas aquisições de serviços de construção civil, e procede à sua dedução nas operações que lhe conferem esse direito, nos termos do artigo 19.º a 26.º do CIVA.
Enquanto prestador de serviços de construção civil aos seus clientes, na sua grande maioria, por celebração de contratos de empreitada, desde que o adquirente verifique as condições previstas na referida alínea j) do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, a sociedade de C..... SA, não liquida IVA, cabendo a sua liquidação ao adquirente dos serviços, por aplicação da mesma regra de inversão do sujeito passivo, conferindo-lhe no entanto o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições para a realização destas operações, nos termos previstos nas citadas disposições legais.
No que concerne às regras de facturação, nas prestações de serviços em que se verifica o referido regime de liquidação de IVA por inversão do sujeito passivo, a sociedade cumpriu o disposto no n.º 13 do artigo 36.ºdo CIVA, ou seja as facturas emitidas contêm a expressão “IVA devido pelo adquirente nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA”.

III.2 – Correcções – IVA

III.2.1 – Declarações periódicas de IVA, em falta

Aludimos anteriormente o enquadramento do sujeito passivo, no regime normal de IVA de periodicidade mensal, o que implica, a obrigatoriedade do cumprimento das obrigações gerais do imposto, designadamente declarativas e de pagamento.

No cumprimento do determinado na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do CIVA, o sujeito passivo é obrigado a enviar até ao dia 10 de cada mês, a declaração periódica de IVA, relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com indicação do imposto devido ou do crédito existente, e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo.
A Sociedade de C....., SA., não cumpre as obrigações declarativas e de pagamento em sede de IVA, desde o período 07.2012, pelo que se consideram infringidas as respectivas disposições legais.
Na data de conclusão dos actos do presente procedimento de inspecção, verificámos que a contabilidade de 2012, ainda não estava encerrada, no entanto, o sujeito passivo exibiu-nos o ficheiro normalizado de exportação de dados – SAFT, criado pela Portaria 321 A/2007 de 26 de Março, do tipo integrado (contabilidade e facturação) referente a 2012 bem como as declarações periódicas de IVA devidamente preenchidas para os períodos de 07.2012, 08.2012, 09.2012,10.2012 e 11.2012, ainda não submetidas (anexo 1).
Consultamos os extractos de contabilidade existentes no ficheiro SAFT de 2012, analisámos e validamos os valores indicados nas declarações periódicas em falta, e apurámos os valores respeitantes ao período de 12.2012 (anexo 1), nos montantes a saber: // (…) //
Note-se que:

III.2.2 – Notas de débito emitidas sem liquidação de IVA

III.2.2.1 - Factos verificados

Ao efectuarmos a verificação contabilística e fiscal dos elementos de escrita do sujeito passivo, referentes a 2012, constatamos a contabilização de diversas notas de débito por si emitidas (anexo n.º 2), de que destacamos, as relacionadas no quadro infra: // (…) //
As notas de débito de valores, em análise, consubstanciam os seguintes factos com relevância fiscal em sede de IVA:
· Todas as notas de débito foram registadas na contabilidade do emitente, a débito de contas 2X, contas que registam as operações relacionadas com clientes, titulando direitos ou valores activos na esfera patrimonial do sujeito passivo, e crédito de contas de rendimento e ganhos – contas 7x, com excepção das notas indicadas nas linhas 13 e 22, registadas a crédito da conta 62x, traduzindo a diminuição dos valores das contas de gastos;

· As notas de débito indicadas nas linhas 2, 3 e 6 do quadro supra, referem-se a operações efectivamente relacionadas com os clientes, K....., Parque Escolar e Câmara Municipal de Lisboa, na sequência da execução de contratos de prestação de serviços respeitantes a edificação de obras, com estes celebrados, e as restantes notas, referem-se a operações com fornecedores, no âmbito da aquisição de serviços de construção civil, através de subcontratação de subempreiteiros, das diversas áreas da construção civil.

· A Nota de débito 2/0….. (linha 2 quadro supra), emitida ao cliente K..... Compra e Venda de imóveis Lda, NIPC 508…., com sede em Espaço A…..,– Lisboa, pelo valor de € 850 050,00, foi isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA. Esta nota referência a obra n.º 7…., respeitante ao mapa de obras da sociedade, contratada com liquidação de IVA, segundo a regra de inversão do sujeito passivo. O valor debitado refere-se a:
• Sobre custos, pelo prolongamento do prazo, considerando as perturbações criadas ao plano de trabalhos contratual (meios técnicos e mão de obra), no montante de € 77 800,00;
• Mobilização de meios para reforçar as equipas em obra, e sobre custos pelo alargamento do horário de trabalho, de forma a antecipar os prazos de conclusão da empreitada, no montante de € 772 250,00;

· A nota de débito 3/0…. (linha 3 quadro supra), foi emitida ao cliente Parque Escolar, EPE, NIPC 508…., com sede em Av. I…. Lisboa, pelo valor de € 2 255 356,15, isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA., refere-se a prejuízos calculados na obra, respeitante ao contrato de empreitada n.º 09/1….., cujo IVA foi liquidado pelo adquirente, de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo. O valor debitado resulta de:

• Custos indirectos de estaleiro – € 742 173,80 (meios humanos – € 569 700,00, e meios equipamentos - € 172 473,80);

• Falta de cobertura dos encargos centrais das empresas, lucros cessantes - € 568 757,18 (encargos centrais das empresas € 350 004,42 e lucros cessantes € 218 752,76);
• Sobre custo de trabalho extraordinário – € 762 800,63 (valores referentes ao sobre esforço efectuado entre 15 de Julho de 2010 e 15 de Setembro de 2010, sendo mão de obra JC - € 173 326,57 e subempreiteiros – 589 474,07);
• Diferencial de Revisão de preços – € 95 015,60.

• Custos financeiros - € 86 608,63 (juros de mora)

· A nota de débito n.º 2/0…. (linha 6 do quadro supra), foi emitida à Câmara Municipal de Lisboa, NIPC 500…., no valor de € 438 506,87, isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA. Esta nota refere-se ao débito dos valores respeitantes ao reequilíbrio financeiro no contrato de empreitada de construção da escola EB1 e J.I. do B….– Zona de Chelas. A obra foi executada com liquidação de IVA pelo prestador de serviços. O valor do reequilíbrio financeiro resulta de:
• Sobre custos por alteração dos projectos de estrutura (€ 165 217,64);

• Sobre custos resultantes de diversas perturbações nas actividades críticas da empreitada (€ 177 382,42);

• Agravamento excepcional do custo do aço (€ 44 690,74);

• Deslocação do estaleiro da empreitada principal (€ 51 216,07);

· As restantes notas de débito foram emitidas a operadores económicos, que se relacionam com o sujeito passivo na qualidade de fornecedores de serviços de construção civil, cuja liquidação de IVA foi efectuada de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo. As notas indicadas nas linhas 7, 8, 9, 14 e 21, referem-se a débito de diversas despesas, e as indicadas nas linhas 1, 4, 5, 10 a13, 15 a 20, e 22 a 24, traduzem o débito a título de “penalizações” “prejuízos” ou “custas” pela não realização total, ou fora de prazo de serviços contratados aos respectivos fornecedores.

· O sujeito passivo emitente, não procedeu à liquidação de IVA nas notas de débito em análise, considerando indevidamente as operações descritas como:

• Isentas de imposto, nos termos do artigo 1.º do CIVA (linhas 1 a 7 e 10),

• Isentas de imposto nos termos do artigo 9.º do CIVA (linhas 14 a 23),

• Sujeitas a liquidação de IVA pela regra de inversão do sujeito passivo – IVA a liquidar pelo adquirente, (linhas 11 a 13 e 24),
• Fora do campo de incidência do imposto, por motivo não justificado (linhas 8 e 9).

Apraz-nos ainda informar que:

· Consultámos o processo de insolvência de pessoa colectiva, a que já fizemos referência, junto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, e verificámos, que os débitos em análise integram a lista de débitos de clientes à requerida;

· Solicitámos informação junto dos destinatários das referidas notas de débito, tendo-se verificado que não foram aceites por estes, não se encontrando reflectidas na sua contabilidade, consubstanciando o seu débito, a exigência de indemnizações ou compensações, por parte do seu emitente, por incumprimento de responsabilidades contratuais, e com as quais se sentiu lesado, no âmbito da sua actividade.

III.2.2.2 – Correcções propostas – Fundamentação de direito

Para enquadramento da questão da incidência de IVA nas quantias debitadas a título de prejuízos, penalização contratual, ou indemnização, devemos ter em conta o princípio subjacente ao IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde essencialmente ao previsto na Directiva 2006/112/CE, que pretende tributar a contraprestação de operações tributáveis, qualquer que seja o título a que estas sejam facturadas.
Atente-se ao disposto no Código do IVA, designadamente as regras de incidência descritas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º.

O artigo 1.º do CIVA define a incidência objectiva do imposto, e estipula na alínea a) do seu n.º 1, que as prestações de serviço efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, estão sujeitas a IVA.
O artigo 4.º do CIVA no seu n.º 1, define o conceito geral de prestação de serviço, determinando que são consideradas como tal, as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens, O conceito de prestação de serviços definido no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, tem um carácter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.
Segundo as diversas fichas doutrinárias publicadas, a Administração Fiscal, entende que, a qualificação de prestação de serviços efectuada no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, tem natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º Código Civil, ou seja, abrange a transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (não praticar determinado acto) e, ainda a prestação de serviços coactiva.
O Código Civil, no seu artigo 562.º estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, referindo que quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e o n.º 1 do artigo 564.º do mesmo Código, estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

O artigo 16.º do CIVA, determina no seu n.º 1, que o valor tributável das prestações de serviços sujeitas a imposto, é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, e a alínea a) do n.º 6 apenas exclui do valor tributável, os juros pelo pagamento diferido da contraprestação, e as quantias recebidas a título de indemnização, mas entre estas, só as que tenham sido declaradas judicialmente (sublinhado nosso), por incumprimento total ou parcial de obrigações.
Se as indemnizações (penalizações), resultarem do incumprimento de responsabilidades contratuais, se destinarem a compensar lucros cessantes, ou a repor o nível de rendimento, que por força de um dano o sujeito passivo deixou de obter, e não tenham sido fixadas judicialmente, estaremos perante operações sujeitas a liquidação de IVA.
No caso em apreço, o sujeito passivo emitiu notas de débito de valores, relativos a “custas, penalizações, ou prejuízos”, que traduzem verdadeiras exigências indemnizatórias, a clientes e fornecedores, não fixadas judicialmente, originadas pelo incumprimento de responsabilidades contratuais, na sequência da realização de operações tributáveis, que por aplicação do artigo 1.º, 4,º e 16.º n.5 e alínea a) do n.º 6 a contrario, integram o campo de incidência de IVA, consequentemente sujeitas a liquidação de IVA, por não beneficiarem de qualquer isenção prevista no mesmo código.

Atente-se ainda ao facto de que, a liquidação de IVA, segundo a regra de inversão do sujeito passivo, apenas é aplicada nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º, às pessoas singulares ou colectivas, referidas na alínea a), do mesmo normativo legal, que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional, e pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo remodelação, reparação, manutenção, conservação, e demolição de bens imóveis em regime de empreitada ou subempreitada.

Pelos factos descritos somos a concluir pela liquidação de IVA nas notas de débito em análise nos seguintes termos:

1. Os valores debitados através das notas de débito, indicadas nas linhas 11,12,13 e 24, emitidas a fornecedores, respeitantes a custas, multas, ou trabalhos não concluídos, por incumprimento contratual, estão sujeitos a IVA de acordo com as regras gerais, previstas no artigo 1.º 2.º, n.º 5, e alínea a) do n.º 6 à contrario do artigo 16 do CIVA, pois configuram indemnizações por incumprimento de responsabilidade contratual, e não cumprem as condições de liquidação de IVA segundo a regra de inversão do sujeito passivo. Propomos a liquidação do IVA em falta conforme apuramento demonstrado no quadro infra,
2. Os valores debitados nas notas de débito indicadas (nas linhas, 2, 3, e 6), emitidas a clientes, referentes a diversos tipos de custos e penalizações, a que já fizemos referência anteriormente, porque não beneficia da isenção invocada pelo sujeito passivo nos termos do artigo 1.º do CIVA, estão sujeitas a IVA nos termos previstos no artigo 1.º, 2.º, 4.º e n.º 5 e alínea a) do n.º 6 à contrário do artigo 16.º do CIVA.
3. Os valores debitados através das notas de débito indicadas nas linhas 7, 8, 9,14, e 21, referem-se ao débito de despesas, sujeitas a liquidação de IVA, de acordo com as regras gerais de sujeição e liquidação previstas nos artigos 1.º.2º, 4.º e 16.º do CIVA. O sujeito passivo ou não referiu incidência de IVA, ou considerou os valores isentos de IVA, nos termos do artigo 9.º, o qual não isenta de modo algum estas operações, e se revela como incorrecção face às normas de incidência.
4. Nos valores debitados a fornecedores através das notas de débito indicadas nas linhas 1, 4, 5, 10, 15 a 20, 22 e 23, respeitantes a custas/ multas contratuais, ou prejuízos causados por incumprimento parcial de responsabilidades contratuais, em contratos de empreitada ou subempreitada de construção civil, o sujeito passivo invocou a não liquidação de IVA nos termos do artigo 9.º do CIVA. Os débitos em análise tiveram por base, a contratação da realização de operações tributáveis, que também não estão abrangidas por qualquer isenção prevista no artigo 9.º do CIVA. Propomos assim a liquidação do IVA em falta nos termos do, artigo 1.º, 2.º, 4.º n.º 5, e alínea a) do n.º 6 à contrario do artigo 16.º do CIVA, conforme a fundamentação já expressa anteriormente.

Tendo presente os fundamentos referidos, indicamos no quadro infra o valor do IVA a liquidar por nota de débito, considerando a taxa de imposto prevista no artigo 18.º do CIVA, e a não incidência de IVA, sobre os valores respeitantes ao débito de juros de mora, designadamente na nota indicada na linhas 3, porque o artigo 16.º n.º 6 alínea a), os exclui do conceito de base tributável.
(…) // Sublinhamos também que:

Ao abrigo do princípio da colaboração previsto no n.º 1 do artigo 59.º e 63.º da LGT (Lei Geral Tributária), e artigos 9.º e 28.º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária) solicitamos junto da Parque Escolar, informação sobre a nota de débito indicada na linha 3 do quadro supra, ao que a mesma nos informou (anexo 2):

“Nota de débito n.º 3/0….

A nota de débito n.º 3/0…. de 22.03.2012 e respectivo documento anexo, foi devolvida pela Parque Escolar, E.P.E., ao empreiteiro dado que não apresentava fundamento legal ou contratual (sublinhado nosso).

Processos Judiciais

No que respeita a processos judiciais com a sociedade de C....., S.A., (Contrato 09/1…../CA/C) estão em curso as seguintes situações:

Tribunal Arbitral - Escola Secundária de S….. em Sintra – Lote 2…..

O empreiteiro solicita a anulação das multas contratuais aplicadas e o pagamento do reequilíbrio financeiro do contrato.” (entenda-se valor debitado através da nota de débito indicada na linha 3 do quadro supra - sublinhado nosso)

Descrita a fundamentação de facto e de direito das correcções a efectuar em sede de IVA, resultantes da emissão de notas de débito sem liquidação de imposto, por isenção invocada e indevida nos termos do artigo 1.º ou 9.º do CIVA, e efectuado o apuramento do IVA a liquidar por documento, conforme quadro supra, resumimos no quadro infra, os valores de imposto a corrigir por período:
(…)”– cf. RIT que consta de fls. 150 a 169 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

D) Em 10.09.2013, a Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA, relativas aos períodos de Janeiro e de Março a Dezembro de 2012, no valor total a pagar de € 1.882.084,50, bem como das liquidações dos respetivos juros compensatórios, no valor global de € 58.069,46 – cf. fls. 32 a 60 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
E) Em 13.02.2014, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha reclamação graciosa contra as liquidações referidas no ponto D. que antecede, a qual foi indeferida por despacho de 22.01.2015, do Chefe de Divisão (em regime de substituição) da Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria – cf. fls. 4 a 303 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
F) Em 25.02.2015, a Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento de reclamação graciosa referida no ponto E. que antecede, o qual foi indeferido por despacho de 21.10.2015, do Subdiretor-Geral da AT – cf. fls. 3 a 114 do processo de recurso hierárquico (PRH) que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
G) Em 01.02.2016, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.

Factos não provados

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão dos presentes autos.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e do PAT constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do “probatório”.»


****
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
H) No RIT, ponto III.2.1., consta o quadro seguinte:

I) No RIT, ponto III.2.2.1- Factos verificados, consta o quadro seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

J) Do RIT, ponto III.2.2.2., “Correcções propostas, Fundamentação de Direito”, consta o quadro seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

K) Do RIT, parte final da Fundamentação de Direito, consta o Quadro seguinte:

L) Do RIT, em sede de “III.2.3. Correcções totais a efectuar em IVA”, consta o quadro seguinte:
X
2.2. Matéria de Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Sociedade de C....., S.A. contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de Março a Dezembro de 2012, no valor total de € 1.882.084,20, e da liquidação de juros compensatórios, no montante de € 58.069,46, na parte relativa à emissão de notas de débito sem liquidação de imposto.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Para sustentar as liquidações impugnadas, é referido no RIT, além do mais, que No caso em apreço, o sujeito passivo emitiu notas de débito de valores, relativos a “custas, penalizações, ou prejuízos”, que traduzem verdadeiras exigências indemnizatórias, a clientes e fornecedores, não fixadas judicialmente, originadas pelo incumprimento de responsabilidades contratuais, na sequência da realização de operações tributáveis, que por aplicação do artigo 1.º, 4,º e 16.º n.5 e alínea a) do n.º 6 a contrario, integram o campo de incidência de IVA, consequentemente sujeitas a liquidação de IVA, por não beneficiarem de qualquer isenção prevista no mesmo código (cf. ponto C. dos factos provados).
Com base neste entendimento, a AT retirou as seguintes principais conclusões, no que releva para o caso concreto dos autos:
“1. Os valores debitados através das notas de débito, indicadas nas linhas 11,12,13 e 24, emitidas a fornecedores, respeitantes a custas, multas, ou trabalhos não concluídos, por incumprimento contratual, estão sujeitos a IVA de acordo com as regras gerais, previstas no artigo 1.º 2.º, n.º 5, e alínea a) do n.º 6 a contrario do artigo 16 do CIVA, pois configuram indemnizações por incumprimento de responsabilidade contratual, e não cumprem as condições de liquidação de IVA segundo a regra de inversão do sujeito passivo. Propomos a liquidação do IVA em falta conforme apuramento demonstrado no quadro infra,
2. Os valores debitados nas notas de débito indicadas (nas linhas, 2, 3, e 6), emitidas a clientes, referentes a diversos tipos de custos e penalizações, a que já fizemos referência anteriormente, porque não beneficia da isenção invocada pelo sujeito passivo nos termos do artigo 1.º do CIVA, estão sujeitas a IVA nos termos previstos no artigo 1.º, 2.º, 4.º e n.º 5 e alínea a) do n.º 6 a contrario do artigo 16.0 do CIVA.
3. Os valores debitados através das notas de débito indicadas nas linhas 7, 8, 9,14, e 21, referem-se ao débito de despesas, sujeitas a liquidação de IVA, de acordo com as regras gerais de sujeição e liquidação previstas nos artigos 1.º.2º, 4.º e 16.0 do CIVA. O sujeito passivo ou não referiu incidência de IVA, ou considerou os valores isentos de IVA, nos termos do artigo 9.º, o qual não isenta de modo algum estas operações, e se revela como incorrecção face às normas de incidência.
4. Nos valores debitados a fornecedores através das notas de débito indicadas nas linhas 1, 4, 5, 10, 15 a 20, 22 e 23, respeitantes a custas/multas contratuais, ou prejuízos causados por incumprimento parcial de responsabilidades contratuais, em contratos de empreitada ou subempreitada de construção civil, o sujeito passivo invocou a não liquidação de IVA nos termos do artigo 9.º do CIVA. Os débitos em análise tiveram por base, a contratação da realização de operações tributáveis, que também não estão abrangidas por qualquer isenção prevista no artigo 9.º do CIVA. Propomos assim a liquidação do IVA em falta nos termos do, artigo 1.º, 2.º, 4.º n.º 5, e alínea a) do n.º 6 a contrario do artigo 16.º do CIVA, conforme a fundamentação já expressa anteriormente" (cf. ponto C. dos factos provados).
Por seu turno, advoga a Impugnante que não é devido IVA relativamente às operações tituladas pelas notas de débito em referência.
Que dizer? // Entendemos que assiste razão à Impugnante.
Vejamos, então, porquê.
Não é controvertido, uma vez que a própria AT o refere expressamente no RIT, que as notas de débito respeitam a valores exigidos pela Impugnante a clientes e fornecedores a título de multas, penalizações, custas e despesas com trabalhos não concluídos, ou seja, em suma, trata-se de compensações por prejuízos sofridos com incumprimentos contratuais (cf. ponto C. dos factos provados).
Com efeito, compulsado o RIT, que está na génese e fundamenta os atos de liquidação ora impugnados, verificamos que a AT não contesta a qualificação das operações realizada pela Impugnante no descritivo das notas de débito em causa, conformando-se com o respetivo enquadramento de facto. Ou seja, de acordo com o teor do RIT, o que está em causa é o enquadramento jurídico que foi conferido pela Impugnante às operações em causa, não tendo a AT colocado em crise a respetiva natureza, a qual é expressamente referida no RIT, tal como acima já se mencionou (cf. ponto C. dos factos assentes).
Ora, estando estabilizada a matéria factual dos presentes autos, podemos, então, afirmar que in casu estamos perante valores que foram debitados pela Impugnante tendo em vista, a final, o recebimento de uma compensação pelos danos que sofreu em resultado de incumprimento contratual por parte da entidade que foi debitada nos termos melhor descritos no RIT.
Nesta conformidade, é manifesto que as notas de débito em causa não têm subjacente qualquer operação tributável em sede do IVA, uma vez que inexiste qualquer fornecimento de bens ou serviços cuja compensação seja efetuada através dos débitos em causa. Com efeito, a Impugnante procedeu ao débito dos valores em causa com o objetivo manifesto de ser ressarcida dos danos que sofreu, e não recuperar qualquer benefício (lucro cessante) que deixou de obter. Tratam-se, pois, de verdadeiras indemnizações sem caráter remuneratório que foram debitadas pela Impugnante, estando, por isso, fora do campo de incidência do IVA (cf. artigos 1.º e 4.º do Código do IVA).
Diga-se que a circunstância de as indemnizações em causa não terem sido declaradas judicialmente não impõe a sua tributação em sede do IVA, uma vez que apenas estão sujeitas a este imposto as indemnizações que tenham natureza remuneratória, ou seja, configurem a contraprestação por um fornecimento de bens ou serviços, o que in casu, como já vimos, não sucede.
Neste sentido, vide a jurisprudência pacífica do TJUE e do TCAS que acima já se mencionou, tendo perfilhado em diversos arestos a posição de que apenas estarão sujeitas a IVA as indemnizações que visem compensar a realização de uma operação que recaia no âmbito de incidência objetiva do IVA.
Notamos que de acordo com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, a incorreta indicação em algumas das notas de débito da base legal ao abrigo da qual o IVA não é devido não impõe a liquidação do imposto, uma vez que se trata de uma mera incorreção técnica que, todavia, não impede, no caso concreto, o adequado conhecimento da natureza das operações realizadas, possibilitando, assim, o controlo administrativo e jurisdicional do procedimento de não liquidação de IVA que foi seguido pela Impugnante.
Ao que acima ficou expendido, acresce ainda o argumento de que como as notas de débito em causa não foram contabilizadas pelos “clientes” (não foram aceites) e foram devolvidas à Impugnante, tal como expressamente reconhecido pela AT no RIT, impõe-se concluir que as operações que titulam foram, de um ponto de vista contabilístico, económico e fiscal anuladas, razão pela qual não pode haver lugar à incidência de IVA. Com efeito, sendo o IVA um imposto de matriz económica, apenas estão sujeitas a tributação as operações económicas (transmissões de bens, prestações de serviços e importações — cf. artigos 1.º e 3.º a 5.º do Código do IVA) que sejam efetivamente realizadas pelos sujeitos passivos. Ora, tendo estas operações sido anuladas, através da devolução física das notas de débito, carece de sentido, de acordo com o funcionamento e mecânica do IVA, proceder à liquidação de IVA com referência às mesmas, dado que já não estamos perante qualquer operação tributável em sede deste imposto».

2.2.3. A recorrente imputa à sentença em crise os vícios seguintes:
a) Nulidade por falta de especificação dos factos relevantes para a decisão;
b) Erro de julgamento no que respeita à fixação da matéria de facto;
c) Erro de julgamento, quanto ao regime jurídico aplicável ao caso;
d) Omissão de pronúncia quanto ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

2.2.4. Antes de mais, cumpre referir que a Recorrente imputa à sentença a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 b) do Código de Processo Civil (nas suas palavras, falta de especificação de todos os factos relevantes na fundamentação de facto para a decisão da causa), alegando ainda uma ilegalidade da decisão recorrida por omissão do conhecimento do pedido de dispensa do remanescente.
O Meritíssimo Juiz a quo, por despacho de fls. 227, deferiu o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, assim suprindo a ilegalidade apontada pela Recorrente sobre esta matéria nas suas conclusões de recurso.
Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao esteio de recurso referido em a), a recorrente invoca que a sentença é omissa no que respeita à fundamentação de facto relevante para a decisão da causa [conclusões i) a x)]
Apreciando.
Compulsados os elementos coligidos no probatório, verifica-se que a fundamentação da matéria de facto, ao incorporar a descrição das correcções em causa constantes do RIT, contem os elementos que caracterizam as prestações subjacentes às notas de débito em apreço. Sem embargo, a matéria de facto não incluiu os quadros anexos ao RIT, através dos quais é possível uma análise mais detalhada de cada uma das operações em causa.
No entanto, tal omissão não configura vício gerador da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e direito (artigo 615.º/1/b), do CPC), dado que a sentença contem os fundamentos da decisão da matéria de facto, que na economia da mesma, são considerados relevantes.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.6. No que respeita ao alegado erro de julgamento da matéria de facto (alínea b) e ponto xi) das conclusões de recurso), cumpre referir o seguinte.
Com base nas premissas referidas no ponto anterior, a recorrente configura erro de julgamento da matéria de facto.
Compulsados os autos, impõe-se acolher a pretensão da recorrente, inserindo no local próprio elementos que se colhem dos autos no sentido da concretização das operações em causa.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7. No que respeita ao alegado erro de julgamento quanto ao regime jurídico aplicável ao caso (fundamento do recurso referido em c)), a recorrente alega que, no âmbito de contratos de empreitadas que a recorrida celebrou, seja como prestador de serviços, seja como cliente/subcontratante de serviços de construção civil, os débitos de encargos com sobrecustos, com prejuízos e com o reequilíbrio financeiro do contrato evidenciam o sinalagma entre as quantias em causa e a prestação de serviços efectuada; no âmbito dos contratos de fornecimento, as notas de débito referem-se a cumprimentos defeituosos de contratos, que implicam a redução do preço final dos contratos em causa; num caso e no outro, a natureza remuneratória das prestações em causa é assertiva, sustenta [conclusões xiii) a xxii)].
Vejamos.
O artigo 16.º (Valor tributável nas operações internas), n.º 6, al. a), do CIVA, estatui o seguinte: «6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos: // a) (…) as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;
«Ora, parece decorrer do art. 16º/6, a) que a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, na aceção do art. 562º CC, isto é, como um facto não sinalagmático, no âmbito do qual não há qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação que caiba ao lesado efetuar.
Nesta medida, parece-nos que se trata de uma norma desnecessária, porquanto a exclusão de tributação deverá resultar da natureza reparatória da indemnização, independentemente do facto de ter sido declarada judicialmente.
Assim, para efeitos de um correto enquadramento em sede de IVA das indemnizações, importa distinguir se a entrega de uma quantia a título de indemnização tem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços que seja remunerada através de uma contrapartida e, nessa medida, consubstancie uma operação sujeita a este imposto ou, se tais entregas consubstanciam meras compensações reparatórias, aproximando-se assim do seu sentido jurídico»(1).
A questão que se suscita consiste, pois, em saber se as quantias percebidas pela impugnante/recorrida, referidas no quadro III anexo ao RIT, configuram verdadeiras remunerações, correspondentes a contrapartidas onerosas pelos serviços prestados pela recorrida às entidades pagadoras de tais quantias (ou destinatárias das notas de débito em causa).
A este respeito, o TJUE teve ocasião de afirmar o seguinte:
«[Sobre a questão de saber se os montantes pagos a título de sinal por um cliente à entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, quando o cliente exerce a sua faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela referida entidade, deve, ser considerados como a contrapartida de uma prestação de reserva, sujeita ao IVA ou como indemnizações pela rescisão do contrato, não sujeitas ao referido imposto], [o TJUE afirmou] que só se pode dar uma resposta afirmativa à primeira solução formulada na questão prejudicial se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas (…)» (2).
«A este respeito, há que salientar que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção da referida disposição, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva de um serviço individualizável prestado ao beneficiário (…). Tal verifica-se caso exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida (…).
No tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (…)»(3).
Mais se refere que: «o facto de o direito à indemnização decorrer do contrato não deverá ser motivo para que essas prestações sejam automaticamente sujeitas a IVA. De entre outros elementos, importará analisar a prestação contratual, a função que a indemnização assume e a sua forma de cálculo, que deve basear-se essencialmente no cálculo de danos.
Desde logo, para que uma indemnização seja tributada terá sempre de existir um nexo directo entre o pagamento da indemnização e uma prestação concreta. Ou seja, a prestação recebida não existiria se não fosse paga a indemnização (que se assume assim como uma contraprestação por uma prestação de serviços ou transmissão de bens). Esta prestação deve materializar-se num ato de consumo a que corresponde uma prestação de serviços, ou uma transmissão de bens efectivamente aproveitada pelo adquirente.
Por outro lado, a prestação recebida (em troca do pagamento da indemnização) deverá ser individualizável, correspondendo a um benefício concreto que é gerado na esfera da entidade pagadora»(4).
Interpretando a orientação do TJUE, dir-se-á que a incidência do IVA supõe a existência de uma prestação de serviços onerosa, e esta só se pode considerar tal se «existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário»(5).
Do probatório resultam os elementos seguintes:

a) A sociedade de C..... SA exerce a actividade de construção de edifícios residenciais e não residenciais, destinados a venda directa, ou a título de prestação de serviços, no cumprimento de contratos de empreitada, celebrados com clientes privados e entidades públicas, designadamente autarquias. Utiliza mão-de-obra directa, e subcontrata diversos empreiteiros da área da construção civil(6).
b) Sendo a sociedade uma pessoa colectiva, com sede em território nacional, que exerce a título principal uma actividade comercial ou industrial, cujas operações praticadas conferem o direito a dedução total ou parcial do imposto, nos termos da alínea j) do n.º 1 artigo 2.º do CIVA, na qualidade de adquirente de serviços de construção civil (subcontratação), está sujeito à regra de liquidação de IVA, por inversão do sujeito passivo, isto é liquida o imposto nas aquisições de serviços de construção civil, e procede à sua dedução nas operações que lhe conferem esse direito, nos termos do artigo 19.º a 26.º do CIVA(7).
c) Enquanto prestador de serviços de construção civil aos seus clientes, na sua grande maioria, por celebração de contratos de empreitada, desde que o adquirente verifique as condições previstas na referida alínea j) do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, a sociedade de C..... SA, não liquida IVA, cabendo a sua liquidação ao adquirente dos serviços, por aplicação da mesma regra de inversão do sujeito passivo, conferindo-lhe no entanto o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições para a realização destas operações, nos termos previstos nas citadas disposições legais(8).
d) No que concerne às regras de facturação, nas prestações de serviços em que se verifica o referido regime de liquidação de IVA por inversão do sujeito passivo, a sociedade cumpriu o disposto no n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, ou seja as facturas emitidas contêm a expressão “IVA devido pelo adquirente nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA” (9). .
e) As notas de débito de valores, em análise, consubstanciam os seguintes factos com relevância fiscal em sede de IVA(10):
a. Todas as notas de débito foram registadas na contabilidade do emitente, a débito de contas 2X, contas que registam as operações relacionadas com clientes, titulando direitos ou valores activos na esfera patrimonial do sujeito passivo, e crédito de contas de rendimento e ganhos – contas 7x, com excepção das notas indicadas nas linhas 13 e 22, registadas a crédito da conta 62x, traduzindo a diminuição dos valores das contas de gastos;

b. As notas de débito indicadas nas linhas 2, 3 e 6 do quadro supra, referem-se a operações efectivamente relacionadas com os clientes, K....., Parque Escolar e Câmara Municipal de Lisboa, na sequência da execução de contratos de prestação de serviços respeitantes a edificação de obras, com estes celebrados, e as restantes notas, referem-se a operações com fornecedores, no âmbito da aquisição de serviços de construção civil, através de subcontratação de subempreiteiros, das diversas áreas da construção civil.

c. A Nota de débito .../0312 (linha 2 quadro supra), emitida ao cliente K..... Compra e Venda de imóveis Lda, NIPC 508…, com sede em Espaço A…..– Lisboa, pelo valor de € 850 050,00, foi isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA. Esta nota referência a obra n.º 7….., respeitante ao mapa de obras da sociedade, contratada com liquidação de IVA, segundo a regra de inversão do sujeito passivo. O valor debitado refere-se a:
i. Sobre custos, pelo prolongamento do prazo, considerando as perturbações criadas ao plano de trabalhos contratual (meios técnicos e mão de obra), no montante de € 77 800,00;
ii. Mobilização de meios para reforçar as equipas em obra, e sobre custos pelo alargamento do horário de trabalho, de forma a antecipar os prazos de conclusão da empreitada, no montante de € 772 250,00;

d. A nota de débito 3/0…. (linha 3 quadro supra), foi emitida ao cliente Parque Escolar, EPE, NIPC 508….., com sede em Av. I…. Lisboa, pelo valor de € 2 255 356,15, isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA., refere-se a prejuízos calculados na obra, respeitante ao contrato de empreitada n.º 09/1…., cujo IVA foi liquidado pelo adquirente, de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo. O valor debitado resulta de:

i. Custos indirectos de estaleiro – € 742 173,80 (meios humanos – € 569 700,00, e meios equipamentos - € 172 473,80);

ii. Falta de cobertura dos encargos centrais das empresas, lucros cessantes - € 568 757,18 (encargos centrais das empresas € 350 004,42 e lucros cessantes € 218 752,76);
iii. Sobre custo de trabalho extraordinário – € 762 800,63 (valores referentes ao sobre esforço efectuado entre 15 de Julho de 2010 e 15 de Setembro de 2010, sendo mão de obra JC - € 173 326,57 e subempreiteiros – 589 474,07);
iv. Diferencial de Revisão de preços – € 95 015,60.

v. Custos financeiros - € 86 608,63 (juros de mora)
e. A nota de débito n.º 2/0….. (linha 6 do quadro supra), foi emitida à Câmara Municipal de Lisboa, NIPC 500….., no valor de € 438 506,87, isenta de liquidação de IVA nos termos do artigo 1.º do CIVA. Esta nota refere-se ao débito dos valores respeitantes ao reequilíbrio financeiro no contrato de empreitada de construção da escola EB1 e J.I. do Bairro do A….. – Zona de Chelas. A obra foi executada com liquidação de IVA pelo prestador de serviços. O valor do reequilíbrio financeiro resulta de:
i. Sobre custos por alteração dos projectos de estrutura (€ 165 217,64);

ii. Sobre custos resultantes de diversas perturbações nas actividades críticas da empreitada (€ 177 382,42);

iii. Agravamento excepcional do custo do aço (€ 44 690,74);

iv. Deslocação do estaleiro da empreitada principal (€ 51 216,07);
f. As restantes notas de débito foram emitidas a operadores económicos, que se relacionam com o sujeito passivo na qualidade de fornecedores de serviços de construção civil, cuja liquidação de IVA foi efectuada de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo. As notas indicadas nas linhas 7, 8, 9, 14 e 21, referem-se a débito de diversas despesas, e as indicadas nas linhas 1, 4, 5, 10 a13, 15 a 20, e 22 a 24, traduzem o débito a título de “penalizações” “prejuízos” ou “custas” pela não realização total, ou fora de prazo de serviços contratados aos respectivos fornecedores.
f) Os valores debitados através das notas de débito, indicadas nas linhas 11,12,13 e 24, emitidas a fornecedores, respeitantes a custas, multas, ou trabalhos não concluídos, por incumprimento contratual, estão sujeitos a IVA de acordo com as regras gerais, previstas no artigo 1.º 2.º, n.º 5, e alínea a) do n.º 6 a contrario do artigo 16 do CIVA, (…)(11).
g) Os valores debitados nas notas de débito indicadas (nas linhas, 2, 3, e 6), emitidas a clientes, referentes a diversos tipos de custos e penalizações, a que já fizemos referência anteriormente, porque não beneficia da isenção invocada pelo sujeito passivo nos termos do artigo 1.º do CIVA, estão sujeitas a IVA nos termos previstos no artigo 1.º, 2.º, 4.º e n.º 5 e alínea a) do n.º 6 a contrario do artigo 16.º do CIVA (12).
h) Os valores debitados através das notas de débito indicadas nas linhas 7, 8, 9,14, e 21, referem-se ao débito de despesas, sujeitas a liquidação de IVA, de acordo com as regras gerais de sujeição e liquidação previstas nos artigos 1.º.2º, 4.º e 16.º do CIVA. O sujeito passivo ou não referiu incidência de IVA, ou considerou os valores isentos de IVA, nos termos do artigo 9.º, o qual não isenta de modo algum estas operações, e se revela como incorrecção face às normas de incidência(13).
i) Nos valores debitados a fornecedores através das notas de débito indicadas nas linhas 1, 4, 5, 10, 15 a 20, 22 e 23, respeitantes a custas/ multas contratuais, ou prejuízos causados por incumprimento parcial de responsabilidades contratuais, em contratos de empreitada ou subempreitada de construção civil, o sujeito passivo invocou a não liquidação de IVA nos termos do artigo 9.º do CIVA. Os débitos em análise tiveram por base, a contratação da realização de operações tributáveis, que também não estão abrangidas por qualquer isenção prevista no artigo 9.º do CIVA. Propomos assim a liquidação do IVA em falta nos termos do, artigo 1.º, 2.º, 4.º n.º 5, e alínea a) do n.º 6 à contrario do artigo 16.º do CIVA, conforme a fundamentação já expressa anteriormente(14).
j) Tendo presente os fundamentos referidos, indicamos no quadro infra o valor do IVA a liquidar por nota de débito, considerando a taxa de imposto prevista no artigo 18.º do CIVA, e a não incidência de IVA, sobre os valores respeitantes ao débito de juros de mora, designadamente na nota indicada na linhas 3, porque o artigo 16.º n.º 6 alínea a), os exclui do conceito de base tributável(15).

Dos elementos coligidos nos autos impõe-se concluir que as quantias em causa correspondem a pagamentos efectuados à impugnante, não apenas por ocasião de contratos de prestação de serviços de empreitadas ou de fornecimento, no âmbito da actividade de construção civil, em que a mesma paga um preço ou recebe uma contrapartida pela prestação realizada ou recebida, pelo que constituem verdadeiras prestações de serviços onerosas, realizadas no âmbito da actividade de construção civil, as quais, como tal, são tributáveis em sede de IVA. Por outras palavras, «no contexto de contrato de empreitadas, os débitos de sobrecustos, de prejuízos calculados e de reequilíbrio financeiro, estão directamente ligados à prestação de serviços executada pelo empreiteiro ao dono da obra, e visa remunerar essa prestação de serviços de construção civil»(16). Mais se refere que, «[n]este âmbito o débito de encargos com sobrecustos, com prejuízos e com reequilíbrio financeiro evidenciam a sinalagmaticidade entre o valor que o empreiteiro deve receber a final como contraprestação dos serviços prestados e o valor que o dono de obra deve pagar, fazendo parte de um processo de acerto de contas realizado de acordo com os custos suportados pelo empreiteiro para a realização das prestações de serviços e o valor dos serviços prestados ao dono da obra pelo empreiteiro durante a execução do contrato de empreitada. Em face desta intrínseca ligação entre o débito dos referidos encargos e a realização de prestação de serviços de obras de construção como operações tributáveis, afigura-se evidente o carácter remuneratório dos sobrecustos facturados»(17).
Mais se refere que «[a]s restantes notas de débito dizem respeito a operações com fornecedores, relacionados com situações que se reconduzem ao cumprimento defeituoso de contratos de fornecimento, que naturalmente implicam a redução do preço final dos contratos de fornecimento, mas que não deixam de ter natureza contratual e de ser contraprestação relativamente a prestações de serviços de operações tributáveis em IVA»(18). Ou seja, «[a]s restantes notas de débito foram emitidas a operadores económicos, que se relacionam com o sujeito passivo na qualidade de fornecedores de serviços de construção civil, cuja liquidação de IVA foi efectuada de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo»(19), pelo que a tributação é devida, nos termos do artigo 2.º/1)/j), do CIVA(20).
Recorde-se que, nos termos do artigo 199.º da Directiva IVA(21),
«1. Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações: // a) Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.o 3 do artigo 14.o».
Está em causa uma situação de reverse charge, tipificada na Directiva IVA. Ou seja, «operações internas em que o operador não merece a confiança da administração, sendo preferível por isso exigir o imposto do destinatário. A regra fundamental que a Directiva estabelece para lidar com estas situações é a do artigo 199.º, através da qual se faculta aos estados-membros a opção de aplicar o reverse charge ao elenco de operações aí tipificadas. São sectores de risco os que aí encontramos elencados, sejam os serviços de construção civil, seja a venda de sucatas e desperdícios. E, precisamente, porque se trata do combate à fraude, o artigo 199.º da Directiva faculta aos estados-membros algum afinamento destas regras, especificando algo mais as operações a que se aplica a reverse charge ou “as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais as medidas podem ser aplicáveis”»(22). Sé

De onde se impõe concluir que a sentença recorrida, ao julgar em sentido discrepante, ou seja, ao considerar que as quantias em causa correspondem a indemnizações não remuneratórias e como tais isentas de tributação em IVA, incorreu em erro, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, nesta parte.
2.2.8. No que respeita à não aceitação das notas de débito pelos seus destinatários, da sentença recorrida consta o seguinte:
«Ao que acima ficou expendido, acresce ainda o argumento de que como as notas de débito em causa não foram contabilizadas pelos “clientes” (não foram aceites) e foram devolvidas à Impugnante, tal como expressamente reconhecido pela AT no RIT, impõe-se concluir que as operações que titulam foram, de um ponto de vista contabilístico, económico e fiscal anuladas, razão pela qual não pode haver lugar à incidência de IVA. Com efeito, sendo o IVA um imposto de matriz económica, apenas estão sujeitas a tributação as operações económicas (transmissões de bens, prestações de serviços e importações — cf. artigos 1.° e 3.° a 5.° do Código do IVA) que sejam efetivamente realizadas pelos sujeitos passivos. Ora, tendo estas operações sido anuladas, através da devolução física das notas de débito, carece de sentido, de acordo com o funcionamento e mecânica do IVA, proceder à liquidação de IVA com referência às mesmas, dado que já não estamos perante qualquer operação tributável em sede deste imposto».
A este propósito, nas alegações de recurso, a recorrente afirma que: «na fundamentação de facto não se encontram descritos os factos com base nos quais seja possível extrair essa conclusão».
Compulsados os autos, verifica-se que do RIT, III.2.2.1. consta o seguinte:
«Solicitámos informação junto dos destinatários das referidas notas de débito, tendo-se verificado que não foram aceites por estes, não se encontrando reflectidas na sua contabilidade, consubstanciando o seu débito, a exigência de indemnizações ou compensações, por parte do seu emitente, por incumprimento de responsabilidades contratuais, e com as quais se sentiu lesado, no âmbito da sua actividade».
A presente asserção suscita a dúvida sobre a ocorrência do facto tributário em relação a cada uma das notas de débito referidas nos quadros III e IV do RIT (supra). Nos termos do artigo 100.º, n.º 1, «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». Ou seja, a questão de saber se à emissão de cada uma das notas de débito em causa correspondeu efectivo recebimento das quantias mencionadas por parte do seu emitente ou se, pese embora a sua emissão, as mesmas não correspondem a qualquer pagamento por parte dos seus destinatários, por não terem sido aceites por estes, não se mostra esclarecida nos autos. Esclarecimento que se impõe realizar em relação a cada uma das notas de débito em causa e que não foi realizado por parte do tribunal recorrido (artigo 114.º do CPPT).
Impõe-se, por isso, anular a sentença recorrida com vista à ampliação da base probatória, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC.
Termos em que se procederá no dispositivo.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, por défice instrutório, nos termos referidos supra, ordenando a baixa dos autos com vista a ulterior proferimento de sentença.

Custas pela Recorrida.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de Junho de 2019


(Jorge Cortês - Relator)



(1º. Adjunto)
Lurdes Toscano


(2º. Adjunto)
Benjamim Barbosa



(1) Clotilde Celorico Palma, Código do IVA e RITI, anotados, Almedina, 2014, pp. 224/225.
(2) §19, do Acórdão do TJUE, (“Société Thermale”) de 18.07.2007, P. C-277/05.
(3) §§39 e 40, do Acórdão de 22.11.2018, (“MEO”) P. C-295/17.
(4) Mariana Gouveia de Oliveira e João Ascenso, O Iva nas indemnizações: A resolução de contratos de Concessão, Cadernos do IVA, 2017, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2017, pp. 339/356.
(5) Acórdão do TJUE, Tolsma, C-16/93, §14.
(6) RIT, ponto III.1.
(7)RIT, ponto III.1.
(8) RIT, ponto III.1.
(9) RIT, ponto III.1.
(10) RIT, ponto III.2.2.1.
(11) RIT, ponto III.2.2.2.
(12) RIT, ponto III.2.2.2.
(13) RIT, ponto III.2.2.2.
(14) RIT, ponto III.2.2.2.
(15)RIT, ponto III.2.2.2.
(16) Conclusão xvi.
(17) Conclusões xvii e xviii
(18) Conclusão xix.
(19) Ponto III.2.2.1. do RIT.
(20) «São sujeitos passivos do imposto // As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) [que de modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços ou que d, modo independente, pratiquem um só operação tributável] que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de empreitada ou subempreitada».
(21) DIRECTIVA 2006/112/CE DO CONSELHO, de 28 de Novembro de 2006,relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado;
eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:02006L0112-20160601
(22)Sérgio Vasques, O Imposto sobre o valor acrescentado, Almedina, 2015, p. 168.