Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04237/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/19/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:OPOSIÇÃO
CASO JULGADO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I) – O caso julgado tem limites, uns de carácter objectivo, outros de natureza subjectiva, que decorrem dos termos em que está definida a excepção do caso julgado que pressupõe a repetição de uma causa (artº 497º, nº 1, do C.P.C.) e sua identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (artº 498º, nº 1 do C.P.C.).
II) -Assim, a eficácia do caso julgado se limita às partes (artº 674º do C.P.C.) pelo que se pode concluir que com aquele se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
III) -Não ocorre a impossibilidade de apreciar nestes autos a questão da responsabilidade dos oponentes revertidos pela dívida exequenda por não haver a tríplice identidade em relação à decisão já proferida e que não foi objecto de recurso num outro processo, não sendo, pois, configuráveis desencontros ou incoerências entre aquela decisão e a que terá de ser proferida sobre o mérito nestes autos.
IV) –É que o decidido em um processo de oposição a execução fiscal que reverteu contra o mesmo gerente de uma mesma sociedade, não faz caso julgado numa outra oposição, deduzida pelo mesmo gerente, contra uma outra execução fiscal, por dívida diferente das executadas naquela primeira execução.
V) - A faculdade concedida pelo nº 2 do artº 712º do CPC de este tribunal anular a decisão fáctica com fundamento em deficiência, obscuridade ou contraditoriedade só deverá ser usada quando o tribunal recorrido tenha deixado de apreciar questão de que devesse conhecer e não haja no processo elementos bastantes para essa apreciação, caso em que o processo teria de baixar àquele tribunal.
VI) -Se bem que o TCA seja competente para julgar matéria de facto, nos termos aplicáveis do n.° l do art. 712.° do CPC, não tem o mesmo, em sede de recurso jurisdicional, poderes instrutórios que lhe permitam substituir-se ao tribunal de l.ª instância.
VII) -Em face do défice instrutório e porque se reputa essencial para a decisão da causa a ampliação da matéria de facto a partir de diligências probatórias tendentes, além do mais, à recolha de elementos objectivos recolhidos que permitam a conclusão fundamentada, de que os oponentes não exerceram de facto a administração, designadamente mediante a produção da prova testemunhal indicada, deverão os autos baixar à 1ª instância com vista a que, ao abrigo dos artigos artes. 13.° do CPPT e 99.° da LGT, seja completada a instrução pelo tribunal de 1ª instância, proferindo depois nova decisão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acorda-se, em conferência, nesta 2ª Secção do TCAS:

1. –A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, recorreu da sentença do M Juiz do TAF de Leiria que julgou verificada a excepção dilatória do caso julgado e declarou extinta a execução revertida contra os oponentes A...e B...na presente oposição por estes deduzida à execução fiscal contra si instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA liquidado oficiosamente em relação ao ano de 1996, concluindo as suas alegações como segue:
“A) Sustentou a douta sentença para efeito da extinção da execução fiscal revertida contra a ora oponente, a verificação da excepção de caso julgado prevista no artigo 498° do Código de Processo Civil.
B) Considerou, em suma, a douta sentença de que se recorre, que a reversão ocorrida nos presentes autos se encontrava prejudicada por força da decisão de extinção transitada em julgado relativamente à responsabilização subsidiária em sede de reversão levada a efeito nos autos n.° 378/06.2BELRA.
C) A douta sentença incorre em erro na apreciação da prova produzida, ao efectuar errónea interpretação da base probatória factual dada como assente, designadamente considerando verificar-se os três imprescindíveis requisitos atinentes à verificação da excepção dilatória do caso julgado;
D) Ao invés do decidido na douta sentença, apenas se verifica no caso dos autos um dos três requisitos cumulativos imprescindíveis à verificação da excepção por caso julgado, que é a identidade de sujeitos.
E) Sucede que, este é o único dos três requisitos que se encontra preenchido para que pudéssemos ter nos vertentes autos a autoridade do caso julgado aplicável a este.
F) Quanto ao segundo requisito - identidade do pedido - este aporta consigo a repetição de um mesmo efeito jurídico.
G) Basta atentar na base de cada uma das oposições para alcançar que em ambos os processos o pedido é distinto, uma vez que no processo n.° 378/06 se peticiona a anulação da responsabilização subsidiária da autora relativamente ao específico processo de execução fiscal com distinta dívida exequenda que esteve na origem de tal oposição e que no caso dos presentes autos é peticionada a anulação da responsabilização subsidiária, mas desta feita relativamente ao processo de execução fiscal n.° 1929199801004832, que não coincide com o processo executivo em que foi proferida a decisão da oposição n.° 378/06.
H) Ou seja, em suma, o efeito jurídico que se pretende em cada um dos processos é distinto, posto que os processos de execução fiscal (e respectiva dívida exequenda) em que se peticiona a anulação da decisão de responsabilização subsidiária são completamente distintos.
l) Por último, inexiste igualmente qualquer identidade de causa de pedir porquanto a identidade de causa de pedir pressupõe que a pretensão derive do mesmo facto jurídico, o que manifestamente não se verifica no caso em apreço.
J) As oposições apresentadas (n°s 376/06 e 378/06) derivam de distintas decisões de reversão do Chefe do Serviço de Finanças de Abrantes, as quais foram proferidas em diferentes processos de execução fiscal que versam sobre diferentes tributos e períodos de tributação.
K) Neste conspecto, resulta manifesto que não existe igualmente a identidade de causa de pedir entre o processo n.° 378/06 (transitado em julgado) e os vertentes autos (376/06), também ela requisito imprescindível para que pudesse a douta sentença accionar a autoridade de caso julgado daqueles autos relativamente aos autos sub judice.
L) Tal como tem vindo a ser uniformemente decidido pela jurisprudência no tocante ao contencioso de natureza tributária, não existe sequer identidade de pedido quando se está perante diferentes tributos.
M) Neste sentido, veja-se por todos, o acordado pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.° 26544/02, no qual se acordou, em sumário que:
" 1- O decidido em um processo de oposição a execução fiscal que reverteu contra o mesmo gerente de uma mesma sociedade, não faz caso julgado numa outra oposição, deduzida pelo mesmo gerente, contra uma outra execução fiscal, por dívida diferente das executadas naquela primeira execução."
N) Para que possa dar-se por verificada a excepção dilatória de caso julgado, tornar-se-ia necessário o preenchimento dos requisitos subjectivos e objectivos da repetição de causas, a chamada tripla ou tríplice identidade reclamada pelos n.°s 2, 3 e 4 do art.° 498.° do CPC.
O) Como pacificamente se comprova não existe repetição de pedido, nem sequer de causa de pedir entre o processo de oposição 378/06 e os presentes autos, visto que não só em ambos se está perante diferentes tributos, como igualmente se está perante diferentes períodos de tributação e distintas decisões que lhe estão na origem, visando-se em cada um dos processo de oposição a anulação de diferentes processos de execução fiscal.
P) Não se verificando tal tripla identidade, é forçoso reconhecer que a douta sentença fez errado entendimento da matéria de facto e indevida subsunção da matéria de facto à previsão legal ínsita no artigo 498° do CPC e, em consequência, errou ao trazer a colação tal normativo e a considerar os presentes autos abrangidos pela autoridade do caso julgado.
Q) Neste conspecto, não poderá deixar de ser reconhecido o erro na valoração dos factos e a respectiva errónea aplicação do Direito, razão pela qual se impõe anular a douta sentença de que ora se recorre e, em consequência, mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para prolação de nova sentença em que não se reconheça a existência de tal excepção dilatória.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V.Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente e anulada a douta sentença de que se recorre e remetidos os autos ao Tribunal a quo para que este profira nova decisão, desta feita, expurgada do vício legal que lhe vem assacado (e comprovado) através do presente recurso jurisdicional.”
Foram apresentadas contra -alegações com as seguintes conclusões:
“a) -para saber se a decisão proferida no processo de oposição n°378/O6, deduzida pelos oponentes à execução que contra eles reverteu uma execução originalmente dirigida contra a devedora, sociedade Apolinário Marçal, SA, deve partir-se dos fundamentos e do pedido de ambas as oposições e não analisar-se a questão em abstracto;
b) -no caso concreto, há não só identidade de sujeitos, mas também de causa de pedir e do pedido;
c) -na verdade, em ambos os casos a causa de pedir é o facto de os oponentes terem sido meros administradores de direito, que não de facto, da sociedade devedora, onde apenas desempenharam funções de meros empregados, como tais descontando para a segurança social e o pedido formulado é o reconhecimento de que os ora oponentes não são responsáveis pelas dividas fiscais da executada Apolinário Marçal, SA;
d) -Logo, há caso julgado que abrange o caso dos autos;
e) -Neste contexto fazer inquirição de testemunhas seria um acto inútil, perda de tempo e correr o risco de descrédito da justiça, perante a eventualidade de decisões manifestamente contraditórias, o que o caso julgado pretende evitar, como resulta do n° 2 do art. 497° do CPC;
f) -para além de que, sempre estaríamos perante a caducidade do direito da recorrente, dado o tempo decorrido, como foi alegado na oposição.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso COMO É DE JUSTIÇA.”
A EPGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso da Fazenda Pública.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. -Para julgar verificada a excepção de caso julgado, na sentença recorrida foi considerado, em síntese, que:
a) - Vieram os oponentes Helena Cristina Graça e Paulo Carlos Graça, melhor identificados nos autos, instaurar a presente oposição à execução fiscal, id, a fls. 1, que lhes é movida por reversão de que é devedora originária a sociedade "Apolinário Marcai, Lda.", tendo nela deduzindo a pretensão de ver anulada a execução na parte contra si revertida, alegando, como fundamento e em síntese, que nunca por parte de qualquer um deles foi exercida a gerência de facto daquela sociedade, sendo que apenas nominalmente figuraram como gerentes da mesma.
b) -pelos mesmos oponentes foi instaurada a oposição n.° 378/06.2, na qual alegando como fundamento a mesma materialidade que serviu de fundamento à presente deduzindo também nela igual pedido, ou seja, os fundamentos, pretensões jurídicas deduzidas e os sujeitos processuais são exactamente os mesmos que na presente.
c) -como decorre da análise da decisão de mérito proferida naqueles autos, cuja certidão se encontra á fls. 105 a 117 destes autos, lograram os oponentes demonstrar os fundamentos que ali invocaram obtendo, por consequência, integral procedência da pretensão jurídica por eles ali deduzida.
Sucede que dos autos constam as certidões em que se baseia a presente execução e da sentença proferida nos autos de oposição nº 378/06.2 BELRA, das quais resulta que:
d) – A dívida exequenda objecto da presente oposição à execução fiscal respeita a IVA liquidado oficiosamente em relação ao ano de 1996, e respectivos juros compensatórios relativos aos períodos de 9607 e 9608, dívida da Sociedade Apolinário Marçal LDª (cfr. docs. de fls.70 a 72 e de fls. 108 a 112).
e) – a execução fiscal nº 1929-19990100018.7, à qual foi deduzida oposição nº378/06.2 BELRA, dita em b), foi instaurada com base em certidão de dívida extraída do processo de Contra-Ordenação nº 1929-19986002307 para cobrança de dívidas de coimas e custas fiscais da Sociedade Apolinário Marçal LDª (Cfr. ponto 5 do probatório da sentença proferida naqueles autos de oposição junta a fls. 181 e ss).
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Tendo em conta a materialidade supra exposta, a Mª Juíza considerou que se verificavam verificar-se os três imprescindíveis requisitos estabelecidos no artº 498º do CPC e atinentes à verificação da excepção dilatória do caso julgado, i. é, identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Dissentindo do assim fundamentado e decidido, sustenta a recorrente FªPª que apenas se verifica no caso dos autos um dos três requisitos cumulativos imprescindíveis à verificação da excepção por caso julgado, que é a identidade de sujeitos pois, quanto à identidade do pedido, este aporta consigo a repetição de um mesmo efeito jurídico, bastando atentar na base de cada uma das oposições para alcançar que em ambos os processos o pedido é distinto, uma vez que no processo n.° 378/06 se peticiona a anulação da responsabilização subsidiária da autora relativamente ao específico processo de execução fiscal com distinta dívida exequenda que esteve na origem de tal oposição e que no caso dos presentes autos é peticionada a anulação da responsabilização subsidiária, mas desta feita relativamente ao processo de execução fiscal n.° 1929199801004832, que não coincide com o processo executivo em que foi proferida a decisão da oposição n.° 378/06; logo, o efeito jurídico que se pretende em cada um dos processos é distinto, posto que os processos de execução fiscal (e respectiva dívida exequenda) em que se peticiona a anulação da decisão de responsabilização subsidiária são completamente distintos. E, no que tange à identidade de causa de pedir, a mesma inexiste porquanto pressupõe que a pretensão derive do mesmo facto jurídico, o que manifestamente não se verifica no caso em apreço: as oposições apresentadas (n°s 376/06 e 378/06) derivam de distintas decisões de reversão do Chefe do Serviço de Finanças de Abrantes, as quais foram proferidas em diferentes processos de execução fiscal que versam sobre diferentes tributos e períodos de tributação e, tal como tem vindo a ser uniformemente decidido pela jurisprudência no tocante ao contencioso de natureza tributária, não existe sequer identidade de pedido quando se está perante diferentes tributos.
Os recorridos pugnam pela manutenção do julgado dizendo que deve partir-se dos fundamentos e do pedido de ambas as oposições e não analisar-se a questão em abstracto sendo que, no caso concreto, há não só identidade de sujeitos, mas também de causa de pedir e do pedido, visto que em ambos os casos a causa de pedir é o facto de os oponentes terem sido meros administradores de direito, que não de facto, da sociedade devedora, onde apenas desempenharam funções de meros empregados, como tais descontando para a segurança social e o pedido formulado é o reconhecimento de que os ora oponentes não são responsáveis pelas dividas fiscais da executada Apolinário Marçal, SA.
Concluem, por isso, que há caso julgado que abrange o caso dos autos.
A EPGA discordando da posição assumida pela recorrente FªPª, pronunciou-se no sentido de que o recurso deve improceder e a sentença deve ser mantida na ordem jurídica visto resultar da análise da matéria fáctica patente nos autos, que o problema se prende com os mesmos sujeitos na relação controvertida, a causa de pedir é a mesma – em ambas as causas se alega a ilegitimidade dos revertidos – e o pedido é o mesmo – ver anulada a execução contra si revertida, sendo os fundamentos precisamente iguais sendo, pois, patente o preenchimento dos requisitos legais para a verificação do caso julgado.
Quid juris?
A questão ora levantada, prende-se com o conceito e existência de caso julgado, pelo que se torna útil e necessário dilucidar o que se entende por caso julgado e quando se pode falar na existência de caso julgado.
Por caso julgado, pode entender-se o caso julgado ou sobre o aspecto formal ou sob o aspecto material.
O caso julgado formal, segundo uns, consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada por essa via e, segundos outros em despachos ou sentenças, transitados em julgado, sobre questões de natureza processual.
O caso julgado material existe, quando a decisão sobre a relação material controvertida, transitou em julgado (Jorge Augusto Pais de Amaral – Direito Processual Civil), ou quando, a definição dada à relação controvertida se pode impor a todos os tribunais (Andrade, Manuel A. Domingues, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pág. 305).
Quanto aos efeitos do caso julgado:
O caso julgado formal só tem valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão é proferida (672º C.P.C), enquanto, que o caso julgado material, só se verifica com as decisões de mérito, que são, em principio as únicas susceptíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material (Sousa, M.Teixeira, “O objecto da sentença e o caso julgado material” BMJ.325 – 1983 pág.148).
Relevante é também a questão dos fundamentos do caso julgado e, nesse sentido, dir-se-á que o caso julgado visa garantir fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (Miranda, Jorge, Manual de Direito Constitucional, 3º edição, Coimbra, 1966, pág. 494), fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido (Canotilho, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, pág. 257).
A Doutrina aponta, para que o caso julgado se apresente, sempre, em duas dimensões:
- Dimensão objectiva que se consubstancia na ideia de estabilidade das instituições.
- Dimensão subjectiva, que se projecta na tutela da certeza jurídica das pessoas ou na estabilidade da definição judicial da sua situação jurídica.
Assim, entendido nas duas dimensões, o caso julgado destina-se a evitar uma contradição prática de decisões, obstando a decisões concretamente incompatíveis, pois, além da eficácia intraprocessual é susceptível de valer num processo distinto, daquele em que foi proferida a decisão transitada (479º/1 e 2; 671º/1 C.P.C); existindo caso julgado material a título principal, quando se trata de uma repetição de uma causa em que foi proferida a decisão, e caso julgado material a título prejudicial, em acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação.
Posto isto, importa agora explicitar como conhecer quando existe caso julgado e o princípio orientador que permite remover as dúvidas, se determinada acção é idêntica à outra, é o da existência ou inexistência de duas ou mais acções judiciais se poderem contradizer na prática.
“- As acções considerar-se-ão idênticas, se a decisão da segunda fizer correr ao tribunal o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira” (AC. R.C de 00.5.25, Recurso nº 970/2000, http://www.trc.pt/trc09015.html); sendo que a contradição de decisões, é de ordem prática, por forma, a que não possam executar-se ambas, sem detrimento de alguma delas (Juris. do T.RP., nº 106, http://www.terravista.pt/bilene/2850/00106.html).
Pela contradição prática a que duas ou mais decisões práticas podem conduzir, em princípio pode defender-se, que os limites dentro dos quais se opera a força do caso julgado material, tem de respeitar a tripla condição:
De as partes serem as mesmas;
Ser o mesmo pedido;
Ser a mesma causa de pedir.
Essa construção temática, é defendida pela doutrina e jurisprudência, tendo como suporte a interpretação e a aplicação literal dos 497º, 498º,671º C.P.C e, assim:
a) Quanto às partes
O Princípio da eficácia relativa do caso julgado, traduzido no “res inter allios judicatei nullum aliis praejudicium faciunt”, na situação sub-judice, não há um entrave à existência de caso julgado pois nas duas acções, as partes são as mesmas: Fazenda Pública e os oponentes.
Nesta vertente, a sentença, sendo de mérito e constitutiva é oponível a todos, por a qualidade jurídica da parte, ser exactamente a mesma.
b) Quanto à causa de pedir
Diz-se que há identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida em mais que uma acção procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito, e fundamenta, legalmente a sua pretensão, constituindo m elemento definidor do objecto da acção 498º/4 C.P.C (A.C STJ de 17/1/75, BMJ, 243º, pág. 206; A.C STJ, de 18/2/88, BMJ, 374º, página 423 e Varela, A., RLJ, 121º, pagina 147º).
A causa de pedir nas acções deverá ser idêntica à que sustenta, o pedido formulado pelo A. Isto é, os factos reais e concretos (…) susceptíveis de produzir efeitos jurídicos (Alberto do Reis, Comentário, Volume III, página 125), não sendo necessário que não sejam idênticas as demandas formuladas, mas sim, que a questão fundamental levantada, nas duas acções seja idêntica. (A.C STJ de 26/10/89, BMJ, 390º, página 379º).
Ora na primeira acção em que foi proferida a sentença no processo nº n°s 378/06 transitada em julgado a causa de pedir concreta, consistia:
-nunca os oponentes terem exercido a gerência da sociedade devedora originária, na qual ambos eram meramente funcionários, sem qualquer poder de administração, apenas figurando nominalmente como gerentes daquela, pelo que não podiam ser responsabilizados pelas dívidas provenientes de dívidas de coimas e custas fiscais da Sociedade Apolinário Marçal LDª;
Esta foi a questão fundamental levantada nessa oposição.
Na presente acção, a questão fundamental, a apreciar, é:
-nunca os oponentes terem exercido a gerência da sociedade devedora originária, na qual ambos eram meramente funcionários, sem qualquer poder de administração, apenas figurando nominalmente como gerentes daquela, pelo que não podiam ser responsabilizados pelas dívidas provenientes de a IVA liquidado oficiosamente em relação ao ano de 1996, e respectivos juros compensatórios relativos aos períodos de 9607 e 9608, dívida da Sociedade Apolinário Marçal LDª.
A questão fundamental não é portanto, a mesma, pelo que existe identidade de causa de pedir, nas duas acções pois, como bem refere a recorrente a identidade de causa de pedir não existe no caso concreto na medida em que a mesma pressupõe que a pretensão derive do mesmo facto jurídico, o que manifestamente não se verifica no caso em apreço: as oposições apresentadas (n°s 376/06 e 378/06) derivam de distintas decisões de reversão do Chefe do Serviço de Finanças de Abrantes, as quais foram proferidas em diferentes processos de execução fiscal que versam sobre diferentes tributos e períodos de tributação e, tal como tem vindo a ser uniformemente decidido pela jurisprudência no tocante ao contencioso de natureza tributária, não existe sequer identidade de pedido quando se está perante diferentes tributos.
Também como assinala a recorrente, a jurisprudência fixou-se uniformemente no sentido de que não existe sequer identidade de pedido quando se está perante diferentes tributos, pontificando, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.° 26544/02, em que se doutrinou que “O decidido em um processo de oposição a execução fiscal que reverteu contra o mesmo gerente de uma mesma sociedade, não faz caso julgado numa outra oposição, deduzida pelo mesmo gerente, contra uma outra execução fiscal, por dívida diferente das executadas naquela primeira execução."
c) Quanto ao pedido:
Por fim, no que tange ao pedido, a sua identidade ocorre quando se pretende obter o mesmo efeito jurídico e no caso sub judice, cremos que a mesma também não existe, pois, embora em ambas as acções os autores pretendem a extinção da execução, na parte contra si revertida, por dívidas da referida sociedade devedora originária, o certo é que, tendo em conta a base de cada uma das oposições, tem de concluir-se que em ambos os processos o pedido é distinto.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cfr. artigo 498º, nº 3 do CPC).
Como se refere no Ac. do STJ de 14-01-1998, processo nº 860/97, 1ª Secção, para haver identidade de pedidos tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento e (ou) protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa.
Para que haja identidade de pedido entre duas acções não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas como refere Calvão da Silva, in "Estudos de Direito Civil e Processual Civil", 1996, a pág. 234.
Tendo isso presente, vejamos, então, se corre esse requisito no caso concreto.
Ora, no processo n.° 378/06, pede-se a extinção da execução quanto aos oponentes como decorrência da fundamento na não responsabilização subsidiária dos oponentes relativamente ao processo de execução fiscal pela dívida exequenda que esteve na origem de tal oposição e que deriva de coimas e custas; já na presente oposição é peticionada a extinção da execução quanto aos oponentes como decorrência da fundamento na não responsabilização subsidiária dos oponentes relativamente ao processo de execução fiscal pela dívida exequenda que esteve na origem de tal oposição e que deriva de IVA e juros compensatórios
Em cobrança no processo de execução fiscal n.° 1929199801004832, que não coincide com o processo executivo em que foi proferida a decisão da oposição n.° 378/06.
Estamos, pois, de acordo com a recorrente quando afirma que, em concreto, o efeito jurídico que se pretende em cada um dos processos é distinto, posto que os processos de execução fiscal (e respectiva dívida exequenda) em que se peticiona a anulação da decisão de responsabilização subsidiária são completamente distintos, valendo, também aqui, a doutrina do douto aresto supra citado, a saber: “O decidido em um processo de oposição a execução fiscal que reverteu contra o mesmo gerente de uma mesma sociedade, não faz caso julgado numa outra oposição, deduzida pelo mesmo gerente, contra uma outra execução fiscal, por dívida diferente das executadas naquela primeira execução."
Assim e em conclusão geral e definitiva, uma vez que no processo n° 378/06.2 BELRA não estava manifestamente em causa o mesmo tributo na mesma temporalidade, de sorte que não se verificavam as duas identidades, causa de pedir e pedido.
Quer isto dizer que o “caso julgado” formado com o trânsito de referida sentença não é também material, e, por isso, o além decidido só tem força obrigatória dentro do processo e não fora dele, não impedindo que o mesmo ou outro Tribunal ou qualquer autoridade possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada nestes autos e que não é idêntica à versada naqueles autos.
Como se disse, teleologicamente, o que essencialmente se pretende com o caso julgado é que os tribunais e, por maioria de razão, as autoridades públicas e os particulares, respeitem ou acatem a decisão, não julgando de novo a questão ou contrariando os seus efeitos daquela.
É certo que o caso julgado tem limites, uns de carácter objectivo, outros de natureza subjectiva que decorrem dos termos em que está definida a excepção do caso julgado que pressupõe a repetição de uma causa (artº 497º, nº 1, do C.P.C.) e sua identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (artº 498º, nº 1 do C.P.C.).
Seja como for, certo é que a eficácia do “caso julgado” se limita às partes (artº 674º do C.P.C.) pelo que se pode concluir que com aquele se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
Assim, não ocorre a impossibilidade de apreciar nestes autos a questão da responsabilidade dos oponentes revertidos pela dívida exequenda por não haver a tríplice identidade em relação à decisão já proferida e que não foi objecto de recurso naquele processo n°378/06.2 BELRA, não sendo, pois, configuráveis desencontros ou incoerências entre aquela decisão e a que terá de ser proferida sobre o mérito nestes autos.
Termos em que não se verifica a excepção como se julgou na sentença que, assim, não pode manter-se na ordem jurídica, procedendo o recurso.
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Em face do acabado de decidir, impõe-se o conhecimento do mérito da causa em substituição nos termos previstos no artº 715º, nº 2, do CPC que determina que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Como se vê da decisão recorrida, nela não foram fixados os factos que relevavam para decidir do mérito da causa e, a possibilidade de o Tribunal de recurso se “intrometer” no julgamento da matéria de facto, encontra-se delimitada pelo que estatui o artº 712º do CPC; ora, como resulta, não só da epígrafe, mas do próprio teor deste artigo, o tribunal de recurso apenas tem a faculdade legal de alterar o julgamento de facto feito em primeira instância, pela decisão recorrida, pela sua reponderação, reexame ou mesmo anulação, no pressuposto que ocorrem circunstâncias de facto relevantes à decisão a proferir que não foram ou, foram desadequadamente, valoradas pelo Tribunal “a quo” o que não é viável no caso verteente, em que não foram sequer fixados os factos atinentes. Acórdão deste TCA de 07-06-2005, Recurso nº 538/05.

Como doutrina Miguel Teixeira de Sousa in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 415/416., com sublinhados da nossa responsabilidade, «A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar (e , portanto , substituir) a decisão da 1.ª instância em duas situações:- se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados , o recorrente tiver cumprido o ónus de transcrição das passagens da gravação em que fundamenta o seu recurso (art.º 712.º , n.º 1 , al. a));- se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art.º 712.º , n.º 1 , al. b)). Nestes casos, os poderes da relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (porque não há elementos novos trazidos ao processo) e de substituição (porque esse tribunal substitui a decisão recorrida)
(...).
Numa outra das (...) modalidades de controlo sobre a decisão da 1.ª instância, a Relação pode alterá-la se o recorrente apresentar um documento novo superveniente que, por si só , seja suficiente para destruir a prova em que ela assentou (art.º 712.º , n.º 1 , al. c) (...)) e pode determinar a renovação dos meios de prova que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada (art.º 712.º , n.º 3). Nestas hipóteses , o recurso atribui à Relação poderes de reexame (porque o seu julgamento assenta em elementos novos) e de substituição da decisão recorrida.
Finalmente, a Relação pode usar poderes de rescisão ou cassatórios e anular a decisão proferida em 1.ª instância. Pode fazê-lo sempre que repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta matéria (art.º 712.º , n.º 4 1ª parte) isto é , quando se tenha verificado a omissão de julgamento de determinado facto ou quando, por analogia com disposto art.º 650.º , n.º , al. f) , a Relação entenda que deve ser produzida prova sobre factos alegados pelas partes que não constem da base instrutória.».
Em nosso juízo, torna-se necessária a constituição de uma base fáctica suficiente para a decisão de mérito, esclarecendo-se os pontos controvertidos por forma a ultrapassar ou a afirmar que os oponentes não exerceram de facto a administração da originária devedora, designadamente procedendo à produção da prova testemunhal indicada, proferindo-se nova decisão que tome os mesmos em consideração.
Para as plausíveis soluções jurídicas será relevante a prova ou não dos referidos factos pelo que necessário se torna que o tribunal recorrido sobre os mesmos se pronuncie.
Ora, isso não foi respeitado na sentença recorrida em que se afastou a ponderação dos elementos de prova mediante a realização de diligências tendentes a apurar a verificação das realidades e ocorrências referidas e que já haviam sido alegadas inicialmente, que assumem relevância para efeitos de apreciação e decisão das questões de que cumpre conhecer neste recurso e isso também se fica a dever a que os autos não contêm os necessários elementos para que este TCA, conheça do fundo da causa.
Afigura-se-nos, pois, que o Juiz do Tribunal recorrido poderá e deverá indagar daquelas questões diligenciando por obter prova testemunhal sobre os factos atinentes pois mesmo que se considerem como factos instrumentais, nada impede que o Tribunal indague sobre eles, faculdade que era admitida no processo civil já antes da reforma de 1995/1996 (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.). Por outro lado, no art. 264.°, n.° 3, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 180/96, de 25 de Setembro, e passamos a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «ocorreu uma extensão dos poderes de cognição do tribunal em termos de este poder considerar na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária seja sido facultado o exercício do contraditório. Não se trata aqui de factos de conhecimento oficioso, pois o seu conhecimento pelo tribunal depende de uma actuação das partes, o que demonstra que, mesmo no domínio do processo civil as obrigações de alegação impostas às partes e os poderes de requerer a realização de diligências probatórias relativas aos factos alegados não é incompatível com a possibilidade de o tribunal atender a factos não alegados. De qualquer modo, parece que esta última ampliação dos poderes de cognição dos tribunais no domínio do processo civil, não poderá deixar de ser aplicada no domínio do processo judicial tributário, uma vez que os interesses públicos que neste estão em causa justificam, por maioria de razão, poderes de cognição ampliados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 5 ao art. 13.°, págs. 119/120.). Deverá, pois, o Tribunal Tributário de 1a Instância, ao abrigo dos poderes que lhe eram conferidos pelos artºs. 13º do CPPT e 99º da LGT, indagar a ocorrência dos factos indicados ouvindo as testemunha e fazendo juntar os pertinentes documentos de suporte e levá-los ao probatório que se impõe que seja elaborado por forma a contemplar as referidas questões.
Porque tal indagação se nos afigura indispensável à boa decisão da causa, consideramos ocorrer motivo de anulação da sentença, a determinar a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com os termos do disposto no art. 712.°, n.° 4, do CPC, por força dos arts. 792.° e 749.° do mesmo diploma, e art. 2,° alínea e) do CPPT.
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É que a competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em lª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa - cfr. art° 712° n° l a) CPC, aplicável nesta jurisdição ex vi art° 2° e) CPPT - além da hipótese estatuída na alínea b) do mesmo n° l do citado art° 712° (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", Lex, 2a edição, pág. 415).
É o caso, na medida em que se impõe a ampliação da matéria de facto que passa pela produção de prova sobre factos alegados pelas partes e que não constam da base instrutória.
E, assim sendo, impõe-se o uso dos poderes de cassação conferidos no artº 712° n° 4 CPC de anulação da decisão proferida na 1a Instância para ali ser produzida a prova testemunhal e demais diligências que se afigurem úteis na decorrência daquela, juntando-se aos autos os elementos probatórios supra referidos.
Uma vez juntos os indicados elementos, observado o contraditório e demais trâmites instrutórios da causa considerados pertinentes, cumprirá, em via de repetição do julgamento, ampliar a matéria de facto o levantar as plausíveis soluções jurídicas aplicando depois o direito conforme.

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3. DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa do processo para que a matéria de facto seja ampliada nos termos acima determinados, com a oportuna prolação de decisão.


Custas pelos recorridos, devidas na 2ª instância por terem contra -alegado.
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Lisboa, 19/10/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Lucas Martins)