Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11081/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:COMPETÊNCIA JURISDICIONAL; PEDIDO; ATO ADMINISTRATIVO; INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O pedido apresentado na petição inicial é o elemento essencial para aferir a competência jurisdicional.
II – Se o autor pretende a anulação de um ato administrativo (artigo 120º do CPA), com fundamento na inconstitucionalidade das normas legais ao abrigo das quais a decisão administrativa foi tomada ou que a decisão administrativa visa executar, está-se claramente ante uma relação jurídica administrativa e não perante um pedido de pronúncia jurisdicional própria da Jurisdição constitucional.
III – Nestes casos, a competência jurisdicional cabe, em regra, aos tribunais administrativos, como decorre do artigo 212º, nº 3, da Constituição e do artigo 4º do ETAF
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· M…… intentou

ação administrativa especial sob a forma de ação popular contra

· MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

· Contrainteressadas: UNIÃO DAS FREGUESIAS DE VIDE E CABEÇA, e MUNICÍPIO DE SEIA.

Pediu ao T.A.C. de Castelo Branco o seguinte:

- Declaração de nulidade ou a anulação do ato administrativo, praticado, em 87/2013, pelo Diretor-geral da Administração Interna, que determinou deixasse de estar recenseado com o número de eleitor .., na Freguesia de Cabeça, para passar a estar recenseado com o número de eleitor .., na Freguesia da União das Freguesias de Vide e Cabeça.

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Por despacho de 31-12-2013, o referido tribunal decidiu declarar a incompetência material da jurisdição administrativa.

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Inconformada, o a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

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O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

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Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

(OMISSIS)

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II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

No caso sub judice, do teor da petição inicial decorre que o autor pretende reagir contra um ato administrativo de recenseamento eleitoral, entendendo que a sua inscrição, bem como a inscrição dos restantes fregueses da Freguesia de Cabeça, na União das Freguesias de Vide e Cabeça é indevida, designadamente, porque se fundamenta em normas que considera inconstitucionais.

Está pois em causa, como consta expressamente da p.i. e seu pedido, um ato administrativo praticado pelo Diretor-geral da Administração Interna.

O tribunal a quo invocou os artigos 60º e 61º do Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral. Só que tais normas referem-se a decisões de recurso administrativo ou reclamação feitas por partidos políticos e por outros eleitores sobre inscrições de outrem; não pelo próprio inscrito oficiosamente, como o ora autor.

Decisivo é que o presente caso se integra na execução administrativa (por ato administrativo) de uma reforma legislativa (vd. Leis nº 22/2012: estabelece os objetivos, os princípios e os parâmetros da reorganização administrativa territorial autárquica e define e enquadra os termos da participação das autarquias locais na concretização desse processo, e consagra a obrigatoriedade da reorganização administrativa do território das freguesias e regula e incentiva a reorganização administrativa do território dos municípios, e nº 11-A/2013: dá cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias constante da Lei n.º 22/2012).

Mas não se está a pedir nenhuma pronúncia jurisdicional sobre as leis; apenas se está a pedir uma pronúncia jurisdicional sobre um ato administrativo que invoca essas (e outras) leis, como é aliás normal. Não se pediu, pois, uma decisão de inconstitucionalidade de leis.

Daqui resulta que a competência desta Jurisdição (matéria primeira e de ordem pública: artigo 13º do CPTA) para julgar este concreto pedido, atrás transcrito, está prevista nos artigos 212º/3 da Constituição e no artigo 4º/1/a)/b) do ETAF. Foram estas as normas violadas pelo despacho recorrido.

E como isto beneficia mais o recorrente e permite economia de atos processuais, considera-se que fica prejudicado o conhecimento da nulidade processual de falta de respeito pela regra do contraditório, porque se pôde decidir desde já a questão abordada no despacho indevidamente não antecedido do cumprimento do artigo 3º/3 do NCPC.

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, devendo o processo continuar se a tal nada mais obstar, v.g., em sede de legitimidade processual ativa.

Sem custas.

(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)

Lisboa, 4-12-2014


Paulo H. Pereira Gouveia (relator)

Catarina Jarmela

Carlos Araújo