Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06058/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IVA. ADUANEIRO. IATE.
Sumário:1.O art. 202.º n.º 1 al. a) e n.º 3, primeiro travessão, Código Aduaneiro Comunitário/CAC responsabiliza, pela dívida aduaneira, a própria pessoa que introduziu irregularmente a mercadoria (iate) no território aduaneiro da Comunidade (TAC) e não por ser ou estar entre as pessoas/entidades que participaram nessa introdução, desconforme com as regras (segundo travessão do art. 202.º n.º 3 CAC).
2. Nos moldes da regulamentação aduaneira, as deslocações efetuadas por embarcações de recreio, via marítima, têm de se equiparar ao serviço de linha não regular e de assumir como mercadorias não comunitárias, excepto se o estatuto comunitário for, pelas formas pertinentes, devidamente comprovado.
3. A ilação ínsita no art. 313.º n.º 1 Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário/DACAC fica afastada, desprezadas outras hipóteses, nos casos de transporte marítimo de mercadorias, entre portos situados no TAC, quando efetuado no âmbito de serviços de linha não regular.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., com os sinais constantes dos autos, impugnou judicialmente liquidação oficiosa de IVA, n.º 2009/90002787, datada de 18.11.2009, emitida pela Alfândega de Faro.
Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, sentença que julgou a impugnação improcedente, pelo impugnante, foi interposto (1) recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra sumulada desta forma: «
1. Ao decidir pela responsabilidade do Recorrente no pagamento do imposto incorreu o Tribunal a quo em errónea interpretação do número 3 do artigo 202.º do Código Aduaneiro Comunitário;
2. Não obstante o Recorrente não detenha contrato de trabalho com a sociedade “C... Limited”, desempenhava as funções de capitão da embarcação por mera imposição da sociedade proprietária da embarcação (a sociedade B..., SRL) e que integra o mesmo grupo económico que a B...Portugal - Técnica de Montagem, Lda., com quem, o Recorrente celebrou um contrato de trabalho;
3. O Recorrente obedecia às instruções da sociedade C... Limited no que se refere aos destinos da mesma, facto que, de resto, foi confirmado pela prova testemunhal produzida nos autos e ignorado pelo Tribunal a quo.
4. Não podia, por isso, o Recorrente, mero assalariado, ser considerado, seja a que título for, legítimo detentor da embarcação e eventual responsável por uma (alegada) dívida tributária resultante de uma (alegada) introdução irregular no mercado.
5. Tal responsabilidade, a existir, recaia sobre a sociedade “C... Limited” na qualidade de entidade que dispunha, efectivamente, do poder de direcção sobre os destinos da embarcação e que deu ordens ao Recorrente e restante tripulação para se dirigirem a Portugal.
6. A eventual responsabilidade do Recorrente ou da restante tripulação apenas poderiam efectivar-se nos termos do segundo travessão do n.º 3 do artigo 202.º do CAC na qualidade de pessoas que participaram nessa introdução.
7. Porém, e conforme resulta da citada norma legal, a imputação da dívida dependia da prova de que os referidos membros da tripulação tinham, ou deviam ter conhecimento de que se tratava de uma introdução irregular, prova essa que, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, cabia à DGAIEC, que não a produziu.
8. A Sentença sub-judice fez errónea interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 313.º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário.
9. Como resulta provado dos autos, o ponto de partida desta viagem até Vilamoura foi o porto de Palermo, Itália e, portanto, de Território Aduaneiro da Comunidade Europeia.
10. Decorre do exposto que a referida embarcação goza da presunção de estatuto comunitário prevista no n.º 1 do artigo 313.º das DACAC e, por consequência, cabia à DGAIEC provar o contrário, o que não fez.
11. Ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, a passagem por águas internacionais não integrantes do Território Aduaneiro Comunitário não implica a perda do estatuto comunitário - a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 29/03/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00087/04 (Eugénio Sequeira) - in www.dgsi.pt.
12. A Sentença em crise violou, ainda, os artigos 77.º e 74.º da Lei Geral Tributária.
13. Com efeito, e no que se refere à determinação do quantum do Imposto, a liquidação em apreço padece de manifesta falta de fundamentação porquanto, relativamente ao “Cálculo do valor aduaneiro a servir de base”, limita-se a DGAIEC a referir:
“Valor actual estimado da embarcação, considerando o valor da factura apresentada (factura n.º 66 emitida em 30/06/2004, por D...” e a pouca depreciação.
Direitos aduaneiros: taxa de 0%
(aplicáveis à posição pautal 8903911000)
IVA: (10.000.000 €) x 20% = 2.000.000 €
Valor total a liquidar: 2.000.000 €”
14. No âmbito do Direito Aduaneiro, o valor aduaneiro de uma mercadoria obedece a critérios bem definidos e previstos nos artigos 29.º a 31.º do CAC como, de resto, resulta do “Manual do Valor Aduaneiro” publicado pela Direcção Geral das Alfândegas, e disponível para consulta em:
http://www.dgaiec.min-financas.pt/NR/rdonlyres/F71120CF-2195-4F30-8D48-97F4E678B3B6/0/Valor_Aduaneiro_Intranet_2005.pdf, pág. 5.
15. Porém, e analisando o cálculo efectuado pela DGAIEC na justificação do acto tributário em apreço limita-se, aquela, a mencionar a factura n.º 66 emitida pela “D...” e a referir o valor de €.10.000.000,00 (dez milhões de Euros), não referindo, em momento algum, qual o método utilizado, e quais os elementos considerados nesse cálculo.
16. Não tendo concluído pela falta de fundamentação, incorreu o Tribunal a quo em errónea interpretação do artigo 77.º da LGT como, numa interpretação a inconstitucional do referido preceito por violador do artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
17. Adicionalmente, e ao considerar que era ao Recorrente que cabia provar a o excesso da quantificação da matéria tributável, incorreu a Sentença recorrida em violação do artigo 74.º da LGT.
18. Sem prescindir, é manifesto que o quantum do imposto apurado pela DGAIEC é claramente erróneo bem como o julgamento efectuado pelo Mm.º Juiz nesta matéria.
19. Sobre esta matéria, considerou o Tribunal recorrido, “que a Administração Fiscal considerou que a desvalorização era reduzida e quantificou-a em 920.622,80 Euros” num raciocínio que se encontra claramente viciado por comparar realidades diferentes.
20. O que o Tribunal recorrido deveria ter comparado eram as bases tributáveis: na factura de compra 9.100.519,00 Euros e, na liquidação oficiosa, 10.000.000,00 Euros, de onde resulta evidente que a DGAIEC considerou que a embarcação valorizou ao invés de desvalorizar desvalorização que, como o próprio Tribunal a quo admite, resulta das regras de experiência comum - cfr. pág. 38, §. 2.º da Sentença (fls. 534).
21. O raciocínio efectuado pelo Tribunal Recorrido nesta matéria implica que, no apuramento da matéria tributável, se considere IVA sobre IVA o que constitui uma violação do artigo 78.º, alínea a) da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006 e do artigo 16.º n.º 5, alínea a) do Código do IVA.
22. A Sentença recorrida incorreu, ainda, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
23. Conforme resulta da leitura da documentação junta pela Alfândega de Faro aos autos manifestou aquela entidade muitas dúvidas quanto à existência, in casu de fraude - veja-se a este respeito o teor do Ponto C - 1, fls. 000104 (66) onde se refere “(…) presume-se à priori que a documentação apresentada é legitima e encontra-se devidamente contabilizada nas diversas entidades intervenientes”. E no Ponto C - 7, fls. 000105 (65) “(…) tudo apontará para que a embarcação em apreço tenha estatuto comunitário, dados os indícios da sua regular introdução no consumo”.
24. Referindo-se, adicionalmente, no Ponto C - 8 que “(…) poderá…aprofundar-se a questão em causa, através de Pedido de Assistência Mútuo às autoridades Italianas competentes, no sentido de ser controlada a autenticidade dos documentos apresentados a titulo de factura de compra e venda”.
25. Conforme referido pelas testemunhas E...e Mrs. F..., na audiência contraditória, a solicitação ao capitão do documento exigível no caso de transporte de mercadorias não era possível de satisfazer por não ser emitida pelas autoridades Italianas.
26. Face ao exposto, impunha-se à DGAIEC, como, de resto, solicitou o Recorrente, requerer informações às autoridades aduaneiras Italianas, seja a título informal, seja ao abrigo da Convenção Relativa à assistência mútua e cooperação entre autoridades aduaneiras (Convenção de Nápoles II) publicada no Jornal Oficial C 24 de 23/01/1998, o que, aliás, é recomendado pela própria Comissão Europeia no Manual de Trânsito - documento da Comissão com a referência TAXUD/801/2004 - PT e disponível, a título de exemplo em http://www.dgaiec.min-financas.pt/pt/legislacao_aduaneira/manuais_doclib/ onde se refere que em caso de dúvida, as autoridades competentes podem solicitar informações ao abrigo da assistência mútua.
27. Não o tendo feito, colocaram as Autoridades Fiscais Aduaneiras o Recorrente numa situação de absoluta impossibilidade de prova: exige um documento que as Autoridades Aduaneiras italianas dizem desnecessário e, por outro lado, recusam-se a esclarecer a situação através dos mecanismos de assistência mútua disponíveis para o efeito, situação que coloca o Recorrente numa situação de absoluta impossibilidade de prova que se afigura, quer inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, quer contrária aos mais elementares princípios que regem o Direito Comunitário.
28. Sem prejuízo do exposto e estando em causa, nos presentes autos, a interpretação de diversas disposições do CAC e das DACAC, caso se manifestem dúvidas quanto às mesmas, deverão suspender-se os presentes autos e, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado de Lisboa, colocadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia as questões suscitadas no Capítulo III das presentes alegações.
V. DO PEDIDO

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de V. Exa, deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogar-se a Sentença recorrida, substituindo-se por outra que considere a Impugnação Judicial totalmente procedente por provada e anulando-se, em consequência, a liquidação adicional de IVA sub judice,
Só assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA! »
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Não se regista a existência de contra-alegação.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que o recurso não deve merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se consignado, na sentença: «
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 - Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, julgo assente a seguinte factualidade:
A) A embarcação “Helena”, foi construída em 2004, em Itália, pela sociedade “G...S.p.A.”, cfr. fls. 144 e 322.
B) Em 30/06/2004, foi adquirida pela sociedade “B...LEASING ITALIA SRL”, com sede em Egna, Itália, à sociedade “G...S.p.A.”, pelo valor de € 9.100.519,00, ao qual acresceu IVA à taxa de 20%, no montante de € 1.820.103,80, cfr. fls. 146 e 332.
C) A embarcação em causa nos autos foi objecto de um contrato de locação celebrado entre as sociedades “B...Leasing Italia, SRL” e a “C... Limited”, com sede em Guernsey, St. Peter Port, cfr. fls. 394 e segs..
D) Em 8 de Julho de 2008, foi um acordo em que a “C... Limited” designou o Impugnante como capitão da embarcação, cfr. fls. 140 e 313.
E) Em Abril de 2009, o Impugnante deslocou-se a Portugal, cfr. fls. 179.
F) Em 19/04/2009, a Alfândega de Faro notificou Reinhold Adolf B...para apresentar os documentos comerciais de aquisição e ou entrega material da referida embarcação com destino a Portugal, cfr. fls. 3 do processo administrativo apenso.
G) Em 03/08/2009, a Direcção dos Serviços Antifraude elaboraram a seguinte informação:
«No âmbito do Controlo Multilateral FMC 121 foi estabelecido um serviço de Help-Desk IVA assegurado por elementos da Divisão do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante designado por DIVA), nomeadamente pela Exma. Sr. Chefe da Divisão, Dr.ª H..., pela Dr.ª I...e Dr.ª J..., com a finalidade de apoiar, bem como de clarificar as eventuais dúvidas apresentadas pelos colegas operacionais envolvidos na acção Bow Wave.
Deste modo, e face à inoperância verificada por parte dos colegas da Alfândega de Faro, bem como a insuficiente colaboração operacional, após diversas solicitações por parte da Divisão de Informações, solicitei apoio à Exma. Sr.ª Chefe da DIVA, Dra. H..., que após contacto telefónico estabelecido pelo presente signatário, no qual procedi à explanação do ponto de situação referente à embarcação de recreio M/Y Helena, e após análise conjunta, foi solicitado o envio, através de e-mail, da documentação que a Alfândega de Faro nos fez chegar sobre esta embarcação de recreio, alvo de recolha de informações a bordo no âmbito da acção Bow Wave do Controlo Multilateral FMC 121. Conforme solicitado pela DIVA, a documentação constante dos Anexos I, II, III e IV foi enviada no passado dia 31 de Julho de 2009.
Para melhor enquadramento, aproveito para fazer o ponto da situação, para este caso em concreto, e que levou à recolha de informação a bordo da embarcação de recreio M/Y Helena, que eu próprio detectei na marina de Vilamoura aquando da minha deslocação ao Algarve durante os feriados do passado mês de Junho:
“Com a acção Bow Wave do Controlo Multilateral FMC 121, relativo à fraude no IVA no sector dos Iates de Luxo, correspondente às primeiras actividades aduaneiras (23 de Maio a 6 de Junho de 2009), pretendeu-se que os Estados-Membros participantes, e no caso concreto de Portugal, as alfândegas envolvidas na acção solicitassem determinadas informações a bordo dos iates, tendo por base um questionário elaborado para os devidos efeitos, e que se encontram enquadradas no Perfil de Risco difundido através do SHAF, a 22 de Maio de 2009, tendo como objectivo a contribuição com uma quota correspondente a treze embarcações, conforme acordado com a equipa de gestão.
O Perfil de Risco n.º 930200900022 (Local) e n.º 200900024 (Nacional), no âmbito do combate aos esquemas de fraude utilizados na fuga ao pagamento do IVA na aquisição/utilização de embarcações de recreio de luxo, tendo em consideração a legislação em causa: C.A.C. e respectivas D.A., o I.V.A, e o Reg. (CE) n.° 1798/2003, de 7 de Outubro, apresenta um prazo de vigência de 23 de Maio a 6 de Junho de 2009. Contudo, face à proposta da coordenação do exercício, a nível comunitário, no sentido de Portugal contribuir com uma amostra efectiva de treze iates conforme planeado, tendo em vista o objectivo final deste projecto, que consiste em combater de forma permanente, os esquemas de evasão fiscal em sede de I.V.A., no sector dos iates de luxo, foi decidido superiormente, prolongar a realização da acção supra referida até 8 de Junho de 2009, ou até à obtenção da amostra das treze embarcações, dependendo de qual se verifique primeiro, conforme proposta apresentada na Informação n.° 239 da DI/DSAF, do passado dia 4 de Junho.
Tendo o objectivo sido alcançado na 5.ª feira, 18 de Junho, após comunicação por parte da Dr.ª L..., da Alfândega de Faro, do controlo realizado ao Iate “Helena” que se encontrava ancorado na marina de Vilamoura desde Abril de 2009, e tendo sido recepcionada a respectiva documentação no dia seguinte, 6.ª feira, 19 de Junho; foi portanto possível cumprir o pedido realizado pelos responsáveis da equipa de gestão do FMC 121, que haviam acordado o prolongamento da acção, desde que a informação detalhada das embarcações seleccionadas, fosse disponibilizada à equipa de gestão até ao dia 20 de Junho de 2009, conforme o planeamento acordado, no âmbito deste controlo multilateral.
A colega da Alfândega de Faro havia questionado a validade do Perfil de Risco, tendo para tal, sido devidamente esclarecida sobre a continuidade da acção conforme decisão superior. Nesta fase, ainda aguardávamos a informação solicitada sobre o M..., nomeadamente o tempo de permanência no T.A.C., entre outros dados considerados relevantes, nomeadamente os relacionados com a empresa de charter, mais concretamente os seus reais clientes; contudo e a respeito a esta embarcação de recreio, será elaborada a Informação n.° 348, da Divisão de Informações, de 3 de Agosto de 2009, referente ao mesmo Processo n.º 1146/DI/09 - LSS.”
Para o caso em apreço, referente à embarcação de recreio M/Y Helena, continua a faltar a informação do log book, muito importante para aferir o real facto gerador tributário, na medida em que este tipo de embarcações de recreio necessita de um período de testes para se efectivar a sua entrega definitiva. Neste caso torna-se relevante apurar e documentar as primeiras viagens nele registadas, conforme instruções difundidas no Perfil de Risco e devidamente explicadas, de modo a verificar o seu enquadramento tributário em sede de IVA, pois a factura apresentada, bastante tempo após o acordado, para a qual necessário aferir a sua autenticidade em termos de liquidação e efectiva cobrança, pois existem indícios suficientes, neste caso, para se enquadrar nas práticas abusivas apresentadas no FMC 21 e FMC 121, nos quais eram utilizadas empresas offshore, de leasing e de charter.
Tendo em consideração as instruções e a metodologia a adoptar pelas alfândegas envolvidas nesta acção, difundidas através do supra referido Perfil de Risco, ainda se encontra em falta a recolha a bordo da documentação relacionada com a prova do estatuto comunitário através da apresentação de documentos T2L, bem como a documentação obrigatória referente aos seguros da embarcação, de acidentes de trabalho e de outros riscos e encargos.
Quanto ao seguro da embarcação, sendo este obrigatório, muito se estranha a ausência de recolha a bordo desta documentação e respectiva comunicação à DSAF/DI, pois o valor segurado para esta embarcação de recreio, irá com toda a certeza, ajudar a apurar o “real valor” deste Iate seleccionado durante a acção Bow Wave do FMC 121.
Após a análise realizada pela DIVA, a Exma. Sra. Chefe de Divisão do IVA, Dra. H... enviou por e-mail, a 3 de Agosto de 2009, a respectiva resposta elaborada pela sua Divisão, conforme Anexo V.
Tendo em consideração os factos verificados, bem como a resposta da DIVA no âmbito da análise à embarcação de recreio M/Y Helena, nomeadamente as conclusões apresentadas relativamente ao imposto devido a título de importação, bem como a identificação do devedor do IVA, correspondente ao Sr. N... que introduziu a embarcação de recreio no território nacional, e caso esta pessoa não apresente provas que permitam à administração concluir que a presente situação reúne outros contornos, deve ser preparado o processo que conduza à regularização do enquadramento tributário do M/Y Helena,
A consideração superior»
H) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o seguinte despacho (109 do apenso):
«Concordo.
Promovam-se as diligências adequadas para o cumprimento do que é proposto no parecer do Sr. DSAF e nos termos da lei.
Em 2009/08/06»
I) Em 02/09/2009, a Alfândega de Faro notificou Reinhold Adolf B...para apresentar o documento T2L, cfr. fls. 93 do processo administrativo apenso.
J) Em 13/10/2009, foi o Impugnante notificado para exercer o direito de audição, cfr. fls. 156 do apenso.
K) O Impugnante exerceu o direito de audição em 26/10/2009, cfr. fls. 184 do processo administrativo apenso
L) Na Divisão do IVA, foi prestada, em 12/11/2009, a seguinte informação (fls. 205 do apenso):
«Assunto: Pedido de reapreciação da situação fiscal da embarcação de recreio “Helena”
A Alfândega de Faro solicitou a reapreciação da situação referente à embarcação de recreio “Helena”, atracada na Marina de Vilamoura, na sequência da exposição apresentada pelo Senhor A..., no âmbito do exercício da audição prévia, através da qual refuta o teor da notificação efectuada por aquele serviço aduaneiro, relativa à intenção de o considerar devedor do IVA, a título da importação.
Tendo em conta o solicitado pela Alfândega e as alegações apresentadas pelo Senhor M..., relevam os seguintes elementos:
i. a empresa italiana «B...Leasing Italia SRL é proprietária da embarcação de recreio registada como “Helena”, no porto de Londres, em 31 de Janeiro de 2005;
ii. A embarcação foi objecto de um contrato de locação com a empresa “C... Limited”, estabelecida em St. Peter Port, Guernsey;
iii. A empresa “C... Limited”, em 8 de Julho de 2008, designou como “Capitão” daquela embarcação o Senhor M..., a partir de 12 de Julho de 2008;
iv. O Capitão está autorizado a tomar todas as decisões relativas ao funcionamento razoável e de gestão diária do iate e sua tripulação;
v. Naquele documento é dito, de forma expressa, que não é um contrato de trabalho entre a empresa “C... Limited” e o Capitão;
vi. Esse mesmo documento autoriza o Capitão a usar o iate para os seus próprios fins privados;
vii. A embarcação encontra-se ancorada na Marina de Vilamoura desde Abril de 2009;
viii. O Senhor M... é residente em território nacional.
Há, ainda, a realçar a informação prestada pelo Senhor M..., no âmbito da acção FMC 121, designadamente a resposta à questão n.° 11, aquando da visita aduaneira ao barco, no dia 18 de Junho de 2009, ao referir que a embarcação é alugada à empresa “C... Limited”, indicando como morada Guernsey (Ilha do Canal)
Estando em causa uma embarcação de recreio e que se deslocou pelos seus próprios meios, há que conjugar a regulamentação aduaneira com a legislação IVA, para o enquadramento fiscal da situação.
Sobre a matéria, afigura-se esclarecer nos seguintes termos:
1. Em regra, no momento em que os bens são introduzidos no território aduaneiro da Comunidade devem estar cobertos por uma declaração sumária, conforme estabelece o n° 1 do artigo 36.° A do Código Aduaneiro Comunitário (CAC).
Há, no entanto, derrogações a essa regra, nomeadamente as previstas nos artigos 230.° e 232.° das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), que permitem considerar as mercadorias declaradas para os regimes de introdução em livre prática, exportação ou importação temporária pelo simples acto de travessia da fronteira do território aduaneiro da Comunidade.
2. De acordo com o disposto no n.° 5 do artigo 38.° do CAC os procedimentos específicos exigidos para as mercadorias que entram no território aduaneiro da Comunidade, designadamente a obrigatoriedade de entrarem a coberto por uma declaração sumária, não se aplicam às mercadorias que tenham saído temporariamente do território aduaneiro da Comunidade (TAC), circulando entre dois pontos desse território por via marítima ou aérea, desde que o transporte tenha sido efectuado em linha directa por serviços aéreos ou marítimos regulares sem escala fora do território aduaneiro da Comunidade.
3. O serviço de linha regular constitui uma derrogação às regras estabelecidas para a prova do estatuto aduaneiro das mercadorias, conforme é mencionado no n.° 7 da anotação ao artigo 91.° do CAC anotado e comentado por Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus, editado em 2007 - Editora Reis dos Livros, pág. 543, que a seguir se transcreve:
Esse serviço constitui uma linha marítima na qual as embarcações transportam regularmente mercadorias exclusivamente entre portos situados no território aduaneiro da Comunidade e que não possam ter proveniência de, destino a ou fazer escala, em nenhum ponto fora desse território nem numa zona franca (...).
A “simplificação” decorre do facto de se presumir, por força do segundo travessão da alínea a) do n.° 1 do artigo 313.° das DACAC, que as mercadorias transportadas nesses serviços de linha regular têm o estatuto comunitário.”
4. Consideram-se mercadorias comunitárias, quando, em caso de transporte por via marítima, forem transportadas entre portos situados no TAC no âmbito de serviços de linha regulares autorizados, em conformidade com os artigos 313.° A e 313° B das DACAC.
Nessas situações, presume-se que as mercadorias introduzidas no TAC têm estatuto comunitário, salvo se se comprovar o contrário, conforme dispõe a alínea a) do n.° 2 do artigo 313.° das DACAC.
5. Assim, se o transporte via marítima não utilizar o serviço de linha regular, significa que com a sua saída do TAC há a perda imediata do estatuto comunitário, salvo se for comprovado nos termos legalmente estabelecidos.
6. Nesse sentido, temos o caso das embarcações de recreio, que nos termos da regulamentação aduaneira, são barcos privados destinados a viagens cujo itinerário é fixado a bel-prazer dos utilizadores, verificando-se, por isso, e ainda que fabricadas e adquiridas no TAC, o seguinte:
- a inexistência de um título de transporte único;
- navegam pelos seus próprios meios, de acordo com a vontade da pessoa que a utiliza, sem um itinerário pré-determinado;
- não estão sujeitas ao regime de trânsito, que permite às mercadorias comunitárias, apesar de saírem do TAC, não perderem esse estatuto.
Assim, as deslocações efectuadas por embarcações recreio, via marítima, equiparam-se ao serviço de linha não regular, presumindo-se não comunitárias, salvo se o estatuto comunitário for devidamente comprovado, nos termos dos artigos 314° a 323.° das DACAC.
7. A esse propósito e nesse sentido, importa referenciar o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de Março de 2005, no processo 87/04, que a seguir se transcreve parte do texto:
“… uma mercadoria de origem comunitária europeia porque originária de um Estado-membro, perde esse estatuto aduaneiro comunitário logo que deixa o território desse Estado-membro, no qual se incluem as suas águas territoriais, e passe pelo território de um país terceiros a não ser que adopte, nessa deslocação, de um ponto pertencente a um estado-membro para um de outro estado-membro, o regime de trânsito interno, previsto por alguma das formas referidas ...”.
8. Face ao explanado, julga-se, salvo melhor opinião, concluir que o estatuto comunitário das embarcações de recreio, que navegam pelos seus próprios meios a bel-prazer da pessoa que a utiliza ou detém, deve ser comprovado, uma vez que no percurso por elas efectuados saem do TAC quando passam as 12 milhas do mar territorial, e posteriormente são reintroduzidas nesse território, à semelhança do exigido para os restantes bens adquiridos noutros Estados-membros e transportados via marítima, utilizando, para o efeito, um serviço de linha não regular (cfr. artigo 313.º das DACAC).
9. O estatuto comunitário é comprovado mediante a apresentação do documento T2L ou um documento comercial (factura comercial, documento de transporte ou manifesto), devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras do país de expedição, tiver o estatuto de expedidor autorizado para efeitos de emissão do documento comprovativo do estatuto comunitário das mercadorias.
A prova do estatuto comunitário das mercadorias com destino ou proveniência de uma parte do TAC na qual não se aplica a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, é feita através do documento T2LF (cfr. artigos 314.° ao 317.° B das DACAC).
10. Reportando-se ao caso em concreto, verifica-se que a embarcação “Helena” foi entregue ao Senhor Llewellyn, residente em território nacional, por uma empresa estabelecida em St. Peter Port, Guernsey, território que não faz parte do espaço fiscal comunitário, equiparado a território terceiro, onde não se aplica a Directiva 2006/112/CE do Conselho, o que significa que as operações realizadas a partir dele ou tendo-o como destino são tratadas, face às normas fiscais, como importações ou exportações respectivamente (cfr. artigo CIVA - A entrada da embarcação “Helena” em Portugal, no mês de Abril de 2009, sob o comando do Capitão M... configura, em sede do IVA, uma importação, e por força da alínea b), do n.° 1 do artigo 1.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 5.°, ambos do CIVA, está sujeita a IVA.
11. Ainda que fosse apresentada prova do estatuto comunitário da embarcação “Helena”, através do formulário “T2LF”, o IVA seria devido, ao abrigo dos artigos 5°, alínea b) e 102.°, ambos do CIVA.
12. Note-se, as regras aduaneiras não permitem a sujeição desta embarcação ao regime de importação temporária, na medida em que o seu detentor é um particular, residente no TAC (cfr. artigos 553.° a 584.° das DACAC).
13. Ora, tendo-se concluído que a entrada da embarcação Helena em território nacional constituiu facto gerador do IVA, há agora que determinar quem é o devedor.
Considera-se devedor a pessoa que a introduziu ou, neste caso, que a reintroduziu, materialmente, no TAC, face ao disposto no artigo 202.° do CAC.
14. De acordo com a alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° do CIVA, é sujeito passivo do imposto a pessoa que realizou a importação de bens, ou seja, considera-se devedor do IVA a pessoa que introduziu materialmente a embarcação no território nacional, o Senhor M....
15. Dos documentos e informações recolhidas e de acordo com o estabelecido na regulamentação aduaneira e fiscal, há que considerar devedor o Senhor M..., detentor da embarcação “Helena”, no sentido usual e recorrente de a utilizar ou fruir da coisa, aquando da entrada em território nacional, em Abril de 2009, por força das normas supra identificadas independentemente de ser ou não proprietário do barco e do tipo de contrato ou “acordo” formalizado com a “C... Limited, empresa estabelecida em Guernsey.
16. Em suma, o Senhor M..., na qualidade de particular, é credor do IVA, a título da importação, por:
> ter introduzido, materialmente e sob o seu comando, a embarcação “Helena” no território nacional, em Abril de 2009 (alínea b) do n.° 1 do artigo 1.º e da alínea a) do n.° 1 do artigo 5.°, ambos do CIVA);
> ser a pessoa que a detém e a utiliza para fins privados;
> ser o importador, residente em território nacional (alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° do CIVA);
> não possuir um documento que o habilite a declarar, perante a Alfândega, em nome e por conta do proprietário ou de outrem. Aliás, o documento apresentado como “Acordo», exclui, de forma clara, a existência de uma relação de emprego entre a “C...” e o próprio.
17. Dos documentos apresentados e informações conseguidas, nomeadamente, da consulta efectuada, pelo CLO, ao cadastro do contribuinte, resultou que o Senhor M... é trabalhador dependente, isto é, tem uma relação laboral com uma empresa, que por coincidência é a B...Portugal - Técnica de Montagem, Lda. (NIF 500 302 030), uma das empresas indicadas com entidade empregadora da tripulação, referida pelo próprio, em resposta à questão n.° 10 do já referido questionário, no âmbito da acção FMC 121, phase 1.
Ora, se actualmente, o Senhor M... é trabalhador por conta de uma empresa estabelecida em território nacional, e não exerce qualquer outra actividade por sua conta ou por conta da “C... Limited‟, estabelecida em Guernsey, afigura-se, salvo melhor opinião, concluir que a embarcação é usada em seu proveito e a título privado, não relevando o tipo de contrato ou acordo que suportou a entrega do barco.
18. Mas, supondo, que o Senhor M... declarava e comprovava agir em nome próprio e por conta de outrem (representação indirecta), o representante (mandatário) assumiria a qualidade de declarante (n.° 18 do artigo 4.° do CAC), - maxime responsável pelo pagamento da dívida, a título solidário, com a pessoa por conta de quem a declaração é feita (cfr. artigos 201.°, n.° 3 e 213.°, do CAC) por força da alínea c) do artigo 7.° do CIVA conjugado com o artigo 101.º da Reforma Aduaneira, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro). Note-se, que o representante tem o direito de regresso sobre o mandante nos termos gerais do direito.
Caso o teor da presente informação seja superiormente sancionada, propõe-se o seu envio à Alfândega de Faro, para os devidos efeitos.»
M) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior, recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 205 do apenso.
N) Em 18/11/2009, a Alfândega de Faro emitiu a nota de liquidação oficiosa aqui impugnada, do seguinte teor (fls. 213 ao apenso):
«Na sequência da apreciação da exposição escrita apresentada por Vossa Ex.ª a esta Alfândega em 29/10/2009, no âmbito do direito de audição prévia exercido em resposta à nossa notificação n° 3786 de 28/09/2009, expõe-se de seguida o entendimento fundamentado desta Alfândega procurando o esclarecimento de V. Ex.ª no que concerne à matéria em apreço.
É irrefutável que vossa Ex.ª se declarou como detentor da embarcação, na “notícia de chegada” entregue às autoridades marítimas/aduaneiras da Marina de Vilamoura, nomeadamente em 06/04/09. É com base nesta informação que a Alfândega de Faro o considera legítimo detentor da embarcação. É nessa qualidade que governa a embarcação, não obstante a mesma se encontrar registada em nome da locadora sediada em Itália, “B... Leasing Italia SRL”, não se apresentando contudo proprietário de pleno direito, governando-a, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços como Capitão da embarcação (celebrado em 08/07/2008, com a entidade locatária “C... Limited” sediada na Ilha de Guernsey).
Atendendo à legislação aduaneira e comunitária no que se refere ao cumprimento das obrigações perante as autoridades aduaneiras, nomeadamente o disposto no art° 40° e no art. 202° do Código Aduaneiro Comunitário (aprovada pelo Regulamento (CE) n° 2913/92 do Conselho), enquanto responsável pela introdução no Território Aduaneiro Comunitário (TAC) da embarcação em causa, é a Vossa Exa. que se impõe a apresentação de prova do estatuto comunitário às autoridades aduaneiras, nos termos do previsto nos artigos 313° a 317° das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (aprovadas pelo Regulamento (CE) n°2454/93 da Comissão). Considerando que por um lado, o estatuto comunitário da embarcação não foi até à data comprovado, por outro, a alínea b) do n° 1 do art° 5° do Código do IVA, impõe-se a sua regularização, através do pagamento das despesas inerentes ao procedimento de importação.
Importa ainda tecer as seguintes considerações, já expressas aliás na nossa notificação de 28/09/2009:
- as embarcações assumem simultaneamente para efeitos aduaneiros, o conceito de mercadoria (bem móvel) e meio de transporte, deslocando-se como tal pelos próprios meios;
- o n° 8 do art. 4° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), estipula que as mercadorias comunitárias perdem o estatuto de mercadoria comunitária quando são efectivamente retiradas do TAC, sem prejuízo dos art°s 163° e 164° (do CAC);
- e no que se refere ás águas marítimas, o TAC abrange apenas o Limite das águas territoriais dos diversos estados membros da Comunidade, transponível pelas embarcações no seu percurso marítimo;
- e a alínea a) do n° 2 do art. 313° das Disposições de Aplicação do CAC (DACAC), em linhas gerais, considera que não são comunitárias as mercadorias introduzidas no TAC, em conformidade com o art. 37° do CAC, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado (nos termos dos artigos 313º a 317°-B das DACAC)
- e ao deslocarem-se pelos próprios meios, o percurso efectuado pelas embarcações de recreio, abrange obviamente águas que não se consideram parte do TAC, o que se assemelha a um serviço de transporte de linha não regular, implicando nesse caso, a perda do estatuto comunitário face ao disposto no art. 313°-A das DACAC;
- ao contrário do que sucede com os veículos automóveis (art. 320º das DACAC), o Certificado de registo de uma embarcação de recreio num Porto Comunitário, não faz prova do estatuto comunitário (de facto não existe nenhuma disposição na legislação comunitária que o estabeleça);
- a actuação da Alfândega de Faro está direccionada no sentido do cumprimento com o estabelecido na Circular da DCAIEC n° 74/2008 (série II), nomeadamente nos seus pontos III e IV;
- Nos termos do art° 3º do CAC, a Ilha de Guernsey é considerada como território aduaneiro da Comunidade, não fazendo no entanto parte do território fiscal IVA da Comunidade, cfr. a alínea d) do n° 2 do art° 1º do Código do IVA. Tal facto impõe que as trocas comerciais de mercadorias com a Comunidade estejam sujeitas ao cumprimento de formalidades específicas, nomeadamente no sentido da regularização do IVA através da Declaração aduaneira de importação.
Neste contexto e conforme o disposto nos artigos 37º a 40º do CAC, clarifica-se assim, mais uma vez, a responsabilidade de Vossa Exa. no que concerne à apresentação do documentação comprovativa do estatuto comunitário da embarcação, nos termos previstos nos artigos 313° a 317°-B das DACAC e da Circular acima mencionada. Reforça-se igualmente a prática aplicada às embarcações de recreio, no que respeita à obrigação perante as autoridades aduaneiras na comprovação do respectivo estatuto, uma vez que para além de constituírem um meio de transporte com propulsão própria, são para efeitos aduaneiros igualmente considerados uma mercadoria, sujeita às mesmas regras que as demais.
Desse modo e dada a circunstância de por um lado até à data tal estatuto não ter ficado comprovado, por outro, o estabelecido na alínea b) do n° 1 do art° 5° do Código do IVA, considera-se necessário proceder à regularização da sua situação aduaneira/fiscal com a liquidação do IVA devido pela sua permanência em território aduaneiro e fiscal da Comunidade, pelo que informo por esta via V. Exa. de que se procedeu oficiosamente à liquidação do montante de 2.000.000 Euros (Dois Milhões de Euros), relativos a IVA, uma vez que se considera existir facto constitutivo de dívida aduaneira (de importação), cfr. os art°s 201° e 202° do CAC.
De referir que o projecto de liquidação e a cópia do Impresso do Registo de liquidação se encontram em anexo à presente notificação.
Assim, fica Vossa Exa. notificado para no prazo de 10 dias a contar da data de recepção da presente notificação (e registo de liquidação) efectuar o pagamento da quantia mencionada (nos termos do previsto no n° 1 do art. 222° do CAC), prazo a partir do qual e durante 30 dias ser-lhe-ão imputáveis em acréscimo, juros de mora à taxa legalmente prevista (1% ao mês ou fracção de mês), conforme o estipulado na alínea b) do n° 1 do art. 232° do citado diploma, em consonância com o n° 3 do art. 3º do Dec.Lei n° 73/99 de 16 de Março.
Nos termos do disposto no 1º parágrafo do art. 244° do CAC, a interposição de recurso gracioso ou contencioso, não tem efeito suspensivo da execução da decisão contestada, pelo que as decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras são imediatamente executórias, nos termos do disposto na segunda parte do art. 7º do mesmo Código.
Mais se informa de que no que concerne à liquidação oficiosa atrás referida, tem ao seu dispor os seguintes meios de defesa:
a) Impugnação judicial da liquidação, a interpor ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no prazo (contínuo) de noventa dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário ao abrigo dos artigos 97º n° 1, 99° e 102° do Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo Decreto Lei n° 433/99 de 26 de Outubro.
b) Reclamação graciosa apresentada no prazo de 120 dias contados nos mesmos termos dos previstos na alínea anterior, dirigida ao Ex.mo Sr. Director Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e desde que não tenha sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento (art°s 68° a 70° e 102° do Código de Procedimento e Processo Tributário)
Poderá consultar o processo em apreço no Sector de Controlo de Embarcações de Recreio desta Alfândega, durante o horário previsto de expediente 9h/12h30 - 14h/17h30, podendo para quaisquer esclarecimentos adicionais contactar telefonicamente os seguintes n°s: 289 887726/ 289 887720.»
O) O ora Impugnante foi notificado da liquidação por carta registada com aviso de recepção em 19/11/2011, cfr. fls. 224 do apenso.
P) Em 10/12/2009, foi entregue certidão do processo administrativo ao Impugnante, cfr. fls. 225 do apenso.
Q) A petição inicial foi apresentada em 01/03/2010, cfr. fls. 1.
R) Foram atribuídas ao Impugnante as funções de capitão da embarcação de recreio de nome “Helena”, a partir de 12/07/2008, cfr. fls. 189.
S) O Impugnante tem residência em Portugal.
T) O Capitão, aqui Impugnante, está autorizado a tomar todas as decisões relativas ao funcionamento razoável e de gestão diária do iate e sua tripulação, cfr. fls. 188;
U) O documento que nomeia o Impugnante capitão da embarcação Helena, refere:
«Esta autorização não constitui um contrato de trabalho entre a Empresa e o Capitão», cfr. fls. 190.
V) O Capitão estava autorizado a fazer uso privado do iate para fins pessoais, cfr. fls. 190.
X) A embarcação encontra-se ancorada na Marina de Vilamoura desde Abril de 2009;
Z) Em 16/06/2011, por “O..., F... & PARTNERS” foi emitida a seguinte declaração (fls. 470 e 471):
«Na minha qualidade de auditor, registado no Ministério italiano da Justiça, com o n.° 111832, confirmo que na Itália e por isso, na União Europeia, com base no contrato de leasing
Assinado no dia 30 de Junho de 2004, entre C... ltd, com sede legal nas Ilhas do Canal de Guernsey, GYI4HQ, PO Box 175, Sir P..., St Peter Port e B... Leasing Italia srl., com sede legal em Itália, 39044 Egna, via Stazione 51 (número de ID fiscal e de IVA italianos 02368320210) e terminado com a aquisição final do iate pela C... Ltd, no dia 29 de Maio de 2010, a aquisição do iate MV Feretti 112 Custom Line Helena (listado no Registo Britânico de Navios e construído pela G...spa - Ancona, Itália), implicou o pagamento correcto e definitivo do IVA em Itália e, por isso, na União Europeia, tal como foi confirmado pela Autoridade Fiscal Italiana (Agenzia delle Entrate, Direzione Provinciale di Bolzano, Ufficio Controlli), no decurso de uma inspecção de finanças que terminou em 21 de Junho de 2010.
Bolzano, 16 de Junho de 2011»
*
2.2 - FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO
Todos os factos têm por base probatória, os documentos juntos aos autos, o acordo das partes, o processo administrativo e os depoimentos das testemunhas..
A testemunha Renate F..., em síntese, referiu:
A sociedade B..., SRL, é proprietária do iate Helena e celebrou um contrato de leasing com a sociedade C..., LDT, e numa das cláusulas estabelecia que o iate estivesse equipado com um capitão profissional e neste âmbito o Impugnante comandou esse iate. O iate foi construído pela CRN, SPA, em Ancona, em Itália, em 2004 e no dia 20/06/2004, foi vendido à B... ITALIA, SRL. Na mesma data foi efectuado o contrato de leasing entre B... LEASING ITALIA, SRL e C..., LDT. Relativamente ao documento de fls. 144, a Depoente referiu que se trata do documento de registo do iate Helena no registo das embarcações na Grã-Bretanha. O registo do iate foi efectuado em Londres, sob bandeira inglesa. Contém o ano de construção, a empresa construtora, o país da construção e os dados do iate. O preço de venda do iate foi de cerca de 9.100.000,00 €, mais o IVA italiano. Também no contrato de leasing foi mencionado o IVA, pois, perante a legislação italiana está sujeito à cobrança do IVA, que também foi incluído em cada prestação. O contrato de leasing entre B... LEASING ITALIA, SRL e C..., LDT, como está sujeito à devolução do IVA e a B... LEASING ITALIA, SRL compromete-se pelo bom desempenho de tudo o que se relaciona com o contrato de leasing e, por isso, responsabiliza-se pelo pagamento das respectiva taxas e IVA e, por isso, quando foi pedido em Portugal a comprovação de que o IVA estava a ser pago a B... LEASING ITALIA, SRL apresentou, em Dezembro de 2009, um requerimento às autoridades de cobrança de impostos em Itália para verificar se estava a ser pago o IVA. A resposta veio em Junho de 2010 e esclareceu que tudo estava em ordem relativamente ao IVA do iate em causa. Foi efectuada uma inspecção detalhada junto do construtor do iate (CRN, SPA) e, também, na B... LEASING ITALIA, SRL, relativamente ao contrato de leasing. Da inspecção resultou que o IVA relativo ao contrato de compra e venda, como também, relativamente ao contrato de leasing, estava a ser deduzido em conformidade com a legislação tributária de Itália. A C..., LDT acabou por comprar o iate em 2010 e como não está autorizada a deduzir o IVA, o mesmo está definitivamente deduzido em Itália e definitivamente pago em relação a toda a União Europeia. O IVA relativo às prestações do leasing foi facturado em cada prestação e a B... LEASING pagou estes montantes de IVA ao fisco Italiano. Estes pagamentos foram inspeccionados pela administração fiscal italiana. A C..., LDT é a empregadora do Impugnante deu conhecimento da notificação da liquidação de 2.000.000,00 € de IVA à B... LEASING ITALIA, SRL. Esta empresa tinha conhecimento que a C..., LDT encarregou o Impugnante de comandar o iate. Pensa que o Impugnante ao deslocar a embarcação para Portugal cumpria ordens da empregadora C..., LDT. Relativamente ao valor do iate Helena, considerando que custou cerca de 9.100.000,00 € e que o valor, à semelhança do que acontece com os carros, diminui com o tempo, facilmente se constata que o valor atribuído é e o imposto liquidado é exagerado. Deslocou-se pessoalmente à Alfândega de Faro e pediu que fosse efectuado um requerimento junto das autoridades fiscais italianas a fim de confirmar a situação regularizada de IVA. Pensa que esse requerimento deveria ter sido efectuado ao abrigo das relações de cooperação com as autoridades italianas. Posteriormente a própria B... LEASING requereu uma inspecção detalhada à situação do IVA em Itália. A Depoente é revisora oficial de contas registada no Ministério da Justiça Italiano, com o n.º 111832 e tem consigo um documento oficial italiano que pode juntar aos autos. Seria desejável que as autoridades portuguesas fizessem idêntico pedido às autoridades italianas. Supõe que a pessoa que deve apresentar a documentação às autoridades portuguesas é o capitão do iate. As autoridades alfandegárias pediram um documento que não está previsto pela legislação comunitária para embarcações, o chamado T2L, que normalmente é emitido para mercadorias, mas não para embarcações que se deslocam de um sítio para outro. Foi confirmado pelas autoridades alfandegárias italianas que esse documento não é emitido para embarcações. Desconhece em concreto as condições de contratação do Impugnante pela C..., LDT, apenas sabe que no cumprimento do contrato de leasing foi contratado um capitão profissional. Normalmente os contratos têm uma clausula que permite ao capitão continuar a comandar o iate quando os proprietários estão ausentes e justifica-se do ponto de vista do seguro para que haja sempre um responsável. Deve existir uma cláusula semelhante no contrato, no entanto desconhece esse facto. Para a B... LEASING ITALIA, SRL, apenas a C..., LDT tinha o direito de uso da embarcação. O contrato de compra e venda da embarcação foi celebrado por duas sociedades com sede em Itália. Quer a construtora CRN, SPA, quer a B... LEASING ITALIA, têm sede em Itália. O IVA foi pago entre duas empresas italianas. Pelo contrato leasing foi considerado o IVA Italiano porque a C..., LDT, não pratica transacções intracomunitárias e, por isso, o IVA foi pago definitivamente em Itália e para a União Europeia, pois, a C... LDT não tem o direito de pedir o reembolso do IVA. A Alfândega de Faro pediu ao Impugnante o IVA porque estava convencida que o Impugnante era o proprietário da embarcação. Na Alfândega foi pedido um documento que não está previsto, o T2L e por isso, pediu que as autoridades portuguesas solicitassem os esclarecimentos juntos das autoridades italianas, o que até hoje ainda não foi feito. Foi à Direcção Geral da Alfândega de Roma e pediu que assim que chegasse o pedido das autoridades portuguesas enviassem toda a documentação relativa à inspecção, quer a construtora CRN, SPA, quer a B... LEASING ITALIA. Porém tal pedido de Portugal nunca chegou.
A testemunha Q..., em síntese referiu:
O Impugnante é o capitão do iate Helena e tem de conduzir o barco e mantê-lo em bom estado. O Barco foi construído pela CRN, SPA em Ancona em Itália. Chegou a Portugal na embarcação, vindo de Palermo na Sicília. O Impugnante é o capitão do iate e trabalha para a empresa proprietária do iate e recebe as instruções do empregador, elabora a rota de alto mar e leva a embarcação para o local por aquele determinado. O iate já esteve em Portugal em 2006 e entregou a documentação respectiva. Em 2009 sabe que a Alfândega pediu o pagamento do IVA. O iate custou cerca de 9.800.000,00 €. A obrigação de apresentação da documentação recai sobre o Impugnante. Não se recorda dos portos em que o iate atracou, mas existe um livro onde são registadas essas paragens.
*
2.3 - FACTOS NÃO PROVADOS
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou. »
***
A primeira crítica que o Recorrente/Rte dirige à sentença, diz respeito ao julgamento da matéria de facto, almejando que, com base na “prova testemunhal produzida”, se assuma o desempenho das suas funções de capitão da embarcação por mera imposição da sociedade proprietária desta (a B..., SRL) e que obedecia, com a restante tripulação, às instruções/ordens da sociedade C... Limited, quanto aos destinos a seguir, como, por exemplo, para se dirigirem a Portugal – conclusões 2., 3. e 5.
Liminarmente, porque esta impugnação do julgamento factual se mostra desconforme com o disposto no art. 685.º -B n.º 1 al. b) e n.º 2 CPC (2), tal como neste normativo é expressamente previsto, a consequência seria a, imediata, rejeição do recurso, na parte correspondente. Contudo, face à circunstância de, na sentença, o julgador, aquando da identificação dos elementos probatórios que serviram de base à convicção do tribunal, haver transcrito parte dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, presente, ainda, o conteúdo da alegação de fls. 550, onde o Rte reproduz o que, declarado por estas (3), em sua opinião, é suficiente para julgar provados os factos que indica, devemos, no respeito pelo objetivo supremo do apuramento da verdade, debruçar-nos sobre o mérito desta pretensão.
Versado o extracto do depoimento da primeira testemunha (Renate F...), ressalta a circunstância de, com relação ao cumprimento, pelo impugnante, de ordens dadas pela C... Limited, quanto à deslocação do barco para Portugal, a mesma se limitar a expressar o seu pensamento, sem fornecer qualquer elemento coadjuvante e sindicável, capaz de possibilitar ao tribunal convencer-se da realidade do que pensa. Por outro lado, tanto esta como a outra testemunha inquirida (Q...), afirmam e/ou pressupõem ser a identificada C... empregador/a do impugnante. Ora, como decorre da factualidade assente, que o Rte em nada belisca, por documento escrito, datado de 8.7.2008, a C... Limited, na qualidade de locatária, nomeou, o impugnante, capitão da embarcação “Helena”, com funções para exercer a partir de 12.7.2008, mais, autorizando este “a tomar todas as decisões relativas ao funcionamento razoável e de gestão diária do iate e sua tripulação” – alíneas D), R) e T) dos factos provados. Apurou-se, ainda, com interesse, que a/s autorização/ões concedida/s, pela C... Limited, ao impugnante, não traduzia/m um contrato de trabalho, “entre a Empresa e o Capitão” – alínea U), bem como, que, com base em informação constante do cadastro de contribuinte, a que os serviços da administração tributária/at tiveram acesso, no decurso da investigação do processo que conduziu à liquidação impugnada, o impugnante figurava na qualidade de trabalhador dependente da sociedade B... Portugal – Técnica de Montagem, L.da. (facto admitido, aliás, na parte final da conclusão 2.).
Em conclusão, nitidamente, o deposto pelas duas testemunhas, inquiridas nesta impugnação judicial, apoia-se em pressupostos erróneos, quanto ao tipo de relação (laboral) assumida entre o impugnante e a C... Limited, não encerrando, portanto, credibilidade, que permita servir de suporte à prova da factualidade pretendida aditar, pelo Rte. Acresce a circunstância de nenhuma delas se pronunciar, pelo contrário, sobre o alegado desempenho das funções de capitão do iate, “por mera imposição da sociedade proprietária da embarcação (a sociedade B..., SRL)”.
Não havendo, portanto, lugar à introdução de qualquer tipo de alteração ao cenário factual estabelecido em 1.ª instância, importa avançar para o tratamento, condicionados pelos factos julgados provados e não provados na sentença, das demais questões colocadas, pelo Rte, começando com a delimitada nas conclusões 6. a 11., respeitante à responsabilidade, do impugnante, pelo pagamento do tributo, IVA, liquidado oficiosamente.
Sobre este aspecto, na sentença, fundamentalmente, expressou-se que: «
(…), o Impugnante tem residência em Portugal e trabalha para uma empresa sediada em Portugal, mas foi nomeado capitão da embarcação Helena de que era locatária a sociedade Amadia Limited com sede na ilha de Guernsey.
Ao dar entrada na marina de Vilamoura o Impugnante introduziu irregularmente no território aduaneiro da Comunidade uma mercadoria sujeita a direito de importação, o que configura facto constitutivo da dívida aduaneira na importação - artigo 202.º, n.º 1, do CAC.
E sendo o Impugnante a pessoa que introduziu irregularmente a mercadoria, é nos termos do n.º 3, primeiro travessão do artigo 202.º, do citado CAC, o devedor do imposto.
Ao Impugnante é imputada a introdução da embarcação em território aduaneiro da Comunidade, pois, a sua conduta está na origem da introdução irregular da embarcação. ». Isto, depois de fazer alusão ao pronunciamento dos intervenientes serviços da at, no sentido de aquele, na qualidade de particular, ser devedor do IVA, a título da importação, por: «
> ter introduzido, materialmente e sob o seu comando, a embarcação “Helena” no território nacional, em Abril de 2009 (alínea b) do n.° 1 do artigo 1.º e da alínea a) do n.° 1 do artigo 5.°, ambos do CIVA);
> ser a pessoa que a detém e a utiliza para fins privados;
> ser o importador, residente em território nacional (alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° do CIVA);
> não possuir um documento que o habilite a declarar, perante a Alfândega, em nome e por conta do proprietário ou de outrem. Aliás, o documento apresentado como “Acordo», exclui, de forma clara, a existência de uma relação de emprego entre a “C...” e o próprio. »
Em função destes argumentos, de imediato, se constata a falência do ataque dirigido pelo Rte, ao partir do pressuposto que a sua, eventual, responsabilidade, apenas, poderia efetivar-se nos termos do segundo travessão do art. 202.º n.º 3 CAC, quando o fundamento, legal, do ato tributário, em sede de Código Aduaneiro Comunitário/CAC (4), é, inequívoca e objetivamente, o art. 202.º n.º 1 al. a) e n.º 3, primeiro travessão, deste compêndio. O impugnante foi responsabilizado pela dívida aduaneira, por ter sido a própria pessoa que introduziu irregularmente o iate no território aduaneiro da Comunidade (TAC) e não por ser ou estar entre as pessoas/entidades que participaram nessa introdução, desconforme com as regras. Por outras palavras, somente, na hipótese de a at ter sustentado o ato tributário no disposto por aquele primeiro segmento normativo (segundo travessão do art. 202.º n.º 3 CAC) ou de, em função da factualidade apurada, tal enquadramento jurídico ser incorreto, se justificaria versar a matéria do ónus da prova, relativo à comprovação da condição, exigência, do razoável conhecimento do carácter irregular da introdução da mercadoria.
Sem o assumir explicitamente, o Rte, quando atribui, à sentença, errónea interpretação do art. 313.º n.º 1 e 2 (das) Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário/DACAC (5), em última instância, insiste na tese de não ser responsável pelo pagamento da dívida impugnada, no entendimento de que, gozando a embarcação visada da presunção de estatuto comunitário, inexiste motivo legitimante da ocorrida tributação, em IVA, cujo saldar, portanto, não lhe é exigível.
Acerca do “estatuto comunitário da embarcação”, na sentença recorrida, foi defendido, de forma significativa, o seguinte: «
(…).
Da conjugação de todas estas normas resulta, portanto, que, em termos do seu estatuto, as mercadorias se dividem em duas categorias: mercadorias comunitárias e mercadorias não comunitárias; e que, de uma forma geral, podemos dizer que as mercadorias comunitárias são as inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade; as importadas de países ou territórios que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade mas que tiverem sido introduzidas em livre prática; e as obtidas ou produzidas na Comunidade a partir das mercadorias comunitárias e/ou não comunitárias. As mercadorias não comunitárias são todas as outras mercadorias, incluindo as mercadorias comunitárias que tenham perdido este estatuto.
E as mercadorias comunitárias cujo estatuto comunitário não possa ser provado, quando exigido, são também consideradas mercadorias não comunitárias.
Assim, as circunstâncias em que pode ser estabelecido o estatuto comunitário das mercadorias (se for caso disso) são as seguintes: (1) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro e não atravessaram o território de um país terceiro; ou (2) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro, tendo atravessado o território de um país terceiro e sido transportadas a coberto de um documento de transporte único emitido num Estado-Membro; ou (3) as mercadorias são objecto de transbordo num país terceiro para um meio de transporte distinto do de carregamento inicial e a coberto de um novo documento de transporte. O novo documento de transporte deve ser acompanhado de cópia do documento original referente ao transporte entre o Estado-Membro de partida e o Estado-Membro de destino.
E não se aplicando o atrás exposto, considera-se que as mercadorias têm estatuto não comunitário.
Já no que respeita à prova do estatuto comunitário da mercadoria (cfr. arts. 314º e sgts. das Disposições de Aplicação), pode a mesma ser feita:
- através de um documento T2L (exemplar 4 do Documento Administrativo Único - DAU);
- através de um documento T2LF (exemplar 4 do DAU, para as mercadorias transportadas de, para ou entre partes do território aduaneiro da Comunidade em que não são aplicáveis as disposições da Directiva 77/388/CEE (IVA) - Ilhas Anglo-Normandas, Ilhas Canárias, Departamentos Ultramarinos Franceses: Guadalupe, Martinica, Guiana e Reunião, Monte Athos, Ilhas Aland.
- através de uma factura ou documento de transporte devidamente preenchido, relativo exclusivamente às mercadorias comunitárias, com a indicação da sigla T2L/T2LF consoante o caso;
- através de um manifesto da companhia de navegação, completado e visado pela estância competente, com a indicação “C” para as mercadorias comunitárias, “F” para as mercadorias expedidas de, para ou entre territórios não-fiscais, e “N” para as outras mercadorias (num “outro” serviço de transporte marítimo);
- através do manifesto da companhia de navegação, quando se utilizem os procedimentos simplificados de trânsito (nível 2), com a indicação do código “C” para as mercadorias comunitárias;
- através de um talão de caderneta TIR ou livrete ATA (documento aduaneiro internacional utilizado para a importação temporária de mercadorias destinadas a fins específicos, por exemplo apresentações, exposições e feiras, como material profissional e amostras comerciais) exibindo a sigla T2L e visado pela Alfândega;
- através do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA), previsto no Regulamento (CEE) nº 2719/92, para mercadorias em livre prática sujeitas a impostos especiais de consumo;
- através das chapas de matrícula e os documentos de registo dos veículos a motor matriculados num Estado-Membro, se estes estabelecerem claramente o estatuto comunitário dos veículos;
- bem como através de outras formas que, no caso que nos ocupa, não são aplicáveis (são formas aplicáveis a embalagens, bagagens, produtos de pesca, embalagens postais, mercadorias em zonas francas ou entrepostos fiscais, mercadorias de exportação proibida) - neste sentido o acórdão do STA, de 18/02/2010, recurso n.º 01158/09, consultável em www.dgsi.pt.
No caso dos autos a embarcação de recreio - “Helena”, foi construída em 2004, em Itália, pela sociedade “G...S.p.A.
Em 30/06/2004, foi adquirida pela sociedade “B...LEASING ITALIA SRL”, com sede em Egna, Itália, à sociedade “G...S.p.A.”, pelo valor de € 9.100.519,00, ao qual acresceu IVA à taxa de 20%, no montante de € 1.820.103,80.
A embarcação foi objecto de um contrato de locação celebrado entre as sociedades “B...LEASING ITALIA, SRL” e a “C... LIMITED”, com sede em Guernsey, St. Peter Port.
Em 06 Abril de 2009, chegou à marina de Vilamoura, proveniente de Palermo e comandada pelo Impugnante.
O Impugnante foi nomeado capitão da embarcação Helena pela locatária C... LIMITED.
O acordo estabelecido entre a C... LIMITED e o Impugnante não constitui um contrato de trabalho entre a Empresa e o Capitão.
Foi registada no “Regist of Shipping and Seamen - The Merchan Shipping Act 1995” em 31/01/2005.
A mercadoria (embarcação), objecto do contrato de locação financeira entre a sociedade B...LEASING ITALIA SRL e a sociedade C... LIMITED, esta sediada em território terceiro, o qual, embora fazendo parte do território aduaneiro da Comunidade, é tratado como país terceiro pare efeitos de IVA, nos termos do artigo 1.º do CIVA, chegou a Portugal via marítima provindo de Palermo em Itália.
Navegou pelos seus próprios meios.
Nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CAC, incluem-se no território aduaneiro da Comunidade as águas territoriais, as águas marítimas interiores e o espaço aéreo dos Estados-membros e territórios referidos no n.º 2, com excepção das águas territoriais, das águas marítimas interiores e do espaço aéreo pertencentes aos territórios que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade, nos termos do n.º 1.
Na viagem entre Palermo e a marina de Vilamoura a embarcação perdeu o estatuto de mercadoria comunitária.
Assim, porque também não estava sujeita ao regime de trânsito interno (cfr. o nº 8 do art. 4° e o nº 2 do art. 163°, ambos do CAC e acima transcritos), tal mercadoria não pode ser considerada como tendo estatuto comunitário.
(…).
Porque perdeu o estatuto comunitário tinha de, nos termos do artigo 40.º do CAC, lhe ser atribuído um dos destinos aduaneiros admitidos para tais mercadorias.
A embarcação Helena perdeu o estatuto de mercadoria comunitária, mas encontra-se na marina de Vilamoura, ou seja, em território aduaneiro da Comunidade e, nos termos do artigo 313.º das DACAC, não é considerada mercadoria comunitária, salvo se o estatuto comunitário for devidamente comprovado.
Assim, para que a embarcação pudesse ser considerada mercadoria comunitária impunha-se a prova do respectivo estatuto, no caso, através do documento T2LF, como acima se referiu.
(…). »
Ainda, com interesse e relevo nesta matéria, ao nível dos motivos esgrimidos pela at, na condição de complementares dos anteriores, devemos reproduzir este trecho: «
6. Nesse sentido, temos o caso das embarcações de recreio, que nos termos da regulamentação aduaneira, são barcos privados destinados a viagens cujo itinerário é fixado a bel-prazer dos utilizadores, verificando-se, por isso, e ainda que fabricadas e adquiridas no TAC, o seguinte:
- a inexistência de um título de transporte único;
- navegam pelos seus próprios meios, de acordo com a vontade da pessoa que a utiliza, sem um itinerário pré-determinado;
- não estão sujeitas ao regime de trânsito, que permite às mercadorias comunitárias, apesar de saírem do TAC, não perderem esse estatuto.
Assim, as deslocações efectuadas por embarcações recreio, via marítima, equiparam-se ao serviço de linha não regular, presumindo-se não comunitárias, salvo se o estatuto comunitário for devidamente comprovado, nos termos dos artigos 314° a 323.° das DACAC.
(…).
8. Face ao explanado, julga-se, salvo melhor opinião, concluir que o estatuto comunitário das embarcações de recreio, que navegam pelos seus próprios meios a bel-prazer da pessoa que a utiliza ou detém, deve ser comprovado, uma vez que no percurso por elas efectuados saem do TAC quando passam as 12 milhas do mar territorial, e posteriormente são reintroduzidas nesse território, à semelhança do exigido para os restantes bens adquiridos noutros Estados-membros e transportados via marítima, utilizando, para o efeito, um serviço de linha não regular (cfr. artigo 313.º das DACAC).
9. O estatuto comunitário é comprovado mediante a apresentação do documento T2L ou um documento comercial (factura comercial, documento de transporte ou manifesto), devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras do país de expedição, tiver o estatuto de expedidor autorizado para efeitos de emissão do documento comprovativo do estatuto comunitário das mercadorias.
A prova do estatuto comunitário das mercadorias com destino ou proveniência de uma parte do TAC na qual não se aplica a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, é feita através do documento T2LF (cfr. artigos 314.° ao 317.° B das DACAC).
10. Reportando-se ao caso em concreto, verifica-se que a embarcação “Helena” foi entregue ao Senhor Llewellyn, residente em território nacional, por uma empresa estabelecida em St. Peter Port, Guernsey, território que não faz parte do espaço fiscal comunitário, equiparado a território terceiro, onde não se aplica a Directiva 2006/112/CE do Conselho, o que significa que as operações realizadas a partir dele ou tendo-o como destino são tratadas, face às normas fiscais, como importações ou exportações respectivamente (cfr. artigo CIVA - A entrada da embarcação “Helena” em Portugal, no mês de Abril de 2009, sob o comando do Capitão M... configura, em sede do IVA, uma importação, e por força da alínea b), do n.° 1 do artigo 1.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 5.°, ambos do CIVA, está sujeita a IVA.
11. Ainda que fosse apresentada prova do estatuto comunitário da embarcação “Helena”, através do formulário “T2LF”, o IVA seria devido, ao abrigo dos artigos 5°, alínea b) e 102.°, ambos do CIVA.
12. Note-se, as regras aduaneiras não permitem a sujeição desta embarcação ao regime de importação temporária, na medida em que o seu detentor é um particular, residente no TAC (cfr. artigos 553.° a 584.° das DACAC). »
Perante este conjunto de argumentos, com destaque para o de que, nos moldes da regulamentação aduaneira, as deslocações efetuadas por embarcações de recreio, via marítima, se têm de equiparar ao serviço de linha não regular e de assumir como mercadorias não comunitárias (6), excepto se o estatuto comunitário for, pelas formas pertinentes (7), devidamente comprovado, julgamos irrelevante, inconsequente, a circunstância de o ponto de partida da viagem, até Vilamoura, do iate, capitaneado pelo impugnante, ter sido o porto de Palermo, Itália, e, por isso, não se pode falar e identificar base suficiente para o funcionamento, in casu, da proposta presunção de estatuto comunitário. É que, a ilação ínsita no art. 313.º n.º 1 DACAC fica afastada, desprezadas outras hipóteses, nos casos de transporte marítimo de mercadorias, entre portos situados no TAC, quando efetuado no âmbito de serviços de linha não regular.
Quanto ao contributo pretendido retirar do doutrinado no Ac. TCAS de 29.3.2005, rec. 00087/04, também, não colhe. O que nele, além do mais, se sustenta é a posição de, estando em causa “mercadorias já com o estatuto aduaneiro comunitário”, não ser “pelo facto de as mesmas saírem das águas territoriais de um Estado-membro e entrarem em águas internacionais, sem tocar em território de um país terceiro, que elas perdem esse estatuto aduaneiro comunitário”, enquanto, na situação julganda, se versa a deslocação efetuada por embarcação de recreio, via marítima, que, por equiparável ao serviço transportador de linha não regular, se tem de assumir como mercadoria não comunitária, sem prejuízo de o estatuto comunitário ser devidamente comprovado; condição, aqui, não verificada (8).
Inseridas nas conclusões 12. a 21., encontramos colocadas duas outras questões, com denominador comum: erro de julgamento ao nível do entendido, na sentença, quanto à fundamentação do montante de imposto liquidado e quanto à quantia, efetivamente, exigida.
Sobre a fundamentação (do ato administrativo), no pressuposto, sintético, de consubstanciar um conceito relativo, cuja existência é de afirmar quando um destinatário normal, suposto na posição do/s interessado/s em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão, destinada a satisfazer uma função de natureza exógena (9), enquanto visa colocar o administrado em condições de conhecer os fundamentos que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma que o fez, de molde a permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato e a sua impugnação, o julgador considerou que a at “cumpriu o mínimo exigível da fundamentação da avaliação”, quando, com base no “valor transaccional” (€ 9.100.519,00, acrescido de IVA, à taxa de 20%, no montante de € 1.820.103.80) inscrito na factura de aquisição apresentada, com data de 30.6.2004, atendendo, ainda, à “pouca depreciação da embarcação”, fixada em € 920.622,80, expressou o seguinte: «
“Valor actual estimado da embarcação, considerando o valor da factura apresentada (factura n. 66 emitida em 30/06/2004, por D...” e a pouca depreciação.
Direitos aduaneiros: taxa de 0%
(aplicáveis à posição pautal 8903911000)
IVA: (10.000.000 € x 20% 2.000.000 €
Valor total a liquidar: 2.000.000 €” »
Não se podendo, óbvia e objetivamente, falar de uma fundamentação exuberante, os elementos vindos de mencionar, com o devido respeito, apresentam-se-nos suficientes para que o impugnante tenha podido percepcionar que o montante, dez milhões de euros, sujeito a tributação, em sede de IVA, foi estabelecido, pela entidade liquidadora, com base no valor total (€ 10.920.622,80) inscrito na fatura disponibilizada e, sem dúvida, referente à compra do iate, ao qual subtraiu uma importância respeitante à depreciação registada, que, não obstante a pecha da falta de concreta indicação, por mera operação aritmética, com facilidade, alcançaria cifrar-se em € 920.622,80 (€ 10.920.622,80 - € 10.000.000,00). Por outras palavras, com o conteúdo do extracto acima transcrito, aproveitando a expressão da sentença, os serviços da at cumpriram o “mínimo exigível” da fundamentação do ato de liquidação, na sua vertente quantitativa, ou seja, forneceram, ao sujeito passivo, os motivos bastantes para conhecer as bases que os apoiaram a decidir da forma que o fizeram, permitindo-lhe optar, conscienciosamente, entre a aceitação do ato e a respectiva impugnação; materializando esta última.
Em suma, a liquidação impugnada não sofre de falta de fundamentação, na sua vertente formal, face à constatação de que o autor do ato deu a conhecer as razões do mesmo.
Quanto aos reparos dirigidos à quantia de imposto (IVA) exigida pagar pelo impugnante, sobressai o apontamento de ter sido violado o disposto no art. 16.º n.º 5 al. a) CIVA (e, paralelamente, do art. 78.º al. a) Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28.11.2006) – conclusão 21.
Sem se olvidar que a quantificação, efetivada pela at, reputou como valor de aquisição o montante de € 10.920.622,80 e lhe abateu, a título de depreciação do bem, a importância de € 920.622,80, circunstância que afasta a crítica de não ter sido considerada qualquer desvalorização do iate, o normativo apontado, pelo Rte, como desrespeitado, diz respeito à determinação do valor tributável, em cédula de IVA, no âmbito das transações internas. Ora, como, já, demos notícia, para efeitos deste tributo, a at enquadrou, de forma explícita, a realizada liquidação no estatuído pelos arts. 1.º n.º 1 al. b) e 5.° n.º 1 al. a) CIVA, isto é, colocou a incidência, exclusivamente, no campo das importações de bens. Assim, de imediato, sem mais, se percebe a inconsistência e irrelevância do vício versado.
Nas conclusões 22. a 27., o Rte despoleta a matéria da, alegada, violação, por parte da sentença, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, inscrito no art. 20.º Constituição da República Portuguesa/CRP. Para tanto, aduz que se impunha à DGAIEC, na sequência de solicitação sua, requerer informações às autoridades aduaneiras italianas, sobre a possibilidade de estas emitirem determinado documento, relativo ao transporte de mercadorias, exigido ao impugnante.
Compulsada a petição inicial desta impugnação judicial, nos respectivos arts. 102.º a 105.º, verificamos a manifestação, por parte do impugnante, de entendimento sobre como deveriam proceder, os serviços intervenientes da DGAIEC, “caso se suscitassem quaisquer dúvidas”, a respeito da “qualificação jurídica das embarcações de recreio para efeitos aduaneiros” (10). Ou seja, textualmente, ao invés do que o Rte sugere na conclusão 26., aquele não confrontou o tribunal de 1.ª instância com a alegação de qualquer pedido/requerimento que tenha dirigido às entidades aduaneiras portuguesas e estas não tenham dado a mínima sequência. Outrossim, muito menos colocou, de forma explícita, a problemática em apreço ao nível da inviabilização do seu desempenho probatório, no sentido de que não invocou qualquer impossibilidade ou recusa na obtenção de um, concreto, documento.
Deste modo, na certeza de que, face à conduta processual do impugnante, em particular, a obrigatoriedade de alegar, de forma perceptível e explícita, todos os fundamentos da ação, nenhum interesse relevante se apresentou como merecedor de tutela jurídica, designadamente, a necessidade de reparação de ilegalidade cometida em sede de procedimento administrativo, só podemos concluir que a sentença recorrida não padece do vício coligido pelo Rte; aliás, sobre o assunto nada mencionou ou decidiu, admitindo-se que o tenha colocado entre as “outras questões” cujo conhecimento, na parte final, considerou prejudicado.
Remanesce a proposta de suspensão desta instância e reenvio, a título prejudicial, das questões referenciadas na conclusão 28. (11).
O art. 267.º do, atual, Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia/TFUE (ex-artigo 234.º TCE) aponta ser o Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE competente para decidir, a título prejudicial, sobre, além da interpretação dos Tratados, a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, estabelecendo, como regras: «
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. »
Antes de nos debruçarmos sobre a concreta pretensão do Rte, cumpre, ainda, fazer menção da reiterada jurisprudência, produzida pelo TJUE (ex-TJCE), no sentido da afirmação de três exceções à obrigação de reenvio: falta de pertinência, irrelevância da questão despoletada, no processo, para a decisão da causa, existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE e total clareza da norma disputada (“teoria do ato claro”).
No presente processo impugnatório, as operadas normas do CAC e das DACAC, em particular, do primeiro, o decisivo art. 202.º n.º 1 al. a) e n.º 3, primeiro travessão, não oferecem, ao nível da interpretação, dúvidas relevantes, susceptíveis de comprometer a segurança do julgamento produzido por este tribunal de apelo. Por outro lado, visto o conteúdo das oito “questões prejudiciais” formuladas pelo Rte, ressalta a evidência de que todas elas pressupõem um enquadramento factual e/ou uma realidade processual sem total correspondência com o cenário em que se moveram os intervenientes tribunais nacionais, circunstancialismo que, com toda a certeza, tornaria inútil pronúncia do TJUE, a estabelecer baseada em pressupostos gerais, declinando na justiça portuguesa a sua operância casuística.
Assim, julgamos não existir dúvida razoável no sentido da pronúncia deste tribunal, pelo que, em conformidade, se desatende e indefere o pedido de reenvio prejudicial em apreço.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
*
Custas a cargo do recorrente.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 19 de março de 2013

ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS
EUGÉNIO SEQUEIRA


1- Para o STA, que se declarou incompetente, em razão da hierarquia.
2- Conferindo-se que os depoimentos testemunhais prestados mereceram registo/gravação áudio – cfr. fls. 459 a 461.
3- « A C..., LDT é a empregadora do Impugnante deu conhecimento da notificação da liquidação de 2.000.000,00 € de IVA à B...LEASING ITALIA, SRL. Esta empresa tinha conhecimento que a C..., LDT encarregou o Impugnante de comandar o iate. Pensa que o Impugnante ao deslocar a embarcação para Portugal cumpria ordens da empregadora C..., LDT. » – testemunha R...; « O Impugnante é o capitão do iate e trabalha para a empresa proprietária do iate e recebe as instruções do empregador, elabora a rota de alto mar e leva a embarcação para o local por aquele determinado. » – testemunha Thomas Zander.
4- Atente-se que, o Rte não afronta o enquadramento efetuado em cédula de IVA e respectivo CIVA.
5- Conclusões 8. a 11.
6- Cfr. art. 313.º n.º 2, último travessão (a contrario) DACAC.
7- Art. 314.º segs. DACAC.
8- Aliás, o coligido aresto não deixou de veicular que “O facto de certa mercadoria ser proveniente de um dado Estado-membro da Comunidade, não implica sem mais, que necessariamente ela tenha de possuir um estatuto aduaneiro comunitário, (…).”.
9- A par de outra, de cariz endógeno, destinada a garantir que os agentes da administração ponderem, de forma séria, cuidada e isenta, os factos concretos e as disposições legais aplicáveis em cada caso e que permita o controlo, designadamente pelos tribunais, da observância dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, impostos à atuação da administração, aferindo o acerto jurídico das respectivas decisões.
10- Cfr. art. 90.º segs. da p.i.
11- Ver, ainda, fls. 615 a 617.