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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05173/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/14/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
MÉTODO SUBTRACTIVO INDIRECTO.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
ARTº.20, DO C.I.V.A.
DECLARAÇÃO DE CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE. ARTº.34, Nº.1, AL.A), DO C.I.V.A.
Sumário:1. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

2. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

3. O mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.

4. A determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante.

5. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.

6. No artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Especificamente a al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante.

7. Ao abrigo do disposto no artº.34, nº.1, al.a), do C.I.V.A. (equivalente ao artº.33, nº.1, al.a), do C.I.V.A., antes da renumeração operada neste código pelo dec.lei 102/2008, de 20/6), somente é possível apresentar uma declaração de cessação de actividade que não uma declaração de suspensão de actividade, a qual nem sequer está prevista no citado artº.34, do C.I.V.A., por reporte ao artº.33, do mesmo diploma.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.82 a 88 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação pela recorrida intentada, “A.......... - Panificação …............., L.da.”, visando actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativos ao período de Fevereiro de 2009 e no montante total de € 27.131,21.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.95 a 98 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Face ao estatuído nos artºs.2 e 20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., a dedução do I.V.A. só é legalmente admissível se os bens e serviços adquiridos forem utilizados para obtenção de receitas objecto de tributação, o que não sucedeu na vertente situação;
2-Ou seja, os sujeitos passivos só podem deduzir o I.V.A. suportado a montante se os bens ou serviços sobre que incidiu forem utilizados para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços que hão-de ser tributadas a jusante;
3-Tendo a impugnante cessado a sua actividade, para efeitos de I.V.A., nos termos do artº.34, nº.1, do C.I.V.A., sem que tenha realizado qualquer operação tributária activa, não pode deixar de ser considerado como consumidor final e daí recaia sobre ela o encargo de suportar o I.V.A. referente aos serviços e bens que adquiriu;
4-Donde, o direito à dedução não se opera com base nas características específicas dos bens e do seu uso efectivo, ao contrário do que ela defende, mas sim do funcionamento efectivo dos bens objecto de dedução;
5-Tendo a impugnante deduzido I.V.A. no montante de € 26.883,73, do qual solicitou o reembolso, primeiro relativamente ao período de 11/2006, no valor de € 13.900,00, que foi deferido, e depois referente a 12/2008, no valor de € 12.983,73, é de considerar inde­vido o direito a essa dedução e acertada a correcção à matéria colectável e a respectiva liquidação que lhe seguiu, naquele primeiro valor;
6-O valor dessa liquidação não tem de coincidir nem se confunde com o da quantia exequenda, como se alega nos artºs.28 e 29 da p.i. e parece extrair-se da sentença, sendo que no caso, de acordo com a liquidação em causa, a dívida de I.V.A., durante todo o período de 2006 a 2008, é de € 26.883,73, pese embora a A.T. só possa exigir o montan­te de € 13.900,00, por ter sido indeferido o pedido de reembolso de € 12.983,73;
7-Dito isto, o objecto da presente acção, tal como se descreve no intróito e resulta do pedido, da p.i., tem a ver unicamente com a legalidade, ou não, da liquidação do I.V.A. no valor de € 26.883,73, até porque este processo seria inadequado para se ver decidido qualquer ilegalidade que contendesse com a validade do título executivo, mormente derivado do pagamento, parcial, da dívida (cfr.artº.204, nº.1, al.f), do C.P.P.T.);
8-Acresce que a circunstância de a A.T. ter incluído nessa dívida total o valor de € 12.983,73 e através do mecanismo da compensação o ter eliminado, poderá, quanto muito, considerar-se uma operação irregular ou incorrecta, sem que tenha colido com a real quantia exequenda ou provocado quaisquer consequências negativas para a impugnante, e sem que daí se verifique contradição insanável na actuação da A.T.;
9-Foram, pois, a nosso ver, violados, pela decisão recorrida, os sobreditos artºs.2, 20, nº.1, al.a), e 34, nº.1, al.a), do C.I.V.A., e 204, nº.1, al.f), do C.P.P.T.;
10-Pelo que, deve ser a mesma anulada e substituída por outra que considere a presen­te impugnação improcedente. VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, melhor decidirão.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao recurso (cfr.fls.118 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.119 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.83 a 85 dos autos):
1-Em 24/04/2006, a impugnante apresentou declaração de início de actividade (cfr. documento junto a fls.49 a 52 dos presentes autos);
2-Em 9/03/2009, a impugnante declarou a cessação da sua actividade com reporte a 28/02/2009, invocando o disposto no artº.34, nº.1, al.a), do C.I.V.A. (cfr.documento junto a fls.53 a 54 dos presentes autos);
3-Durante o período compreendido entre 24/04/2006 e 09/03/2009 a impugnante apenas realizou operações passivas, tendo adquirido serviços, estudos e projectos com vista à implementação de uma unidade de produção de pão e produtos à base de pão congelados (cfr.documentos juntos a fls.55 a 58 dos presentes autos; relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso);
4-A impugnante solicitou reembolso de I.V.A. relativamente ao período de 11/2006 no valor de € 13.900,00, o qual foi autorizado e pago (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.28 do processo administrativo apenso);
5-A impugnante solicitou reembolso de I.V.A. relativamente ao período de 12/2008 no valor de € 12.983,73, na sequência do que foi determinado procedimento inspectivo realizado ao abrigo da OI nº.200900641 (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso);
6-No seguimento da acção de inspecção efectuada a Administração Tributária verificou que a impugnante, durante o período em que esteve colectada, não praticou qualquer operação activa, tendo apenas realizado operações passivas e concluiu que “Dada a inexistência de qualquer operação tributável no período em que o sujeito passivo esteve activo, de 24/04/2006 a 28/02/2009, considera-se nos termos do nº.1, do artº.20, do C.I.V.A., que o direito à dedução foi indevidamente exercido” (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso);
7-Consequentemente, em 25/07/2009, foi-lhe efectuada a liquidação adicional de I.V.A., relativo ao período de 02/2009, no valor de € 26.883,73 e de juros compensatórios no montante de € 247,48 (fls.documentos juntos a fls.13 e 14 dos presentes autos);
8-Em 28/10/2009 foi deferido o reembolso do I.V.A. a que se refere o nº.5 supra (cfr.documentos juntos a fls.29 a 32 do processo administrativo apenso);
9-À impugnante foi instaurado processo executivo para pagamento da quantia € 27.131.21 (€ 26.883,73 de imposto e € 247,48 de juros compensatórios), tendo sido pago por compensação a importância de € 12.983,73 relativa ao reembolso de I.V.A. referido no número anterior, encontrando-se em cobrança coerciva o valor remanescente de € 15.357,82 (cfr.informação oficial exarada a fls.12 do processo administrativo apenso);
10-A presente impugnação deu entrada, via Sitaf, no dia 16/12/2009 (cfr.print de comprovativo de entrega de documento).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem outros factos provados ou não provados para além dos referidos supra com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Alicerçou-se a convicção do Tribunal na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela Administração Fiscal e pelo impugnante, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
11-A sociedade impugnante, “A...........- Panificação …........, L.da.”, com o n.i.p.c. …............, iniciou a sua actividade de panificação, CAE 10711, em 24/4/2006, tendo-a cessado em 28/2/2009, período durante o qual, em sede de I.V.A., se encontrava enquadrada no regime normal mensal (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso);
12-Em sede de I.V.A., nos períodos mensais que decorreram entre Abril de 2006 e Dezembro de 2008, a sociedade impugnante deduziu imposto no montante total de € 26.883,73, equivalente aos pedidos de reembolso identificados nos nºs.4 e 5 do probatório (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.28 do processo administrativo apenso);
13-A unidade de produção de pão e produtos à base de pão congelados mencionada no nº.3 supra da factualidade provada não chegou a entrar em funcionamento, pelo menos até à data a que se reporta a declaração de cessação da sua actividade, conforme consta do nº.2 do probatório (cfr.relatório de inspecção constante de fls.16 a 27 do processo administrativo apenso; factualidade admitida pela impugnante nos artºs.49 e 50 da p.i. junta a fls.1 a 11 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante/recorrido, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou totalmente procedente a impugnação em consequência do que anulou as liquidações de I.V.A. e juros compensatórios identificadas no nº.7 do probatório.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que face ao estatuído nos artºs.2 e 20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., a dedução do I.V.A. só é legalmente admissível se os bens e serviços adquiridos forem utilizados para obtenção de receitas objecto de tributação, o que não sucedeu na vertente situação, ou seja, os sujeitos passivos só podem deduzir o I.V.A. suportado a montante se os bens ou serviços sobre que incidiu forem utilizados para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços que hão-de ser tributadas a jusante. Tendo a impugnante cessado a sua actividade, para efeitos de I.V.A., nos termos do artº.34, nº.1, do C.I.V.A., sem que tenha realizado qualquer operação tributária activa, não pode deixar de ser considerado como consumidor final e daí recaia sobre ela o encargo de suportar o I.V.A. referente aos serviços e bens que adquiriu. Tendo a impugnante deduzido I.V.A. no montante de € 26.883,73, do qual solicitou o reembolso, primeiro relativamente ao período de 11/2006, no valor de € 13.900,00, que foi deferido, e depois referente a 12/2008, no valor de € 12.983,73, é de considerar inde­vido o direito a essa dedução e acertada a correcção à matéria colectável e a respectiva liquidação que lhe seguiu, naquele primeiro valor. Que o objecto da presente acção, tal como se descreve no introito e resulta do pedido na p.i., tem a ver unicamente com a legalidade, ou não, da liquidação do I.V.A. no valor de € 26.883,73, até porque este processo seria inadequado para se ver decidido qualquer ilegalidade que contendesse com a validade do título executivo, mormente derivado do pagamento, parcial, da dívida (cfr.artº.204, nº.1, al.f), do C.P.P.T.). Que foram violados, pela decisão recorrida, os sobreditos artºs.2, 20, nº.1, al.a), e 34, nº.1, al.a), do C.I.V.A., e 204, nº.1, al.f), do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, se dirá que nos encontramos perante processo de impugnação judicial, assim não sendo, no caso concreto, passível de exame qualquer fundamento típico do processo de oposição a execução constante do artº.204, nº.1, do C.P.P.T., nem a decisão recorrida a tal abarca, dado se ter limitado a decretar a anulação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios no respectivo dispositivo, tudo conforme mencionado supra.
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12).
Por último, dir-se-á que tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à impugnante/recorrida a A. Fiscal concluiu que a mesma sociedade durante o período em que esteve colectada, não praticou qualquer operação activa, tendo apenas realizado operações passivas. Assim sendo, dada a inexistência de qualquer operação tributável no período em que o sujeito passivo esteve activo, de 24/04/2006 a 28/02/2009, considerou, nos termos do artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., que o direito à dedução foi indevidamente exercido, em consequência do que estruturou a liquidação adicional de I.V.A., relativo ao período de 02/2009, no valor de € 26.883,73, exacto montante que fora objecto de dedução e dos consequentes pedidos de reembolso por parte da sociedade impugnante (cfr.nºs.4 a 7 e 12 do probatório).
A decisão recorrida anulou o mesmo acto tributário, com base em dois vectores:
1-O ser razoável aceitar que a declaração identificada no nº.2 do probatório se trata de uma suspensão da actividade por parte da sociedade impugnante;
2-O artº.20, do C.I.V.A., não fixa qualquer limite temporal para a entrada em funcionamento dos bens e serviços adquiridos pelos sujeitos passivos, objecto de dedução de imposto, sendo pacífico que no caso dos autos, não se verifica qualquer transmissão onerosa de bens ou desafectação de bens.
Cremos que o recorrente tem razão. Expliquemos porquê.
Passemos, portanto, ao exame do alegado erro de julgamento de direito derivado da desacertada interpretação e aplicação do artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., na versão em vigor no ano 2009 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):
ARTIGO 20º.
(Operações que conferem o direito à dedução)
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a)Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(…)
No examinado artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Especificamente a al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.511; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.159).
Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de imposto (I.V.A.) por parte da sociedade impugnante, dado que os serviços adquiridos pela mesma não chegaram a ser utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante, visto que a unidade de produção de pão e produtos à base de pão congelados nunca chegou a entrar em funcionamento (cfr.nº.13 do probatório). Portanto, face à aquisição de tais serviços a sociedade impugnante comportou-se como um consumidor final, pelo que não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto que suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).
Apesar disso, a impugnante alega que não cessou a sua actividade, nem desistiu de tal projecto (unidade de produção de pão e produtos à base de pão congelados), apenas tendo suspendido a sua actividade, no que é corroborada pela decisão recorrida.
Também aqui, não podemos concordar com tal perspectiva.
É que a declaração apresentada pela sociedade impugnante e constante do nº.2 do probatório consubstancia uma declarou de cessação da sua actividade com reporte a 28/02/2009, ao abrigo do disposto no artº.34, nº.1, al.a), do C.I.V.A. (equivalente ao artº.33, nº.1, al.a), do C.I.V.A., antes da renumeração operada neste código pelo dec.lei 102/2008, de 20/6), que não uma declaração de suspensão de actividade, a qual nem sequer está prevista no citado artº.34, do C.I.V.A., por reporte ao artº.33, do mesmo diploma.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento e, em consequência, revoga-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual padece dos vícios que lhe são imputados pelo recorrente, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS JULGANDO IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se a sociedade impugnante/recorrida em custas somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Novembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)