Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:428/13.6BECTB
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
EXISTÊNCIAS
PRESUNÇÃO LEGAL DE TRANSMISSÃO
DEDUTIBILIDADE DOS GASTOS
REGULARIZAÇÕES DE IMPOSTO DEDUZIDO
Sumário:1. Dispõe o art.º86.º do CIVA que «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».
2. Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º86.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
3. Porém, essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos e extra- contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos registados na contabilidade.
4. Os erros, omissões e inexactidões constatados na contabilidade do contribuinte e a sua eventual incongruência com elementos extra – contabilísticos podem ser corrigidos pela AT, observando o ónus probatório que lhe incumbe nos termos do art.º74.º da LGT.
5. Os gastos de energia apenas são dedutíveis se for feita prova da afectação desses gastos à realização de operações tributáveis (art.º20.º, n.º1 do CIVA);
6. A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor (artigos 78.º, n.º7 e 11 do CIVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

Da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco exarada a fls.413/430, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por “STS – S.T. de Seia, S.A.” contra liquidações de IVA n.º13006…, 13006…, 13006…, 13006… e 13006…, relativas aos períodos de 09/07, 09/12, 10/12, 11/03 e 11/09, no valor total de 1.575.843,55 euros, e contra a liquidação dos respectivos juros compensatórios que lhes estão associadas, no valor total de 178.219,46 euros, vieram interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, quer a Fazenda Pública, quer a Impugnante.

Ambos os recursos foram recebidos com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (despacho a fls.446).

Em seguimento, veio a Recorrente Fazenda Pública juntar alegações, que culmina com as seguintes Conclusões:

«Assim, nos termos dos artigos 639º e 640º (anteriores 685°-A e 685°-B) do Código de Processo Civil:
a) Foi violado pela douta sentença o artigo 86º do CIVA [e o artigo 544° do CPC (actual artigo 444º do CPC)].
b) Desconsideração pela douta sentença do sistema de inventario intermitente; da nota 21 do anexo ao Balanço; da recusa de colaboração da impugnante com a administração tributária; da constatação de impossibilidade física (e temporal) de verificação da falta das existências em virtude de nas antigas instalações da impugnante se encontrarem a laborar, à data da inspecção duas outras sociedades; do combate da argumentação da testemunha administrador de insolvência já em sede de relatório de inspecção (uma vez que os argumentos desta testemunha já antes tinham sido invocados pelo técnico de contas); da entrega dos elementos de contabilidade ao administrador de insolvência, que fez deles tábua rasa; a total desconsideração pelo administrador de insolvência dos documentos contabilísticos; a desconsideração dos seguros de mercadorias; a desconsideração de constarem nas existências "produtos acabados" e em fase de acabamento ; desconsideração pela douta sentença de que a impugnante trabalhava por encomenda; desconsideração do facto da impugnante a partir do final de Julho/2009 deixar de ter produção têxtil e trabalhadores ao seu serviço.
e) Está em causa no presente recurso a anulação das "liquidações de IVA com o nº 13006…. e nº 13006….".
d) Conforme referido pela douta sentença, "como se verifica do relatório de inspecção, esta liquidação resulta da aplicação do artigo 86º do CIVA".
e) Ao contrário do pretendido na douta sentença, na fundamentação de facto da liquidação adicional de IVA em apreço, a inspecção tributária não se bastou com o confronto entre os "movimentos nas contas de existências do ano de 2009 ... que ... reflectem um stock de fios e tecidos acabados e em vias de fabrico do montante de 7.330.145,52€'', e os "autos de arrolamento dos bens sob a forma de arrolamento e apreensão, efectuado pelo administrador da insolvência em Abril e Maio de 2009" e o "Plano de Insolvência apresentado pelo administrador", nos quais já não consta qualquer verba relativa a existências.
t) Assim, o relatório de inspecção evidencia como é feito o controlo e a valorização das existências pela impugnante e sua congruência, nunca tendo o referido controlo, da autoria da impugnante, nunca tendo sido por ela colocado em causa.
g) Evidencia o relatório de inspecção a recusa de colaboração da impugnante com a administração tributária, mais uma vez forçando ou reforçando a aplicação do artigo 86° do CIVA à situação em apreço. Facto que a douta sentença desvaloriza ou destrói referindo que "o mesmo não pode proceder porque em face da venda realizada em finais de 2010, mesmo admitindo que a mesma é simulada, não existia razões para à data da inspecção, não a entregar. Isto é, é irrelevante para a tese da FP a falta de entrega pela impugnante da descrição das existências que, de qualquer forma, na tese da impugnante já não pertenciam naquela altura à empresa, em face da venda verificada em 201 O".
h) Ou seja, devendo embora a impugnante colaborar com a AT nos termos dos artigos 63/1 alíneas a), b) e c) da LGT, artigos 9°, 10°, 28º, 29º do RCPIT, 88º alínea b) da LGT, sob pena de tal recusa, nomeadamente, "constituir fundamento de aplicação de métodos indirectos de tributação" [cfr. artigo l Oº do RCPIT e 88º alínea b) da LGT], o tribunal "a quo" desvaloriza a falta ou recusa de colaboração com o facto das existências já não pertencerem "naquela altura à empresa, em face da venda verificada em 2010", o que se revelará uma incoerência, também porque as inspecções raramente ou nunca são contemporâneas dos negócios levados a cabo pelos sujeitos passivos, sendo precisamente os negócios o objecto de análise e enquadramento contabilístico e fiscal a ser levado pela inspecção tributária.
i) É comprovado no relatório de inspecção que, ao contrário da não verificação pela AT da "falta dos bens à data do arrolamento'', a inspecção se deparou com o facto consumado de nas instalações da impugnante se encontrarem a laborar outras 2 empresas, verificando-se, além de uma impossibilidade temporal, também uma impossibilidade física.
j) É, pois, também evidenciado no relatório de inspecção tributária que "a partir de Ago.09 inclusive a B…, SA, deixou ... de ter produção têxtil e em 2010 celebrou contratos de cedência de exploração do equipamento às firmas S. A. - Comércio e Representações Lda. e à T… - Têxteis, Lda. com as quais mantém relações especiais'', mais sendo documentado no relatório de inspecção a alienação da quase totalidade do património da impugnante durante os anos 2009 e 201O, à excepção de alguns veículos. Sendo que, todas estas empresas gravitam à volta de R…….., senhor absoluto, impossibilitando a verificação da falta dos bens, não à data do arrolamento, porque temporalmente impossível , mas à data do procedimento de inspecção, uma vez que as instalações estão ocupadas por outras sociedades que não a impugnante, embora todas pertencentes ao universo de R…., facto que, mais uma vez força ou reforça a aplicação do artigo 86° do CIVA à situação em apreço.
k) Depois, quanto ao argumento de que não foi indagado o administrador de insolvência pela inspecção tributária, juntando a impugnante aos autos uma missiva deste de igual teor ao seu depoimento, mantendo esta testemunha o que diz quer no âmbito do Inquérito nº 4/…..IDGRD, que tem por objecto o relatório de inspecção tributária em apreço, quer no processo disciplinar que corre termos contra si na "Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça", com o nº …/2014, é de referir que já antes também "o Técnico Oficial de Contas da empresa justifica a ausência no inventário de bens elaborado pelo administrador da insolvência da verba fios e tecidos, com a dificuldade de valorização dos bens em stock, face à carência de preço de mercado e ainda porque a maioria dos produtos, eram obsoletos e sem valor de comercialização".
1) Rebatendo então a inspecção tributária no sentido de "a justificação apresentada pelo Técnico Oficial de Contas não se coaduna[r] com a informação recolhida de documentos da contabilidade como sejam: A empresa expunha os seus produtos em feiras internacionais, participando nomeadamente na feira "V…. de Paris" e posteriormente consoante as encomendas iniciava a produção em todo o pleno. Assim não é aceitável o excesso de produtos não comercializados e obsoletos.
m) A B…, SA (ou STS) produz o mesmo tipo de fios e de tecidos que a firma T….. com a qual se encontra em situação de relações especiais e para quem foram transferidos os clientes e até mesmo grande parte do processo de fabrico. Consequentemente é inegável que os preços praticados pela T….. podem ser utilizados como os de mercado. Aliás ambas as empresas utilizam o mesmo sistema de facturação e as mesmas referências o que facilita valorização das existências. Aliás a T…. utilizava a marca da "B……" para comercializar os seus produtos.
n) No ano de 2009 a B...,, SA teve como principal cliente a firma T......, para quem trabalhava em regime de subcontratação, ou seja, aquela empresa entregava a matéria-prima, para ser transformada em tecido. No final a B...,, SA debitava à T...... os custos dos metros de tecido produzidos, logo era possível à mesma obter o preço de produção dos bens por ela comercializados.
o) A T...... foi também a principal cliente de produtos acabados conforme facturação emitida no ultimo dia do ano de 2009, contabilizada na conta "71…222 - Tecidos à taxa normal", evidenciada nos autos.
p) Note-se que o administrador da insolvência também aqui testemunha, embora detentor e responsável pelos elementos da contabilidade conforme decisão do tribunal judicial de Seia onde correu o processo de insolvência, fez tábua rasa dos mesmos, não dando qualquer importância aos valores relevados na contabilidade como existências, ora em causa.
q) Assim, desconsiderou o administrador de insolvência na totalidade "os elementos disponibilizados" mais tarde à inspecção tributária, "como sejam o anexo aos Balanços e o parecer dos Revisores Oficiais de Contas, [os quais, conjugados] com as informações prestadas pelo Técnico Oficial de Contas da empresa, conclui-se que o sistema de controlo interno das existências era razoável e a haver quebras, desperdícios e outros causas capazes de gerar sinistros elas já estavam contempladas nos valores reflectidos na contabilidade".
r) Era obrigação do administrador de insolvência fazer testes substantivos, comparar as pretensas existências de que dá conta com a contabilidade, por diversas vezes analisada, aferida e validada pelos revisores oficias de contas, pelo técnico de contas e pela gerência. Existindo uma diferença tal - reduzindo o administrador de insolvência o valor de 7.330.145,52€ a zero euros -, esta diferença de valores sempre teria de ser justificada, uma vez que no balancete constam aqueles valores, que são aferidas, como referido, pelos revisores oficias de contas, pelo técnico de contas e pela gerência.
s) Desconsiderou o administrador de insolvência e a douta sentença que "a empresa durante a sua actividade sempre deteve valores elevados de stocks, tal como evidenciado nos autos, onde se revela o historial das existências reflectidas na contabilidade (desde o ano 2002 até ao de 2009), daí a ter necessidade dum controlo interno razoável.
t) Desconsiderou a testemunha administrador de insolvência que "a empresa possuía seguros de mercadorias (apólice nº 81…. na Açoreana) o qual era accionado em caso de sinistros extraordinários".
u) Desconsiderou a testemunha administrador de insolvência que das existências faziam parte não só matérias-primas, mas também "produtos acabados nos nossos armazéns" e "produtos e trabalhos em curso", ou seja, uns prontos para venda e outros em fase de acabamento, tudo no ano 2013, figurando afinal como "morros". A haver "monos", tal apenas se poderia verificar em relação às matérias-primas.
v) Desconsiderou a testemunha administrador de insolvência que "a empresa expunha os seus produtos em feiras internacionais, participando nomeadamente na feira «V… de Paris» e posteriormente consoante as encomendas iniciava a produção em todo o pleno", ou seja, que trabalhava por encomenda "após exposição dos seus produtos em feiras de moda", não sendo aceitável o excesso de produtos não comercializados e obsoletos.
w) Note-se, finalmente, que "a continuidade da empresa, passou pela mudança da actividade de «I. t… e t… de fio tipo l…. penteada», enquadrada no CAE 13.2…, para a de cessão do equipamento a empresas relacionadas. Ainda no tocante à actividade exercida até Jul.09 inclusive, especifica-se que a mesma consistia na fiação, tinturaria e tecelagem de tecidos de lã e outros para vestuário exterior de homem e senhora e para fardamentos, para clientes tradicionalmente europeus, sendo que no ano de 2009, laborou essencialmente em regime de subcontratação para a T......".
x) "A partir de Ago.09 inclusive a B...,, SA, deixou portanto de ter produção têxtil e em 2010 celebrou contratos de cedência de exploração do equipamento às firmas S… - Comércio e Representações Lda. e à T…. - Têxteis, Lda. com as quais mantém relações especiais".
y) "O pessoal ao serviço da B...,, SA até Jul.09 inclusive era em média de 80 funcionários, a partir daí passaram a ser apenas 4 guardas impostos pelo Tribunal e em Dez.09 não tinha pessoal no seu quadro. Já no ano de 2010 até ao final do 1º semestre, o único pessoal ao serviço da empresa eram os administradores R….. e M ...".
z) As existências desapareceram sem deixar rasto, ludibriando a testemunha, administrador de insolvência, os credores da insolvência primeiro, ao omitir as existências nos autos de arrolamento dos bens (sob a forma de arrolamento e apreensão) e no Plano de Insolvência, e depois a administração tributária, ao classificar existências no valor de 7.330.145,52€ - nas quais se incluem produtos acabados e em fase de acabamento - como "monos". Dissipação de património que viria a ser premiada na sua plenitude.
aa) Veja-se que o tribunal "a quo" evidencia que "aquela mesma verba [existências] registava um valor líquido de 2.991.009,62 euros no balanço em 31/1212009, relativo ao exercício de 2009, mas daí não retira quaisquer consequências.
bb) Por outro lado, nomeadamente em relação aos documentos contabilísticos - como sejam o balanço, o anexo aos Balanços, o parecer dos Revisores Oficiais de Contas, as informações prestadas pelo Técnico Oficial de Contas da empresa -, e aos seguros de mercadorias, a impugnante ora recorrida não impugna a genuinidade ou sequer invoca a falsidade de qualquer documento, aliás da sua autoria, sendo que, há muito, querendo fazê-lo, que o devia ter feito, desde logo nos termos e prazos do artigo 544º do CPC (actuais artigos 444º e 446º do CPC) ex vi artigo 2° do CPPT, nunca o tendo feito.
cc) Deverá, pois, ser revogada a douta sentença.
dd) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos e da douta sentença, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda, sendo de evidenciar os elencados na alínea das presentes conclusões.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir,
deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes Conclusões:
«1ª
O Recurso interposto pela FP contra a decisão que anulou as liquidações de IVA nº 13006… relativa ao período de 09/12 no valor de 1403 029,10 € e a nº 13006… respeitante a juros compensatórios no valor de 164 365,82 € não deve obter provimento.
2.ª
E não deve obter provimento o Recurso porque a Sentença recorrida não merece reparo.
3.ª
E não merece reparo a Sentença recorrida porque a decisão proferida se encontra solidamente fundamentada pelo Tribunal "a quo".
4.ª
Na verdade, a Sentença refere muito claramente que a AT tinha o ónus de provar os factos em que se baseou para acionar a presunção prevista no artigo 86º do Código do IVA, o que não conseguiu.
5.ª
Com efeito, ficou plenamente demonstrado e provado em audiência de julgamento que à data em que a AT presumiu a venda de existências por parte da Impugnante/Recorrida, tais existências encontravam-se nas suas instalações industriais.
6.ª
Perante estes factos, forçoso é concluir que a presunção em que as liquidações de basearam foi errada e ilegalmente acionada.
7.ª
E essa decisão da AT feriu os atos tributários de liquidação dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de erro sobre os pressupostos de direito,
8.ª
Porque a AT considerou como existente um facto que, na realidade, não aconteceu (venda de existências) e interpretou e aplicou erradamente a norma jurídica prevista no artigo 86º do CIVA.
Ora, estes vícios teriam que conduzir, indubitavelmente, como o Tribunal "a quo" veio a decidir, à anulabilidade dos atos tributários de liquidação.

Nestes termos, deve a Sentença Recorrida ser mantida relativamente às liquidações de IVA n2 13006…. relativa ao período de 09/12 no valor de 1 403 029,10 € e n2 13006… respeitante a juros compensatórios no valor de 164 365,82 € e, consequência, ser negado provimento ao Recurso da FP.

A Recorrente impugnante, “STS – S.T. de Seia, S.A.” apresentou alegações que conclui assim:
1.ª
«Estão em causa as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 09/07,10/12, 11/03 e 11/09 assim como as liquidações de juros compensatórios que lhes estão associadas.
2.ª
Relativamente às liquidações dos períodos 09/07, 11/03 e de parte da do período 10/12, entendeu o Tribunal "a quo" que, mesmo tratando-se de liquidações baseadas em correções da AT relacionadas com perdão de dívidas à Recorrente num processo em que foi objeto de Insolvência, deveria a Recorrente ter procedido à regularização a favor do Estado,nos termos do artigo 78º, 11do CIVA, do IVA correspondente.
3.ª
Mas, com muito respeito pela decisão tomada, entende a Recorrente que o nº 11º do artigo 78º do CIVA apenas pretende abranger as situações em que os credores veem os seus créditos tornar-se incobráveis contra a sua vontade e nunca em resultado de um perdão de dívidas.
4.ª

O valor de 10 611,98 € que é parte da liquidação respeitante ao período de 10/12, respeita a uma correção à dedução de IVA operada pela Recorrente relativamente a gastos de energia no valor de 246 508,56 € na sua atividade de prestação de serviços como cedente de exploração de estabelecimentos comerciais.
5.ª
Entendeu a AT que para o exercício daquela atividade não eram indispensáveis tais gastos.
Mas, entende a Recorrente que foi feito prova testemunhal suficiente em como tais gastos foram suportados pela Recorrente.
7.ª
Foi mantida também a liquidação do período 11/09 no valor de 62 855,92 €, relativamente à qual a Recorrente continua a entender que, para regularizar a seu favor o IVA de um crédito de um cliente insolvente, nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, não é necessário reclamar tal crédito.
8.ª
De facto,afigura-se à recorrente que basta que o Administrador de Insolvência o faça constar na sua lista de credores reconhecidos por resultarem de direitos expressos na contabilidade, nos termos do artigo 129º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excelências não deixarão de suprir, deve ser dado provimento ao presente Recurso e revogar-se a Sentença recorrida na parte em que não deu razão à Recorrente e em consequência anular-se as liquidações de IVA números 13006…, 13006…, 13006…, 13006…, 13006…, 13006…, 13006… e 13006….

Juntou aos autos com as alegações do recurso 3 docs.

Contra-alegações neste, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência de ambos os recursos.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se, para esse efeito, os autos à conferência.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos Recorrentes (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa decidir: Recurso da Fazenda Pública: A questão central do recurso da Fazenda Pública reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não estarem verificados os pressupostos de que depende a presumida transmissão de existências, prevista no art.º86.º do CIVA, sobre que foi liquidado imposto. Recurso da impugnante: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar as correcções do IVA deduzido pela impugnante com gastos de energia; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar as correcções à dedutibilidade do IVA respeitante a créditos incobráveis; (iii) se incorreu em erro de julgamento ao validar as correcções de imposto em falta por falta de rectificação declarativa a favor do Estado da anulação do IVA contido em dívidas perdoadas por fornecedores à Recorrente, sem olvidar pronúncia sobre a requerida junção de documentos com as alegações.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

1) A sociedade impugnante foi alvo de acção inspectiva de âmbito geral, aos anos 2009 e 2010, e de âmbito parcial, em IRC e IVA, ao ano 2011, e no ano de 2012, de âmbito parcial, em IVA (cfr. ponto II.2 – Motivo, âmbito e incidência do relatório de inspecção, de fls. 6 e ss. do PAT, em concreto a fls. 10 do PAT);
2) A 11/01/2013 foi elaborada o relatório final da inspecção tributária, onde além do mais se lê (cfr. relatório de inspecção, de fls. 6 a 58, em concreto 8 e 9, fls. 40 e ss. do PAT):

("texto integral no original; imagem")

(…)

("texto integral no original; imagem")

3) No âmbito da acção de inspecção a que se refere o artigo anterior foi elaborado

“Processo de evidenciação de trabalho”, onde se lê:

("texto integral no original; imagem")

4) A 24/01/2013 foi proferido despacho, pelo chefe de divisão da inspecção tributária, em substituição, onde se lê: “Concordo. Sanciono o presente relatório, bem como as correcções constantes do mesmo e sumariadas em I.1. Notifique-se o sujeito passivo nos termos do artigo 62.º do RCPIT. Dê sequência aos documentos de correcções e auto de notícia” (cfr. despacho de fls. 4 do PAT).
5) Relativamente ao exercício de 2009, por referência a 31/12/2009, encontravam-se registadas na contabilidade da impugnante, quanto a existências, o seguinte (cfr. Balanço, de fls. 479 e ss. do PAT):

("texto integral no original; imagem")

6) Foi elaborado auto de arrolamento e apreensão de bens, nos termos do artigo 150.º e 153.º do CIRE, onde se lê que a 13/05/2009 o administrador de Insolvência A…. e C…. se deslocaram à sede da impugnante (cfr. arrolamento de fls. 609 e ss, e arrolamento complementar de fls. 582 e ss., ambos do PAT);
7) Não se encontra nenhuma verba relativa a existências no auto de arrolamento (cfr. arrolamento de fls. 609 e ss, e arrolamento complementar de fls. 582 e ss., ambos do PAT);
8) Foram emitidas reservas, no âmbito da certificação legal de contas dos exercícios de 2008 e 2009, relativamente aos ajustamentos contabilizados referentes a existências, tendo a sociedade de ROCs referido no documento de certidão legal de contas: “por não ter sido possível quantificar o valor de mercado das existências, pelo que não podemos formar opinião acerca das existências globais, da variação da produção e do custo das matérias consumidas” (cfr. documento de fls. 522 e ss. e 613 ess., ambos do PAT)
9) A 30/12/2010 foi emitida pela impugnante a factura n.º3.2… sobre a T…, S.A., no valor de 300.000,00 euros, com a descrição “venda de todo o stock de produtos acabados e de matérias primas, 300 toneladas x 1€” (cfr. documento de fls. 626 do PAT);
10) Com data de 07/01/2010 foi reduzido a escrito contrato entre a impugnante e S….. Comércio e Representações, Lda., onde a primeira declarou ceder à segunda a exploração do estabelecimento comercial da primeira, incluindo a cedência de instalações, equipamentos, máquinas, mobiliários, utensílios e todos os demais elementos que o compõem e constam da relação que faz parte do anexo I (cfr. documento de fls. 649 do PAT);

11) Do contrato a que se refere a alínea anterior, consta como cláusula sétima “Constituem obrigações da segunda outorgante (…) todas as despesas como electricidade, água, telefone, seguros, impostos, taxas e todos os demais encargos daquele” (cfr. documento de fls. 649 do PAT);
12) Com data de 02/06/2010 foi reduzido a escrito contrato entre a impugnante e T…. – Têxteis, Lda. onde a primeira declarou ceder à segunda a exploração do estabelecimento comercial da primeira, incluindo a cedência de instalações, equipamentos, máquinas, mobiliários, utensílios e todos os demais elementos que o compõem e constam da relação que faz parte do anexo I (cfr. documento de fls. 649 do PAT);
13) Do contrato a que se refere a alínea anterior, consta como cláusula sétima “Constituem obrigações da segunda outorgante (…) todas as despesas como electricidade, água, telefone, seguros, impostos, taxas e todos os demais encargos daquele (cfr. documento de fls. 649 do PAT);
14) À data do arrolamento existiam diversos quilos de fios e tecidos espalhados pelo edifício da sociedade (depoimento da primeira testemunha, administrador de insolvência, produzido no processo 42.../13-A e depoimento da segunda testemunha);
15) Os tecidos e fios não foram apreendidos (depoimento da primeira testemunha, administrador de insolvência, produzido no processo 42…/13-A);
16) Os fios e tecidos existentes correspondiam a diferentes produtos (depoimento da primeira testemunha, administrador de insolvência, produzido no processo 42…/13-A);

17) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa ao período 09…, no valor a pagar de 45.008,83 euros (cfr documento de fls. 156 dos autos, numeração do sitaf);
18) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa ao período 09…, no valor a pagar de 1.403.029,10 euros (cfr documento de fls. 157 dos autos, numeração do sitaf);

19) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa ao período 10…, no valor a pagar de 49.199,33 euros (cfr documento de fls. 158 dos autos, numeração do sitaf);
20) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa ao período 11…, no valor a pagar de 15.750,37 euros (cfr documento de fls. 159 dos autos, numeração do sitaf);
21) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa ao período 11…, no valor a pagar de 62.855,92 euros (cfr documento de fls. 160 dos autos, numeração do sitaf);
22) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa a juros compensatórios do período 09…, no valor a pagar de 6.027,48 euros (cfr documento de fls. 161 dos autos, numeração do sitaf);
23) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa a juros compensatórios do período 09…, no valor a pagar de 164.365,82 euros (cfr documento de fls. 162 dos autos, numeração do sitaf);
24) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa a juros compensatórios do período 10…, no valor a pagar de 3.795,76 euros (cfr documento de fls. 163 dos autos, numeração do sitaf);
25) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa a juros compensatórios do período 11…, no valor a pagar de 1.061,53 euros (cfr documento de fls. 164 dos autos, numeração do sitaf);
26) A 26/02/2013 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º13006…, relativa a juros compensatórios do período 11…, no valor a pagar de 2.968,87 euros (cfr documento de fls. 165 dos autos, numeração do sitaf);

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.


Os factos provados assentam do depoimento das testemunhas, nomeadamente no depoimento da primeira testemunha.

A FP tentou desacreditar a primeira testemunha, tentando demonstrar que a obrigação do administrador de insolvência no processo de insolvência era a de arrolar o que quer que existisse, mas apesar da possibilidade de terem sido infringidas normas do CIRE, o que é irrelevante nos presentes autos, certo é que o administrador de insolvência afirmou de forma categórica e credível, a existência de fios e tecidos, em grande quantidade, nas instalações da impugnante à data de produção do auto de arrolamento.
Ainda que do depoimento da primeira e segundas testemunha não seja possível concluir a quantidade de fio e tecidos que existiria, é possível concluir que alguma quantidade destes produtos contabilizados como existências encontrava-se afinal nas instalações da sociedade».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Ø Recurso da Fazenda Pública

A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva nomeadamente abrangendo o ano de 2009, de que resultaram, entre outras, correcções em sede de IVA, tendo a AT liquidado imposto devido pela transmissão presumida de existências, nos termos do art.º86.º do CIVA.

A sentença não validou esta correcção da AT, tendo ponderado o seguinte:
«Começamos por analisar a liquidação n.º13006…, relativa a Dezembro de 2009.
Como se verifica do relatório de inspecção, esta liquidação resulta da aplicação do artigo 86.º do CIVA em face da inexistência da verba “existências” no auto de arrolamento levado a cabo pelo administrador de insolvência, sendo que aquela mesma verba registava um valor líquido de 2.991.009,62 euros no balanço de 31/12/2009, relativo ao exercício de 2009.
Presumiu assim a FP a venda de tais existências, por concluir que não havendo menção às mesmas no auto de arrolamento se concluía que na data do arrolamento nada se encontrou quanto aqueles factores de produção.
Aqui chegados importa dizer que a FP defende impor-se a prova da não ocorrência da venda, ou a prova da permanência nos armazéns das existências em causa, à data do arrolamento, mas este entendimento tem de falecer pelo simples facto de a AT não ter verificado, por si, que os bens em causa não se encontravam nas instalações da impugnante, concluindo tal de um documentos elaborado por outrem, e sem se destinar sequer à AT.
Na verdade, no caso dos autos, a AT presumiu que os bens não estariam nas instalações do impugnante, por não constarem do arrolamento, mas não cuidou de verificar se tal correspondia à verdade, nomeadamente pela simples indagação de tal facto junto de quem produziu o arrolamento em causa, o administrador de insolvência, que inquirido negou a conclusão que a AT inferiu do documento por si produzido.
Assim, o caso dos autos não se confunde com os casos em que é a própria AT a verificar a inexistência de bens ou produtos nas instalações dos sujeitos passivos, sendo que só nesse caso, nos termos do artigo 86.º do CIVA terá o impugnante de provar que, afinal, os mesmos não foram vendidos.
De tudo o que vai dito se tem de concluir que procede a presente impugnação, na parte que ora analisamos, o que aliás decorre do próprio argumentário da FP e da inspecção.
É que se as conclusões tiveram por base a falta das existências nos armazéns da impugnante, sendo certo que o administrador de insolvência veio confirmar nos autos que de facto se encontravam naquelas instalações existências, que apenas não arrolou por considerar que as mesmas não tinham valor comercial, não pode a AT pretender manter o acto como válido, ainda que a AT discorde dos fundamentos subjectivos que levaram àquela prática, resultando de tudo o que vai dito que ocorreu erro nos pressupostos de facto.
Mais se diga, que tal como defende a impugnante, o Tribunal considera que se impunha sobre a inspecção tributária a indagação junto do administrador de insolvência o que atrás já referimos, isto é, se estavam ou não nas instalações da impugnante, à data a que se refere o arrolamento, as existência em causa, porque sobre a AT impende o princípio do inquisitório, e muito particularmente em face dos valores liquidados.
Em suma nos autos provou-se que se encontravam fios e tecido nas instalações da impugnante, à data do arrolamento, pelo que baseando-se a tese da FP na inexistência de tais existências, àquela data, e resultando provado o inverso nos autos não pode manter-se a liquidação na parte em que a AT lançou mão do artigo 86.º do IVA, sem esquecer que é sobre a FP que se encontrava o ónus da prova, nos termos já explicitados, por não ter sido verificado pela própria AT a falta dos bens à data do arrolamento.
Em suma não é aplicável ao caso dos autos o artigo 86.º do CIVA.
Mais se diga quanto ao argumento relativo à falta de entrega à FP, aquando da inspecção, da descrição daquelas matérias-primas e produtos acabados à data do arrolamento, em 2009, o mesmo não pode proceder porque em face da venda realizada em finais de 2010, mesmo admitindo que a mesma é simulada, não existia razões para, à data da inspecção, não a entregar. Isto é, é irrelevante para a tese da FP a falta de entrega pela impugnante da descrição das existências que, de qualquer forma, na tese da impugnante já não pertenciam naquela altura à empresa, em face da venda verificada em 2010.
Procede assim nesta parte a presente e impugnação e anula-se a liquidação».

Concordamos com este modo de ver.

Sob a epígrafe “Presunção de aquisição e de transmissão de bens”, dispõe o art.º86.º do CIVA em que, de direito, se baseou a correcção da AT:

«Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».

Como se sabe, entre os actos de inspecção compreendidos na actividade fiscalizadora da AT, inclui-se “proceder à inventariação física e avaliação de quaisquer bens ou imóveis relacionados com a actividade dos contribuintes, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e a realização de amostragens destinadas à documentação das acções de inspecção” – art.º29.º, n.º1 alínea b), do RCPIT.

Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º86.º do CIVA, ao que agora importa, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.

Essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores constantes dos registos contabilísticos e extra- contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos revelados pela contabilidade.

Como se sabe, as empresas por vezes manipulam os registos contabilísticos, deles fazendo constar existências que já não constam do inventário físico, por referência a determinado período, porque venderam a mercadoria sem a declarar ao Fisco, assim empolando o inventário e subtraindo-se à tributação sobre o proveito das vendas não declaradas.

Vem isto a propósito para dizer que nem sempre serão fidedignos os movimentos reflectidos nas contas de existências (elementos da contabilidade).

Assim, a relatada circunstância de nos autos de arrolamento elaborados pelo Sr. Administrador da Insolvência em meados do ano de 2009 não constar nenhuma verba a título de existências, não permite que a AT conclua por presunção que as mesmas tenham sido alienadas no referido exercício, visto o processo produtivo ter terminado em 31/07/2009 e os movimentos nas contas de existências apresentar um saldo reportado ao ano de 7.330.145,52 Euros.

É que se os registos contabilísticos não reflectem a realidade tributária do contribuinte, a AT pode lançar mão de correcções meramente aritméticas ou recorrer à avaliação indirecta, nomeadamente a presunções, se tais correcções não puderem basear-se na contabilidade (art.º83.º, n.º2 e 85.º, n.º1, da LGT).

Mas efectua tais correcções observando o ónus probatório (art.º74.º, n.º1 da LGT) que a lei lhe impõe na recolha de indícios fundados de falta de verdade do declarado e contabilizado pelo contribuinte, que não, nos termos do art.º86.º do CIVA, por presuntiva transmissão dos bens reflectidos na contabilidade e ausentes do auto de arrolamento efectuado pelo Sr. Administrador da Insolvência.

A AT incorreu, pois, em erro nos pressupostos ao subsumir no art.º86.º do CIVA a situação em causa, em que não procedeu à contagem física das existências e se deparou com falhas relativamente aos registos contabilísticos, antes se baseou no confronto desses registos contabilísticos com o auto de arrolamento elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência, que reflecte realidade diversa.

Concluímos, pois, que a sentença não merece qualquer censura, devendo ser confirmada e negado provimento ao recurso da Fazenda Pública.

Ø Recurso da impugnante, “STS – S.T. de Seia, S.A.

Com as alegações do recurso, a Recorrente juntou aos autos 3 docs., relativos ao plano de insolvência da B..., – Lanifícios, S.A., a sua anterior denominação.

Como diz, destinam-se os mesmos a fazer prova de que as correcções por falta de regularizações a favor do Estado se referem a dívidas perdoadas de fornecedores. E como admite, só não juntou esses documentos com a P.I. por aquela natureza das dívidas já constar do RIT, como se alcança do probatório da sentença na parte em que o transcreve (pág.4, último parágrafo).

Cumpre, pois, apreciar da oportunidade da junção desse documento (cfr. art. 543.º do CPC, actual art. 443.º do CPC).

Como se sabe e resulta do n.º 3 do art. 108.º do CPPT e 523.º n.º 1 do CPC, actual art. 423.º do CPC, é com a p.i. (ou com o articulado respectivo em que se aleguem os factos correspondentes) que deve ser junta toda a prova que for possível, mas poderá ser feita, posteriormente, a junção de documentos até ao encerramento da discussão da causa na instância (cfr. n.º 2 do art. 523.º do CPC).

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento e os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tomado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (cfr. art. 524.º n.ºs 1 e 2 do CPC, actual art. 425.º do CPC).

Vd., entre outros, o Acórdão do STA, de 27/05/2015, exarado no proc.º0570/14.

Ora, salta à evidência que a junção desse documento é legalmente inadmissível em fase de recurso, pois nem se refere a factos de conhecimento superveniente, objectivo ou subjectivo, nem a qualquer evento imprevisível ocorrido no âmbito do processo e com o qual o Recorrente não podia razoavelmente contar.

Assim, não se admite a requerida junção de documentos por legalmente inadmissível.


Vem a Recorrente insurgir-se contra o decidido na sentença recorrida quanto à correcção relativa aos custos de energia e às correcções efectuadas ao abrigo do disposto no art.º78.º, n.ºs 7 e 11 do CIVA.

Relativamente à componente de 10.611,98 Euros, respeitante ao período de 10/12, teve a mesma origem em correcção ao lucro tributável do ano de 2010 no valor de 246.508,56 Euros que a AT considerou dispensável na actividade da Recorrente e que dizia respeito a gastos de energia, sendo aquele primeiro valor correspondente ao IVA deduzido.

Entendeu a AT que pelo facto de a Recorrente ter cedido a exploração dos seus estabelecimentos comerciais deixou de exercer actividades empresariais para as quais se justificasse o gasto de energia.

Na óptica da Recorrente, a sentença validou a correcção da AT, mas mal, pois entende que fez prova testemunhal suficiente de que no âmbito dos contratos de exploração de estabelecimentos comerciais foi a Recorrente que, como cedente, suportou tais encargos.

De acordo com o disposto no art.º640º nº1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, a Recorrente não cumpre o ónus que a lei processual lhe impõe naquela alínea b), do n.º1 do art.º640.º do CPC, indicando “os concretos meios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Como assim, rejeita-se o recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto.

E avançando com o que consta do probatório, a matéria vertida nos pontos j) Com data de 07/01/2010 foi reduzido a escrito contrato entre a impugnante e S… Comércio e Representações, Lda., onde a primeira declarou ceder à segunda a exploração do estabelecimento comercial da primeira, incluindo a cedência de instalações, equipamentos, máquinas, mobiliários, utensílios e todos os demais elementos que o compõem e constam da relação que faz parte do anexo I (cfr. documento de fls. 649 do PAT); k) Do contrato a que se refere a alínea anterior, consta como cláusula sétima “Constituem obrigações da segunda outorgante (…) todas as despesas como electricidade, água, telefone, seguros, impostos, taxas e todos os demais encargos daquele” (cfr. documento de fls. 649 do PAT); l) Com data de 02/06/2010 foi reduzido a escrito contrato entre a impugnante e T…. – Têxteis, Lda. onde a primeira declarou ceder à segunda a exploração do estabelecimento comercial da primeira, incluindo a cedência de instalações, equipamentos, máquinas, mobiliários, utensílios e todos os demais elementos que o compõem e constam da relação que faz parte do anexo I (cfr. documento de fls. 649 do PAT); e m) Do contrato a que se refere a alínea anterior, consta como cláusula sétima “Constituem obrigações da segunda outorgante (…) todas as despesas como electricidade, água, telefone, seguros, impostos, taxas e todos os demais encargos daquele (cfr. documento de fls. 649 do PAT), não suporta a pretensão da Recorrente quanto à dedutibilidade, em sede de IVA, dos custos com energia incorridos.

Na verdade, dispõe o n.º1 do art.º20.º do CIVA: «Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e deles não isentas;
b) (…)».

Tendo a impugnante cedido a exploração das suas instalações a terceiros, deveriam ser estes a inscrever como custos as despesas de energia e não a impugnante, já que estes não se revelam afectos a operações económicas de transmissão de bens ou prestações de serviços.

Recorde-se que, tal como a sentença fez constar do probatório nos contratos de cessão de exploração estava acordado que as despesas com energia seriam da responsabilidade das empresas cessionárias.

Nessa medida, à Recorrente não bastava fazer prova de ter suportado esses custos com os consumos de energia, mas, antes, de que os tinha afectado à realização de efectivas operações tributáveis por si praticadas, como decorre do disposto no art.º20.º, do CIVA, prova que manifestamente não fez.

Improcede este segmento do recurso.

Prossegue a Recorrente, imputando à sentença erro de julgamento ao ter validado as correcções efectuadas pela AT ao abrigo do disposto no art.º78.º n.º7 do CIVA – Dedução do IVA de créditos incobráveis.

Em causa estão correcções à dedutibilidade do IVA, levadas a cabo pelo sujeito passivo, ora Recorrente, no valor de 62.855,92 Euros, respeitante a créditos que considerou incobráveis de clientes declarados insolventes, entendimento com o qual a AT discorda, com fundamento no incumprimento dos requisitos formais de que o art.º78.º n.º7 do CIVA faz depender a regularização.

Como estabelece aquele n.º7 do art.º78.º do CIVA, os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos incobráveis nas situações previstas nas suas alíneas a) a c), nomeadamente, “em processo de insolvência quando a mesma seja decretada”.

Por outro lado, estatui o n.º11 do mesmo art.º78.º do CIVA que «No caso previsto no n.º7 e na alínea d) do n.º8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada».

Refere a sentença recorrida que a impugnante não alega ter cumprido as formalidades previstas no art.º78.º do CIVA, mais reconhecendo não ter reclamado os seus créditos nos processos de insolvência dos clientes relativamente aos quais procedeu a regularizações do imposto contido nos créditos considerados incobráveis, o que, aliás, reitera na Conclusão 7.ª do recurso.

Ora, tal como consta do Relatório de Inspecção Tributária que integra fls.52 do apenso instrutor, relativamente à regularização do IVA contido em créditos incobráveis, o sujeito passivo, ora Recorrente (fornecedor dos bens e serviços), ou não apresentara certidão do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor e reconheceu o crédito do fornecedor, ou não apresentara prova suficiente da efectiva comunicação ao sujeito passivo adquirente do bem ou serviço da intenção de proceder à regularização do IVA por via da respectiva “anulação”.

E tendo sido esses os fundamentos das correcções em causa, nada tendo sido alegado nem provado nos autos que infirme os pressupostos das correcções, mostra-se indevida a dedução do imposto efectuada a favor do sujeito passivo, ora Recorrente.

Já no que respeita às dívidas perdoadas por fornecedores (A… & P…., Lda.; T......, S.A. e J. Gomes, Lda. – cf. RIT, fls.54 do apenso instrutor), no âmbito do próprio processo de Insolvência da Recorrente, os mesmos procederam a regularizações a seu favor do IVA contido nos créditos perdoados e comunicaram esse facto à Recorrente, pelo que estava esta obrigada à rectificação simétrica, a favor do Estado, da dedução inicialmente efectuada, nos termos previstos no citado n.º11 do art.º78.º do CIVA.

O facto de se tratar do IVA contido em dívidas perdoadas não desvirtua o mecanismo legal das regularizações. No fundo, o fornecedor anula o imposto já liquidado ao cliente (no caso, a Recorrente) e entregue ao Estado, ficando o adquirente que o suportou e deduziu obrigado a regularizar o imposto a favor do Estado (art.º19.º do CIVA).

Se apesar de ter tomado conhecimento de que os seus fornecedores tinham efectuado regularizações de IVA, na sequência do seu próprio processo de Insolvência (e que portanto as dívidas perdoadas eram líquidas do imposto, como não podia deixar de ser), a Recorrente não estivesse obrigada às rectificações simétricas a favor do Estado, como está bem de ver, este perdia o montante correspondente ao imposto anulado pelo fornecedor dos bens e serviços e já deduzido pelo adquirente desses bens.

A sentença recorrida não enferma, pois, dos vícios que lhe são apontados, tendo decidido no alinhamento da jurisprudência do STA, que cita (Acórdão de 25/06/2015, tirado no proc.º0288/14) e que aqui se acolhe, merecendo ser inteiramente confirmada, assim se negando provimento ao recuso da impugnante.

5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento a ambos os recursos.

Condena-se os Recorrentes em custas.

Lisboa, 27 de Setembro de 2018


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Vital Lopes



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Benjamim Barbosa



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Anabela Russo