Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:87/21.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:08/11/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:VENDA EXECUTIVA.
PRAZO PARA REALIZAR O DEPÓSITO DO PREÇO.
Sumário:No prazo de 15 dias, a contar da data do apuramento do resultado do leilão, cabe ao proponente vencedor realizar o depósito do preço, requerendo ao órgão competente a emissão das guias respectivas. Em caso de inobservância do prazo de depósito do preço, por parte do proponente, a Administração pode determinar que a venda fique sem efeito e que seja repetido o procedimento de venda.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

M...... deduziu reclamação, no âmbito do PEF n.º ...... e apensos, tramitados pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças, datado de 16-12-2020, que, na venda judicial n.º ...... e na sequência da ausência do depósito do preço da venda, no prazo legalmente previsto, determinou: // i) a anulação da venda, realizada por leilão eletrónico, no qual o Reclamante procedeu à oferta de maior valor para aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...... - fração J da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sito na Rua………….., nº………, ……….. Montijo; // ii) a marcação de nova venda; e ainda, // iii) que o Reclamante ficasse inibido de apresentar qualquer proposta em venda em execução fiscal pelo período de dois anos.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 273 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 2021.06.16, julgou parcialmente procedente a Reclamação apresentada, julgando válida e homologando a desistência do pedido efetuada pelo Reclamante, no que respeita à aplicação da sanção prevista no artigo 256.º/4, do CPPT e, quanto ao mais, determinado a anulação do despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, de 16-12-2020 e determinando a emissão de novas guias de depósito do preço adjudicado, e dos impostos devidos, para que o Reclamante proceda ao respetivo pagamento no prazo de 15 dias a contar da sua disponibilização.

A Fazenda Pública interpôs recurso, em cujas alegações de fls. 301 e ss. (numeração do processo em SITAF), formulou as conclusões seguintes:

«I. Vem este recurso interposto da Douta Sentença que julgou parcialmente procedente a Reclamação deduzida contra Despacho da Exma. Senhora Chefe do Serviço de Finanças do Montijo que ordenou ter ficado sem efeito a venda realizada por leilão eletrónico por falta de pagamento do preço pelo adjudicatário no prazo legalmente fixado para esse efeito;

II. Foi pelo Tribunal omitida a fixação de factualidade que se considera relevante, não constando dos factos dados como provados que no dia 20.03.2020 foi pelo Órgão de Execução Fiscal emitido Edital para venda do bem, do qual ficou a constar, nomeadamente: "A totalidade do preço deverá ser depositada à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias, contados da decisão de adjudicação, mediante guia a solicitar junto do órgão de execução fiscal, sob pena das sanções previstas legalmente (256.º/e CPPT e 825.º Código de Processo Civil CPC (...)”;

III. Mais discorda a Fazenda da interpretação que foi feita pelo Tribunal a quo da factualidade que fixou como provada, divergindo-se também da aplicação do Direito que foi feita no caso;

IV. Não é possível apreender, por manifesta falta de fundamentação, a afirmação constante da Douta Sentença, segundo a qual, "de acordo com as mais elementares regras de interpretação e hermenêutica jurídicas, previstas no artigo 9.º do Código Civil, o prazo legalmente estipulado parte do pressuposto de que a guia é passada e entregue ao adjudicatário no ato de adjudicação (...)";

V. Uma interpretação literal apenas dá a conhecer que cabe a funcionário competente a emissão da guia e que o adquirente terá que depositar a totalidade do preço à ordem do órgão de execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da decisão de adjudicação. Ainda que ali esteja previsto a quem cabe emitir a guia, não resulta necessariamente a quem compete a iniciativa para essa emissão;

VI. Sendo que, pela alínea f) do mesmo dispositivo legal, em determinadas situações, feita a adjudicação, pode o adquirente, no prazo de 5 dias dos 15 concedidos para que efetue o pagamento, vir requerer o pagamento de apenas uma parte do preço dentro daqueles 15 dias. Pelo que se entende que a interpretação sistemática da lei não permite concluir o que o Tribunal concluiu - obrigatoriedade de emissão, por iniciativa própria dos serviços e no dia da adjudicação, das respetivas guias para pagamento.

VII. A alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do CPPT não faz qualquer distinção, apenas estipula que cabe a funcionário competente a emissão da guia, independentemente do valor da aquisição. E onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Ora, seguindo a linha de raciocínio que levou à decisão agora recorrida, em todas as situações, independentemente do valor, o funcionário competente, aquando da adjudicação, está obrigado à emissão da respetiva guia para pagamento - mesmo que o adquirente queira apenas proceder ao pagamento de uma parte do preço dentro dos 15 dias, apresentando requerimento nos 5 dias seguintes à adjudicação para esse efeito;

VIII. Com todo o respeito que é devido, a interpretação, quer literal, quer sistemática, e mesmo teleológica, da lei apenas permite concluir que cabe a funcionário competente a emissão da guia, cabendo, no entanto, a iniciativa dessa emissão ao adquirente, sabendo este que tem o prazo fixado de 15 dias após a adjudicação para depositar o preço, ou, em determinadas situações e face ao valor, tem 5 dias para requerer a dilação parcial de pagamento, e 15 dias para proceder ao pagamento da primeira prestação;

IX. O Tribunal a quo’ baseia a interpretação sistemática que faz no disposto no n.º 2 do art.º 824.º do CPC (venda mediante propostas em carta fechada). No entanto, na execução fiscal não está previsto o depósito de caução e a venda é preferencialmente realizada por leilão eletrónico. Existe regime próprio que regula a venda nas execuções fiscais, sendo mais correto do ponto de vista da técnica interpretativa, com o devido respeito, procurar fazer uma análise sistemática no âmbito do próprio "sistema" e não o ignorar ou menosprezá-lo em detrimento de outro, ainda que de aplicação subsidiária;

X. Não configura, ao contrário do decidido, qualquer atuação de má fé ou violação dos direitos do adquirente pelos serviços, a emissão da guia após solicitação do adjudicatário, da qual constavam os prazos para pagamento legalmente fixados - a guia poderá mesmo ser solicitada e paga no 15.º dia: cabendo a iniciativa da emissão ao adquirente, sendo este conhecedor do prazo legal concedido para esse efeito após a adjudicação, ao solicitar a emissão da guia a dois dias do termo desse prazo não desconhece que terá de proceder a esse pagamento antes do terminus do prazo legal;

XI. O prazo para pagamento inicia-se da data da adjudicação porque tal resulta da lei, independentemente do número de guias que o adjudicatário entenda solicitar por não pagar as anteriormente emitidas;

XII. O que tribunal "a quo" faz é conferir prazo ao adquirente faltoso. Interpretação que não resulta quer do teor literal, sistemático, ou outro, dos dispositivos que regulam a venda em processo de execução fiscal, tratando-se assim de uma liberalidade concedida pelo Tribunal, sem suporte legal;

XIII. É assim porque o decidido configura alargamento do prazo para pagamento não legalmente previsto, ultrapassando o(s) prazo(s) legalmente permitido(s) e constituirá um tratamento desigual face aos demais participantes no procedimento de venda por leilão eletrónico (e eventualmente mesmo daqueles que nela deixam de participar face aos prazos legais para pagamento resultantes da adjudicação e da eventual liquidez disponível naqueles prazos);

XIV. Conforme o art.º 7.º da Portaria 219/2011, de 01.06: «O resultado do leilão electrónico é disponibilizado no portal das finanças a todos os proponentes, após autenticação, nos termos referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º», mais constando do respetivo edital a obrigatoriedade de solicitar a emissão das guias para o pagamento no seguimento daquela adjudicação;

XV. A Douta Sentença omitiu factualidade relevante à decisão da causa e fez errada interpretação daquela que fixou, incorrendo em erro de julgamento de facto;

XVI. Incorreu igualmente em erro de julgamento de Direito, por violação do disposto nos art.ºs 248.º e 256.º do CPPT, no art.º 825.º do CPC e na Portaria 219/2011, de 01.06».

X

O recorrido M......, devidamente notificado para o efeito, contra-alegou expendendo o seguinte:

«A. Face o exposto, diante de tudo que resulta dos autos, não resta outra alternativa senão a de manutenção da Sentença proferida pelo Ilustre Juízo a quo, tendo em conta que o Despacho proferido pelo Serviço de Finanças do Montijo, esta eivado de vícios aparentes.

B. Vícios estes que no entendimento correto do Ilustre Tribunal anulam o despacho da Chefe do Serviço de Finanças acima mencionado.

C. Para além disso, o Órgão da Administração Pública não cumpriu com o que deriva da alínea e), n.º 1, artigo 256º do CPPT.

D. Ou seja, deixou de enviar as guias para pagamento do preço e dos impostos, sendo essa sua obrigação, conforme está disposto no artigo supramencionado.

E. De forma que, não pode prejudicar o Recorrido pelos erros e omissões dos atos praticados pela secretária judicial, em qualquer caso, nem muito menos prejudicar as partes.

F. Fazendo a tábula rasa dos princípios que norteiam a matéria, nomeadamente o da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, e da imparcialidade, previstos no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, nos 4.º, 5.º, 7, 8.º e 9.º do CPA, respetivamente.

G. A bem da verdade, conclui-se que a AT não salvaguardou o princípio da boa-fé, tendo agido de forma incompatível com a atividade que deve ser supostamente exercida Administração Pública,

H. Mas não só, agiu ainda de forma negligente e omissiva, o que revela o caráter ilícito da sua conduta.

I. Nesta esteira, não existe outro fim prudente para o julgamento da presente “lide”, senão a adotada pelo Douto Tribunal “a quo”, de forma que, deve improceder toda fundamentação apresentada no Recurso Interposto.

J. O que irá culminar sobretudo na manutenção da Sentença proferida nos autos, que julgou parcialmente procedente a presente Reclamação, anulando o despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, de 16-12-2020, decretou a marcação de nova venda, determinando emissão de novas guias de depósito do preço adjudicado, e dos impostos devidos, para que o Reclamante proceda ao respetivo pagamento no prazo de 15 dias a contar da sua disponibilização …».

X


O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.


X


II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.

«A) Entre 22-10-2012 e 15-05-2014, o Serviço de Finanças do Montijo instaurou os PEF n.º ...... e apensos contra J....., para a cobrança de dívidas relativas a IMI (cf. fls. 1 a 16 do PA);

B) Em 10-11-2014, no âmbito dos PEF em crise foi penhorado um prédio urbano, titulado pelo referido Executado, inscrito na matriz predial sob o artigo ...... - fração J da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sito na Rua…………., nº………., ……….. Montijo; (cf. fls. 20 a 27 do PA);

C) Em 02-03-2020, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo emitiu despacho a determinar a venda judicial do prédio urbano referido na alínea antecedente, com o valor patrimonial apurado de € 19.927,13, por leilão eletrónico, a decorrer entre as 10:00 do dia 22-04-2020 e as 10:00 do dia 06-05-2020, com o valor base de 70% do valor patrimonial, sob o n.º de venda ...... (cf. fls. 93 a 95 do PA);

D) Em 11-11-2020, no âmbito da venda judicial referida na alínea antecedente, foi adjudicado o respetivo prédio urbano ao Reclamante, pelo montante de € 16.330,00 (cf. fls. 154 do PA);

E) Na data da adjudicação referida na alínea antecedente, não foram emitidas as guias de depósito do preço da venda e dos impostos devidos (por acordo, e cf. fls. 154 a 163 do PA).

F) Em 20-11-2020, E......., da sociedade comercial “A....., Lda.” enviou um email ao Serviço de Finanças do Montijo, do qual se extrai o seguinte teor: // “Assunto: Venda nº ...... // Excelentíssimo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Montijo // M......, NIF ......., após ter tido conhecimento que foi adjudicado o imóvel correspondente à venda identificada em assunto, vem por este meio solicitar o DUC do preço da venda e as respetivas guias dos Impostos. // Informo que estamos isentos de pagamento de IMT dado que o imóvel é para revenda (CAE 68100).” (cf. fls. 156 do PA);

G) Em 20-11-2019, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, enviou email em resposta ao email referido na alínea antecedente, do qual se extrai o seguinte teor:

“Conforme solicitado, junto se remetem em anexo a guia de depósito do preço da venda bem como os DUC(s) de IMT e IS.” // (cf. fls. 156 do PA);

H) Em anexo ao email referido na alínea antecedente, constava a guia de depósito do preço da venda referida nas alíneas antecedentes, no montante de montante de € 16.330,00 (cf. fls. 158 do PA);

I) Constava ainda a guia de pagamento do Imposto de Selo, da qual se extrai o seguinte teor:





 (cf. fls. 160 do PA);

J) Em 03-12-2020, E......., da sociedade comercial “A....., Lda.” enviou um email ao Serviço de Finanças do Montijo, do qual se extrai o seguinte teor: // “Assunto: Venda n.º ...... // Excelentíssimo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Montijo // M......, NIF ......., após ter tido conhecimento que foi adjudicado o imóvel correspondente à venda identificada em assunto, vem por este meio solicitar o DUC do preço da venda e as respetivas guias dos Impostos. // Informo que estamos isentos de pagamento de IMT dado que o imóvel é para revenda (CAE 68100). // Gratos pela atenção. // Disponíveis para esclarecimentos adicionais.” // (cf. fls. 163 do PA);

K) Em 03-12-2019, o funcionário V....... do Serviço de Finanças do Montijo, enviou email em resposta ao email referido na alínea antecedente, do qual se extrai o seguinte teor: // “Exmo. Sr. // Relativamente ao solicitado, informa-se que os documentos em apreço já foram remetidos em 20/11/2020.” (cf. fls. 162 e 163 do PA);

L) Em 04-12-2020, E......., da sociedade comercial “A....., Lda.” enviou um email ao Serviço de Finanças do Montijo, do qual se extrai o seguinte teor: // “Exmos. Senhores, // Por lapso e esquecimento não efetuamos o pagamento das guias no prazo, assim sendo solicito por gentileza o envio de novas guias de impostos.

Disponível para eventuais esclarecimentos adicionais” // (cf. fls. 162 dos autos);

M) Em 11-12-2020, E......., da sociedade comercial “A....., Lda.” enviou um email ao Serviço de Finanças do Montijo, do qual se extrai o seguinte teor: // “Exmos Senhores, // Reitero email enviado dia 04/12. // Disponível para eventuais esclarecimentos adicionais // (cf. fls. 162 dos autos);

N) Em 14-12-2020, o Serviço de Finanças do Montijo emitiu a “Informação n.º 29/2020”, da qual se extrai o seguinte teor:


«imagem no original»

 (cf. fls. 164 a 167 do PA);

O) Em 15-12-2020, a Adjunta da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo emitiu parecer na Informação referida na alínea antecedente, do qual se extrai o seguinte teor:





(cf. fls. 164 a 167 do PA);

P) Em 16-12-2020, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo emitiu despacho na

Informação referida nas alíneas antecedentes, do qual se extrai o seguinte teor:







 

(cf. fls. 164 a 165 do PA);

Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.

2 - Motivação da decisão de facto

Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT, e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.


X

Nestes termos, cumpre esclarecer que a convicção deste tribunal se fundou na análise crítica de toda a prova constante dos autos, nomeadamente nos documentos carreados pelas partes e constantes do PA, e ainda na falta de contestação dos factos pelas mesmas aduzidos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão, dentro das várias soluções plausíveis da questão de direito.

X

Q) Em 20. 03.2020 o Órgão de Execução Fiscal publicou Edital para venda do bem, do qual ficou a constar, nomeadamente que: "A totalidade do preço deverá ser depositada à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias, contados da decisão de adjudicação, mediante guia a solicitar junto do órgão de execução fiscal, sob pena das sanções previstas legalmente (256.º/e) CPPT e 825.º Código de Processo Civil CPC (...)».

X

A recorrente invoca erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto. Considera que deve ser aditado ao probatório o elemento seguinte:

«No dia 20.03.2020 foi pelo Órgão de Execução Fiscal emitido Edital para venda do bem, do qual ficou a constar, nomeadamente: "A totalidade do preço deverá ser depositada à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias, contados da decisão de adjudicação, mediante guia a solicitar junto do órgão de execução fiscal, sob pena das sanções previstas legalmente (256.º/e) CPPT e 825.º Código de Processo Civil CPC (...)».

Compulsados os autos, assiste razão à recorrente, pelo que se impõe determinar o aditamento do quesito ao probatório, na sede própria.

Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:

i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [apreciado supra].

ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.

2.2.2. A sentença julgou procedente a reclamação, pelo que determinou a [a anulação do] despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, de 16-12-2020, que, no âmbito da venda n.º ......, ocorrida no PEF n.º ...... e apensos, anulou a venda do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...... — fração J da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sito na Rua…………, nº…….., ………Montijo, decretou a marcação de nova venda, e [determinou] a emissão de novas guias de depósito do preço adjudicado, e dos impostos devidos, para que o Reclamante proceda ao respetivo pagamento no prazo de 15 dias a contar da sua disponibilização».

Invocou que:
«Em 20-11-2020, o Reclamante pediu ao Serviço de Finanças do Montijo as referidas guias, que lhe foram remetidas sem qualquer menção ao prazo para pagamento e ao seu eventual decurso desde a adjudicação [cf. alíneas F) a H) da matéria assente], sendo que a guia para o pagamento do Imposto de Selo tinha como data limite de pagamento 23-11-2020 [cf. alínea I) da matéria assente]. // Em 03-12-2020, o Reclamante voltou a requerer as guias de pagamento [cf. alínea J) da matéria assente], pretensão que foi negada com a justificação de terem sido anteriormente remetidas, e em cuja resposta da AT não havia qualquer menção ao prazo para pagamento e ao seu eventual decurso desde a adjudicação [cf. alínea K) da matéria assente], pese embora, de acordo com o entendimento daquele serviço, o prazo de pagamento das guias já tivesse terminado no dia 26-11-2020, isto é, 15 dias após a adjudicação. // Em 04-12-2020, e depois novamente em 11-12-2020, o Reclamante reiterou o pedido de obter as aludidas guias [cf. alíneas L) e M) da matéria assente], sem merecer qualquer resposta pelo Serviço de Finanças do Montijo. // Finalmente, em 16-12-2020, foi emitido ato administrativo a anular a venda e a decretar a marcação de nova venda, que considerou que o prazo de pagamento guias terminou no dia 26-11-2020, isto é, 15 dias após a adjudicação [cf. alíneas N) a P) da matéria assente], sem qualquer consideração pelo erro e omissão dos serviços na emissão da guia».

2.2.3. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Alega, em síntese, que «o decidido configura alargamento do prazo para pagamento não legalmente previsto, ultrapassando o(s) prazo(s) legalmente permitido(s) e constituirá um tratamento desigual face aos demais participantes no procedimento de venda por leilão eletrónico (e eventualmente mesmo daqueles que nela deixam de participar face aos prazos legais para pagamento resultantes da adjudicação e da eventual liquidez disponível naqueles prazos)».

Apreciação. Nos presentes autos, está em causa a venda executiva de bem imóvel, realizada através de leilão electrónico. Esta processa-se «em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução», nos termos normativamente definidos e segundo regras do sistema aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça[1]

A venda em apreço obedece aos requisitos seguintes:
i) «Os leilões são publicados na plataforma www.e-leiloes.pt, podendo ainda proceder-se, por decisão da Câmara dos Solicitadores, à difusão de informação, parcial ou integral, noutros sítios da Internet, na imprensa escrita e através de correio eletrónico, sem prejuízo de o agente de execução titular do processo poder também divulgar a venda através de outros meios que entenda relevantes»[2].
ii) «Cabe ao utente consultar o estado e o resultado do leilão em que tenha apresentado proposta, inclusive nos casos de cancelamento, anulação do leilão nos termos previstos no n.º 2 do artigo 835.º do Código de Processo Civil, e aceitação de proposta, não estando o administrador da plataforma obrigado à sua notificação por qualquer outra via. // (…) o utente, no momento em que acede à plataforma, deve declarar que aceita as condições de utilização da mesma e que tem total conhecimento das obrigações que lhe podem ser imputadas caso não deposite o preço, nomeadamente as que resultam do artigo 825.º do CPC»[3]
iii) «A totalidade do preço deverá ser depositada à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias, contados da decisão de adjudicação, mediante guia a solicitar junto do órgão de execução fiscal, sob pena das sanções previstas legalmente (256.º/e) CPPT e 825.º Código de Processo Civil CPC»[4].
iv) «O funcionário competente passa guia para o adquirente depositar a totalidade do preço à ordem do órgão da execução fiscal, no prazo de 15 dias a contar da decisão de adjudicação, sob pena das sanções previstas legalmente»[5].
v) «Nas aquisições de valor superior a 500 vezes a unidade de conta, mediante requerimento fundamentado do adquirente, entregue no prazo máximo de cinco dias a contar da decisão de adjudicação, pode ser autorizado o depósito, no prazo referido na alínea anterior, de apenas parte do preço, não inferior a um quinto, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo máximo de 12 meses»[6].
vi) «À falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil»[7].
vii) «Se o proponente não tiver depositado o preço, o agente de execução pode: // a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou // b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior (…)[8].

Da jurisprudência fiscal assente colhem-se os ensinamentos seguintes:
i) «A Portaria n.º 219/2011, de 1 de julho, para que remete o art. 248.º n.º 6 do C.P.P.T., regula quanto à venda em execução fiscal em termos de ser aplicável o art. 825.º n.º 1 do C.P.C. quanto a procedimentos não previstos no C.P.P.T., em que se inclui o caso de ocorrer falta de depósito do melhor preço de venda efetuada por leilão electrónico. // O órgão de execução fiscal pode proceder então à aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou determinar que os bens voltem ainda a ser vendidos, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 825.º do C.P.C., sem que desta última opção resulte ilegalidade»[9].
ii) «No art.º 6.º da Portaria n.º 219/2011, de 01 a palavra adjudicação é empregue com o sentido de acto onde se apura o resultado do leilão, como referido no art.º 7.º da mesma portaria e não no sentido utilizado pelo art.º 827.º do Código de Processo Civil dado que se refere exclusivamente ao acto de apuramento do resultado do leilão e não substancialmente ao acto de adjudicação dos bens vendidos que ocorre depois de integralmente pago o preço, satisfeitas as obrigações fiscais e exercido o direito de preferência. // A transmissão do direito de propriedade, na venda executiva só ocorre com a emissão do título de transmissão, depois de depositado o preço convencionado e cumpridas as obrigações fiscais equivalendo à escritura pública de compra e venda na venda voluntária».[10]

A venda de imóvel no âmbito de execução fiscal constitui um acto de transferência da propriedade do bem, mediante o pagamento do preço, com vista à satisfação da dívida exequenda, no quadro de um procedimento concorrencial (no caso, o leilão electrónico). Do regime acima transcrito resulta que, cabe ao proponente vencedor, no prazo de 15 dias, após o apuramento do resultado do leilão, realizar o depósito do preço, requerendo ao órgão competente a emissão das guias. Em caso de inobservância do prazo de depósito do preço, por parte do proponente, a venda fica sem efeito, havendo lugar à aplicação das medidas previstas no preceito do artigo 825.º, n.º 1, do CPC. Este último tem em vista garantir a transparência do procedimento de leilão, que culmina com o acto de adjudicação do bem à melhor proposta, mediante o pagamento do preço, e a garantia da obtenção de fundos que assegurem o cumprimento do crédito tributário exequendo. A protecção dos referidos valores levou o legislador a instituir um regime – relativo ao leilão electrónico – em que os proponentes têm acesso directo e imediato aos actos e peças do mesmo, sem necessidade de qualquer intermediação. Nesta medida, o funcionário com competência para emitir as guias necessárias ao depósito do preço não tem competência dispositiva ou informativa sobre a tramitação do leilão, cujo regime e termos resultam acessíveis, através da respectiva plataforma, ao destinatário médio, colocado na posição do reclamante.

Havendo norma legal que estabelece a inexistência da venda e a necessidade de repetição do procedimento de venda, no caso em que o proponente vencedor do leilão não realiza o depósito do preço no tempo devido (como sucedeu na situação em exame) outra não pode ser a solução a aplicar pelo órgão de execução que não seja o regime que resulta do disposto no artigo 825.º/1/b), do CPC, ou seja declarar sem efeito a venda e ordenar a sua repetição. Donde resulta que o despacho impugnado não enferma do vício de violação de lei que lhe é imputado. A invocação dos princípios que regem as relações entre a Administração e o contribuinte não assume o sentido de dissolver a vinculação das partes à legalidade, cujos preceitos impõem a observância do prazo de 15 dias a contar da adjudicação, para a realização do depósito do preço, ónus que recai sobre o adquirente do bem (artigo 256.º/1/e), do CPPT e artigo 8.º da Portaria n.º 219/2011, de 01.06).

Recorde-se que o recorrido solicitou e obteve as guias necessárias para realizar o depósito do preço, em 20.11.2020, ou seja, dentro do prazo de quinze dias a contar da adjudicação, sem que tenha realizado o depósito do preço (alíneas F), G) e L). Pelo que o incumprimento do prazo em referência é-lhe imputável.

Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a presente reclamação.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação.

Custas pelo recorrido.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Celestina Castanheira e Catarina Vasconcelos.


(Jorge Cortês - Relator)




___________________


[1] Artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013, de 29.08 (regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis).
[2] Artigo 6.º/1, do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, de 28.09.2015, publicado no DR, 2.ª série, n.º 219, de 09.11.2015, por meio do qual se «definem as regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico, desenvolvida e administrada pela Câmara dos Solicitadores».
[3] Artigo 10.º/1 e 3, do do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, de 28.09.2015, publicado no DR, 2.ª série, n.º 219, de 09.11.2015, por meio do qual se «definem as regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico, desenvolvida e administrada pela Câmara dos Solicitadores».
[4] Alínea Q), do probatório.
[5] Artigo 256.º/1/e), do CPPT.
[6] Artigo 256.º/1/f), do CPPT.
[7] Artigo 8.º da Portaria n.º 219/2011, de 01.06, que aprova os procedimentos e especificações técnicas a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal através de venda judicial, na modalidade de leilão electrónico.
[8] Artigo 825.º/1, do CPC (“Falta de depósito”).
[9] Acórdão do STA, de 02-09-2020, P. 0192/20.2BECBR.
[10] Acórdão do STA, de 24-07-2019, P. 0599/18.5BELLE.