Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/18.9BELSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/06/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ASILO
PROVA
REQUERIMENTO PROBATÓRIO
DESPACHO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:i. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr. art. 195.º, do CPC).

ii. O CPC permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto directo (sendo que tais afirmações, estão sujeitas à regra da livre apreciação da prova pelo juiz, salvo nos casos em que tenham carácter confessório).

iii. A emissão de Parecer pelo Conselho Português para os Refugiados sobre a actual situação do procedimento de asilo na Polónia e tratamento dado aos Refugiados, será susceptível de influir na decisão, porque dele podem surgir factos relevantes para o caso em apreço, respeitantes à violação generalizada dos direitos dos Refugiados nesse País e que vêm alegados pelo Recorrente.

iv. De acordo com o artigo 90.º do CPTA, a instrução da causa rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos (n.º 2), devendo o juiz ou relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.

v. A omissão de tal despacho configura uma nulidade processual ou secundária conducente à anulação da sentença.

vi. O regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade susceptível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo, tanto mais que de acordo com o artigo 111.º do CPTA: “(…) o juiz decide o processo no prazo necessário para assegurar o efeito útil da decisão, o qual não pode ser superior a cinco dias após a realização das diligências que se mostrem necessárias à tomada da decisão”; isto é, prevê-se expressamente a realização de diligências instrutórias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

V......................... (Recorrente), cidadão nacional da Ucrânia, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial urgente (protecção internacional) por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho de 13.03.2018 do Director Nacional daquele Serviço que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado e determinou a sua transferência para a Polónia, enquanto Estado Membro responsável pela análise do pedido.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

a) Na impugnação apresentada por parte do Autor no tribunal de primeira instância, entre as diligencias requeridas para defender a sua versão dos factos, designadamente o facto de considerar ser o Estado Português como Estado-Membro responsável pela análise do processo do Autor, em concreto, a declarações de parte do Autor, que fossem notificadas as testemunhas, G......................... e N........................., bem como, que fosse requerido ao CPR – Conselho Português para os Refugiados a emissão de parecer sobre as condições dos refugidos na Polónia;

b) As indicadas diligências foram requeridas com vista a comprovar a existência de problemas sistémicos no procedimento de asilo na Polónia, bem como, o tratamento desumano aos refugiados naquele país.

c) Nos termos do art. 3, n.º 2 do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho “caso seja impossível transferir um requerente para o estado-membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse estado-membro que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do art. 4º da carta dos Direitos Humanos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capitulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-membro seja designado responsável”.

d) O tribunal não se pronunciou relativamente às indicadas diligências, sendo esse facto causador de nulidade processual que consubstancia a nulidade de sentença, nos termos do art. 195º, n.º 1 do CPC ex vi 1º do CPTA, que estipula que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

e) A sentença recorrida, apresenta na página 11 excesso de pronúncia ao decidir sobre questões que não foram expostas pelas partes, nem é de conhecimento oficioso.

f) Nos termos do arteº 615º, n.º 1, ali. d) do CPC Ex vi arteº 1º do CPTA “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”

g) Além do exposto, o Recorrido apresentou pedido de retoma a cargo por parte das entidades da Holanda, Alemanha e Polónia nos termos e para os efeitos do estipulado no art. 36º e 37º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na sua redação atualizada.

h) A Polónia aceitou o pedido de retoma a cargo do Recorrente.

i) No entanto, na Polónia existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante;

j) Desta feita, não deveria ser a Polónia o Estado-Membro responsável pela análise do pedido do Recorrente, mas sim Portugal.

k) Por fim, o tribunal Recorrido teria ter utilizado o principio do beneficio da duvido, cfr. art. 18º, n.º 4 da Lei de Asilo.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da procedência do recurso jurisdicional.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença é nula por existir excesso de pronúncia;

- Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual por não ter havido despacho sobre os requerimentos de prova apresentados; e

- Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela validade do acto impugnado, não considerando que na Polónia existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento, de forma que as mesmas constituem uma violação do art. 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) O requerente nasceu a 4.12.1998, na Ucrânia – ver docs juntos aos autos.

B) A 18.1.2018 apresentou, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de proteção internacional – ver docs juntos aos autos.

C) A 14.2.2018 prestou declarações – ver fls 26 a 30 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) A 16.2.2018 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades alemãs – ver fls 32 a 39 do processo administrativo.

E) A 2.3.2018 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades holandesas – ver fls 82 a 87 do processo administrativo.

F) A Holanda não se considerou responsável pelo pedido de asilo, tendo indicado que o país responsável para o efeito seria a Polónia – ver fls 94 e 95 do pa.

G) A 6.3.2018 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades polacas – ver fls 88 a 93 do processo administrativo.

H) A Polónia aceitou o pedido de retoma a cargo – ver fls 96 a 99 do pa e documentos juntos aos autos em 29.5.2018.

I) A 13.3.2018 os serviços do SEF elaboraram a informação nº ..../..../2018 que concluiu: propõe-se que a Polónia seja considerado o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do art 18º, nº 1, al b) do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26.6 – ver fls 100 e 101 do pa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

J) Ato: A 13.3.2018 o Diretor Nacional do SEF determinou a transferência do requerente, nos termos do art 38º da Lei nº 27/08, de 30.6, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14, de 5.5, para a Polónia, por ser o Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26.6, e considerou o pedido do requerente inadmissível – ver fls 102 do pa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

K) A 15.3.2018 a decisão foi notificada ao requerente – ver fls 105 do paa.



II.2. De direito

V......................... interpôs o presente recurso jurisdicional suscitando a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, a ocorrência de nulidade processual por não ter sido produzida a prova requerida, mais pretendendo ver alterada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, nos termos da qual viu julgada totalmente improcedente, por não provada, a impugnação da decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e determinou a sua transferência para a Polónia.

Vejamos a suscitada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, a qual ocorre, de acordo com o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento

Neste ponto alega o Recorrente o seguinte:

Na página 11 da sentença proferida o Tribunal a quo decidiu-se que “do mesmo modo, de acordo com o disposto no art. 42º do Código de Procedimento administrativo, improcede o vicio de incompetência imputado à decisão, por a Diretora Nacional Adjunta do SEF a ter assinado pelo Diretor Nacional”// Indicando-se ainda que “….consequentemente, se julga improcedente o pedido de anulação do ato e bem assim o pedido de condenação na prática do ato”.// Na situação em crise nos presentes autos, o indicado vicio não foi impugnado por qualquer parte.

Ora, lida a sentença recorrida – e não deixando de ser verdade que o vício de incompetência não foi arguido na p.i. – percebe-se que o tribunal a quo no trecho em causa se refere a outra decisão administrativa (o autor do acto é, inclusive, distinto), a outro processo portanto. Trata-se, pois, de lapso de escrita manifesto, certamente em virtude de aproveitamento de texto anteriormente escrito.

Certo é que o processo subiu na sequência do despacho que admitiu o recurso, sem que o tribunal a quo tenha exercido a sua competência neste âmbito (art. 614.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Porém, existindo o apontado lapso de escrita, o qual é manifesto (e, em boa verdade, até irrelevante), neste tribunal ad quem sempre teria que se dar sem efeito o texto contido nos dois últimos parágrafos da p. 11 da sentença recorrida, onde se havia escrito: “Do mesmo modo, de acordo com o disposto no art 42º do Código de Procedimento Administrativo, improcede o vício de incompetência imputado à decisão, por a Diretora Nacional Adjunta do SEF a ter assinado pelo Diretor Nacional. // E, consequentemente, se julga improcedente o pedido de anulação do ato e bem assim o pedido de condenação na prática do ato devido.

No entanto, face ao que infra se decidirá, esta questão ficará prejudicada, não carecendo de ser levada ao dispositivo.

Vejamos então a nulidade processual que o Recorrente alega ter sido cometida pelo Tribunal a quo e que teve, nos termos da sua alegação, repercussão na sentença recorrida.

Alega o Recorrente neste domínio que o juiz não se pronunciou sobre a prova requerida na Petição Inicial, onde foi requerida: i) a prestação de declarações por parte do Autor, tendo sido também requerido que fosse nomeado intérprete de língua ucraniana; ii) que fossem notificadas as testemunhas, G......................... e N........................., tendo sido também requerido que fosse nomeado interprete para ambos; e iii) que fosse notificado o Conselho Português para os Refugiados por forma a emitir parecer sobre as condições dos refugidos na Polónia, designadamente sobre as condições em que os mesmos são acomodados, bem como, se tem conhecimentos de problemas sistémicos na análise de pedidos de proteção internacional naquele território. Tendo sido proferida sentença sem que as mesmas fossem realizadas e sem que fosse proferido despacho fundamentado sobre o deferimento ou indeferimento fundamentado.

Vejamos.

As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr. art. 195.º, do CPC).

Tal como referido pelo Ministério Público nesta Instância, o Recorrente, para além do mais, requereu o seu depoimento de parte e de testemunhas bem como que fosse solicitado parecer ao Conselho Português para os Refugiados, destinando-se tais diligências a demonstrar falhas no sistema de Asilo na Polónia e o tratamento desumano dos refugiados naquele país.

Estas diligências não foram realizadas nem foi proferido despacho a fundamentar o indeferimento dessa prova o que consubstancia nulidade prevista no artigo 195º do CPC. Com efeito, a omissão de despacho judicial sobre as requeridas diligências probatórias configura uma nulidade secundária que acarreta a nulidade da sentença.

Neste sentido tem este TCA decidido, como se extraí, i.a., do acórdão de 18.05.2017, proc. nº 2938/16.4 BELSB (por nós relatado) e onde se sumariou:

i) As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr. art. 195.º, do CPC).

ii) O actual CPC permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto directo (sendo que tais afirmações, estão sujeitas à regra da livre apreciação da prova pelo juiz, salvo nos casos em que tenham carácter confessório).

iii) De acordo com o artigo 90.º do CPTA, a instrução da causa rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos (n.º 2), devendo o juiz ou relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.

iv) A omissão de tal despacho configura uma nulidade processual ou secundária conducente à anulação da sentença.

v) A realização de diligência judicial para a audição do requerente de protecção internacional – no caso expressamente requerida na p.i. -, mostra-se desejável em prol da descoberta da verdade material, podendo inclusive ocorrer por iniciativa do tribunal ao abrigo dos seus poderes inquisitórios.

vi) (…)

Também como referido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, importa, verificar se são admissíveis e necessárias à decisão as diligências de prova requeridas. E são.

Dispõe o artigo 90.º do CPTA, sobre a epígrafe “instrução e decisão parcelar da causa” que:

1 - A instrução tem por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.

2 - A instrução rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos.

Quanto à audição do ora Recorrente é esta admissível nos termos do artigo 466º do CPC. O actual CPC permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto directo (tais afirmações, estão sujeitas à regra da livre apreciação da prova pelo juiz, salvo nos casos em que tenham carácter confessório).

De igual modo, a audição das testemunhas será desejável face ao alegado pelo Requerente, ora Recorrente, podendo influir na decisão da causa.

E quanto ao Parecer do Conselho Português para os Refugiados sobre a actual situação do procedimento de asilo na Polónia e tratamento dado aos Refugiados, também este será susceptível de influir na decisão porque dele podem surgir factos relevantes respeitantes à violação generalizada de direitos humanos, no caso em apreço, dos direitos dos Refugiados e que por si vêm alegados.

De igual modo o regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade susceptível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo, tanto mais que de acordo com o artigo 111.º do CPTA: “(…) o juiz decide o processo no prazo necessário para assegurar o efeito útil da decisão, o qual não pode ser superior a cinco dias após a realização das diligências que se mostrem necessárias à tomada da decisão”; isto é, prevê-se expressamente a realização de diligências instrutórias.

Pelo que incorreu o Tribunal a quo em nulidade processual, a qual determina a anulação da sentença recorrida e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (art. 195.º do CPC).

Entende-se, ainda, que não poderá deixar de realçar-se que “o TJUE considera que o requerente de asilo pode por em causa o mecanismo de imputação de responsabilidade pela apreciação do pedido de asilo «se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro que constituam razões sérias e verosímeis de que o referido requerente corre um risco real de ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia». O risco de tratamentos desumanos e degradantes pode resultar, não já do sistema de acolhimento do Estado de destino, mas do facto de a transferência do requerente de asilo para o Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo poder implicar um risco real e comprovado da sujeição do interessado a tratamentos desumanos e degradantes” (cfr. Jorge Cortês, Poderes de Instrução e de Cognição do Juiz em Matéria de Asilo, in O CONTENCIOSO DO DIREITO DE ASILO E PROTEÇÃO SUBSIDIÁRIA - 2.ª edição actualizada, CEJ, p. 390). A este propósito v. os Acórdãos do TJUE de 10.12.2013, P. C-394/12, Abdullahi, de 16.02.2017, P. C-578/16 PPU, bem como os Acórdãos de V. Ac. de 21/12/2011, N.S. e M.E., proc. n.º C-411/10 e C-493/10. Desta jurisprudência, como salienta Ana Rita Gil,decorre que, nos casos em que existe sistemática violação das regras relativas aos procedimentos de análise dos pedidos de asilo, os demais Estados-Membros devem abster-se de enviar requerentes para esses Estados. Isso pode implicar a não aplicação do Regulamento Dublin, que, inter alia, requer a transferência de requerentes de asilo para os Estados-Membros responsáveis por analisar os respetivos de proteção internacional” (cfr. A Garantia de um Procedimento Justo no Direito Europeu de Asilo, in ob. cit., p. 243). O que terá necessariamente que ser tido em consideração pelo tribunal a quo na decisão de mérito que venha a proferir.

Por outro lado, considerando não só os poderes conferidos a este tribunal de recurso, mas também razões de economia e celeridade processuais, julga-se que em face da alegação vertida na petição essencial, ser de admitir as diligências de provas requeridas, devendo o tribunal a quo designar acto judicial para efeito de ser prestado o depoimento de parte e ouvidas as testemunhas indicadas, mais oficiando o Conselho Português para os Refugiados para que este remeta ao Tribunal Parecer sobre a actual situação do procedimento de asilo na Polónia e tratamento dado aos Refugiados.

Pelo exposto, verificada a nulidade processual apontada, tem que anular-se a sentença recorrida, baixando os autos ao TAC de Lisboa em ordem a instruir-se a causa como determinado, proferindo a Mma. Juiz a quo posterior sentença que leve em devida consideração a matéria de facto que venha a ser apurada, aplicando o quadro normativo de referência.

Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões objecto do recurso.


III. Conclusões

Sumariando:

i) As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr. art. 195.º, do CPC).

ii) O actual CPC permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto directo (sendo que tais afirmações, estão sujeitas à regra da livre apreciação da prova pelo juiz, salvo nos casos em que tenham carácter confessório).

iii) A emissão de Parecer pelo Conselho Português para os Refugiados sobre a actual situação do procedimento de asilo na Polónia e tratamento dado aos Refugiados, será susceptível de influir na decisão, porque dele podem surgir factos relevantes respeitantes à violação generalizada de direitos humanos, no caso em apreço, dos direitos dos Refugiados e que vêm alegados pelo Recorrente.

iv) De acordo com o artigo 90.º do CPTA, a instrução da causa rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos (n.º 2), devendo o juiz ou relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.

v) A omissão de tal despacho configura uma nulidade processual ou secundária conducente à anulação da sentença.

vi) O regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade susceptível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo, tanto mais que de acordo com o artigo 111.º do CPTA: “(…) o juiz decide o processo no prazo necessário para assegurar o efeito útil da decisão, o qual não pode ser superior a cinco dias após a realização das diligências que se mostrem necessárias à tomada da decisão”; isto é, prevê-se expressamente a realização de diligências instrutórias.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida;

- Deferir o requerimento probatório apresentado pelo A.; e,

- Determinar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para a realização das diligências instrutórias ordenadas e posterior prolação de sentença.

Sem custas.

Lisboa, 6 de Setembro de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Nuno Coutinho


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Cristina Santos