Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1022/16.5BELRA |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 11/21/2019 |
Relator: | ALDA NUNES |
Descritores: | ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; PRAZO RAZOÁVEL; INDEMNIZAÇÃO RAZOÁVEL. |
Sumário: | I - Em matéria de indemnização por delonga na decisão de processo judicial, os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos morais indemnizáveis são densificados por reporte à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), à luz dos princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, e aplicável, nos termos do art 8º da Constituição da República Portuguesa, na ordem jurídica interna) e dos Tribunais nacionais.
II – Munidos dos critérios identificados pela jurisprudência, importa depois aferir a duração de cada processo em função das circunstâncias de cada caso concreto e numa perspetiva global, para se concluir sobre a razoabilidade do tempo do processo, o dano não patrimonial indemnizável e o quantum indemnizatório no caso concreto. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório Sérgio .......... recorre da sentença proferida, a 29.5.2019, pelo TAF de Leiria, que julgou a ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, com base no funcionamento da administração da justiça, parcialmente procedente e condenou o Estado Português a pagar ao autor e recorrente (a) a quantia de €: 700,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofrido em virtude da duração excessiva do processo nº 663/10.9TBABT, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; (b) os honorários do advogado nos presentes autos, na parte em que comprovadamente sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas; (c) todas as quantias devidas a título de imposto sobre o montante de €: 700,00, absolvendo o Estado do demais peticionado pelo autor.
O recorrente em sede de alegações formulou as seguintes conclusões: 1 – «Ficou provado nos presentes autos que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 663/10.9TBABT, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 08/06/2010 e até 19/06/2015, o que perfaz um total de 5 anos e 9 dias; 2 – Dos factos assentes resultou também que o Recorrente acreditava que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhe desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução; 3 – De acordo com entendimento jurisprudencial aceite sem reservas, as normas de Direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz, devem ser objeto de interpretação conforme à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicados tomando em consideração a jurisprudência do TEDH; 4 – De acordo com a Jurisprudência do TEDH, existe um núcleo de processos em que a indemnização por cada ano de demora do processo pode subir do patamar de € 1.000,00 a € 1.500,00 para € 2.000,00; 5 – De acordo com o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, considerando nº --, “O montante global será aumentado até 2.000€ se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.”; 6 – No caso concreto, a Recorrente intentou ação que versava sobre danos ocorridos na sua casa de morada de família, cujo processo foi alem do razoável, sendo a indemnização por danos morais fixada, em € 700,00 montante esse peregrino e que não encontra eco na Jurisprudência do TEDH ou Nacional, sendo o montante inaceitável e desfasado dos parâmetros daquelas duas Jurisprudências; 7 – No processo 663/10.9TBABT não se verificaram incidentes processuais, nem expedientes dilatórios, tendo existido recurso em relação a uma nulidade de citação imputável a uma falha da secretaria do Tribunal, não se tendo verificado comportamento da parte, nem complexidade da causa ou da tramitação justificação para tamanha demora, desde a data de entrada da Petição Inicial até à prolação da decisão final, a não ser a falha do sistema judicial; 8 – Ora, o Tribunal a quo afastou-se, de forma escandalosa, dos critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, dado que o caso sub judice possui todos os requisitos para que lhe seja fixado, por cada ano de duração do processo, uma indemnização não inferior a € 2000,00, num total de € 6000,00; 10 – O Tribunal a quo também se distanciou dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual, porquanto não se pode considerar aceitável a duração de um processo por seis anos, quando em causa estava apenas duas instancias de recurso, sem demais incidentes processuais, e em que foram várias as vicissitudes decorrentes diretamente da impotência do nosso sistema judicial, tais como a falta de notificação de sujeitos processuais, ou a inexistência de salas de julgamento necessárias a garantir a celeridade processual. 11 – A apreciação e integração do conceito obtenção de decisão em “prazo razoável” constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto”, pelo que, analisando o caso concreto, o processo 663/10.9TBABT nunca devia te ultrapassado dois anos. 12 – A ser de outro modo, o Recorrido teria um imerecido prémio, dado que este tipo de decisões tem e deve assumir um carácter penalizador no sentido de se evitar a repetição de práticas que levem a que, um processo desta natureza, demore mais de cinco anos a ser resolvido. 13 – As exigências do artigo 6º do TEDH, do artigo 20º, nº 2 da CRP e 2º do CPC, foram completamente arredadas do caso concreto, em benefício do infrator, atendendo a que a indemnização fixada atribui a mísera quantia anual de cerca de € 140,00 por cada ano de duração do processo, o que é uma indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável e que tem que ser acolhida pelos nossos Tribunais, sob pena do Estado acabar por ser condenado no TEDH, esgotadas que sejam todas as etapas recursivas possíveis nos Tribunais Nacionais; 14 – Mostram-se violados os preceitos contidos nos artigos 9º, alínea b), 20º e 22º da CRP; 6º do TEDH; 2º do CPC; 15 – A decisão deve ser revogada e substituída por outra que atribua uma indemnização adequada ao A., em valor não inferior a € 6000,00 (seis mil euros)». O Ministério Público, em representação do Estado Português, ora recorrido, contra-alegou o recurso concluindo: 1. Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não “ficou provado, nos presentes autos, que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 663/10.9 TBABT, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 8.06.2010 até 19.06.2015, o que perfaz um total de 5 anos e 9 dias”. 2. Por outro lado, de igual forma, não resultou provado, “que o recorrente acreditava que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhe desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução”. 3. De facto, o que resultou provado foi que “o processo esteve pendente, no Tribunal Judicial de Abrantes, durante um total de 3 anos, 9 meses e 12 dias, sendo este o período de tramitação em primeira instância que lhe é imputável” e que “a demora do Proc. nº 663/10.9TBABT causou ao Autor ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, por ter estado sem saber qual o desfecho do processo durante anos”. 4. Tendo em consideração tais factos e respeitada a doutrina e a jurisprudência atualmente maioritárias quer no TEDH, quer nos Tribunais Nacionais, foi decidido, pela Mma. Juiz subscritora da sentença recorrida condenar o demandado no pagamento da quantia de 700 Euros (setecentos euros), “a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em virtude da duração excessiva do Proc. nº 663/10.9 TBABT”. 5. Assim, no que respeita à primeira questão suscitada, pelo Recorrente, entendemos que a mesma é completamente desprovida de fundamento uma vez que o Tribunal respeitou os critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, como facilmente se pode constatar da leitura atenta da sentença recorrida e dos diversos Acórdãos citados a fls. 56 a 62 da mesma, cujo teor aqui damos como integralmente reproduzido. 6. Por todo o exposto e tendo em consideração as especificidades do presente caso concreto, bem como a deficitária situação económico-financeira do país, resulta óbvia, em nosso entender, a conclusão de que nunca poderia ser legitimamente aplicável, in casu, o quantum indemnizatório pretendido pelo Autor recorrente, o qual afigura-se-nos carecer de qualquer fundamento plausível. 7. No que respeita, por seu lado, à segunda e à terceira questões suscitadas pelo Autor, entende-se que as mesmas são igualmente desprovidas de fundamento, tendo em consideração que “de acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em primeira instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais” (cfr. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, nº 72, p. 45 e 46), sendo que o que resultou provado na sentença recorrida e, como tal foi considerado, foi um atraso de 9 meses e 12 dias, por se ter considerado que a ação esteve pendente na primeira instância durante 3 anos, 9 meses e 12 dias (imputáveis ao Estado). 8. Do exposto, bem como do teor da fundamentação da decisão recorrida, facilmente se pode depreender que o Tribunal não se distanciou “dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual” e que as exigências do art. 6º do TEDH, do art. 20º nº 2 e 2º do CPC não foram “completamente arredadas do caso concreto, em benefício do infrator”, tanto mais que não se pode considerar a atribuição de um montante de 700 Euros de indemnização, por um atraso de 9 meses e 12 dias, “uma indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável”, como pretendido pelo recorrente. 9. Não se nos afigura, por todo o exposto, merecer qualquer reparo a douta sentença recorrida, nos concretos pontos invocados pelo Recorrente, tanto mais que, ao proferi-la, a Mma. Juiz, apurou de forma detalhada todos os factos pertinentes in casu e fundamentou devidamente a sua convicção, quer de facto, quer de direito, respeitando integralmente as normas legais aplicáveis ao presente caso concreto. Termos em que, em nosso entender, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo- se, na íntegra, a decisão proferida, nos seus precisos termos».
Erro de julgamento de direito. O recorrente discorda da decisão recorrida na parte em que fixou o atraso na tramitação do processo nº 663/10.9TBABT em 9 meses e 12 dias e na parte em que fixou o quantum indemnizatório em €: 700,00. Isto porque entende que ficou provado que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 663/10.9TBABT, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 8.6.2010 até 19.6.2015, o que perfaz um total de 5 anos e 9 dias. E, dado que naquele processo não se verificaram incidentes processuais, nem expedientes dilatórios, nem se tratou de causa complexa, tendo existido um recurso em relação a uma nulidade de citação imputável a uma falha da secretaria do Tribunal, nunca o processo devia ter ultrapassado o prazo de 2 anos até à decisão com trânsito em julgado.
Por outro lado, entende que lhe assiste o direito a ser indemnizado em €: 2.000,00 por cada ano de duração do processo, ou seja, num total de €: 6.000,00, por a ação nº 663/10.9TBABT versar sobre danos ocorridos na sua casa de morada de família por defeitos de construção. Vejamos. O autor e recorrente intentou contra o Estado Português a presente ação administrativa visando efetivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado-Julgador por facto ilícito, decorrente da violação do direito a uma decisão jurisdicional em prazo razoável no âmbito do processo nº 663/10.9TBABT – de condenação da ré A..... a promover as obras necessárias à eliminação dos defeitos em fração autónoma de sua propriedade, um T3 duplex para habitação sito em Abrantes – com o valor de €: 5.500,00 e que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Responsabilidade essa resultante da violação do disposto nos artigos 9º, al b); 20º, nº 1 e nº 4 (o nº 2 referido pelo recorrente trata do direito à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, portanto, não relativo à questão em causa) e 22° da CRP; art 2º do CPC e artigo 6º§ 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (art 20º, nº 4 da CRP) e impõe que a violação desse direito, em qualquer tipo de processo (cível, administrativo ou outro), constitua o Estado em responsabilidade civil extracontratual (artigo 22º da CRP e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)), hoje concretizada na Lei nº 67/2007, de 31.12, no seu artigo 12º.
A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo o recurso para o Tribunal Constitucional) e a fase executiva.
Para tal tarefa de avaliação e de ponderação, escreveu-se no acórdão do TCA Norte, em 12.10.2012, processo nº 64/10.9BELSB, «tem-se como adequado e útil o recurso à jurisprudência do TEDH quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo, mormente fazendo uso dos critérios da complexidade do processo, do comportamento das partes, da atuação das autoridades competentes no processo, do assunto do processo e do significado que o mesmo pode ter para o requerente, critérios esses que são valorados e aferidos em concreto atendendo às circunstâncias da causa» [cfr Caso Valada Matos das Neves c. Portugal, Queixa nº 73798/13, acórdão de 29.10.2015; caso Frydlender c. França [GC], nº 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII; caso Ruotolo c. Itália, 27.2.1992, § 17, Série A, nº 230-D].
O segundo critério – a avaliação do comportamento das partes - atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais (afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória). Daí que o TEDH exige que o queixoso tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.
Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo, mas, também, ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art 6º da CEDH, porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele art 6º.
Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante, a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas (sua regularização). O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efetiva em sede cautelar (cfr acórdãos do TEDH - caso Comingersoli, SA v. Portugal, em 6.4.2000, processo nº 35.382/97; caso Sürmeli v. Germany).
Também os tribunais superiores nacionais, aderindo à jurisprudência do TEDH, têm contribuído para a densificação do conceito de prazo razoável para a resolução de um litígio em tribunal. Entre outros, (i) os acórdãos do TCA Norte de 30.3.2006, processo nº 5/04, de 15.10.2009, processo nº 2334/06; de 22.10.2010, processo nº 1357/07; de 12.10.2012, processo nº 64/10, (ii) os acórdãos do TCA Sul de 20.3.2014, processo nº 9034/12; de 15.12.2016, processo nº 13.706/16, (iii) os acórdãos do STA de 15.10.1998, processo nº 36.811; de 28.11.2007, processo nº 308/07; de 9.10.2008, processo nº 319/08; de 10.9.2009, processo nº 83/09; de 5.5.2010, processo nº 122/10; de 1.3.2011, processo nº 336/10; de 6.11.2012, processo nº 976/11; de 27.11.2013, processo nº 144/13; de 15.5.2013, processo nº 1229/12; de 14.4.2016, processo nº 1635/15; de 11.5.2017, processo nº 1004/16.
Munidos destes critérios, para aferir se ocorreu violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art 20º, nº 4 da CRP e pelo art 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, a constatação de atraso na decisão de processos judiciais pode gerar uma obrigação de indemnizar.
Os conceitos de indemnização razoável e danos morais indemnizáveis, tal como sucede com o conceito de prazo razoável, em matéria de indemnização por delonga na decisão de processo judicial, também são densificados por reporte à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos tribunais nacionais, à luz dos princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O dever de indemnizar compreende os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais, sendo que neste domínio importa considerar o disposto no art 496º do Código Civil, como faz a jurisprudência nacional, designadamente, vertida nos acórdãos do STA, de 28.11.2007, processo nº 308/07; de 9.10.2008, processo nº 219/08; de 11.5.2017, processo nº 1004/16; de 5.7.2018, processo nº 259/18, nos termos da qual «o regime legal que decorre do art 496º do CC … carece de ser interpretado e aplicado «de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH».
Segundo o acórdão proferido pelo STA, em 5.7.2018, «resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à verificação/existência dos “danos não patrimoniais” e à sua concreta valoração pecuniária, deverá, no contexto da factualidade apurada, atender aos fatores expressamente referidos na lei, mas interpretados nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada pelo «TEDH» aos referidos fatores, cientes de que este vem entendendo que, relativamente aos danos não patrimoniais suportados pelas vítimas de violação da CEDH, a sua dignidade indemnizatória não se mostra restringida aos de especial gravidade».
Para tanto, a citada decisão do STA identifica ainda que «o TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial: i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália n.º 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2.ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55]».
E assim sendo, o valor de indemnização aventado pela jurisprudência do TEDH (caso Musci C. Itália (processo 64699/01), variável entre 1000 e 1500 euros, por cada ano de demora do processo, pode ser diminuído, de acordo com os danos não patrimoniais provados.
A prática jurisprudencial, do TEDH e do STA, para o cômputo do valor a arbitrar a título de danos não patrimoniais em casos de violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, como identificou o acórdão do STA de 11.5.2017, proferido no processo nº 1004/16, tem sido, nomeadamente, as condenações de:
Pelo TEDH: - «4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância]; - de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição]; - de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância]; - de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas]; - de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias]; - de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)]; - de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância]; - de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €]; - de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias]; - de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
Pelo o STA: - 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias]; - 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias]; - 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância]; - 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias]; - 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância]; - 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade]; - 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»]».
Resulta da factualidade dada como provada que o ora recorrente instaurou ação declarativa de condenação, na forma de processo comum sumário, contra «A.........., Lda», para correção de defeitos de construção em fração autónoma que o autor e recorrente adquiriu à ré, correspondente a um T3 duplex para habitação, sita em Abrantes. A ação cível correu termos sob o nº 663/10.9TBABT, pelo Tribunal Judicial de Abrantes, com o valor atribuído pelo autor de €: 5.500,00 e esteve pendente desde 8.6.2010 até 19.6.2015, ou seja, por um período de 5 anos e 11 dias. Comportou um recurso junto do Tribunal da Relação de Évora, para onde o processo foi remetido a 17.10.2011 e foi devolvido à 1ª instância em 20.6.2012. As «dificuldades» da ação prenderam-se com a citação da ré (antes e depois do recurso). Como reconheceu o acórdão do TRE, após a entrada em juízo da ação, foi citado quem não era o legal representante da ré, primeiro, «por facto imputável ao autor e, depois, por facto imputável ao tribunal, a partir do momento em que nos autos se soube quem era o legal representante da ré», em 3.12.2010. Após a decisão, pelo Tribunal da Relação de Évora, do recurso interposto e da devolução do processo à primeira instância em 20.6.2012, foram efetuadas várias diligências pelo Tribunal Judicial de Abrantes com vista à citação da ré, que se revelaram infrutíferas, por motivos não imputáveis ao tribunal. A sentença recorrida identificou esses períodos como sendo: - «em 02/10/2012 foi remetido ofício de citação, devolvido em 17/10/2012 – pontos 44 e 45 do probatório; - em 10/11/2012 foi remetido ofício de citação, devolvido em 06/12/2012- pontos 48 e 49 do probatório; - em 23/01/2013 foi remetida carta rogatória para citação, a qual não foi frutífera, conforme comunicado aos autos em 25/02/2013 – pontos 51 e 52 do probatório; - em 15/05/2013 foi determinada a citação edital, tendo findado o prazo para contestação em 04/09/2013, após o decurso dos éditos de 30 dias e 20 dias para contestação – pontos 54 e 55 do probatório; - em 17/10/2013 foram determinadas novas diligências de citação, vindo devolvidos os ofícios remetidos em 11 e 13/11/2013 – pontos 56 e 57 do probatório».
E, assim, concluiu, «estes períodos, porque subtraídos ao controlo do Tribunal e reveladores da dificuldade na citação da ré por motivos àquele não imputáveis, constituem causa justificativa do excesso verificado e, como tal, não são considerados no apuramento da duração total dos autos em primeira instância».
Pelo contrário, refere ainda a sentença recorrida, «constata-se que o processo esteve dependente de impulso do Tribunal para o respetivo prosseguimento (designadamente para determinação das subsequentes diligências tidas como necessárias e realização das mesmas), nos seguintes períodos: - de 20/06/2012, data da descida dos autos à primeira instância, até 02/10/2012, data de envio de ofício de citação – pontos 43 e 44 do probatório – correspondente a um período de 3 meses e 12 dias; - de 17/10/2012, data da devolução de ofício de citação, até 10/11/2012, data em que foi remetido novo ofício de citação – pontos 45 a 48 do probatório – correspondente a um período de 24 dias; - de 06/12/2012, data da devolução de ofício de citação, até 23/01/2013, data de envio de carta rogatória para citação – pontos 49 a 51 – correspondente a um período de 1 mês e 17 dias; - de 25/02/2013, data da comunicação de não citação através da carta rogatória, até 15/05/2013, data em que foi determinada a citação edital – pontos 52 a 54 do probatório – correspondente a um período de 2 meses e 21 dias; - de 04/09/2013, data de fim de prazo para contestar, até ao despacho de 17/10/2013 a determinar mais diligências de citação – pontos 55 e 56 do probatório – correspondente a um período de 1 mês e 13 dias; - de 13/11/2013, data da devolução de ofícios de citação, até 19/06/2015, data em que foi proferida sentença que extinguiu a instância (sendo certo que desde 13/11/2013 o processo passou a estar inteiramente sob responsabilidade do Tribunal, tendo sido considerado que a ré foi regularmente citada e prosseguido a regular tramitação do processo) – pontos 57 a 69 do probatório – correspondente a um período de 1 ano, 7 meses e 6 dias».
Assim sendo, volta a concluir a sentença recorrida, «mesmo não levando em consideração, no cômputo da duração global do processo em primeira instância, os períodos em que ocorreu causa justificativa do excesso verificado (concretamente atendendo às dificuldades na citação da ré A....., as quais não são imputáveis ao Tribunal), o processo esteve pendente no Tribunal Judicial de Abrantes durante um total de 3 anos, 9 meses e 12 dias, sendo este o período de tramitação em primeira instância que lhe é imputável».
Donde, «atendendo a que, conforme retro expendido, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1.ª instância é de cerca de 3 anos, o atraso na tramitação do Proc. n.º 663/10.9TBABT pelo Tribunal no qual correu os seus termos … é de 9 meses e 12 dias».
Dito tudo isto, constatamos que a sentença recorrida aplica e segue a jurisprudência do tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos tribunais nacionais que cita abundantemente e, por conseguinte, corretamente discorre que: dos 5 anos e 11 dias de duração – que não de demora - do processo, ocorreram períodos reveladores da dificuldade de citação da ré, antes e depois do recurso para o Tribunal da Relação de Évora – de mais de 6 meses – não imputáveis ao tribunal e – de mais de 9 meses – dependentes de impulso do tribunal.
O processo esteve em apreciação no tribunal de recurso durante 8 meses e 3 dias (de 17.10.2011 a 20.6.2012).
No restante tempo o processo esteve pendente no tribunal judicial de Abrantes (de 8.6.2010 a 17.10.2011 e de 20.6.2012 a 19.6.2015), tendo sido considerado que a ré foi regularmente citada/ por citação edital (por despacho de 7.1.2014) e o processo prosseguiu a regular tramitação (com a citação do Ministério Público em representação da ré ausente, apresentação de contestação e de requerimento de prova pelo autor, foi proferido despacho saneador, realizada perícia, designado dia para audiência de julgamento, realizada audiência final) até ser proferida sentença, em 19.6.2015, que extinguiu a instância, por desistência do pedido formulado pelo autor.
Portanto, a pretensão do recorrente, de que a duração razoável do processo seria de dois anos (por isso pede a condenação do Estado Português a pagar-lhe o valor de €: 6.000,00 pelo atraso de 3 anos na decisão da causa - €: 2.000,00/ ano x 3 anos = €: 6.000,00), em face dos factos provados, carece de fundamento de facto, de direito e de sustento na jurisprudência nacional e do TEDH. Pois têm entendido os tribunais, tal como o fez o tribunal a quo, que um processo deve ter uma duração «normal», aceitável ou razoável: - até 3 anos na 1ª instância e - até 4 anos se houver recurso, isto como meros princípios orientadores.
Após tais 3 anos ou 4 anos é que haverá duração ilícita, em princípio.
Com estes elementos, o tribunal recorrido julgou excedido em 9 meses e 12 dias o prazo para o tribunal judicial de Abrantes decidir o processo nº 663/10 e atribuiu ao autor e recorrente indemnização apurada nos seguintes termos: «(…) temos que no caso em apreço estava em causa uma ação interposta pelo Autor, pela qual tinha em vista a condenação da ali ré A..... a realizar as obras necessárias à eliminação dos defeitos verificados em imóvel de que aquele era proprietário, bem como na condenação da mesma no pagamento de indemnização não inferior a 2.500,00 EUR, a título de danos não patrimoniais – o que era peticionado a título principal, conforme ponto 2 dos factos provados. Mais se constata que no Proc. n.º 663/10.9TBABT o Autor peticionava, em alternativa ao pedido de condenação na reparação dos defeitos, a condenação da ré no pagamento de indemnização, no montante necessário à reparação dos defeitos verificados no imóvel.
Pese embora os bens jurídicos subjacentes ao identificado processo não se reconduzam simplesmente a questões patrimoniais, não será despiciendo o facto de o Autor atribuir à ação em causa o valor de 5.500,00 EUR – o que incluirá não só a indemnização por danos não patrimoniais ali peticionada, bem como o valor reputado como necessário para correção dos defeitos verificados no seu imóvel.
Assim sendo, afigura-se desde logo desproporcionado o pagamento de uma indemnização, por força da delonga do processo, em valor superior ao que estava em causa no Proc. n.º 663/10.9TBABT, devendo o quantum a atribuir ser necessariamente inferior, mais a mais quando o atraso verificado é de 9 meses e 12 dias, o que significa que não foi ultrapassado de forma significativa o critério de duração do processo em primeira instância.
Por conseguinte, tendo em conta o critério estabelecido no acórdão do TCA Norte, proferido no Proc. n.º 0678/11.0BEPRT, o princípio da proporcionalidade, os interesses subjacentes à ação na qual se verificou o atraso na prolação de decisão e, bem assim, que a ação esteve pendente em primeira instância durante 3 anos, 9 meses e 12 dias (imputáveis ao Estado), julgamos adequada e conforme com o disposto no artigo 566.º, nºs 2 e n.º 3 do Código Civil a atribuição ao Autor de uma indemnização no montante de 700,00 EUR, para ressarcimento dos danos morais por este sofridos».
A decisão mostra-se correta, tanto na determinação do prazo razoável como na determinação do valor da indemnização a pagar ao recorrente e segue a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos Tribunais nacionais, como resulta da respetiva fundamentação de direito.
Com efeito, constatada a violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art 20º, nº 4 da CRP e pelo art 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação, segundo o TEDH e os Tribunais nacionais (cfr Ac do STA de 5.7.2018, processo nº 259/18), uma forte presunção da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável. Essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza. Porém, não o sendo, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art 41º da Convenção, fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália n.º 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2.ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55]».
Na situação em apreço, do nº 77 dos factos provados, resulta que o decurso do processo nº 663/10 causou ao autor e recorrente ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, por ter estado sem saber o desfecho do processo durante anos.
De tais factos decorre que o autor acreditava que o processo n.º 663/10.9TBABT se resolveria mais rapidamente do que sucedeu, tendo a demora na resolução do processo criado constrangimentos ao autor, que, por força da delonga na resolução do processo, viveu preocupado e nervoso com a angústia normal decorrente do atraso na prolação de uma decisão.
No entanto, não resultou provado qualquer quadro de sofrimento de tal modo profundo, que mereça uma especial tutela ao abrigo do disposto no artigo 496º do Código Civil.
Não quer isto dizer, que o sentimento de preocupação e nervoso correspondentes à normal angústia com o atraso na prolação da decisão da causa não fique também a coberto desta tutela indemnizatória.
Mas sim que apenas ficou demonstrado o normal e compreensivo estado de angústia do autor com o atraso na composição judicial do litígio.
Por assim ser, a decisão recorrida, partindo dos danos não patrimoniais provados – no nº 77 do probatório – que considerou comuns (sem necessidade de uma especial tutela ao abrigo do art 496º do Código Civil) – fixou a indemnização devida pelo atraso na tramitação da ação administrativa especial nº 663/10.9TBABT, com recurso à equidade, nos termos do art 566º, nº 3 do Código Civil. E fê-lo, uma vez mais, por adesão aos padrões fixados pelo TEDH, relativos aos parâmetros a considerar na fixação do quantum indemnizatório por violação do direito à prolação de decisão em prazo razoável, sem olvidar a jurisprudência dos Tribunais nacionais superiores – cfr acórdãos do STA, de 28.11.2007, processo nº 308/07; de 9.10.2008, processo nº 319/08; de 11.5.2017, processo nº 1004/16 – que tem contribuído para a concretização dos mesmos.
A saber, a decisão recorrida, com vista a fixar o quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais comuns sofridos por atraso na justiça, conforme com o princípio da proporcionalidade, atendeu ao lapso de tempo decorrido e, também, a aspetos específicos do litígio, designadamente o objeto do litígio (o bem jurídico em causa e ao valor da ação).
Donde, atendendo a que a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo, havendo recurso, deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, verifica-se que a ação em apreço durou mais, como decidiu o tribunal a quo, 9 meses e 12 dias do que a duração processual razoável.
E, sopesando os critérios fixados no enquadramento jurisprudencial efetuado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.5.2017, processo nº 1004/16, o princípio da proporcionalidade, o facto de se tratar de ação cível para fazer valer interesses patrimoniais, que a ação esteve pendente na 1ª instância durante 3 anos, 9 meses e 12 dias imputáveis ao Tribunal e em que o dano indemnizável é apenas o dano patrimonial comum que se presume do atraso, à luz do disposto no artigo 566º, nº 2 e nº 3 do Código Civil, mostra-se justa e adequada a indemnização fixada no caso concreto pelo tribunal recorrido, no valor de €: 700,00.
Este valor, atribuído a título de danos morais «comuns», ao contrário do alegado pelo recorrente teve em conta o assunto do processo, ao considerar tratar-se de processo para fazer valer o direito do comprador de exigir do vendedor a reparação dos defeitos do imóvel objeto do contrato (fração autónoma para habitação – cfr nº 2 dos factos provados), que estima em €: 3.000,00 para a necessária correção.
O que afasta a ação nº 663/10 do elenco das ações que, à luz da jurisprudência do TEDH, assumirão especial importância na esfera jurídica do autor, fazendo subir o patamar da indemnização de €: 1.000,00 a €: 1.500,00 para €: 2.000,00.
Acrescendo ainda dizer que mesmo o valor de indemnização atribuído pelo TEDH a título de danos morais cifra-se, em média, em menos de EUR 1.000,00 por ano de atraso no processo. Contudo, este montante corresponde a uma média aritmética e não poderá, como tal, ser aplicado tout court, sem mais. Diversamente, e ainda que possa servir como um referencial a atender pelo julgador, sempre poderá este aumentá-lo ou diminuí-lo, em função dos danos concretamente sofridos, segundo critérios de equidade (cfr ac do TCA Sul, de 23.5.2019, processo nº 1029/16).
Pelo que, no caso, após correta ponderação, o montante encontrado na decisão recorrida, de €: 700,00, a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça, mostra-se como adequado, não correspondendo a uma indemnização miserabilista e inaceitável.
Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença na parte recorrida. Custas pelo recorrente. |