Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/12.1BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:07/12/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS
PRESSUPOSTOS
FACTURAÇÃO FALSA
Sumário:1) A efectivação da responsabilidade subsidiária dos Técnicos Oficias de Contas/TOC (artigo 24.º/3, da LGT) depende da alegação e prova de que é imputável ao agente o facto ilícito e de que existe nexo de causalidade entre este e os danos ocasionados.
2) É de exigir a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais que sejam imputáveis ao TOC, a título de negligência ou dolo.
3) É de exigir, igualmente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do técnico oficial de contas e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o TOC exerce as suas funções profissionais.
4) Dos autos resultam demonstrados, quer o nexo de imputação dos factos ao revertido, quer o nexo de causalidade entre estes e o prejuízo causado ao Estado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 2223/2275, que julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal intentada por P... contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de ..., por reversão de dívidas da sociedade “B... Unipessoal, Lda.”, relativas a IVA e respectivos juros compensatórios no montante total de € 1.123.929,02, do período compreendido de Janeiro a Setembro de 2011.
Nas alegações de recurso de fls. 2304/2315, o recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Invoca a preterição do princípio da plenitude da assistência do juiz (artigo 605.º do CPC), dado que o juiz da inquirição das testemunhas e o juiz da sentença não são os mesmos (conclusões I) a XI)).
2) Invoca erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, dado que estão demonstrados nos autos os pressupostos da reversão quanto ao oponente (artigo 24.º/3, da LGT) (conclusões XII) a XXVIII).
A este propósito, afirma que:
i) Extrai-se dos documentos constantes dos autos que o revertido, enquanto TOC da sociedade devedora originária, violou os deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilísticas e fiscal, ou de assinatura e declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos, no período em causa, e não observou o dever de verificar a conformidade entre a informação que lhe era fornecida para efeitos de contabilidade pelas sociedades em causa e a realidade patrimonial das mesmas;
ii) Extrai-se daqueles documentos que o ficheiro SATFT, remetido aos serviços inspectivos, em 17.10.2011, em 25.10.2010, apenas continha os saldos de abertura das contas e não evidenciava o registo de qualquer documento;
iii) Extrai-se daqueles documentos que na contabilidade da sociedade devedora originária não existem registos de pagamentos efectuados por esta, no ano de 2011, à sociedade S... Unipesoal, Lda., sua alegada fornecedora;
iv) Extrai-se daqueles documentos que não existem declarações e registos contabilísticos e pagamentos a trabalhadores, tanto na contabilidade da S... Unipessoal, Lda., como na contabilidade da M..., Unipessoal, Lda. no ano de 2011;
v) Extrai-se daqueles documentos que a M..., Unipessoal, Lda. só tinha como cliente a S... Unipessoal, Lda., e só tinha proveitos;
vi) Atenta a sua qualidade de TOC das três sociedades, o oponente não podia desconhecer nenhum destes factos;
vii) A execução da contabilidade da sociedade devedora originária, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa foi in casu preterida pelo oponente, o que configura violação dos seus deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.
3) Requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos previstos no n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, tendo em consideração a diminuta complexidade da presente causa e o comportamento irrepreensível de ambas as partes no decorrer de todo o processo.

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Não há registo de contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 2324/2326), no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

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II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) «O Oponente, P..., é Técnico Oficial de Contas (TOC), sendo portador da cédula profissional n.º ... (cfr. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial – PI);
B) Em 30/05/2011, o Oponente solicitou à Ordem dos TOC escusa da assinatura na declaração fiscal de rendimentos (Modelo 22) do exercício de 2010 da sociedade «M... – Soldadura de Alta Precisão, Unipessoal, Lda.», com fundamento em limitações de âmbito técnico verificadas por parte da sociedade na fundamentação dos seus gastos e proveitos (cfr. fls. 196 do PEF);
C) Em 30/06/2011, a Ordem dos TOC respondeu ao Oponente remetendo autorização de recusa de assinatura de declarações fiscais ( cfr. fls. 212 a 214 do PEF);
D) Em 11/07/2011, o Oponente, em nome da sociedade «... – Assessores Tributários e Financeiros, Lda.», remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças do ... um requerimento, nos termos do qual se identifica como TOC da S... – Construção, Ferros, Máquinas e Utensílios, para a Soldadura de Alta Precisão Unipessoal, Lda. e informa que não foi dado cumprimento à obrigação declarativa prevista na alínea b), n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, referente ao segundo trimestre de 2011, em virtude de não ter sido atempadamente fornecida toda a documentação de suporte e demais informações necessárias ao cumprimento daquela obrigação fiscal, e que se desvinculou como TOC da sociedade com referência a 08/07/2011 (cfr. fls. 1673 a 1675 dos autos em suporte físico);
E) Com data de 15/07/2011, O Oponente remeteu à Ordem dos TOC carta registada com aviso de receção, por meio da qual informa da possível existência de irregularidades por parte da «M... – Soldadura de Alta Precisão, Unipessoal Lda.», o que faz com os seguintes fundamentos:
«À eventual ausência de fundamento à geração dos proveitos declarados nos exercícios de 2010 e 2011, pela sociedade aqui referida, nomeadamente, quanto aos factores de produção necessários (mão-de-obra contratada, matérias-primas, subsidiárias e de consumo, etc. …). À presente data, a sociedade possui dívidas conhecidas perante a Direção-Geral de Contribuições e Impostos em sede de IVA por 911.163,59 € e IRC 802.651,94 €, não demonstrando interesse conhecido em regularizar a situação, apesar de devidamente informada (em anexo as respectivas comunicações). De forma conhecida, a sociedade aqui referida possui como cliente único, a sociedade “S... – Construção, Ferros, Máquinas e Utensílios para Soldadura de Alta Precisão, Unipessoal, Lda.”, com NIF ..., sendo que esta por sua vez, possui como cliente único a sociedade “B... – UNIPESSOAL, LDA”, com NIF ..., conforme demonstram os balancetes analíticos junto enviados para V/apreciação à data de 31/12/2010 e 31/03/2011» (cfr. fls. 219 do PEF);
F) Em 29/07/2011, a Ordem dos TOC respondeu ao Oponente, comunicando que a situação por este descrita não configura crime público e, como tal, não se enquadra no artigo 58.º do EOTOC (cfr. fls. 231 do PEF);
G) Em 21/12/2011, o Oponente dirigiu à Ordem dos TOC uma carta com o assunto «PARTICIPAÇÃO NOS TERMOS ART.º 58 EOTOC // B... (NIF ...)», da qual se extrai o seguinte:
«…venho por este meio e para os efeitos que considerarem adequados informar V. Exa(s). relativamente à sociedade “B... – Unipessoal, Lda.” com NIF ... no âmbito do projeto de relatório de inspeção tributária, o qual me foi dado conhecimento no passado dia 19/12/2011 conforme correio eletrónico da Sra. R... (funcionária da sociedade …), é presumida a utilização de faturas que não correspondem a operações reais por parte da sociedade supra referida.
Até ao presente momento, a sociedade em causa não me prestou qualquer esclarecimento verbal, e, ou, escrito sobre a situação relatada no projeto de relatório da inspeção tributária indicado no parágrafo anterior.
Atendendo ao exposto, venho por este meio solicitar a V. Exa(s). autorização para escusa de assinatura na declaração fiscal de rendimentos (Modelo 22), como também, a respetiva declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES/DA) do exercício de 2011 e subsequente cancelamento da prestação de serviços.
Informo ainda V. Exa(s). no seguimento das limitações de âmbito praticadas pelas sociedade M...… e S...… e respetiva falta de pagamento de honorários, foi efetuada a denúncia do contrato de prestação de serviços em 28/06/2011 e 08/07/2011 respetivamente. (…)» (cfr. fls. 283 e 284 do PEF);
H) Na sequência de inspeção à escrita da sociedade B... relativamente aos exercícios de 2010 e 2011, foi, em 29/12/2011, elaborado o relatório de inspeção tributária, de cujas conclusões se extrai o seguinte: // «(…)
II – 3.2 – CONTABILIDADE
A sociedade dispõe de contabilidade regularmente organizada, nos termos da legislação comercial e fiscal, tendo optado pelo recurso a meios informáticos para o apuramento e controlo do lucro tributável.
A responsabilidade pela sua execução recai sobre os seguintes TOC’s:

ExercícioTécnico Oficial de Contas responsávelEmpresa prestador dos serviços
2010A...,      NIF: ...P... – Management and Services, Lda.
2011P... NIF: ......  – Assessores Tributários e Financeiros, Lda.

(…)
II – 3.5 – OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS
De acordo com a informação constante em sistema, não se encontram em falta, na presente data, quaisquer declarações. // (…) // II-3.9 – DESCRIÇÃO DOS FACTOS APURADOS
Em 2010.01.05 é constituída a sociedade unipessoal B... – Unipessoal, Lda. (…).Segundo se apurou durante o decurso da acção, a constituição da mesma, surge no âmbito de concurso lançado para a realização da obra de reestruturação e ampliação da refinaria da G... em ..., realizando um contrato de subempreitada com a empresa C... Proyectos M. Industriales SA – Sucursal em Portugal (…) para a execução de uma parte da obra que, por sua vez, foi subcontratada pela sociedade Técnicas Reunidas SA, a qual detém o contrato de execução junto da G... Energia (…). // (…)
ASPECTOS A DESTACAR:
· Durante os 3 primeiros trimestres de actividade, a empresa apurou imposto a pagar em montantes bastantes significativos.
· A partir do último trimestre de 2010 esta situação inverte-se, apurando nesse
trimestres um crédito de imposto no valor de € 1.062,10.
· No mesmo período o volume de negócios cresce 275% e o imposto liquidado 183%.
· Por outro lado o imposto deduzido relativamente a gastos com Outros Bens e Serviços cresceu em 990%, ou seja, sofreu um crescimento muito mais acentuado e não proporcional ao crescimento das vendas.
(…)
II – 3.10 – VERIFICAÇÕES EXTERNAS
II – 3.10.1 FICHEIROS SAFT – T
Entrou-se em contacto com ambos os técnicos oficiais de contas (já anteriormente identificados) e solicitaram-se os ficheiros SAF-T (contabilidade e facturação) relativos a 2010 e 2011, tendo ambos procedido ao respectivo envio.
Todavia, relativamente ao ficheiro SAF-T da contabilidade do ano 2011, a informação aí constante apenas incluía os saldos de abertura das contas (em 01/01/2011), não evidenciando o registo de qualquer documento. Facto esse que se transmitiu ao TOC (18/10/2011), solicitando a resolução do problema, e o envio, desde logo, de balancete analítico e extratos de todas as contas com movimentos (enviados na mesma data).
Relativamente ao problema com o ficheiro SAF-T (contabilidade) o TOC referiu (telefonicamente) que desconhecia a razão por que tal terá ocorrido, alegando que teria que solicitar a resolução do problema junto da “software hause”.
Apenas em 18/11/2011, procedeu finalmente ao envio do referido ficheiro contendo todos os registos efetuados até essa data.
A importância de que se revestia a análise da informação contida no ficheiro SAF-T, em contraponto com a informação disponibilizada através do balancete analíticos e extratos da conta, prende-se com o facto de através do programa analisador ser possível ter acesso à data efetiva do registo dos documentos, o que no caso em concreto é relevante.
Conforme se descreverá no ponto seguinte do presente relatório, as evidências conduzem à conclusão de que as faturas emitidas pela empresa fornecedora S..., Lda. apenas são emitidas e, consequentemente registadas, após se proceder ao apuramento do imposto que haveria a pagar, caso essa faturação não existisse. Através da data de registo dos documentos na contabilidade seria possível comprovar, sem sombra de dúvida, que tal seria o procedimento adotado.
Procedendo à análise do referido ficheiro, mais concretamente ao registo das diversas faturas emitidas pela referida empresa, constatou-se que no campo “data gravação” consta uma data igual à data do documento.
(…) Consultaram-se diversos movimentos, relativos aos registos em diversas contas, verificando-se sempre o mesmo facto – “data gravação” igual à “data”.
Ao campo “data” deverá corresponder a data de emissão documento e ao campo “data gravação” a data em que o respetivo registo é efetuado no programa de contabilidade.
As duas datas não podem, de todo, ser coincidentes, mesmo porque, no extrato de conta enviado em 18/10/2011 o documento acima identificado ainda não se encontrava registado, como poderia então ter como data de gravação 01/09/2011?!
Pelo que se conclui que o mesmo ficheiro terá sido adulterado, por forma a não evidenciar a data em que os documentos foram efetivamente registados na contabilidade.
II – 3.9.1 VERIFICAÇÃO DOCUMENTAL
(…) // I. Conclusões
Tendo em conta o descrito, conclui-se:
Ø Até Outubro de 2010, a B... apresentava uma conduta, que se poderá considerar de normal, sem apresentar evidências que pudessem conduzir a dúvidas quanto à possível ocorrência de qualquer irregularidade fiscal.
Ø A partir de Outubro de 2010, a forma de atuação da empresa, no que diz respeito aos seus fornecedores, sofre uma alteração de fundo.
Ø As empresas constituídas, Mus...ec e S...:
- Não possuem qualquer estrutura empresarial;
- Não tem funcionários; Nunca deram entrada nas instalações da obra;
- A descrição das faturas emitidas por estas corresponde a serviços que são executados pela B..., que dispõe, essa sim, dos funcionários necessários para a sua execução.
Ø Os únicos pagamentos efetuados pela B... à S... (não registados na contabilidade da B..., mas identificada a saída dos cheques na conta bancária através do respetivo extrato de conta) totalizaram apenas € 225.000,00, valor que fica muito aquém dos serviços que foram faturados (€9.030.202,92 até 2011.09.30), ou seja o circuito económico (faturação), não é acompanhado pelo correspondente circuito financeiro (pagamento), apesar de a contabilidade da empresa não revelar a existência de qualquer problema de tesouraria, muito pelo contrário, as contas de disponibilidades (caixa e bancos) apresentam, invariavelmente, saldos superiores a €3.000.000,00.
Ø O que nos leva à conclusão de que as mesmas faturas não correspondem a operações reais, mas sim, a operações simuladas, sendo a faturação emitida por ambas as empresas falsa.
Ø A constituição da M... e da S... parece ter sido apenas como objetivo a dedução de IVA e de custos na B....
Ø A conduta adotada pelas três empresas (M..., S... e B...) assim como as relações estabelecidas entre elas (descritas ao longo do presente relatório) permite-nos concluir que estamos perante um esquema montado que tem como único objetivo a fraude e a evasão fiscal:
- A M... apenas tem proveitos, é declarante, apurando elevados montantes de imposto a entregar (em sede de IVA e IRC) mas não faz entrega nos cofres do estado de qualquer valor. A S... serve de “tampão”, é declarante e paga os montantes do imposto apurado (em sede de IVA e IRC) que são de valor pouco significativo.
- A B... é o recetor de faturação falsa, usufruindo da dedução do IVA e do custo em sede de IRC.
Ø Em 22 de Novembro de 2011 foram concluídas pela Direção de Finanças do Porto as ações inspetivas, OI201103348 e OI2011, abertas respetivamente em nome de M... e da S..., através das notificações dos respetivos relatórios finais.
Conclusões do Relatório Final da Ordem de Serviço OI201103349 aberta em nome da sociedade S..., Unipessoal Lda.
“Nas ações inspetivas à M... e à S... verificaram-se diversos factos que indiciam que as faturas emitidas por estas duas empresas não correspondem a operações reais, nomeadamente:
- A M... não ter qualquer empregado, nem ter contabilizado quaisquer custos de recurso a subcontratação ou de aquisição de materiais;
- Os montantes faturados pela M... à S... serem muito elevados (€ 4.186.571,96 entre 28.10.2010 e 31.03.2011), o valor faturado no próprio dia em que estas duas empresas foram constituídas e no dia seguinte perfaz € 1.142.700;
- Existir apenas um recebimento na S... e na M..., de valor pouco significativo, face aos montantes faturados por estas duas empresas;
- Os únicos custos relevantes contabilizados pela S... serem as faturas da M...;
- A S... não ter qualquer empregado, nem ter na sua contabilidade, para além das faturas da M..., quaisquer custos de recurso a subcontratação ou de aquisição de materiais; Não ser conhecida qualquer estrutura nem da M..., nem da S... (instalações, equipamentos) adequada à prestação de serviços de montantes tão elevados;
- A M..., a S... e a B... têm em comum o facto de serem sociedades unipessoais, detidas por indivíduos de nacionalidade espanhola e terem o mesmo técnico oficial de contas (P...). A M... e a S... foram constituídas no mesmo dia e no mesmo local, tendo em ambas as escrituras tido intervenção como intérprete P...;
- A única sociedade com dívidas é a M.... A S... apresenta uma situação fiscal aparentemente regular, parecendo funcionar como "ponte" entre a M... e a B...;
- A constituição da M... e da S... parece ter tido apenas como objetivo a dedução de IVA e de custos na empresa B.... "
De acordo com as conclusões acima descritas foi proposta a cessação oficiosa, com efeitos a 30.09.2011, de ambas as sociedades, M... e a S..., por se considerarem reunidos os pressupostos legais, para efeitos de IVA, nos termos do n.º 2 do art.º 34º do Código do IVA e para efeitos de IRC, nos termos do n.º 6 do art.º 8.º do Código do IRC.
Em conformidade com as conclusões retiradas da análise efetuada, proceder-se-á, no capítulo III do presente relatório, ao apuramento das correspondentes correções, quer em sede de IVA quer em sede de IRC.
A utilização de faturas que não correspondem a operações reais consubstancia a prática do crime de fraude qualificada punível nos termos do n.º 2 do artigo 104.º do RGIT, (…)» // (cfr. fls. 78 a 95 do PEF);
I) Com data de 31/01/2012, O Oponente remeteu à B... uma carta com o assunto «DENÚNCIA DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS», da qual resulta que:
«… vimos por este meio informar V. Exa(s). que a falta reiterada de entrega dos documentos, e, ou, entrega tardia dos mesmos, com significância contabilística e respetivos esclarecimentos acessórios, essenciais à elaboração nos termos legais da contabilidade da V/ sociedade (…) confirma uma limitação insuperável de âmbito técnico.//Dessa forma, comunicámos a V. Exa(s). a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado no dia nove de Setembro de dois mil e onze, ao abrigo do parágrafo 2º da Cláusula Oitava do referido contrato, em virtude das sérias limitações de âmbito causadas ao n/Serviço Técnico com efeitos imediatos a partir do dia 01/02/2012» (cfr. fl s . 252 a 254 do PEF);
J) Em 05/03/2012, o Oponente remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... uma carta, nos termos da qual, na qualidade de TOC da B..., informava que não ia ser dado cumprimento à obrigação declarativa prevista na alínea c), n.º 1, do Artigo 119.º do Código do IRC referente ao exercício de 2011 (Declaração Modelo 10), porque a referida sociedade não forneceu atempadamente toda a documentação de suporte e demais informações necessárias ao cumprimento daquela obrigação fiscal e, ainda, que se tinha desvinculado das funções de TOC da referida sociedade com efeitos a 01/02/2012 (cfr. fls. 264 a 268 do PEF);
K) Contra a sociedade B... foi instaurado, em 28/04/2012, o processo de execução fiscal n.º 2259201201006070, pelo Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva de dívidas de IVA e juros compensatórios, no montante global de Eur. 1.682.452,70 (cfr. fls. 1 a 17 do PEF);
L) Em 30/04/2012, o Oponente dirigiu ao Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... fax com o assunto «Comunicação (Modelo 30 de Janeiro/2012)» e por referência à sociedade B..., da qual resulta que «…não será dado cumprimento à obrigação declarativa prevista no nº 7  do Artigo 119.º do CIRS e Artigo 128º do CIRC referente ao mês de Janeiro de 2012 (Declaração Modelo 30), em virtude da sociedade supra referida não ter fornecido atempadamente toda a documentação de suporte e demais informações necessárias ao cumprimento da referida obrigação fiscal.//Mais informo V.Exa(s)., para o efeito, a sociedade para qual prestava trabalho rescindiu o respectivo contrato de prestação de serviços com a sociedade “B... UNIPESSOAL LDA” e NIF ... com efeitos a 01/02/2012, confirmando dessa forma, a minha desvinculação como TOC da sociedade supra à data de 01/02/2012, da qual junto os respectivos documentos» (cfr. fls. 19 do PEF)
M) Em 30/05/2012, foi dirigido à B..., por carta registada com aviso de receção, o ofício “CITAÇÃO”, por meio do qual foi comunicada a instauração do processo de execução fiscal melhor identificado na alínea A) supra, para cobrança coerciva do montante global de Eur. 2.148.588,50 (cfr. fls. 30 a 31 do PEF);
N) Em 05/06/2012, a Ordem dos TOC remeteu ao Oponente um ofício com a referência CR/DJ/Proc. N.º 195/12 e assunto «Reconhecimento de motivo justificado para a recusa de assinatura, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 54.º do EOTOC», comunicando-lhe a autorização de recusa de assinatura das declarações fiscais da B... relativas ao exercício de 2011 ( cfr. fls. 278 a 280 do PEF);
O) Em 05/06/2012, o Oponente remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... uma carta, nos termos da qual, na qualidade de TOC da B..., informava que não ia ser dado cumprimento à obrigação declarativa prevista no n.º 1, do Artigo 120.º do Código do IRC referente ao exercício de 2011 (Declaração Modelo 22), porque a referida sociedade não forneceu atempadamente toda a documentação de suporte e demais informações necessárias ao cumprimento daquela obrigação fiscal e, ainda, que se tinha desvinculado das funções de TOC da referida sociedade com efeitos a 01/02/2012 (cfr. fls. 269 a 273 do PEF);
P) Por despacho de 20/08/2012, o Chefe do Serviço de Finanças de ... determinou a preparação do processo com vista à reversão contra o ora Oponente, P... (cfr. fls. 102 do PEF);
Q) Com data de 20/08/2012, foi dirigido ao Oponente o ofício «NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO-PRÉVIA (REVERSÃO)», do qual se extrai como fundamento para a reversão:
«Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (art.º 23.º/n.º 2 da LGT);
Dos técnicos oficiais de contas, por existir prova da violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal, ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos (art. 24.º/n.º 3 LGT), conforme fundamentação em anexo» (cfr. fls. 124 do PEF);
R) Do Anexo que acompanha o ofício melhor identificado na alínea anterior extrai-se o seguinte:
1. A dívida a que se reportam os autos de execução fiscal em epígrafe inclui IVA de janeiro a setembro de 2011, apurado em ação de inspeção inserida no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI201101125 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, período em que P..., contribuinte n.º ..., foi responsável pela contabilidade, na qualidade de Técnico Oficial de Contas da executada.
2. O Despacho para Audição (Reversão), a que se reporta o presente Anexo, sustenta a projetada reversão contra o peticionário por existir prova da violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal, ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos (art.º 24.°, n." 3 da Lei Geral Tributária [LGT]), sendo a prova resultante do Relatório da Inspeção Tributária de Setúbal - Ordem de Serviço n.º 01201101125, com eficácia definitiva e executória.
3. A referida Ordem de Serviço teve origem numa comunicação da Direção de Finanças do Porto que indiciava o registo de faturas em conta de custos na contabilidade da originária executada B... Unipessoal, Lda., e que não ofereciam garantia de corresponderem a transmissões efetivas, identificando esquema de potencial crime de evasão e fraude fiscal, que envolve três sociedades unipessoais com sócios de nacionalidade espanhola, duas delas com sede no Porto, a M... -Soldadura de Alta Precisão Unipessoal, Lda. e S... - Construção, Ferros, Máq. e Utensílios para Soldadura de Alta Precisão Unipessoal, Lda. e uma com sede em ..., a B... Unipessoal, Lda.;
4. Em 2011.11.22 foram concluídas pela Direção de Finanças do Porto as ações inspetivas nº 01201103348 e 01201103349, abertas respetivamente em nome de M... e da S..., através das notificações dos respetivos relatórios finais, no seguimento das quais foi aberta a citada Ordem de Serviço nº 01201101125 dos Serviços de Inspeção Tributária de Setúbal;
5. As conclusões do Relatório Final da Ordem de Serviço nº 01201103349, da Direção de Finanças do Porto, aberta em nome da S... Unipessoal, Lda., foram as seguintes: "Nas ações inspetivas à M... e à S... verificaram-se diversos factos que indiciam que as faturas emitidas por estas duas empresas não correspondem a operações reais, nomeadamente:
- A M... não ter qualquer empregado, nem ter contabilizado quaisquer custos de recurso a subcontratação ou de aquisição de materiais;
- Os montantes faturados pela M... à S... serem muito elevados (€ 4.186.571,96 entre 28.10.2010 e 31.03.2011), o valor faturado no próprio dia em que estas duas empresas foram constituídas e no dia seguinte perfaz € 1.142.700;
- Existir apenas um recebimento na S... e na M..., de valor pouco significativo, face aos montantes faturados por estas duas empresas;
- Os únicos custos relevantes contabilizados pela S... serem as faturas da M...;
- A S... não ter qualquer empregado, nem ter na sua contabilidade, para além das faturas da M..., quaisquer custos de recurso a subcontratação ou de aquisição de materiais;
- Não ser conhecida qualquer estrutura nem da M..., nem da S... (instalações, equipamentos) adequada à prestação de serviços de montantes tão elevados;
- A M..., a S... e a B... têm em comum o facto de serem sociedades unipessoais, detidas por indivíduos de nacionalidade espanhola e terem o mesmo técnico oficial de contas (P...). A M... e a S... foram constituídas no mesmo dia e no mesmo local, tendo em ambas as escrituras tido intervenção como intérprete P...;
- A única sociedade com dívidas é a M.... A S... apresenta uma situação fiscal aparentemente regular, parecendo funcionar como "ponte" entre a M... e a B...;
- A constituição da M... e da S... parece ter tido apenas como objetivo a dedução de IVA e de custos na empresa B.... "
6. De acordo com as conclusões acima descritas foi proposta a cessação oficiosa, com efeitos a 30.09.2011, de ambas as sociedades, M... e a S..., por se considerarem reunidos os pressupostos legais, para efeitos de IVA, nos termos do n.º 2 do art.º 34º do Código do IVA e para efeitos de IRC, nos termos do n.º 6 do art.º 8.º do Código do IRC.
7. Resultam da atrás identificada Ordem de Serviço n.º OI201101125 dos Serviços de Inspeção Tributária de Setúbal os seguintes factos:
8. Em 05.01.2010 é constituída a sociedade unipessoal B... Unipessoal, Lda.;
9. Segundo se apurou durante o decurso da ação de inspeção, a constituição da mesma surge no âmbito de concurso lançado para a realização da obra de reestruturação e ampliação da refinaria da G... em ..., realizando um contrato de subempreitada com a empresa C... Proyectos M. Industriales SASucursal em Portugal, para a execução de uma parte da obra que, por sua vez, foi subcontratada pela sociedade Técnicas Reunidas SA (espanhola) a qual detém o contrato de execução junto da G... Energia;
10. Conforme se pode comprovar pela análise  do contrato celebrado pela B... Unipessoal, Lda, trata-se de uma prestação de serviços sem incorporação de materiais, sendo os mesmos fornecidos pela C... SA;
11. Foi assinado um primeiro contrato em 21.06.2010 no valor global de 4.740.252 € e uma adenda ao mesmo em 13.07.2010 no valor de 1.000.000 €, sendo os valores aí previstos estimados, podendo sofrer variação;
12. Junto à adenda ao contrato, encontra-se cópia de carta, redigida em espanhol, datada de 2010.01.08, dirigida pela C... SA à empresa P..., com sede em Espanha, referindo-se à aceitação de uma proposta que terá sido apresentada por esta última, referente à execução da obra a realizar na refinaria da G... em ...;
13. Pelo teor desta carta deduz-se que esta empresa espanhola, a P..., está intimamente ligada à criação da empresa B... Unipessoal, Lda., dedução essa reforçada pelo facto de, como a seguir se descreverá, existirem situações de faturação da primeira à segunda, com posterior anulação com contornos pouco claros;
14. Efetivamente, em Dezembro de 2010 são anuladas faturas de prestação de serviços efetuados ao longo do ano, emitidas pela empresa P... Oil sediada em Espanha, através de uma Nota de Crédito no valor de 540.000 € com a seguinte descrição: "Fatura Abono";
15. Esta anulação apresenta contornos pouco claros, dado não se entender como é possível anular faturas relativas a serviços já prestados, o que evidencia as relações especiais existentes entre elas, visto que tal situação não seria exequível entre entidades independentes, vindo reforçar a ideia de que será esta empresa que se encontra por trás da constituição, em Portugal, da empresa B..., e por consequência, igualmente da M... e da S...;
16. De acordo com o esquema a seguir descrito, foram constituídas três empresas, todas unipessoais e de sócios de nacionalidade espanhola e que mais não são que sucursais da sociedade P... Oil SI, esta sediada em Espanha, e que no seu conjunto só a B... presta serviços efetivos em território nacional, sendo que a Muls...rec e a S... apenas foram constituídas para "fabricar" custos na B... dado que:
- Não possuem qualquer estrutura empresarial;
- Inexistência de pessoal ao seu serviço;
- Os valores faturados não foram pagos;
- A descrição das faturas emitidas por estas corresponde a serviços que são executados pela B..., que dispõe, essa sim, dos funcionários necessários para a sua execução.
- A M... fatura para a S..., é declarante mas não paga os impostos devidos, estando já classificada como devedor estratégico para efeitos fiscais;
- A S..., que fatura para a B... com um valor acrescentado mínimo, é declarante e paga os valores apurados que são irrisórios face ao volume de faturação;
Não consta que as empresas M... e S... tenham entrado nas instalações da refinaria da G... em ... nem qualquer empregado seu;
- Segundo declarações obtidas os serviços faturados à B... são efetuados por um empregado seu e não por terceiros.
17. O esquema sintetiza-se da seguinte forma:
- A M... apenas tem proveitos, é declarante, apurando elevados montantes de imposto a entregar em sede de IVA e IRC, mas não faz entrega nos cofres do estado de qualquer valor;
- A S... serve de "tampão", é declarante e paga os montantes de imposto apurado em sede de IVA e IRC, que são de valor pouco significativo;
- A B... é o recetor da faturação falsa, usufruindo da dedução do IVA e do custo em sede de IRC;
18. Ambas as empresas M... e S... foram constituídas em 27.10.2010, sob a forma de sociedades unipessoais por sócios de nacionalidade espanhola, vindo referido em cada uma das escrituras a intervenção de um intérprete, motivada pelo facto dos respetivos sócios serem de nacionalidade espanhola, que foi o Senhor P..., nomeado Técnico Oficial de Contas de ambas as empresas.
19. Essas empresas têm sede no mesmo edifício localizado no Porto (onde segundo a informação enviada pela Direção de Finanças do Porto não existe qualquer estrutura empresarial), não tendo nenhuma delas funcionários.
20. A M... emite à S..., durante o primeiro trimestre de 2011, nove faturas num total de 1.626.966,96 €, liquidando IVA no montante de 374.202,40€.
21. Procede à entrega da declaração de IVA mas não efetua a correspondente entrega de imposto nos cofres do estado.
22. A S... fatura à B..., até 30.09.2011, 9.030.202,92 € (com IVA incluído) dos quais esta lhe paga 225.000 €.
23. Este pagamento está apenas registado na contabilidade da S..., não se verificando o registo de qualquer pagamento na contabilidade da B..., como referido no ponto 40.
24. Desta faturação, apenas declarou e entregou nos cofres do estado o montante de
2.753,40 €.
25. Importa aqui referir que ambas as empresas M... e da S... se encontram em situação faltosa em sede de IVA e IRC, não tendo sido entregues as declarações periódicas de IVA dos 2.° e 3.° trimestres de 2011 e a declaração modo 22 de IRC de 2011 embora, tendo por base os elementos recolhidos junto da B..., assim como os valores declarados por esta nas respetivas declarações periódicas entregues, a S... continua a emitir faturação, que ascende até ao final do 3.° Trimestre de 2011, ao valor global de 7.383.422,60 € de base tributável e a 1.646.780,32 € de IVA liquidado;
26. Em face do explanado, conclui-se que a conduta adotada pelas três empresas teve por objetivo a fraude e evasão fiscal, sendo que no caso da B... esta utiliza como custo faturas que não correspondem a transações efetivas e consequentemente são falsas, permitindo assim reduzir o IRC e o IVA a pagar;
27. Com a conduta descrita, a originária executada incorre em presumível prática de crime de fraude qualificada, cujo processo corre termos na Direção de Finanças de Setúbal;
28. No que tange, mais detalhadamente, à envolvência e conduta do Técnico Oficial de Contas P..., [há] que tomar em consideração o seguinte:
29. Foi contratado como Técnico Oficial de Contas da B... Unipessoal, Lda com efeitos a partir de Janeiro de 2011, ficando responsável pela contabilidade para o exercício do ano de 2011.
30. Foram, durante o ano de 2011, registadas faturas em conta de custos na contabilidade da executada B... Unipessoal Lda. que não correspondiam a transmissões efetivas.
31. A partir de outubro de 2010 e até setembro de 2011 ocorrem diversas situações, aqui descritas, as quais conduzem à “transformação” da executada que, de contribuinte líquido de imposto (IVA), se “transforma” num contribuinte em situação de créditos de imposto ou com entregas de valor pouco significativo.
32. Em consequência da dedução de imposto incluído nas faturas emitidas pela S..., verifica-se que a partir de outubro de 2010 a executada alterou de forma drástica o montante de imposto (IVA) apurado, que passa de montantes bastante significativos (280.296,18€ de total de imposto pago nos primeiros três trimestres de 2010), para valores negativos, ou de imposto a pagar de valor pouco significativo (apenas 2.155,53 € do 4.º trimestre de 2010 ao 3.º de 2011);
33. Estas alterações são resultantes da contabilização como custo de faturação efetuada pela S..., verificando-se que essas faturas correspondem invariavelmente aos documentos lançados em último lugar, em cada mês, pelo que seriam emitidas e contabilizadas apenas no momento de apuramento do IVA para preenchimento da correspondente declaração periódica e de acordo com as "necessidades";
34. Ficou, na verdade, provado, através da análise dos ficheiros informáticos de contabilidade e faturação da B..., SAF- T, que as facturas emitidas pela empresa S..., Lda., apenas são emitidas e, consequentemente, registadas, após  se  proceder  ao  apuramento  do  imposto  que  haveria  a  pagar  pela B..., caso essa faturação não existisse;
35. Procedendo-se, ainda, à análise do referido ficheiro, mais concretamente ao registo na contabilidade da B... das diversas facturas emitidas pela S..., Lda., constatou-se que no campo "data gravação" consta uma data igual à data do documento;
36. Consultaram-se diversos movimentos, relativos aos registos em diversas contas, verificando-se sempre o mesmo facto - "data gravação" igual à "data";
37. Ao campo "data" deverá corresponder a data de emissão do documento e ao campo "data gravação" a data em que o respetivo registo é efetuado no programa de contabilidade, pelo que as duas datas não podem, de todo, ser coincidentes, mesmo porque, como exemplo, no extrato de conta enviado aos serviços de inspeção tributária e a seu pedido em 18.10.2011, o documento com o número de arquivo 409015-compras, ainda não se encontrava registado. No entanto, surge com data de gravação de 01.09.2011, pelo que se conclui que o referido ficheiro terá sido adulterado, por forma a não evidenciar a data em que os documentos foram efetivamente registados na contabilidade.
38. Analisados os elementos de escrita da B..., foi verificado que durante os finais de Outubro de 2010 e pelo menos até Setembro de 2011, foram registadas em custos e na conta 52-Subcontratos, bem como na conta 2432-IVA dedutível, diversas faturas emitidas pela S... Unipessoal, Lda., com indicação de prestação de serviços de valores significativos. Porque estes custos têm um peso relevante na determinação do resultado da atividade e no IVA a entregar nos cofres do Estado, foi aprofundado o circuito das faturas em causa e necessidade dos custos referidos nas mesmas para obtenção dos proveitos;
39. Constatou-se, também, através das reconciliações bancárias, que se verificaram saídas da conta do Banco BPI da executada para as quais não foi apresentado qualquer documento comprovativo,
40. Os únicos pagamentos efetuados pela B... à S... (não registados na contabilidade da executada, mas identificada a saída dos cheques na conta bancária através do respetivo extrato de conta) totalizaram apenas 225.000 €, valor que fica muito aquém dos serviços que foram faturados (9.030.202,92€ até 30.09.2011) ou seja, o circuito económico (faturação) não é acompanhado pelo correspondente circuito financeiro (pagamento), apesar de a contabilidade da executada não revelar a existência de quaisquer problemas de tesouraria, muito pelo contrário, as contas de disponibilidades (caixa e bancos) apresentam, invariavelmente, saldos superiores a 3.000.000 € concluindo-se, assim, que as faturas não correspondem a operações reais, mas sim a operações simuladas, sendo a faturação emitida por ambas as empresas falsas;
41. As declarações fiscais relativas ao ano 2011, designadamente as declarações periódicas de IVA dos primeiro, segundo e terceiro trimestres do ano de 2011, foram elaboradas e assinadas, através da utilização da sua senha de acesso, pessoal e intransmissível, ao Portal das Finanças na Internet, pelo Técnico Oficial de Contas P...;
42. Não foram apresentadas as declarações modelo 22 de IRC e a Informação Empresarial Simplificada relativas ao ano de 2011.
43. A quantia exequenda a que se reportam os autos de execução fiscal em epígrafe, relativa ao período de janeiro a setembro do ano de 2011 e resultante da referida ação de inspeção, importa no montante de 1.123.929,02 €, não tendo sido objeto de reclamação ou impugnação. (cfr. fls. 125 a 133 do PEF);
S) Em 24/08/2012, o Oponente remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... uma carta, nos termos da qual, na qualidade de TOC da B..., informava que não ia ser dado cumprimento à obrigação declarativa prevista no artigo 121.º do Código do IRC (Informação Empresarial Simplificada) e n.º 7 do artigo 119 do CIRC (Modelo 30) referente ao exercício de 2011, porque a referida sociedade não forneceu atempadamente toda a documentação de suporte e demais informações necessárias ao cumprimento daquela obrigação fiscal e, ainda, que se tinha desvinculado das funções de TOC da referida sociedade com efeitos a 01/02/2012 (cfr. fls. 274 a 277 do PEF);
T) O Oponente exerceu o seu direito de audição prévia por requerimento entrado no Serviço de Finanças de ... em 03/09/2012 (cfr. fls. 136 a 150 a 414 do PEF);
U) Em 08/10/2012, o Chefe de Finanças exarou despacho com o seguinte teor:
«Notificado para exercer o direito de audição acerca do projeto de reversão de 20.08.2012, vem P... exercer, atempadamente, tal direito alegando, em suma:
(…)
Vistas as alegações, cumpre decidir, o que se faz em correlação a cada uma das alíneas em alegação:
a) A responsabilidade assacada tem a sua previsão legal no art.º 24.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT), o qual se reporta a dívidas tributárias, como é o caso do IVA, resultando a legitimidade dos responsáveis subsidiários de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal, de harmonia com o disposto no art.º 9.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O citado RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias) reporta-se a multas ou coimas, o que não é o caso em crise;
b) O papel do TOC perante a Autoridade Tributária e Aduaneira é muito mais do que um mero interlocutor, como pretende o Peticionário, uma vez que, além dos deveres deontológicos, também lhe são imputados os deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos, como dispõe o referido art.º 24.º, n.º 3 da LGT. A disponibilidade a que se refere para com os documentos e averiguações, porque posterior à ocorrência dos factos pelos quais está a ser averiguado, não releva para o procedimento de reversão aqui em causa.
c) O facto de todos os atos por si praticados o terem sido ao serviço da sociedade “... Acessores Tributários e Financeiros, Lda, ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado, nos termos do art.º 51.º, n.º 5 do EOTOC, entre a ... ATF e a B... Unipessoal Lda, não o iliba da sua responsabilidade individual, como dispõe o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC), aprovado pelo D.L. n.º 452/99, de 5 de novembro. Quanto aos princípio e presunção invocados, os mesmos não afastam nem prejudicam os deveres estatutários e deontológicos previstos no referido ECTOC e respetivo Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas;
d) Acerca da invocada presunção, remete-se para o apreciado na alínea anterior. Curiosa, no entanto, a menção acerca da “indispensável” dedutibilidade em sede de IVA…;
e) É evidente que cabe aos sujeitos passivos do IVA e IRC o apuramento e determinação dos valores relativos ao exercício da sua atividade e emissão das respetivas faturas. Porém, caberia ao TOC responsável pela escrita da, neste caso, das sociedades, o especial cuidado de verificar a conformidade entre a informação que lhe era fornecida para efeitos de contabilidade pelas sociedades e a realidade patrimonial das mesmas, como previsto nos art.ºs 6.º, n.º 3 e 51.º, n.º 7, ambos do  ECTOC,  estando-lhe  vedado  aceitar  “cegamente”  todos  os  documentos relevantes para efeitos de apuramento de proveitos e custos que as sociedades lhe faziam chegar, como determinado nos art.ºs 2.º e 3.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas.
f) Conforme apurado no Ponto II-3.10.1 FICHEIROS SAF-T, a páginas 8 do relatório de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal – Ordem de Serviço n.º OI201101125, o qual não foi objeto de qualquer contestação, “relativamente ao ficheiro SAF-T da contabilidade do ano de 2011, a informação aí constante apenas incluía os saldos de abertura das contas (em 01.01.2011), não evidenciando o registo de qualquer documento…” e “Apenas em 18.11.2011, procedeu finalmente ao envio do referido ficheiro contendo todos os registos efetuados até essa data”, rematando que “… as evidências conduzem à conclusão de que as faturas emitidas pela empresa fornecedora S..., Lda apenas são emitidas, e consequentemente registadas, após se proceder ao apuramento do imposto que haveria a pagar, caso essa faturação não existisse. Através da data de registo dos documentos na contabilidade seria possível comprovar, sem sombra de dúvida, que tal seria o procedimento adotado. Procedendo à análise do referido ficheiro, mais concretamente ao registo das diversas faturas emitidas pela referida empresa, constatou-se que no campo data gravação consta uma data igual à do documento”.
g) Quanto à responsabilidade pela execução e planeamento dos pagamentos da B..., remete-se para o apreciado na alínea e) anterior.
h) O alegado não prejudica os fundamentos do Projeto de Reversão.
i) Como expresso no ponto 2 do projeto de reversão (anexo), o relatório da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal – Ordem de Serviço n.º OI201101125, não foi, apesar do seu conhecimento pelo TOC (Doc. 23 1/3), objeto de qualquer contestação tendo, assim, eficácia definitiva e executória.
j) O alegado não prejudica os fundamentos do Projeto de Reversão.
k) O alegado não prejudica os fundamentos do Projeto de Reversão.
l) Os documentos juntos à petição e tidos em conta na sua apreciação em nada contrariam os fundamentos do Projeto de Reversão.
Pelo exposto, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra P..., contribuinte n.º ..., na qualidade de responsável subsidiário de B... Unipessoal, Lda., contribuinte n.º ....
(…)» (cfr. fls. 415 a 420 do PEF);
V) Por ofício «CITAÇÃO (REVERSÃO)», datado de 09/10/2012, foi comunicada ao Oponente, por carta registada com aviso de receção, a reversão contra si da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado na alínea K) supra (cfr. fls. 425 do PEF);
W) A petição inicial da presente oposição foi remetida, por correio eletrónico, em 09/11/2012 no Serviço de Finanças de ... (cfr. fls. 1 a 86 dos autos);
X) Em 28/12/2012, José de Jesus Rodrigues dirigiu ao Oponente uma carta da qual se extrai o seguinte:
«Após análise do ficheiro Saft-T “... B... UNIPESSOAL LDA.», verifica-se que o mesmo foi gerado em 18-11-2011 pela Aplicação “... LINHA 50/... Portugal S.A.” Versão 2011.03.05.
Nesta aplicação e nesta versão, a mesma aplicação de contabilidade teria que guardar a informação das datas de introdução e alteração dos movimentos de acordo com a data e hora de sistema da máquina que executa essa operação. Tratasse de uma função interna da aplicação sem qualquer influência do utilizador de dados. Neste caso  a  aplicação  não  efectuou  qualquer  registo  adicional  para  além  dos movimentos contabilísticos. // (…) //
Para estes casos, a própria portaria, prevê que não existindo essa informação (…) o sistema deve assumir a data do documento.
A aplicação o que faz é isso, se essa informação não existir, coloca a data do documento como se verifica no ficheiro Saft-T em causa» (cfr. fls. 408 do PEF);
Y) A aplicação Linha Contabilidade da ... que criava o ficheiro SAF-T PT não permitia introduzir a data de registo do documento, assumindo, automaticamente, que essa data correspondia à data do documento (depoimento das testemunhas S... e J... )»

*

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório. // Mais se atentou na prova testemunhal produzida nos presentes autos:
- S…, responsável pelo suporte a clientes na ..., afirmou conhecer o Oponente por contactos telefónicos e por email no âmbito do suporte à aplicação que aquele adquiriu e que gera o ficheiro SAF-T e enquanto cliente da ....
Resultou do depoimento desta testemunha que o Oponente contactou o departamento que chefia, para colocar uma questão relativamente à aplicação SAF-T relativamente ao exercício de 2011 e se prendia com o facto de esta aplicação assumir como data de registo a data do documento, ou seja, do movimento contabilístico. Esta questão respeitava a um problema da própria aplicação que foi corrigido após os contactos encetados pelo Oponente, tendo sido considerado ultrapassado pela ... em 09/10/2012. Era uma anomalia da aplicação que não permitia preencher a data do lançamento e que, na ausência desse preenchimento, assumia a data da fatura. Não sabe se houve ou não adulteração do campo, mas a aplicação até Setembro de 2012 não estava a preencher esse campo e assumia a data do documento. A aplicação tinha esta anomalia para todos os clientes .... Nos termos da portaria que regia esta questão, sendo um campo obrigatório, no momento da geração se o programa não conseguisse ler o campo ia buscar a data do documento. A testemunha esclareceu que o campo de data de registo não é de preenchimento facultativo, mas não é editável pelo utilizador, tratava-se de um campo automático interno pela aplicação. Não tiveram queixas de outros clientes, mas a aplicação até à data em que foi corrigida esteve a funcionar para todos desta forma. A data que a aplicação ia buscar era a do próprio documento, campo “data do movimento contabilístico”, que era reproduzido para o campo data de gravação do movimento, que não existia para o utilizador. A data do movimento contabilístico é introduzida pelo utilizador, que diz qual é a data da fatura.
- J…, técnico de informática, desempenha as funções de distribuidor e técnico sénior da ..., especializado em software .... Conhece o Oponente há cerca de 10 anos e por motivos profissionais.
Do depoimento desta testemunha extrai-se o seguinte: em 2011 o Oponente reportou-lhe uma situação relativa a datas de movimento e datas do documento SAF-T. Em termos de contabilidade, a aplicação teria que fazer um movimento interno para gerar o registo, mas naquela versão da aplicação não o fazia. Em face do contacto do Oponente, foi-se verificar o histórico e foi reportado à .... A ... respondeu que a aplicação não estava a fazer o registo e que se teria que aplicar o que estava previsto na Portaria, que é data de movimento é igual à data do documento, que era o que sucedia. A data de registo não é editável pelo utilizador. A testemunha comunicou por escrito esta informação ao Oponente. A ... ultrapassou esta questão noutras versões desta aplicação, já em 2012. Provavelmente este problema aconteceu em mais clientes durante o mesmo período, porque não dependia do cliente. No caso em concreto, não tem como adulterar o campo de registo, porque não está acessível ao utilizador. A testemunha fez testes com outras bases de dados e o histórico não estava lá e nessas situações reportam à ... para analisarem e corrigirem. A Portaria do SAF- T previa que independentemente da data comercial do documento, deve a aplicação guardar a informação de que em dada data alguém gravou aquela informação, ou seja, a data de registo. O programa não estava a registar essa informação, a data de registo do documento. Acontecia também outra situação, com a implementação dos códigos ISO, por vezes essa informação não saía completa no SAF-T, tinha-se que repor as tabelas.
As testemunhas arroladas pelo Oponente depuseram de modo claro, escorreito e objetivo, demonstrando conhecimento direto e imediato da matéria de facto à qual foram inquiridos e, como tal, foram merecedores de credibilidade por este Tribunal.»

*

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

Z) O imposto em causa tem como data limite de pagamento a de 31.03.2012 – fls. 103, do pef.

AA) A liquidação relativa à quantia exequenda não foi objecto de reclamação ou impugnação – fls. 133 do pef.

BB) O despacho para audição de reversão de 20.08.2012, referido em P), contem a referência às diligências de fls. 42

CC) As diligências referidas na alínea anterior constam de fls. 42 a 63 do pef. e confirmam a asserção de que os valores susceptíveis de penhora em nome da executada correspondem a contas bancárias com saldos de montantes reduzidos.

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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 2223/2275, que julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal intentada por P... contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de ..., por reversão de dívidas da sociedade “B... Unipessoal, Lda”, relativas a IVA e respectivos juros compensatórios no montante total de € 1.123.929,02, do período compreendido de Janeiro a Setembro de 2011.

2.2.2. Para julgar procedente a oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«É certo que resulta do despacho de reversão que a Administração Tributária considera que o Oponente aceitou “cegamente” todos os documentos relevantes para efeitos de apuramento de proveitos e custos que as sociedades lhe faziam chegar, o que violaria, se bem se interpreta, o disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea c) do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas e os artigos 6.º, n.º 3 e 51.º, n.º 7 do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5/11, na redação vigente à data dos factos sub judice). // Contudo, a mera invocação genérica de normativos legais não é bastante para dizer que, ao atuar de tal forma, violou os seus deveres profissionais e deontológicos. Incumbia à Administração Tributária demonstrar que o TOC violou de forma direta ou indireta os seus deveres profissionais, o que não se considera resultar inequivocamente do despacho de reversão ou ter resultado demonstrado nos presentes autos. // O projeto do despacho de reversão colocava o seu maior enfoque no registo dos documentos no programa SAFT-PT e a identidade dos campos “data de gravação” e “data do documento”, o que vem a ser mantido pelo despacho de reversão (alíneas R) e U) do probatório). Sucede, porém, que tal circunstância se deveu a um erro informático, que não é imputável ao Oponente ou à sociedade devedora originária, tal como se comprovou em Tribunal (alínea X) e Y) do probatório). // No concernente à emissão de faturas pela S..., LDA., após se proceder ao apuramento de imposto, não resulta claro qual o dever que o Oponente violou, seja de forma negligente ou dolosa, até porque, como este alega, não é o responsável pela emissão das faturas ou pelo seu pagamento, nem a Administração Tributária alegou ou demonstrou que este tivesse qualquer intervenção nesse sentido. // Ademais, remetendo a Administração Tributária para os factos que constam do relatório de inspeção tributária elaborado na sequência de acção inspetiva à B..., não é despiciendo sublinhar que deste decorre que a sociedade tinha a contabilidade regularmente organizada, nos termos da legislação comercial e fiscal. Com exceção das questões relativas ao ficheiro SAFT-PT e que acima melhor foram apreciadas, inexistem quaisquer outros factos que possam ser reconduzidos, de modo cabal, à atuação do Oponente, pelo que não se pode alicerçar neste documento a violação dolosa ou negligente dos deveres no âmbito da responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos (alínea H) do probatório).
Também a circunstância de o Oponente ter desempenhado funções de TOC nas três sociedades identificadas pela Administração Tributária e ter servido de intérprete na escritura de constituição de duas delas, por si só e sem que tenha sido devidamente concatenada com outros factos, não permite concluir que a Administração Tributária cumpriu com o ónus da prova que sobre si impende, até porque nenhuma outra conclusão dali extraiu».

2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre a alegada nulidade da sentença decorrente da preterição do princípio da plenitude da assistência do juiz, previsto no artigo 605.º do CPC (i), no alegado erro de julgamento, no que respeita ao preenchimento dos pressupostos da reversão da execução fiscal em causa (ii). Mais se requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do Regulamento de Custas Processuais (iii).

2.2.4. No que respeita à alegada preterição do princípio da plenitude da assistência do juiz, previsto no artigo 605.º do CPC, a recorrente invoca a falta de identidade entre o juiz da inquirição de testemunhas e do juiz que proferiu a sentença.

A este propósito, cumpre reiterar nesta sede, porque plenamente aplicável ao caso em exame, a jurisprudência assente seguinte:

«Em sede de contencioso tributário o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos, e a da prolação da decisão, onde é efectuado o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e declarada a consequente decisão. No contencioso tributário não existe norma que determine o julgamento da matéria de facto pelo mesmo juiz que presidiu à produção de prova. O princípio da plenitude da assistência do juiz pressupõe a existência de actos de instrução e discussão praticados na audiência final que, em bom rigor, não existe no contencioso tributário. Como se conclui do exame do passado legislativo do contencioso tributário (cfr.§ 3, do artº.90, e o § 1, do artº.96, do antigo C.P.C.I.; artºs.127, nº.4, e 133, nº.2, do C.P.T.), o legislador não teve grande preocupação em assegurar que o julgamento da matéria de facto fosse efectuado por quem preside às diligências de instrução. De resto, actualmente, com a generalização da gravação da prova nos Tribunais tributários, a qual assegura muito mais proximidade entre o juiz e a produção da prova do que a que permitia a sua redução a escrito, há ainda menos razão do que anteriormente para não se sobrepor a mera conveniência da imediação entre o julgador em relação à produção de prova face ao prejuízo da eficiência global do serviço público de Justiça. No âmbito do processo contencioso tributário não se verifica a violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes quando as diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento fique devidamente registado, não tiverem sido presididas pelo juiz que depois proferiu a sentença, na qual incorporou a decisão sobre a matéria de facto, sendo que tal situação não constitui, nem nulidade da sentença, nem nulidade processual»[1].

Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente alegação.
2.2.5. A recorrente considera que o veredicto que fez vencimento na instância encontra-se inquinado por erro de julgamento, uma vez que estão demonstrados nos autos os pressupostos da reversão quanto ao oponente.
Recordem-se os normativos relevantes.
O artigo 24.º, n.º 1, da LGT (“Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos”) dispõe: «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: // Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; // b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.»
O n.º 3 do mesmo artigo determina que «[a] responsabilidade prevista neste artigo aplica-      -se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos».
No que respeita aos deveres profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas / Contabilista Certificado, do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro), vigente à data dos factos, resulta o seguinte.

O artigo 6.º (“Funções”) deste estatuto estabelece que constituem funções dos técnicos oficiais de contas as funções de:

«a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;

b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;

c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respectivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respectivos órgãos; // (…)».

O artigo 52.º, sob a epígrafe “deveres gerais”, dispõe, no seu n.º 3, que os técnicos oficiais de contas «apenas podem subscrever as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e os seus anexos que resultem do exercício directo das suas funções, devendo fazer prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem (…)». O artigo 55.º, sobre “deveres para com a administração fiscal”, prevê que, «[n]as suas relações com a administração fiscal, constituem deveres dos técnicos oficiais de contas:

a) Assegurar que as declarações fiscais que assinam estão de acordo com a lei e as normas técnicas em vigor;

b) Acompanhar, quando para tal forem solicitados, o exame aos registos e documentação das entidades a que prestem serviços, bem como os documentos e declarações fiscais com elas relacionados;

c) Abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação dos documentos e das declarações fiscais a seu cargo;

d) Assegurar, nos casos em que a lei o preveja, o envio por via electrónica das declarações fiscais dos seus clientes ou entidades patronais».
Do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro), resulta, designadamente, o seguinte:

Artigo 6.º // “Competência profissional”: «Para garantir a sua competência profissional e o exercício adequado das suas funções, os técnicos oficiais de contas devem, nomeadamente: // a) Por forma continuada e actualizada desenvolver e incrementar os seus conhecimentos e qualificações técnicas e as dos seus colaboradores; // b) Planear e supervisionar a execução de qualquer serviço por que sejam responsáveis, bem como avaliar a qualidade do trabalho realizado; // c) Utilizar os meios técnicos adequados ao desempenho cabal das suas funções; // d) Recorrer ou sugerir o recurso a assessoria técnica adequada, sempre que tal se revele necessário».

O artigo 7.º, sob a epígrafe “princípios e normas contabilísticas”, estabelece, no seu n.º 1, que os «técnicos oficiais de contas, no respeito pela lei, devem aplicar os princípios e as normas contabilísticas de modo a obter a verdade da situação financeira e patrimonial das entidades a quem prestam serviços». E, no seu n.º 2, que «[n]o âmbito das demonstrações financeiras, podem ser adoptados procedimentos que não estejam expressamente previstos na legislação portuguesa, desde que apoiados em normas ou directrizes contabilísticas estabelecidas por entidade competente e reconhecida na matéria».

No que respeita ao dever dos técnicos oficiais de contas de garante da regularidade técnica nas áreas contabilísticas e fiscais[2], cabe referir que, «quando o contabilista certificado submete uma declaração fiscal, com a sua senha, que traduz a sua assinatura, assume, perante a AT, que os elementos constantes daquela declaração traduzem a verdade da situação contabilística e fiscal daquele sujeito passivo, assente nas informações e documentos por este fornecidos, aos quais foram dados os adequados tratamento técnico e enquadramento legais. (…). // Tendo em conta a situação de garante fiscal em que o contabilista certificado se encontra legalmente colocado (…), em consequência da natureza pública das suas funções, e considerando que a situação contabilística e fiscal do cliente/empregador transmitida à AT assenta, necessariamente, nas informações, elementos e documentos por este fornecidos, o contabilista certificado terá de ser exigente com o cliente, solicitando-lhe todos os esclarecimentos e informações que julgue relevantes para aferir a verdade contabilística e fiscal (…)»[3].

Do disposto no artigo 24.º/3, da LGT, resulta que «a AT terá de demonstrar quais os deveres profissionais que o contabilista certificado incumpriu, concretizando-os, nomeadamente, o incumprimento declarativo (…), a contabilização de documentos que não respeitem a forma legal ou a contabilização de valores não suportados documentalmente confiando na sua futura entrega, que não veio a ocorrer, a execução da contabilidade sem observância dos princípios e regras contabilísticas fundamentais»[4].

Tendo em vista a aferição da culpa pelo incumprimento dos deveres estatutários do técnico oficial de contas, é de «utilizar como critério a diligência profissional imposta pelo Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, bem como o Código Deontológico, com vista a concretizar o conceito (…) de «regularidade técnica». Em suma, o que releva é verificar se um técnico oficial de contas normalmente diligente actuaria de modo similar. (…) [A] «regularidade técnica» corresponde à execução da contabilidade, nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, pelos meios legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor»[5].

Mais se refere que «[a] responsabilidade tributária do técnico oficial de contas pressupõe a verificação da inexistência ou pelo menos insuficiência de bens do devedor originário e, por outro lado, a violação culposa dos deveres de regularização técnica no âmbito contabilístico e fiscal. Dito de outra forma, a lei pressupõe a responsabilidade subjectiva desde que fiquem provados dois requisitos: a determinação no incumprimento das dívidas tributárias, bem como a insuficiência patrimonial»[6]. É de exigir a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais que sejam imputáveis ao TOC, a título de negligência ou dolo. É de exigir, igualmente, «a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do técnico oficial de contas e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o técnico oficial de conta exerce as suas funções profissionais, sendo este então um instrumento necessário ao incumprimento fiscal»[7].

Dos elementos coligidos no probatório, no que respeita ao incumprimento das obrigações fiscais por parte da SDO, executada, resulta o seguinte[8]:
a) As empresas fornecedoras sociedade executada originária - SDO –, a Mus...ec e a S... não possuem qualquer estrutura empresarial; não têm funcionários, não deram entrada nas instalações de obra;
b) A descrição das faturas emitidas por estas corresponde a serviços que são executados pela B..., que dispõe, essa sim, dos funcionários necessários para a sua execução.
c) Os únicos pagamentos efetuados pela B... à S... (não registados na contabilidade da B..., mas identificada a saída dos cheques na conta bancária através do respetivo extrato de conta) totalizaram apenas € 225.000,00, valor que fica muito aquém dos serviços que foram faturados (€9.030.202,92 até 2011.09.30), ou seja o circuito económico (faturação), não é acompanhado pelo correspondente circuito financeiro (pagamento).
d) O que nos leva à conclusão de que as mesmas faturas não correspondem a operações reais, mas sim, a operações simuladas, sendo a faturação emitida por ambas as empresas falsa.
e) A constituição da M... e da S... parece ter sido apenas como objetivo a dedução de IVA e de custos na B....
f) A conduta adotada pelas três empresas (M..., S... e B...) assim como as relações estabelecidas entre elas (descritas ao longo do presente relatório) permite-nos concluir que estamos perante um esquema montado que tem como único objetivo a fraude e a evasão fiscal.
g) A Mus...ec apenas tem proveitos, é declarante, apurando elevados montantes de imposto a entregar ao Estado (em sede de IVA e IRC), mas não faz entrega nos cofres do Estado de qualquer valor. A S... serve de “tampão”, é declarante e paga os montantes de imposto apurado (em sede de IVA e IRC) que são de montante pouco significativo;
h) A B... é receptor de facturação falsa, usufruindo da dedução de IVA e do custo em sede de IRC;
i) Ambas as empresas M... e S... foram constituídas em 27.10.2010, sob a forma de sociedades unipessoais por sócios de nacionalidade espanhola, vindo referido em cada uma das escrituras a intervenção de um intérprete, motivada pelo facto dos respetivos sócios serem de nacionalidade espanhola, que foi o Senhor P..., nomeado Técnico Oficial de Contas de ambas as empresas.
j) Essas empresas têm sede no mesmo edifício localizado no Porto (onde segundo a informação enviada pela Direção de Finanças do Porto não existe qualquer estrutura empresarial), não tendo nenhuma delas funcionários.
k) A M... emite à S..., durante o primeiro trimestre de 2011, nove faturas num total de 1.626.966,96 €, liquidando IVA no montante de 374.202,40€.
l) Procede à entrega da declaração de IVA mas não efetua a correspondente entrega de imposto nos cofres do Estado.
m) A S... fatura à B..., até 30.09.2011, 9.030.202,92 € (com IVA incluído) dos quais esta lhe paga 225.000 €.
n) Este pagamento está apenas registado na contabilidade da S..., não se verificando o registo de qualquer pagamento na contabilidade da B..., como referido no ponto 40.
o) Desta faturação, apenas declarou e entregou nos cofres do estado o montante de 2.753,40 €.
p) Importa aqui referir que ambas as empresas M... e da S... se encontram em situação faltosa em sede de IVA e IRC, não tendo sido entregues as declarações periódicas de IVA dos 2.° e 3.° trimestres de 2011 e a declaração modo 22 de IRC de 2011 embora, tendo por base os elementos recolhidos junto da B..., assim como os valores declarados por esta nas respetivas declarações periódicas entregues, a S... continua a emitir faturação, que ascende até ao final do 3.° Trimestre de 2011, ao valor global de 7.383.422,60 € de base tributável e a 1.646.780,32 € de IVA liquidado;
q) Em face do explanado, conclui-se que a conduta adotada pelas três empresas teve por objetivo a fraude e evasão fiscal, sendo que no caso da B... esta utiliza como custo faturas que não correspondem a transações efetivas e consequentemente são falsas, permitindo assim reduzir o IRC e o IVA a pagar;
r) Com a conduta descrita, a originária executada incorre em presumível prática de crime de fraude qualificada, cujo processo corre termos na Direção de Finanças de Setúbal.
Dos elementos coligidos no probatório, no que respeita ao incumprimento das obrigações profissionais por parte do recorrente, enquanto TOC, resulta o seguinte[9]:
1. Foi contratado como Técnico Oficial de Contas da B... Unipessoal, Lda com efeitos a partir de Janeiro de 2011, ficando responsável pela contabilidade para o exercício do ano de 2011.
2. Foram, durante o ano de 2011, registadas faturas em conta de custos na contabilidade da executada B... Unipessoal Lda. que não correspondiam a transmissões efetivas.
3. A partir de outubro de 2010 e até setembro de 2011 ocorrem diversas situações, aqui descritas, as quais conduzem à “transformação” da executada que, de contribuinte líquido de imposto (IVA), se “transforma” num contribuinte em situação de créditos de imposto ou com entregas de valor pouco significativo.
4. Estas alterações são resultantes da contabilização como custo de faturação efetuada pela S..., verificando-se que essas faturas correspondem invariavelmente aos documentos lançados em último lugar, em cada mês, pelo que seriam emitidas e contabilizadas apenas no momento de apuramento do IVA para preenchimento da correspondente declaração periódica e de acordo com as "necessidades";
5. Ficou, na verdade, provado, através da análise dos ficheiros informáticos de contabilidade e faturação da B..., SAF- T, que as facturas emitidas pela empresa S..., Lda., apenas são emitidas e, consequentemente, registadas, após se proceder ao apuramento do imposto que haveria a pagar pela B..., caso essa faturação não existisse;
6. Procedendo-se, ainda, à análise do referido ficheiro, mais concretamente ao registo na contabilidade da B... das diversas facturas emitidas pela S..., Lda., constatou-se que no campo "data gravação" consta uma data igual à data do documento;
7. Consultaram-se diversos movimentos, relativos aos registos em diversas contas, verificando-se sempre o mesmo facto - "data gravação" igual à "data";
8. Ao campo "data" deverá corresponder a data de emissão do documento e ao campo "data gravação" a data em que o respetivo registo é efetuado no programa de contabilidade, pelo que as duas datas não podem, de todo, ser coincidentes, mesmo porque, como exemplo, no extrato de conta enviado aos serviços de inspeção tributária e a seu pedido em 18.10.2011, o documento com o número de arquivo 409015-compras, ainda não se encontrava registado. No entanto, surge com data de gravação de 01.09.2011, pelo que se conclui que o referido ficheiro terá sido adulterado, por forma a não evidenciar a data em que os documentos foram efetivamente registados na contabilidade.
9. Analisados os elementos de escrita da B..., foi verificado que durante os finais de Outubro de 2010 e pelo menos até Setembro de 2011, foram registadas em custos e na conta 52-Subcontratos, bem como na conta 2432-IVA dedutível, diversas faturas emitidas pela S... Unipessoal, Lda., com indicação de prestação de serviços de valores significativos. Porque estes custos têm um peso relevante na determinação do resultado da atividade e no IVA a entregar nos cofres do Estado, foi aprofundado o circuito das faturas em causa e a necessidade dos custos referidos nas mesmas para obtenção dos proveitos;
10. Constatou-se, também, através das reconciliações bancárias, que se verificaram saídas da conta do Banco BPI da executada para as quais não foi apresentado qualquer documento comprovativo,
11. Os únicos pagamentos efetuados pela B... à S... (não registados na contabilidade da executada, mas identificada a saída dos cheques na conta bancária através do respetivo extrato de conta) totalizaram apenas 225.000 €, valor que fica muito aquém dos serviços que foram faturados (9.030.202,92€ até 30.09.2011) ou seja, o circuito económico (faturação) não é acompanhado pelo correspondente circuito financeiro (pagamento), apesar de a contabilidade da executada não revelar a existência de quaisquer problemas de tesouraria, muito pelo contrário, as contas de disponibilidades (caixa e bancos) apresentam, invariavelmente, saldos superiores a 3.000.000 € concluindo-se, assim, que as faturas não correspondem a operações reais, mas sim a operações simuladas, sendo a faturação emitida por ambas as empresas falsas;
12. As declarações fiscais relativas ao ano 2011, designadamente as declarações periódicas de IVA dos primeiro, segundo e terceiro trimestres do ano de 2011, foram elaboradas e assinadas, através da utilização da sua senha de acesso, pessoal e intransmissível, ao Portal das Finanças na Internet, pelo Técnico Oficial de Contas P....
Em face do exposto, verifica-se que a Sociedade devedora originária/SDO recorreu a facturação falsa, no que respeita ao IVA dedutível e aos custos em IRC, no exercício em causa. O programa informático de suporte contabilidade não contém lançamentos efectivos, não existindo forma de comprovar os registos efectuados nos mapas contabilísticos da SDO[10]. A inexistência de contabilidade fidedigna determinou as correcções em sede de IVA, por evasão fiscal (IVA dedutível assente em facturação falsa). O oponente subscreveu e entregou no Fisco as declarações fiscais em nome da SDO, usando a sua credencial profissional[11]. O oponente entregou ao Fisco um programa informático, alegadamente de suporte da contabilidade, mas sem qualquer conteúdo justificante[12]. O oponente não controlou o circuito financeiro das operações declaradas pela SDO.
Mais se refere que o comportamento fiscal das três empresas (M..., S... e B.../SDO), assim como as relações estabelecidas entre elas, indicia a existência de um esquema de fraude e evasão fiscal, nos termos acima descritos[13]. O Técnico Oficial de Contas de cada uma das empresas em apreço foi o oponente, pelo que não se vê como corroborar o juízo de desconhecimento, por parte do mesmo, sobre a realidade contabilística e fiscal das sociedades em referência.
A conduta do oponente é-lhe imputável e é censurável, à luz do padrão do técnico oficial de contas, típico e zeloso. As obrigações de garante da regularização fiscal, que recaem sobre o oponente, enquanto profissional investido da função pública de certificação da contabilidade e das declarações fiscais do contribuinte, exigem outra diligência e zelo no cumprimento das referidas obrigações profissionais, de forma a evitar a situação detectada de facturação falsa, como base do IVA dedutível. A falta de controlo dos lançamentos contabilísticos da SDO, a par da falta de conciliação bancária dos mapas da SDO, bem como a falta de controlo da materialidade dos lançamentos efectuados na contabilidade das sociedades alegadas fornecedoras das SDO, determinou, não apenas a evasão fiscal, como a dissipação do património desta última.
Mais se refere que a invocação de erro do programa informático SAFT-T não exime o oponente do seu dever de garante da regularidade técnica da contabilidade da SDO, cabendo-lhe, enquanto Técnico Oficial de Contas, não apenas efectuar os lançamentos contabilísticos, mas também assegurar a veracidade e materialidade dos mesmos, através, designadamente, do controlo documental e da conciliação bancária.
Também não constitui causa dirimente da responsabilidade do oponente o facto de o mesmo ter denunciado a situação de irregularidade contabilística da SDO à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e ao Fisco[14], porquanto o mesmo entregou, com a sua assinatura, declarações fiscais em nome da SDO, relativas ao primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2011, que sabia (ou devia saber) que não tinham aderência à realidade, sem que retirasse ou substituísse as mesmas, como lhe competia[15].  É que o oponente foi o TOC responsável pela contabilidade das três sociedades envolvidas no esquema de facturação falsa.
Donde se impõe concluir que o oponente, enquanto TOC, responsável pela contabilidade da executada, não actuou de forma a garantir a regularidade técnica da mesma, procurando certificar-se da veracidade e materialidade dos lançamentos efectuados, mesmo quando confrontado com os custos assentes em facturas emitidas por entidades que não têm substrato empresarial, nem as mesmas assumem qualquer aderência à realidade. Competia-lhe no exercício das suas funções de TOC interpelar o cliente no sentido de apresentar elementos justificativos credíveis dos lançamentos efectuados, a título de facturação e de IVA dedutível, com vista a sustentar as declarações periódicas apresentadas ou, então, recusar a sua apresentação o FISCO, quando não devida e cabalmente esclarecido sobre a sua justificação e materialidade. O TOC não pode eximir-se da responsabilidade que sobre si recai de assegurar a justificação e materialidade dos actos praticados em nome do contribuinte perante o FISCO. Ora, não é crível que confrontado com a contabilidade dos principais fornecedores da executada, de que também é TOC, desconhecesse a situação de irregularidade material da contabilidade da executada, ao assentar em facturas emitidas sem suporte económico e financeiro. A existência de um programa informático que “suporta” a referida contabilidade, apresentado ao Fisco, completamente vazio de conteúdo, mesmo que devido a erro informático, como se considerou na instância, comprova a falta de cumprimento dos deveres de zelo e de diligência que deve pautar a actuação de um TOC, no quadro do cumprimento dos deveres declarativos do contribuinte de que aquele é o instrumento e a condição técnica para a sua cabal realização.
Do exposto, impõe-se concluir no sentido do preenchimento dos pressupostos da efectivação da responsabilidade subsidiária do oponente, à luz do disposto no artigo 24.º/3, da LGT.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida não se pode manter, devendo ser substituída por decisão que não julgue procedente a oposição com base na falta de cumprimento dos deveres de garante da regularidade técnica da contabilidade da executada.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. As partes foram notificadas do projecto do tribunal de revogar a sentença recorrida e de apreciar dos demais fundamentos da oposição (fls. 2331).
Apenas o recorrido alegou, reiterando a posição já vertida os autos (fls.2345/2361).
A sentença recorrida considerou como questões solvendas as seguintes:
a) Falta de fundamentação do despacho de reversão quanto à violação das obrigações profissionais de TOC, por não apreciação dos factos novos alegados em sede do exercício do direito de audição, da Inexistência/insuficiência do património da devedora originária e excussão prévia e quanto à formulação do juízo de culpa pela falta de pagamento;
b) Ilegalidade da reversão pelos factos demonstrativos de que não foram violados os deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal, ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos da executada originária;
c) Inconstitucionalidade dos n.ºs 3 e 1 do artigo 24.º da LGT na interpretação de que não é exigível à Administração Tributária a alegação e prova de que o TOC culposamente dissipou ou maltratou o património social e da verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do TOC e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o TOC exerce as suas funções profissionais.
A sentença julgou improcedente o fundamento referido em a), julgou procedente o fundamento referido em b) e considerou prejudicado o conhecimento do fundamento referido em c).
Recorde-se que o oponente assaca ao despacho de reversão o desvalor da nulidade, porquanto: (i) «nem uma linha dedicou quanto a formular o juízo de insuficiência patrimonial da devedora originária para o pagamento dos tributos liquidados»; (ii) «nem uma linha dedicou quanto a formular o necessário juízo de culpa do aqui oponente pela falta de pagamento dos tributos liquidados».
Cumpre, pois, apreciar os fundamentos cujo conhecimento foi julgado prejudicado na instância.
2.2.7. No que respeita ao juízo sobre a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, recordem-se os normativos relevantes.

O artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, da LGT (“Responsabilidade tributária subsidiária”) estabelece, respectivamente, que a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal e que a «reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão». O seu n.º 3 prevê que se, no momento da reversão, não for «possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei». Este dever de «é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis».

O artigo 153.º do CPPT (“Legitimidade dos executados”), n.º 2, estabelece que «[o] chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Inexistência de bens penhoráveis dos responsáveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes dos autos de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».

A este propósito constitui jurisprudência assente a seguinte:
1) «Compete à A. Fiscal o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes»[16].
2) «Embora o responsável subsidiário goze do direito de se opor a que a execução dos seus bens se efectue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal (benefício da excussão), a reversão da execução fiscal contra si pode efectuar-se em momento anterior a essa venda, desde que os bens penhoráveis do devedor principal (e eventuais responsáveis solidários) sejam fundadamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 23.º n.º 2 da LGT e 153.º n.º 2 do CPPT). // Assim, à face da LGT, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário»[17].
No caso em exame, do despacho de reversão consta a referência às diligências realizadas[18], as quais comprovam a insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, pelo que não assiste razão ao oponente ao invocar o vício em apreço.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.8. Nesta sequência, impor-se aferir da questão relativa à existência no despacho de reversão da menção relativa ao juízo de culpa do revertido sobre a falta de pagamento das dívidas exequendas.

A este propósito constitui jurisprudência assente a de que «[o] despacho de reversão, como acto administrativo que é, deve incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa, e a declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação. // Constituindo pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (artigos 23.º, n.º 2, da LGT, e 153.º, n.º 2, do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (artigo 24.º, n.º 1, da LGT), deve concluir-se que o despacho de reversão está formalmente fundamentado se dele constam a alegação dos referidos pressupostos e a extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (artigo 23.º, n.º 4, da LGT), não sendo, ainda, de exigir que do mesmo constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a referida alegação»[19].
O oponente invoca que o despacho de reversão deve conter a menção do juízo de culpa do revertido em relação à falta de pagamento das dívidas exequendas ou em relação à insuficiência patrimonial da devedora originária para fazer face às mesmas. Recorde-se, também, que o oponente invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 24.º/3, da CRP, quando interpretada no sentido de que não é exigível à Administração Tributária a alegação e prova de que o TOC culposamente dissipou ou maltratou o património social e da verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do TOC e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o TOC exerce as suas funções profissionais.
Vejamos.

«[A] efectivação da responsabilidade tributária subsidiária [dos gerentes] por meio de reversão do processo de execução fiscal tem os seguintes [pressupostos]: a) Fundada insuficiência patrimonial dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários ou dos seus respectivos sucessores (…). // b) Exercício, ainda que somente de facto, de funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados; e // c) A culpa, seja na insuficiência do património (situações recondutíveis à alínea a) do artigo 24.º/1, da LGT), seja no não pagamento da prestação tributária (situações recondutíveis à alínea b) do artigo 24.º/1, da Lei Geral Tributária)»[20].

O regime estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LGT é o seguinte:
a) Nas hipóteses da alínea a), «[t]tratam-se das dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois, respondem patrimonialmente os administradores ou gerentes quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação»[21].
b) Nas hipóteses da alínea b), «[o]s administradores ou gerentes das empresas respondem pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não prove, que não lhes foi imputável a falta de pagamento»[22].

A distinção entre a alínea a) e a alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, no que respeita à repartição do ónus da prova, «parte da distinção fundamental entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente»[23]. Assim, o ónus da prova da culpa da insuficiência patrimonial recai sobre a AT (alínea a), enquanto que o ónus da prova da ausência de culpa no não pagamento atempado da obrigação tributária recai sobre o revertido (alínea b).

Quando está em causa a efectivação da responsabilidade subsidiária dos Técnicos Oficias de Contas, rege o disposto no artigo 24.º/3, da LGT, pelo que o ónus de alegação e prova sobre os pressupostos de efectivação da responsabilidade subsidiária do TOC recai sobre a entidade exequente, o que abrange, quer o juízo de imputação do facto ilícito, quer o nexo de causalidade entre este e os danos ocasionados. Com base na presente interpretação, não se vê como acompanhar a tese da inconstitucionalidade da norma em presença. Motivo porque se rejeita a presente imputação.

No caso em exame, verifica-se que a indicação do regime de imputação de responsabilidade subsidiária do revertido e a asserção do nexo de imputação pelo incumprimento fiscal da devedora originária constam do despacho de reversão[24].

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.9. No que respeita ao juízo de imputação ao revertido pelo dano causado ao Estado, seja através da dissipação do património da SDO, seja através do incumprimento das dívidas exequendas, cabe referir que «é ponto assente o de que «[a] culpa em causa (…) deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, n.º 2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. (…). Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do [TOC] da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto»[25].

Recorde-se que o ónus da prova sobre a demonstração do nexo de imputação ao TOC do facto ilícito e sobre o nexo de causalidade da conduta ilícita e o resultado danoso corre por conta da AT (artigo 24.º/3, da LGT)[26].

No caso, do probatório resulta que o recorrido, pese embora o conhecimento da situação de irregularidade contabilística e fiscal em que se encontravam as três sociedades em relação às quais prestava serviços como TOC – entre as quais se conta a SDO –, a verdade é que continuou a assinar e apresentar as declarações periódicas perante o Fisco, no decurso dos três primeiros trimestres de 2011. Ou seja, o facto de o mesmo ter denunciado a situação de irregularidade contabilística da SDO à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e ao Fisco[27] não impediu o revertido de ter entregue, com a sua assinatura, declarações fiscais em nome da SDO, relativas ao primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2011, que sabia (ou devia saber) que não tinham aderência à realidade, sem que retirasse ou substituísse as mesmas, como lhe competia[28]. Tal significa que o mesmo aceitou o resultado do incumprimento fiscal e a posterior situação de insuficiência patrimonial da SDO, quando confrontada com a falta de veracidade das deduções de IVA efectuadas e as consequentes correcções às declarações fiscais apresentadas.

De onde se impõe concluir que dos autos resultam demonstrados, quer o nexo de imputação dos factos ao recorrido, quer o nexo de causalidade entre estes e o prejuízo causado ao Estado.

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente imputação.

Em face do exposto, à míngua de outros fundamentos, improcede a presente oposição à execução fiscal, o que se determinará no dispositivo.

2.2.10. No que respeita à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

O Regulamento de Custas Processuais/RCP [versão conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro], estabelece no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, o seguinte: «[n]as causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[29].

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[30].

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o art.º 20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. Do exposto, isto é, da necessidade de prevenir o efeito dissuasor do acesso à justiça que a tributação em custas implicaria no caso de não ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor efectivo da causa na parte em que excede o valor de €275.000,00, decorre a necessidade do exercício do poder de dispensa do pagamento do remanescente em apreço, em relação a ambas as partes.

No caso em exame, a especialidade da causa, as suas complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente na conta final.

Pelo exposto, impõe-se determinar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Termos em que se procederá no dispositivo.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a oposição, bem como dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)


[1] Acórdão do TCAS, de 13.03.2014, P. 07216/13.
[2]       Artigo 24.º/3, da LGT.
[3]       Albano Santos, Responsabilidade Subsidiária do Contabilista Certificado, Formação Segmentada, Ordem dos Contabilistas Certificados, Novembro 2015, p. 13.
[4]       Albano Santos, Responsabilidade Subsidiária…, cit., p. 66.
[5]       Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, pp. 45/46.
[6]       Paulo Marques, Responsabilidade tributária…, cit., Coimbra Editora, 2011, p.46.
[7]       Paulo Marques, Responsabilidade tributária…, cit., pp. 46/47.
[8]       Alíneas H) e R), do probatório.
[9]       Alíneas Q), R), e U) do probatório.
[10]     Alínea r), pontos 30 a 40, do probatório.
[11]     Alínea r), ponto 41, do probatório.
[12]     Alínea u), ponto f), do probatório.
[13]     Alínea r), pontos 1 a 27, do probatório.
[14]     Alíneas a) a g) e j) e l), do probatório.
[15]     Alínea r), ponto 41.
[16]     Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 09123/15.
[17]     Acórdão do STA, de 25.01.2017, P. 0286/16.
[18]     Alíneas BB) e CC), do probatório.
[19] Acórdão do TCAS, de 25.05.2017, P. 192/10.0BEALM.
[20]     José Pedro Carvalho, Reversão – Notas práticas, in I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, 2011, pp. 209/231, maxime, p. 209.
[21]     Paulo Marques, Responsabilidade Tributária…, cit., pp. 154/155.
[22] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, cit., pp. 167/168.
[23] Ac. do STA, de 23.06.2010, P. 0304/10
[24]     Alíneas P), Q) e R) do probatório.
[25] Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 500/13.2BEALM
[26] Neste sentido, V. José Maria Fernandes Pires, LGT anotada, Almedina, 2015, p. 227.
[27]     Alíneas a) a g) e j) e l), do probatório.
[28]     Alínea r), ponto 41.
[29]     Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[30]     Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, cit., p. 236.