Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07302/02
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/17/2003
Relator:Gomes Correia
Descritores:SISA
ISENÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 11º N.° 26 E 16.°A DO CIMSISD
Sumário:I)- Definindo o respectivo campo objectivo de incidência, dispõe o corpo do art° 2° do CIMSISD que a sisa -incide sobre-as transmissões, a tí-tulo oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis" pelo que é o facto transmissão (na acepção ampla do artº 1º do mencionado Código) que concretiza o direito do Estado à percepção da correspondente sisa, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto, existindo, até lá , apenas, da parte do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa, situação esta que não é influenciada pela circunstância de a lei considerar condição legal de realização do acto a antecipação do pagamento da sisa que só será devida se ele se realizar e se no momento dessa realização se verificarem os pressupostos da tributação do mesmo.
II)- A isenção de sisa conferida pelo nº 26 do artº 11º do Csisa, tem como escopo o fomento de actividades agrícolas ou indus-triais de superior interesse económico e social em regiões economicamente desfavorecidas, podendo unicamente ser utilizado por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, incluindo as cooperativas sob esta forma constituídas.
III)- Mas, nos termos do Art 16° caduca a isenção quando os bens não tiveram o destino que condicionou a isenção e a obrigação de dar aos bens o destino que condicionou a isenção, impende única e exclusivamente sobre o adquirente dos bens que é o único beneficiário desse benefício fiscal.
IV)- Por isso a impugnante, como adquirente do bem, estava adstrita à obrigação de lhe dar o destino para que requereu a isenção nos termos do n° 26° do Art. 11 do Código Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, e não poderá ser concedido o pretendido benefício na situação em que declara que quem vai desenvolver a "actividade industrial" é outra pessoa distinta, pois isso era transferir a sua responsabilidade tributária para terceira pessoa.
V)- A eventual alteração das circunstâncias contratuais, ou a não verificação das condições em que assentou a formação da vontade negocial da recorrida, não podem aqui discutir-se e não poderão ser opostas à AF, pois se situam nas relações internas entre ela e a entidade que se propõe levar a cabo a actividade abarcada pela isenção e que é juridicamente distinta daquela, não afectando a existência de facto tributário cuja incidência material se liga à transmissão.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1.- E...., com os sinais dos autos, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo (TCA) da sentença que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal de Sisa, operada pelo conhecimento nº 81/920 de 31.3.1993, da RF de Abrantes/2ª, montante global de 40.000.000$00, cujas alegações de recurso concluiu nos seguintes termos (que por nossa iniciativa subordinamos a alíneas):
a)- A liquidação do imposto de sisa foi legal e atinente a todos os procedimentos tributários cominados legalmente.
b)- O indeferimento da pretensão da isenção foi legal e atinente a todos os procedimentos administrativos e tributários cominados legalmente.
c)- A aquisição apenas operou uma mudança de senhoria da entidade produtora.
d)- A aquisição teve como objectivo extinguir os ónus que impendiam sobre o prédio.
e)- A impugnante e a sua arrendatária têm personalidades jurídicas distintas.
f)- O investimento produtivo já tinha sido anteriormente realizado pela arrendatária.
g)- Não existiu aumento expressivo de produção após a aquisição (folhas 46).
h)- Não existiu aumento expressivo dos postos de trabalho após a aquisição (folhas 47).
Nestes termos entende que deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se a liquidação legalmente efectuada, revogando-se a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo", substituindo-a por outra em que seja julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial.
Houve contra – alegações, assim concluídas:
a)- O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1a. Instância de Santarém;
b)- O Ilustre Representante da Fazenda Pública não contesta, nem refere, qualquer discordância com os fundamentos de facto e de direito aduzidos pelo digníssimo magistrado na sentença recorrida;
c)- A Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso alheou-se completamente dos fundamentos da sentença recorrida;
d)- Não tendo a recorrente atacado nas conclusões das alegações de recurso as razões de facto e de direito da decisão recorrida, que fundamentaram a procedência da impugnação, essa decisão consolidou-se na ordem jurídica, pelo que o recurso está votado ao insucesso;
e)- Improcede o recurso que não ataca os fundamentos da decisão recorrida, porquanto dos não atacados resulta ter esta transitado em julgado com esses fundamentos;
f)- A MMP requereu ao abrigo do n.°. 26°. do art°. 11° do CIMSISD, a isenção do pagamento do Imposto Municipal de Sisa que fosse devido pela aquisição de um prédio urbano, sito na freguesia do Tramagal, concelho de Abrantes;
g)- O Ministério da Indústria e Energia informou que a actividade industrial em causa é de superior interesse económico e social;
h)- O Ministério da Planeamento e da Administração do Território, certificou que o concelho de Abrantes "... é uma região das economicamente mais desfavorecidas";
i)- Por Despacho do Exmo Senhor Subdirector-Geral da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, foi indeferido o pedido de isenção do pagamento do Imposto Municipal de Sisa, invocando-se não ser a requerente a entidade que exerce no imóvel a actividade industrial;
j)- A análise e interpretação do n.°. 26°. do art°. 11°. do CIMSISD deve ser efectuada numa tríplice perspectiva, sempre atendendo aos bens objecto de transmissão. A saber:
• A localização, em região economicamente mais desfavorecida;
• A afectação do bem ao exercício de uma actividade industrial;
• A actividade exercida ser considerada de superior interesse económico e social.
k)- O concelho de Abrantes, a que pertence a freguesia do Tramagal, onde se encontra localizado o prédio em causa, constitui uma região economicamente das mais desfavorecidas;
l) A actividade exercida foi considerada pela Direcção-Geral da Indústria de superior interesse económico e social;
m) O n.°. 6°. do art°. 16°. do CIMSISD determina como causa da perda do benefício atribuído o facto de os bens não terem o destino que condicionou a isenção dentro do prazo de 4 anos;
n) Trata-se, de uma isenção condicionada ao exercício de uma actividade industrial, porque a sua relevância económica e social, bem com a região de localização do imóvel já tinham sido devidamente certificadas;
o) A lei não impõe como pressuposto da concessão do benefício de isenção de Sisa, que o adquirente do imóvel nela exerça directamente uma actividade industrial (art°. 11°., n.°. 26 do CIMSISSD);
p) A lei também não impõe que o exercício dessa actividade industrial seja contemporâneo da transacção do imóvel, antes concedendo aos adquirentes dos bens imóveis um prazo de 4 anos para afectação desses bens a uma actividade industrial (art°. 16°., n.°. 5 do CIMSISSD);
q) Ao indeferir a isenção quando se encontravam reunidos os pressupostos legais, o acto do Ministro das Finanças ficou ferido de insanável ilegalidade;
r) Essa ilegalidade vai-se repercutir no acto tributário de liquidação, consequenciando a sua ilegalidade;
s)- A impugnação judicial da liquidação é o meio processual adequado, em face dos art°s 118°. e 120°. do CPT, para obter a anulação de um acto tributário ilegal;
t)- Face ao exposto o acto de liquidação do Imposto Municipal de Sisa está ferido de ilegalidade, pôr violação do disposto nos artigos 26° n.° 11,15°-A, 16°, n.° 5 e 115° todos do CIMSISD;
u)- Assim decidiu e bem a aliás douta sentença recorrida.
Por todas estas razões sustenta que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida e mantendo-se a anulação do acto tributário impugnado, porque manifestamente ilegal.
Dessa forma se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA
O Magistrado do Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por, em substância, o sujeito do imposto é o adquirente dos bens, sendo este que tem legitimidade para peticionar a isenção do mesmo e, no caso dos autos não foi a impugnante a adquirente, ainda que esta seja uma sociedade cujo capital é detido maioritariamente por aquela.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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1.2.-A questão sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitadas pelas conclusões do Recorrente, é a de saber se foi ou não legal o despacho do Sub - Director Geral acima identificado que denega a isenção e, consequentemente, a manutenção da liquidação efectuada.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- DOS FACTOS

2.1.1 Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
l. Por escritura outorgada em 31.3.1993, a Ite, por intermédio dos seus legais representantes, declarou adquirir, à Metanova - Comércio e Gestão de Imóveis, S.A., pelo preço de 400.000.000$00, um prédio urbano, situado em Coelheira, freguesia do Tramagal, concelho de Abrantes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.° 42.409, do livro B -107 e inscrito na matriz predial respectiva, sob o art. 1.489, com o valor patrimonial de 229.500.000$00.
2.- Em 27.1.1993, com relação à transmissão identificada em l., a Ite apresentou na RF de Abrantes/2'1 pedido de concessão do benefício de isenção do pagamento de sisa, por entender reunidos os requisitos impostos pelo n.° 26 do art. 11° do CIMSISSD.
3.- Os serviços da DF de Santarém, concordando com o requerido e manifestando-se no sentido de que o mesmo deveria ser deferido, enviaram o requerimento que integrava o pedido aludido em 2. para a DGCI, tendo a 4a Direcção de Serviços desta oficiado ao Sr. Director Geral da Indústria no sentido de que esta Direcção Geral determinasse se a actividade da Ite poderia ser considerada "de superior interesse económico e social".
4.- A Direcção Geral da Indústria, após formular dois pedidos de esclarecimentos à Ite, que esta satisfez, juntando documentação instrutória, enviou ao Sr. Director Geral das Contribuições e Impostos o ofício que se mostra junto a fls. 75 e que aqui se tem por totalmente reproduzido, onde, além do mais, informa que "a actividade exercida pela firma (.../Ite) é de superior interesse económico e social".
5.- No âmbito da preparação da decisão do pedido formulado pela Ite, a DGCI oficiou, ainda, ao Sr. Director Geral do Departamento Central de Planeamento perguntando se a região onde se situava o imóvel em causa "... é das economicamente mais desfavorecidas", ao que este respondeu afirmativamente, nos moldes do documento de fls. 77, aqui tido por reproduzido.
6.- De posse destes elementos, por despacho, de 30.3.1993, da autoria (por subdelegação) do Sr. Subdirector Geral das Contribuições e Impostos, foi indeferido o pedido de isenção aludido em 2.
7.- A decisão referida em 6. apoiou-se no entendimento de que o art. 11° n.° 26 do CIMSISSD pressupunha que a sociedade adquirente destinasse o imóvel ao exercício da sua actividade industrial, o que, na situação da Ite, não sucedia, porquanto a actividade seria exercida por outra empresa, a Tramagauto - Montagem e Fabricação de Automóveis, Lda.
8.- No dia 31.3.1993, por referência à aquisição identificada em l., foi efectuada a liquidação de sisa, na importância total de 40.000.000$00, que foi paga, pela Ite, na Tesouraria da FP de Abrantes, através do conhecimento n.° 81/920, da mesma data.
9.- Por documento escrito e datado de 1.4.1991, a Ite e a Tramagauto -Montagem e Fabricação de Automóveis, Lda., celebraram um contrato que intitularam de "Contrato de Montagem de Viaturas Automóveis", que se encontra junto a fls. 68/74 e que aqui se tem por na integra reproduzido.
10. Este documento, bem como cópia do pacto social da "Tramagauto", figuraram entre a documentação instrutória aludida em 4.
11.- Com data de 1.2.1991, por escrito, foi firmado o "contrato" junto a fls. 93 a 106, que aqui se dá por integralmente reproduzido, registando-se a presença entre os outorgantes da Ite (quarta) e da identificada "Tramagauto" (quinta).
12.- No contrato aponta-se que a Ite pretendia aumentar a capacidade de produção de veículos que comercializava, tendo para o efeito constituído a Tramagauto, sociedade que tinha como objecto a fabricação e montagem de veículos automóveis e acessórios e que era do interesse dos demais outorgantes associarem-se àquelas duas.
13.- Em 25.3.1991, foi outorgada a escritura de "cessão de posição contratual e alteração parcial do contrato de arrendamento", fotocopiada a fls. 107 a 111 e que se tem por totalmente reproduzida, de que resulta a decisão de cedência à "Tramagauto" da posição contratual de arrendamento do prédio urbano, composto pôr edifício fabril, situado no lugar e freguesia de Tramagal e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. l .489.
14.- A constituição da sociedade Tramagauto - Montagem e Fabricação de Automóveis, Lda., mostra-se registada pela Ap. 19/900717, com um capital de 500.000$00, detendo a aqui Ite uma quota no valor de 450.000$00 e sendo outra, de 50.000$00, da titularidade de um sócio (pessoa) individual.
15.- A gerência seria assegurada pôr entre um a sete gerentes, sendo a maioria obrigatoriamente designada pela sócia Mitsubishi Motors de Portugal, S.A.
16.- Pela Ap. 01/910422, entre o mais, foi registado o aumento do capital social da "Tramagauto" para 500.000.000$00, cifrando-se a quota (unificada) detida pela ora Ite em 375.000.000$00.
17.- Pelas Ap. 13/ 930707 e 14/ 930707 foram registadas a favor da Mitsubishi Motors de Portugal, S.A. cessões de duas quotas, na "Tramagauto", nos valores de 90.000.000$00 e 17.500.000$00.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Em ordem à decisão da causa nada mais se provou, sem prejuízo das conclusões ou alegações de direito produzidas na p.i. e na resposta.
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Estes factos foram assumidos a partir do teor da informação de fls. 135 e do conteúdo dos documentos disponíveis nos autos (fls. 35 a 125, 127 a 134, 147/148 e 154 a 163), sem olvidar o complemento derivado do depoimento das testemunhas inquiridas.

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2.2.- DO DIREITO:

O n.° 26 do art. 11° do CIMSISSD, invocado pela impugnante, consagrava a isenção de sisa para "as aquisições de bens situados nas regiões economicamente mais desfavorecidas, quando efectuadas por sociedades comerciais (...) que os destinem ao exercício, naquelas regiões, de actividades agrícolas ou industriais consideradas de superior interesse económico e social".
O Mº Juiz « a quo» deu procedência à impugnação com a substancial fundamentação de que a letra do citado inciso legal, não exige, expressa ou implicitamente qualquer coincidência entre a sociedade comercial beneficiária da isenção e a destinação/afectação do bem à actividade industrial ou comercial.
Para o decisor a exigência legal é que os bens se situem em "regiões economicamente mais desfavorecidas", e que as sociedades comerciais adquirentes os (aos bens) destinem ao exercício, naquelas regiões, de actividades agrícolas ou industriais "consideradas de superior interesse económico e social".
E, porque neste caso, os serviços competentes do ministério ou ministérios que superintendiam nas actividades respectivas se pronunciaram, a Direcção Geral da Indústria no sentido de que "a actividade exercida pela firma (.../Ite) é de superior interesse económico e social" e o Sr. Director Geral do Departamento Central de Planeamento no de que a região onde se situava o imóvel em causa "... é das economicamente mais desfavorecidas", a aquisição efectuada, em 31.3.1993, pela Ite (na qualidade e condição de sociedade comercial) do imóvel identificado em l., para o exercício de tal actividade, ainda que tal acontecesse por intermédio e com intervenção da Tramagauto - Montagem e Fabricação de Automóveis, Lda., de que a Ite é a principal e quase exclusiva sócia, com o poder de escolher a maioria dos seus gerentes, estava em condições de beneficiar de isenção de sisa, ao abrigo do disposto no n.° 26 do art. 11° do CIMSISSD, pelo que foi ilegal a liquidação do mesmo tributo, efectivada em 31.3.1993, na importância total de 40.000.000$00, que foi paga, pela Ite, na Tesouraria da FP de Abrantes, através do conhecimento n.° 81/920, da mesma data.
A recorrente FªPª, secundada pelo MºPº, insurge-se contra esse entendimento sustentando que a liquidação do imposto de sisa e o indeferimento da isenção da mesma foram legais e atinente a todos os procedimentos tributários cominados legalmente, sendo que a aquisição apenas operou uma mudança de senhoria da entidade produtora, teve como objectivo extinguir os ónus que impendiam sobre o prédio, sendo que a impugnante e a sua arrendatária têm personalidades jurídicas distintas e o investimento produtivo já tinha sido anteriormente realizado pela arrendatária, inexistindo aumento expressivo de produção após a aquisição (folhas 46) e/ou aumento expressivo dos postos de trabalho após a aquisição (folhas 47).
Quid juris?
Definindo o respectivo campo objectivo de incidência, dispõe o corpo do art° 2° §1°, n° 2 do CIMSISD que a sisa “incide sobre-as transmissões, a tí-tulo oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis".
É o facto transmissão (na acepção ampla do artº 1º do mencionado Código) que concretiza o direito do Estado à percepção da correspondente sisa, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto, existindo, até lá , apenas, da parte do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa, situação esta que não é influenciada pela circunstância de a lei considerar condição legal de realização do acto a antecipação do pagamento da sisa que só será devida se ele se realizar e se no momento dessa realização se verificarem os pressupostos da tributação do mesmo.
Ora, a sisa incidiu sobre a transmissão da coisa que ao tempo dela traditou para a recorrida e que foi ( vd. ponto 1 do probatório) um prédio urbano, situado em Coelheira, freguesia do Tramagal, concelho de Abrantes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.° 42.409, do livro B -107 e inscrito na matriz predial respectiva, sob o art. 1.489, com o valor patrimonial de 229.500.000$00.
Para a ora recorrente, no caso em apreço houve transmissão a favor da recorrida e não há qualquer erro nessa valoração/qualificação jurídica atenta a materialidade fáctica considerada, por dela não se extrair uma situação possessória relevante para efeitos de liquidação de sisa e consequente erro na aplicação do art. 2° do CSISSD.
Daí que importe passar à apreciação do invocado erro na valoração jurídica da materialidade fáctica fixada, no que tange ao domínio da incidência pessoal.
De facto, revelam os autos, com interesse, que no dia 31 de Março de 1993 a impugnante procedeu à compra de um prédio urbano no concelho de Abrantes, procedendo nesse mesmo dia ao pagamento da sisa devida por essa compra na Repartição de Finanças de Abrantes ; que, em 27 de Janeiro do mesmo ano requerera ao Ministro das Finanças a isenção do pagamento dessa sisa nos termos do Art.11º nº.26 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações; que, por despacho do Sub - Director das Contribuições e Impostos de 93.03.30, proferido por subdelegação, foi indeferido esse requerimento na consideração de que " o Art.11º n° 26° do CIMSISD ao abrigo do qual a isenção foi requerida pressupõe que a sociedade adquirente destine o imóvel ou imóveis ao exercício da sua actividade industrial. Ora, informando-se que a actividade industrial é exercida por outra empresa - Tramagauto, Montagem e Fabricação de Automóveis, Lda - não poderá a transmissão ficar abrangida pela referida norma de isenção"; que vem alegado e consta daquele requerimento que o prédio comprado se destinava a actividade industrial da empresa "Tramagauto" acima referida sendo e que 75% do capital desta empresa era propriedade da impugnante.
Como refere Eduardo Loup, C.T.F., nº 55, pág. 1766, “ O imposto de sisa é devido pela pessoa para quem se transmita a propriedade dos bens imóveis. Há-de tratar-se, por consequência, da pessoa que possa adquirir direitos reais sobre bens daquela natureza, e tal faculdade, que não é regulada pelo direito fiscal, só pode ser atribuída pela lei que disciplinar os actos jurídicos de que resultam transmissões”.
Ora, o certo é que da tela factual que se fixou, resulta com clareza e insofismavelmente que a impugnante adquiriu um prédio para nele ser instalada uma unidade industrial.
Todavia, tal unidade industrial viria a ser montada e explorada não pela impugnante mas por outra empresa cujo capital era propriedade da Mitsubishi em 75%.
Impõe-se-nos, por isso, concluir pela falta de identidade de pessoas entre a impugnante e a entidade que iria montar a indústria pretendida, e, não obstante o capital desta pertença na sua totalidade àquela, não se nos oferece qualquer dúvida de que a personalidade jurídica de ambas as empresas é totalmente distinta.
O benefício pretendido, previsto no nº 26 do artº 11º do Csisa, tem a sua ratio no fomento de actividades agrícolas ou indus-triais de superior interesse económico e social em regiões economicamente desfavorecidas, podendo unicamente ser utilizado por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, incluindo as cooperativas sob esta forma constituídas.
Para contornar a limitação derivada da norma de incidência subjectiva da sisa, refere a impugnante (Artº 46 e 47 da p.i.) que "a lei não impõe que a actividade seja directamente exercida pela sociedade adquirente dos bens e beneficiária da isenção. O que está em causa é o exercício, em termos puramente objectivos da actividade, independentemente da entidade que a venha a exercer".
Tal interpretação só na aparência tem assento no elemento literal do Art. 11° n° 26° do Código Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações refere que "ficam isentas de sisa (...) as aquisições de bens situados nas regiões economicamente mais desfavorecidas, quando efectuadas por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial que os destinem ao exercício, naquelas regiões, de actividade agrícola ou industrial consideradas de superior interesse económico e social", pois, como bem observa o MºPº, da letra desse texto legal não se conclui necessariamente pela identidade de pessoas entre a sociedade adquirente e a que iria exercer a actividade agrícola ou industrial parecendo ser possível interpretar esse preceito nos sentido de que o que interessaria era o exercício daquela actividade e não a pessoa que a exerce.
Ora, para esse efeito há que ter em conta não só as normas da I Parte do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por força do Art. 1° deste diploma, mas também as disposições próprias do Código Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, mormente os Art. 7° e 16°.
Do Art.7º, que define a incidência subjectiva, decorre que o sujeito passivo do imposto é "aquele para quem se transmitirem os bens".
Daí que, como bem observa o MºPº, só é sujeito da relação passiva tributária a pessoa (singular ou colectiva) beneficiária dessa transmissão, sobre ela impendendo todas as obrigações fiscais daí resultantes.
Por outro lado, nos termos do Art 16° caduca a isenção quando os bens não tiveram o destino que condicionou a isenção.
Em nosso entender a obrigação de dar aos bens o destino que condicionou a isenção, impende única e exclusivamente sobre o adquirente dos bens, que é, ao cabo e ao resto, o beneficiário desse benefício fiscal.
Era a impugnante como adquirente dos bens que estava adstrita à obrigação de lhes dar o destino para que requereu a isenção nos termos do n° 26° do Art. 11 do Código Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, e não poderá fruir do pretendido benefício na situação em que, ao requerer a isenção ao abrigo de tal preceito legal, expressamente declara que quem vai desenvolver a "actividade industrial" é outra pessoa distinta, porque isso se traduzia na prática em transferir a sua responsabilidade tributária para terceira pessoa.
Acresce que a eventual alteração das circunstâncias contratuais ou da não verificação das condições em que assentou a formação da vontade negocial da recorrida não pode aqui discutir-se e não poderá ser oposta à AF, pois se situa nas relações internas entre ela e a entidade que se propõe levar a cabo a actividade que preside á isenção e que é juridicamente distinta daquela, não afectando a existência de facto tributário cuja incidência material se liga à transmissão.
Em suma:- a coisa que foi comprada existia e foi efectivamente transmitida para a recorrida pelo que bem andou o Fisco ao liquidar a sisa impugnada como o impunha o artº 2º do CIMSISSD, sendo ineficaz perante a Administração Fiscal qualquer acto ou convenção no sentido de transferir para outrém todas ou parte dessas obrigações, tanto mais que, a isenção em causa está sujeita ao prévio reconhecimento pela Administração Fiscal, conforme o exige o artigo 15.°-A, § único, n.° l, e é condicionada, conforme o n.° 6 do artigo 16.°, sendo ainda necessário para o deferimento do pedido, nos termos do artigo 15.°-A, o parecer favorável do Ministério ou Ministérios que superintendam na actividade que é ou vai ser exercida, formalidades que foram «in casu» plenamente cumpridas.
Termos em que procedem as alegações de recurso sob análise, não podendo manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
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4.- Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juizes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pela FªPª, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação com a consequente manutenção do acto tributário.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, fixando-se nesta a taxa de justiça de 5 Ucs.
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Lisboa, 17/06/03

Gomes Correia
Jorge Lino
Cristina Santos