Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:39/07.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO TRIBUTÁRIO.
Sumário:A correção imposta a alegado excesso no imposto dedutível invocado pelo contribuinte implica a demonstração da forma de apuramento do mesmo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

M..........., Lda. deduziu impugnação contra os actos tributários seguintes: // i) Liquidação adicional ..........., relativa a IVA de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2005, na importância de € 24.411,54; // ii) Liquidação ..........., relativa a juros compensatórios de IVA de Janeiro de 2005, na importância de €46,82; // iii) Liquidação ..........., relativa a juros compensatórios de IVA de Maio de 2005, na importância de €72,89; // iv) Liquidação ..........., relativa a juros compensatórios de IVA de Junho de 2005, na importância de €44,64; // v) Liquidação ..........., relativa a juros compensatórios de IVA de Dezembro de 2005, na importância de € 268,75. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 164 e ss. (numeração do SITAF), datada de 16 de Janeiro de 2020, julgou a presente acção de impugnação procedente, anulando os actos impugnados de liquidação de IVA e de juros compensatórios. A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença, conforme requerimento de fls. 185 e ss. (numeração do SITAF), no qual alega

 nos termos seguintes:

«(…) // b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado as normas previstas no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT.

c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que nas notificações e liquidações efetuadas não consta a mínima referência a factos ou razões subjacentes à inscrição dos valores, nem o modo como desses, ou doutros valores, resultaram as liquidações impugnadas para de seguida concluir pela falta de fundamentação.

d. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma correta interpretação do dever de fundamentação perante o teor das notificações efetuadas à ora impugnante.

e. Conforme consta do facto 6 dado como assente «Foi comunicado à ora Impugnante, através do ofício n. º 20907, datado de 21 de Fevereiro de 2006, pela Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que, após análise efectuada à sua conta-corrente, os serviços detectaram a anomalia relativa a vários períodos (Fevereiro/04, Março/04, Maio/04, Junho/04, Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2005) consubstanciada na «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar» e que a manutenção da referida anomalia originaria um débito a favor do Estado de €41 464,08 - cf. doc.6, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.»

f. No entanto este facto 6 encontra-se incompleto, pois na parte que diz «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar», deve constar «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar (campo 61)» (sublinhado nosso), conforme efetivamente consta da notificação junta como doc. 6.

g. O campo 61 da declaração é referente a «excesso a reportar do período anterior» e a notificação identifica expressamente este campo, dando a conhecer ao sujeito passivo qual o campo que foi preenchido de forma desconforme.

h. Consta ainda do ofício 020907, de 06-02-21, que «a manutenção desta anomalia origina débito a favor do Estado na importância de € 41.464,08» e acrescenta que «Para que se desencadeie o processo de regularização deverá: não existindo alterações aos valores indicados, efetuar o pagamento da Guia P2 - modelo n.º 1821» e de seguida são identificados os seguintes períodos e os respetivos valores: «Fev. 2004 - € 1089,52; março 2004 - € 9617,20; maio 2004 - €3215,17; junho 2004 - € 3130,65; janeiro 2005 - € 2373,52; abril 2005 - 317,61; maio 2005 - €3695,15; junho 2005 - € 2263,09; julho 2005 - € 872,84; agosto 2005 - € 95,78; setembro 2005 - € 1169,44; dezembro 2005 - € 13624,11.», pelo que deverá este facto ser acrescentado aos factos assentes.

i. Para além do ofício 020907, de 06-02-21, foi ainda notificado à ora Impugnante o ofício n.º 046518, de 27/4/2006, da Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, no qual informa que, para o período de «04/12 foi recepcionada em 20/3/2005 uma declaração periódica que evidencia um débito de € 11 084,47 sem que tenha sido feito o respectivo pagamento, motivo pelo qual foi emitida a certidão de divida nº ........... e que, de acordo com o nº 4 do artigo 22.º do CIVA, conjugado com o nº1 do artº 8 do DL 229/95 de 11/9, os créditos sob a forma de excesso a reportar apenas podem ser considerados quando incluídos em declarações periódicas apresentadas dentro dos respectivos prazos legais e que no caso presente, o crédito anterior é de apenas € 1741,97, uma vez que existem diferenças entre o valor do excesso a reportar apurado automaticamente e o apurado pelo sujeito passivo (em 0301 o sujeito passivo utiliza uma regularização a crédito de €44 276, 13 que já tinha sido utilizada em 0111), tendo o mesmo sido totalmente abatido ao débito apresentado na declaração periódica de 0501» - facto 9 da sentença. 

j. Ora, da análise ao teor das notificações permite-nos afirmar que dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas que a AT procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, pois identifica expressamente que o campo preenchido incorretamente foi o campo 61 referente ao valor do imposto a reportar e individualiza e quantifica o valor do imposto por período.

k. E identifica, igualmente, os factos que deram origem a tal imposto encontrando-se os mesmos descritos no ofício 046518, de 2006-04-27, em suma, uma regularização a crédito que já tinha sido usada.

l. Isto significa que a Administração Tributária cumpriu com o dever de fundamentação, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 e 2 da LGT.

m. Como é sabido a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07-06-2017, processo 0723/15).

n. E da argumentação expendida na petição inicial verifica-se que a alegada falta de fundamentação das liquidações em causa não impediu o impugnante de defender-se.

o. Deste modo, parece-nos que não pode proceder o vício de falta de fundamentação dos atos impugnados.

p. Com efeito, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito quando anulou o ato impugnado com base no vício de forma, por falta de fundamentação.

q. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios, de 2005, aqui em causa. 

X

A Recorrida contra-alegou, conforme seguidamente expendido:

«A. A fundamentação tem que ser contemporânea do ato ou efetuada por remissão para informações ou pareceres anteriores;

B. A fundamentação a posteriori não pode ser considerada fundamentação válida, para efeitos de sanar o vício de falta de fundamentação da liquidação;

C. Concluindo-se, como tal, pela anulação dos atos de liquidação impugnados.

D. A mera referência conclusiva de que a “utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar” não pode ser considerada fundamentação do ato tributário, porquanto não evidencia o caminho cognitivo levado a cabo pela AT, seja no que respeita à factualidade concreta do caso em apreço, seja das razões jurídicas que levaram a tal decisão de liquidação corretiva.

E. Pelo que, consequentemente, não pode a sentença recorrida merecer qualquer censura nesta matéria, concluindo-se, da mesma forma como concluiu o tribunal a quo, que concluiu pela anulação dos actos impugnados de liquidação de IVA e de juros compensatórios.»

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos, nos termos do artigo 657.º/4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II- Fundamentação.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«1) A liquidação adicional ........... no valor de €24.411,54, foi liquidada, nos termos dos artigos 82º e 88º-A do Código do IVA, por correções automáticas efetuadas ao campo 61 das declarações periódicas de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2005 - cf. doc.1, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
2)    A Impugnante é uma sociedade por quotas, sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal mensal de IVA - cf. docs. ínsitos no Processo Administrativo (PA), apenso a este processo.
3)    Na declaração periódica de IVA entregue pela ora Impugnante, relativa a Novembro de 2001, foi inscrita no campo 81 a importância de € 548,68, correspondente ao excesso a reportar apurado na declaração do mês de Maio de 2001 - cf.doc.7, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
4)    Na declaração periódica de IVA entregue pela ora Impugnante, relativa a Novembro de 2002, a importância inscrita no campo 81 foi de € 48.887,43, correspondente a um crédito tributário referente ao período de 01.04.1999 a 30.04.1999, cuja comunicação pela AT à Impugnante está datada de 06.11.2001 e foi por esta recebida em 21.11.2001 - cf. docs.8 e 9, juntos com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
5)    Na declaração periódica de IVA relativa a Janeiro de 2003, a importância inscrita no campo 81 foi de €44.276,13, correspondente a um crédito tributário relativo ao período de 01.08.1998 a 31.08.1998, cuja comunicação pela AF à Impugnante está datada de 05.03.2002 e foi por esta recebida nesse mesmo mês de Março - cf. docs.10 e 11, juntos com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
6)    Foi comunicado à ora Impugnante, através do ofício n.º 20907, datado de 21 de Fevereiro de 2006, pela Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que, após análise efectuada à sua conta-corrente, os serviços detectaram a anomalia relativa a vários períodos (Fevereiro/04, Março/04, Maio/04, Junho/04, Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2005) consubstanciada na «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub- conta excesso a reportar» e que a manutenção da referida anomalia originaria um débito a favor do Estado de € 41 464,08 - cf. doc.6, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
7)    Através da comunicado referida na alínea anterior, foi a Impugnante informada de que, para desencadear o processo de regularização, não existindo alterações aos valores indicados, deveria a Impugnante proceder ao pagamento através de guia no prazo legal - cf. doc.6, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
8)    Mais foi informada, que, não sendo corrigida a anomalia, decorridos 10 dias úteis seria emitida a respectiva liquidação adicional conforme o disposto no artigo 82.º do Código do IVA - cf. doc.6, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
9)    Informou a Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, através do oficio n.º 046518 de 27/4/2006, que, para o período de «04/12 foi recepcionada em 20/3/2005 uma declaração periódica que evidencia um débito de € 11 084,47 sem que tenha sido feito o respectivo pagamento, motivo pelo qual foi emitida a certidão de divida nº ........... e que, de acordo com o nº 4 do artigo 22.º do CIVA, conjugado com o nº1 do artº 8 do DL 229/95 de 11/9, os créditos sob a forma de excesso a reportar apenas podem ser considerados quando incluídos em declarações periódicas apresentadas dentro dos respectivos prazos legais e que no caso presente, o crédito anterior é de apenas € 1741,97, uma vez que existem diferenças entre o valor do excesso a reportar apurado automaticamente e o apurado pelo sujeito passivo (em 0301 o sujeito passivo utiliza uma regularização a crédito de € 44 2 76, 13 que já tinha sido utilizada em 0111), tendo o mesmo sido totalmente abatido ao débito apresentado na declaração periódica de 0501» - cf. doc. 12, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
10) Em 04.11.2006 foi emitida a nota de cobrança modelo A, n.º ........... referente à liquidação adicional de IVA n.º ........... relativa a 2005 no valor de € 24.411,54 notificada à Impugnante para pagamento voluntário até 31.01.2007, com a seguinte informação: «liquidação adicional efectuada nos termos dos artigos 82.º e 88.º A do Código de IVA por correcção à liquidação apurada nas declarações periódicas apresentadas para o ano acima referidos [2005]

«1. Correcção efectuada ais diversos campos das declarações periódicas

Campo 61 05 01 04 05 06 07 08 09 12

2. Valor as correcções € 24.411,54

3. Correcções oficiosas a débito (...)

8. Valor da Liquidação Adicional € 24.411,54




- cf. doc.1, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
11) Foram comunicadas à ora Impugnante as liquidações adicionais n.º ..........., no valor de €46,82; n.º ..........., no valor de €72,89; n.º..........., no valor de €44,64 e n.º..........., no valor de €268,75 - cf. docs. 2, 3, 4 e 4 juntos com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
12) A petição inicial da presente impugnação foi remetida ao tribunal no dia 13 de dezembro de 2006 - cf. fls. 4 dos autos.


X

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a apreciação da questão em apreço. // Motivação: // O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e do processo administrativo tributária apensos, identificados nos factos provados.»

X

A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto. Requer aditamentos ao n.º 6 do probatório que identifica.

Compulsados os autos, impõe-se deferir o requerido, pelo que se rectifica o n.º 6 do probatório, o qual passa a ter a redacção seguinte:
«6A)    Foi comunicado à ora Impugnante, através do ofício n.º 20907, datado de 21 de Fevereiro de 2006, pela Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que, após análise efectuada à sua conta-corrente, os serviços detectaram a anomalia relativa a vários períodos (Fevereiro/04, Março/04, Maio/04, Junho/04, Janeiro, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2005) consubstanciada na «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar (campo 61)» e que a manutenção da referida anomalia originaria um débito a favor do Estado de € 41 464,08 - cf. doc.6, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais».
«6B) Do ofício em referência consta também o seguinte: «Não existindo alterações aos valores indicados, efectuar o pagamento através da Guia P 2 – modelo 1821. // Observações: Fev. 2004 - €1089,52; Março 2004 €9617,20; Maio 2004 - €3215,17; Junho 2006 - €3130, 65; Janeiro 2005 - €2373,52; Abril 2005 - €6317,61; Maio 2005 - €3895, 15; Junho 2005 - €2263,09, Julho 2005. €842, 84, Agosto 2005 - €95, 78; Setembro 2005 - €1169,44; Dezembro 2005 - €13624,11».

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Erro de Julgamento quanto à determinação da matéria de facto [apreciado supra]. // ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o alegado vício da falta de fundamentação da liquidação adicional em causa não se verifica.

2.2.2. No que respeita ao alegado erro de julgamento referido em ii), a recorrente afirma que «da análise ao teor das notificações permite-nos afirmar que dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas que a AT procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, pois identifica expressamente que o campo preenchido incorretamente foi o campo 61 referente ao valor do imposto a reportar e individualiza e quantifica o valor do imposto por período; E identifica, igualmente, os factos que deram origem a tal imposto encontrando-se os mesmos descritos no ofício 046518, de 2006-04-27, em suma, uma regularização a crédito que já tinha sido usada».

A sentença recorrida considerou, em síntese, que o acto tributário não se mostra fundamentado, dado que não enuncia as razões pelas quais existe imposto dedutível em excesso.

Apreciação. Estão em causa correcções às declarações de IVA de 2005, impostas ao abrigo do disposto no artigo 82.º do CIVA (versão vigente)[1]. O dissídio entre as partes reside na questão de saber se as liquidações em apreço encerram as razões que sustentam a decisão nelas contida, de forma a que as mesmas sejam acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante.

A este propósito, este TCAS[2], numa situação idêntica à que está em causa nos presentes autos[3], referiu o seguinte: «O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, deve[…] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP)[4].

Noutra formulação, «[a] fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»[5]. «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência[6]. A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário[7].

[No caso, as correcções em apreço assumem a fundamentação constante dos números 6) a 9) do probatório].

Do teor das correções em causa resulta que, «após análise efectuada à sua conta-corrente, os serviços detectaram a anomalia relativa a vários períodos (…) consubstanciada na «utilização de crédito não coincidente com a respectiva sub-conta excesso a reportar» e que a manutenção da referida anomalia originaria um débito a favor do Estado de…».

Dos elementos em apreço não se vê quais as razões em que assentam as referidas correcções; os ofícios não esclarecem a razão de ser das anomalias detectadas; os motivos que estão na base das aludidas “anomalias” não se mostram acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante. É que os elementos existentes nos autos não permitem discernir o encadeado de factos que conduziram a que, no ano de 2006, ano a que respeitam os presentes autos, se tenha apurado a utilização de crédito não coincidente com a respectiva subconta excesso a reportar e que determinou a rectificação e consequente liquidação adicional.

Com vista à fundamentação do acto tributário impunha-se esclarecer o destinatário dos ofícios em causa sobre o teor das incorrecções em referência, sobre os montantes, períodos, créditos, e qual o enquadramento que justificaria, no entender da AT, a existência de débito em favor do Estado. Sem tal enunciado de razões, o destinatário do acto fica cerceado da faculdade de se conformar com a estatuição de efeitos ou de a impugnar na sede própria, dado que o iter cognoscitivo e valorativo que subjaz às presentes liquidações não se mostra patente, de forma concomitante com a prática dos actos sob escrutínio.

Ao julgar no sentido da insuficiência e obscuridade da fundamentação do acto tributário, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica».

Em face do exposto, impõe-se reiterar o decidido, dado que não existem razões para afastarmos o mesmo no caso em apreço.

A sentença recorrida, ao julgar verificado o vício da falta de fundamentação do acto tributário não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)


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[1] «1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 84º, o chefe da repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença. // 2. -As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.»

[2] Acórdão do TCAS, de 23-04-2020, proferido no P. 424/09.8BELRS,

[3] com as mesmas partes, sendo ali impugnadas as liquidações adicionais de IVA de 2006 e nestes autos são impugnadas as liquidações adicionais de IVA de 2005.
[4] E artigo 125.º do CPA vigente à data dos factos.
[5] Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
[6] Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
[7] Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.