Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:589/20.8BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/20/2021
Relator:LINA COSTA
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL,
ACTO PÚBLICO,
PROPOSTA.
Sumário:I. Ao acto público de abertura das propostas, apresentadas na respectiva sessão ao júri em papel comum, com as demais formalidades exigidas no Programa do Concurso, em carta fechada, segue-se a fase de análise das propostas e elaboração do relatório preliminar;

II. É tempestiva a apresentação de reclamação contra a admissão da proposta apresentada pela aqui Recorrente, logo após o termo do acto público, por a respectiva exclusão poder ser peticionada por outro concorrente em sede de audição prévia na sequência de notificação do relatório preliminar;

III. Exigindo-se no Programa do Concurso que a proposta fosse elaborada de acordo com a minuta prevista no artigo 5º, datada e assinada e apresentada no acto público em carta fechada (artigo 6º) sob pena, se assim não se verificasse, de a proposta ser considerada nula e de nenhum efeito (artigo 7º), a apresentação de duas declarações com diferentes preços, sem assinatura, devia ter determinado a júri a considerar a proposta da Recorrente nula e não a convidá-la a escolher a declaração que queria assinar, e assinada, admitir a proposta;

IV. A exclusão da proposta na fase de análise das propostas encontra-se devidamente fundamentada na violação dos princípios da igualdade, da concorrência e da transparência.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

J... , devidamente identificada como Autora nos autos de acção de contencioso pré-contratual, instaurados contra o Município de Albufeira e M... , J…, S… e C…, na qualidade de contra-interessados, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 24.6.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que decidiu julgar improcedente a presente acção, absolvendo dos pedidos a Entidade Demandada e as contra-interessadas.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
“I. A primeira questão que a sentença resolve é a de que a reclamação não é extemporânea porque actualmente a bondade das propostas apresentadas é efectuada no relatório preliminar, ou no relatório final do procedimento.
II. No caso concreto os concorrente foram convidados a apresentar as propostas na data marcada 07/09/2020 pelas 10,30h.
III. Foi nessa data que foram apresentadas e abertas as propostas e foi nessa data que foi realizado o ato público do concurso tendo ficado a constar da ata que: Após a analise das propostas apresentadas, deliberou o júri por unanimidade, admitir as oito propostas, sendo que o envelope com os documentos da proposta apresentada pela concorrente J... continha, para além de quatro fotocópias do documento de identificação da concorrente e de três fotocopias da guia de depósito prestada a titulo de caução, duas folhas com o valor mensal proposto, ambas sem assinatura, circunstância perante a qual o juri solicitou na presença de todos e no decurso do ato público à concorrente em causa para se aproximar da mesa por forma a identificar a proposta que pretendia efectivamente apresentar para efeito do concurso e proceder á sua assinatura, o que foi feito
IV. Anunciada que foi a deliberação, admitidas que forma as propostas, e não tendo sido apresentada qualquer reclamação. O presidente do juri perguntou se algum dos concorrentes pretendia consultar os documentos das propostas apresentadas, aos que todos os concorrentes responderam não pretender efectuar a consulta, e declarou findo o ato público, após a leitura da presente ata, que vai ser assinada por todos os membros do dito jurí.
V. Encerrado que estava o ato público de abertura das propostas, o relatório preliminar e o final só surge pelo facto de haver uma reclamação depois do encerramento do ato público em que o júri depois de anunciar a deliberação não houve reclamações.
VI. Contrariamente ao que se decidiu na pratica recorrente, apresentou uma proposta.
VII. O júri verificou que a recorrente tinha entregue duas folhas com o valor mensal proposto.
VIII. Ora as folhas com o valor mensal proposto de facto não são propostas, razão pela qual o júri chamou a A. para assinar a proposta que queria apresentar.
IX. Isto sem conhecer o valor das restantes.
X. Ou seja a A. apresentou uma proposta que foi aceite pelo júri, constituindo nos termos do artigo 56 do C.C.P a declaração da recorrente à entidade adjudicante da sua vontade de contratar e o modo porque se dispõe fazê- lo.
XI. A recorrente não ficou em vantagem porque não conhecia as restantes.
XII. Só o júri as conhecia.
XIII. A conclusão tirada pelo tribunal de que a recorrente conhecia o valor e as restantes propostas, não resulta de qualquer facto provado, nem de um qualquer elemento do processo que leve o tribunal a retirar essa conclusão.
XIV. Aliás resulta da ata que do envelope apresentado pela recorrente, constavam duas folhas que não se encontravam assinadas, e que por estarem assim não podiam ser consideradas propostas.
XV. O júri, perante todos, pediu à recorrente que assinasse a que pretendia apresentar e validou a entrega. Ora isto aconteceu sem que a recorrente conhecesse as restantes.
XVI. Depois de assinada e entregue, então passou a constituir uma proposta, sem reclamação dos presentes, Consequentemente não pode deixar de se considerar que a proposta foi validamente apresentada.
XVII. A bondade da proposta apresentada foi sancionada pelo júri e validada quando a aceitou.
XVIII. A reclamação é extemporânea.
XIX. O júri tomou uma deliberação quanto à aceitação da proposta da recorrente nos termos do artigo 31 do C.P.A.
XX. A deliberação de aceitação da proposta foi tomada por unanimidade, sem votos contra e sem reclamação nos termos do artigo 33 do C.P.A.
XXI. A deliberação de aceitação da proposta estava contida dentro dos poderes do juri podendo deliberar na aceitação da entrega da proposta. Artigo 68 n°1 e 3 do Código dos Contractos Públicos e artigo 13 do C.P.A
XXII. Quanto à aceitação da proposta e a sua formalidade, estava decidido pelo júri por deliberação que naquele momento não foi posta em causa por qualquer reclamação dos presentes.
XXIII. A reclamação foi apresentada depois de ter sido aceite e validada a formalidade de apresentação da proposta, e sendo assim é extemporânea não podendo valer como oposição à apresentação da proposta.
XXIV. Está absolutamente errado dizer-se que a recorrente pode escolher a proposta que ia apresentar depois de conhecer as outras.
XXV. Não resulta da ata nem do relatório preliminar que a recorrente tenha tido conhecimento das restantes propostas, pelo que por falta de fundamento, tal facto e conclusão não pode ser considerado.
XXVI. Também não encontra correspondência nos factos provados e na ata de encerramento do ato público a firmação de que na pratica a recorrente acabou por não apresentar uma proposta em carta fechada.
XXVII. As propostas eram para ser apresentadas no dia do ato público.
XXVIII. E como consta da ata, a proposta foi assinada a entregue ao júri não tendo sido posto em causa o principio da concorrência dado que a recorrente não conhecia as outras propostas quando e juri recebeu a dela.
XXIX. Não existia nenhuma proposta com um valor superior ou intermédio à da recorrente.
XXX. Sendo assim, como é possível dizer-se que estava em situação de vantagem quando o momento em que foram apresentadas as propostas, foi o momento em que iodos estavam presentes e as propostas não eram conhecidas dos concorrentes.
XXXI. Não existiram propostas múltiplas porque só uma foi assinada, entregue e aceite.
XXXII O factor de apreciação das propostas era o preço vencendo a proposta que oferecesse o preço mais alto.
XXXIII. A proposta da recorrente é aquela que oferece o preço mais alto.
XXXIV. A proposta que foi entregue era seria, firme certa.
XXXV. A proposta da ora recorrente, é aquela que mais beneficia o interesse público.
XXXVI. Consequentemente não há razão pra a exclusão da proposta. A decisão de não adjudicação e de excluir a respondente, é que viola o principio da boa Administração previsto no Artigo 3.° do Dec-Lei 280/2007 de 7 de Agosto, que diz:
XXXVII. Não foi violado qualquer principio de direito muito menos o da igualdade e da concorrência e transparência.
XXXVIII. A proposta não pode ser excluída, por não se verificar nenhum dos fundamentos a que se refere o artigo 70 do C.C.P. nomeadamente o que consta da alínea g), pois de outro modo a juri não tinha pedido à recorrente para assinar a proposta.
XXXIX. Fez-se incorrecta aplicação dos artigos 50, 68, n° 1 e 3, 70, 76 do Código dos Contractos Públicos, 13, n° 1 e 3, 31 e 33 do C.P.A, Artigo 3°do Dec-Lei 280/2007 de 7 de Agosto.».

Notificados para o efeito, os Recorridos não contra-alegaram.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida errou ao julgar a acção improcedente, considerando que a reclamação apresentada após o acto público de abertura das propostas tempestiva, que apresentou propostas múltiplas, beneficiando na escolha e assinatura de uma do conhecimento das dos outros concorrentes, pondo em causa os princípios da igualdade, concorrência e transparência, pelo que manteve a decisão de exclusão da sua proposta.

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

«1. Por anúncio no Boletim Municipal de Albufeira, de 21 de Agosto de 2020, foi tornado público o “CONCURSO PÚBLICO PARA EXPLORAÇÃO TEMPORÁRIA DE LOJAS, LOCALIZADAS NO MERCADO MUNICIPAL DE AREIAS DE S.JOÃO, EM ALBUFEIRA”, ali constando “que a Câmara Municipal de Albufeira, por deliberação tomada em reunião de 18 de Agosto de 2020, determinou a abertura de concurso público, com vista à ocupação temporária de lojas, localizadas naquele Mercado Municipal: […] - LOJA SNACK-BAK/CAFÉ (Comercialização de bebidas, café e snacks, torrada, bifanas, tostas, hambúrgueres, etc), com 29,20 m2 […] As propostas, que indicarão o valor mensal que o concorrente se propõe pagar, deverão ser entregues pessoalmente perante uma comissão nomeada para o efeito, pelas 10:30 horas do dia 07 de setembro de dois mil e vinte em carta fechada, as quais deverão ser elaboradas de acordo com o artigo 5° do Programa do Concurso, ou seja, a proposta será feita em papel comum, redigida cm Português, nos seguintes termos: “[…] DATA… ASSINATURA” […] O ato público de abertura das propostas, a realizar na sequência da sua entrega, será realizado, de imediato, perante uma comissão nomeada para o dito, na Sala dc Reuniões desta Câmara Municipal.” – cfr. anúncio, a págs. 20 a 23 do suporte digital dos autos;

2. Com o anúncio referido em 1) foi disponibilizado o “PROGRAMA DO CONCURSO”, cujo artigos 6.º e 7.º referem “A proposta, formulada em conformidade com o artigo 5.º, deve ser entregue pessoalmente perante urna comissão nomeada para o efeito, pelas 10:30 horas, do dia 07 de setembro de 2020, em carta fechada” [artigo 6.º] e “As propostas que não estiverem formuladas nos termos previstos no artigo 5.º, ou não forem entregues de conformidade com o estipulado no artigo 6.º poderão ser consideradas nulas e de nenhum efeito, ficando todavia juntas ao respetivo processo [artigo 7.º]” – cfr. programa do concurso, a págs. 20 a 23 do suporte digital dos autos;

3. No dia sete de Setembro de 2020 foi elaborada “ATA DO ATO PÚBLICO DO CONCURSO PÚBLICO PARA EXPLORAÇÃO TEMPORÁRIA DE LOJAS LOCALIZADAS NO MERCADO MUNICIPAL DE AREIAS DE S. JOÃO, EM ALBUFEIRA”, na qual se escreveu que “-Aos sete dias do mês de setembro do ano de dois mil e vinte, pelas dez horas e trinta minutos, na Sala de Reuniões do edifício sede do município de Albufeira, reuniram […], os quais, conforme deliberação da Câmara Municipal de Albufeira tomada em reunião de dezoito de agosto de dois mil e vinte, constituem o júri do concurso referido em epígrafe. O Presidente do júri iniciou o ato público identificando o procedimento, cuja decisão de contratar foi tomada pela Câmara Municipal de Albufeira, em reunião de dezoito de agosto de dois mil e vinte, através de referência ao respetivo anúncio. De seguida, o Presidente do júri solicitou a entrega das propostas, tendo sido entregues oito propostas com os valores mensais que a seguir se enunciam: […] S…, pelo valor mensal de seiscentos e vinte euros, J... , pelo valor mensal de setecentos e um euros; […] Após a análise das propostas apresentadas, deliberou o júri, por unanimidade, admitir as oito propostas, sendo que o envelope com os documentos da proposta apresentado pela concorrente J... continha, para além de quatro fotocópias do documento de identificação da concorrente e de três fotocópias da guia de depósito prestada a título de caução, duas folhas com o valor mensal proposto, ambas sem assinatura, circunstância perante a qual o júri solicitou, na presença de todos e no decurso do ato público, à concorrente em causa para se aproximar da mesa por forma a identificar a proposta que pretendia efetivamente apresentar para efeitos do concurso e proceder à sua assinatura, o que foi feito. Anunciada que foi tal deliberação, admitidas que foram as propostas, e não tendo sido apresentada qualquer reclamação, o Presidente do júri perguntou se algum dos concorrentes pretendia consultar os documentos das propostas apresentadas, ao que todos os concorrentes responderam não pretender efetuar a consulta, e declarou findo o ato público– cfr. acta, a págs. 36 e 37 do suporte digital dos autos;

4. Foi apresentada, por S…, M…, C… e H… [identificada como esposa de J…], reclamação sobre o acto público referido em 3), por ter sido permitido à concorrente J… escolher a proposta que pretendia apresentar – cfr. reclamação, a págs. 38 do suporte digital dos autos;

5. No dia 30 de Setembro de 2020 foi elaborado relatório preliminar referente ao concurso aludido em 1), onde consta “Sobre a proposta entregue pela Sra. J... para a loja snack-bar/café, foi apresentada, após o término do ato público, uma exposição datada de 07/09/2020, cujo documento se anexa ao presente relatório, razão peia qual o júri entendeu solicitar parecer jurídico, tendo o mesmo sido emitido com o seguinte teor: “Nem o programa de concurso nem o caderno de encargos prevêem a apresentação de propostas múltiplas por banda de cada uma das pessoas que se opuseram ao procedimento. A circunstância de a concorrente em causa ter apresentado duas propostas, com valores diferentes - naquilo que é, no rigor das peças do concurso, o mais importante elemento diferenciador entre os concorrentes - viola, s.m.o., os princípios da concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento, estabelecidos no art. 2.° do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, ao permitir à referida concorrente colocar-se em situação de vantagem sobre os demais em momento posterior ao termo do prazo para apresentação das propostas. Para mais quando, como parece ter acontecido, lhe foi permitido escolher - outra não é a palavra - entre duas propostas contendo valores diferentes. Emite-se, pois, parecer no sentido de se deferir a reclamação apresentada, excluindo-se a concorrente identificada na acta do acto público como havendo apresentado, no mesmo sobrescrito, as duas propostas sob referência." Pelos motivos expostos no parecer jurídico acima transcrito, o júri propõe a exclusão da proposta apresentada pela Sra. J... ” Teremos, assim, a seguinte ordenação de propostas para a loja SNACK- BAR/CAFÉ: 1.° - S... , pelo valor mensal de seiscentos e vinte euros; […]”- cfr. relatório preliminar, a págs. 31 a 35 do suporte digital dos autos;

6. J... respondeu ao relatório preliminar por requerimento de 13 de Outubro de 2020 – cfr. requerimento, a págs. 112 a 118 do suporte digital dos autos;
7. No dia 27 de Outubro de 2020 foi elaborado relatório final do concurso referido em 1), ali constando que “Tendo sido devidamente notificados todos os concorrentes, conforme ofícios em anexo ([…], todos datados de 2020/10/08, a concorrente J... apresentou uma notificação de Pronúncia em sede de Audiência Prévia. Em resposta à exposição, apresentada pela concorrente J... , em sede de audiência prévia, decidiu o júri não dar provimento à mesma, com base no seguinte parecer jurídico: “Analisada a exposição em apreço, mantenho na íntegra, e com a fundamentação nele expendida, o meu anterior parecer”. Assim, tendo em conta o exposto, o júri mantém a exclusão da proposta apresentada pela Sra. J... […] Face ao exposto, e considerando o critério de adjudicação, que corresponde unicamente ao preço, o júri do procedimento sugere que o procedimento para o concurso público para a exploração temporária de lojas localizadas no mercado municipal de Areias de S. João seja adjudicado nas seguintes condições: LOJA SNACK-BAR/CAFÉ - S... , pelo valor mensal de seiscentos e vinte euros, pelo período de um ano, renovável, até ao período máximo de cinco anos, nos termos do art.° 16.° do Regulamento de Funcionamento dos Mercados Retalhistas do Município de Albufeira– cfr. relatório final, a págs. 39 a 43 do suporte digital dos autos;
8. No dia 03 de Novembro de 2020 foi deliberado, “tendo em conta o teor dó relatório, adjudicar a Exploração Temporária das Seguintes Lojas localizadas no Mercado Municipal de Areias de S. João: a) Snack-Sar/Café a S... , pelo valor mensal de seiscentos e vinte euros, pela período de um ano. renovável, até ao período máximo de cinco anos;” – cfr. deliberação, a págs. 68 do suporte digital dos autos;
9. No dia 06 de Novembro de 2020 foi enviado a J... o ofício S-CMA/2020/15060, que a informava do relatório e deliberação referidos em 7) e 8) – cfr. ofício, a págs. 39 do suporte digital dos autos;

10. No dia 28 de Novembro de 2020 foi apresentado o requerimento que deu início ao presente processo – cfr. comprovativo de entrega, a págs. 1 a 4 do suporte digital dos autos.


*

Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão.

Motivação da matéria de facto dada como provada

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, que se dá por integralmente reproduzida.».

Considerada a factualidade assente, que não foi objecto de impugnação e, por isso, transitou, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

Alega a Recorrente que a reclamação apresentada da admissão da sua proposta no acto de abertura das propostas é extemporânea por não ter sido deduzida antes do termo do referido acto, tendo o júri deliberado aceitar a sua proposta, nos termos do artigo 31º do CPA, por unanimidade, sem votos contra e sem reclamações, de acordo com o artigo 33º do mesmo Código, e dos presentes, sendo que o relatório preliminar e o final só surgem por causa daquela reclamação.

O juiz a quo apreciou esta questão na sentença recorrida da seguinte forma:
«Da reclamação apresentada após o acto público
Refere a Autora ter sido apresentada reclamação, posteriormente ao fim do acto público e que não cumpre com os requisitos do artigo 102.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que havia de ter sido rejeitada liminarmente, sem que pudesse influir na decisão do concurso.
Vejamos.
Desde logo, a alegada extemporaneidade da reclamação não colhe, na medida em que, actualmente, a ponderação sobre a bondade das propostas apresentadas é efectuada, primeiro, no relatório preliminar e, posteriormente, em eventual segundo relatório preliminar ou no relatório final do procedimento concursal.
Assim, nada impedia as concorrentes de, notificadas do relatório preliminar, apresentarem audição prévia onde pugnassem pela exclusão da proposta da Autora.
Ora, se o podiam fazer nesse momento, poderiam fazê-lo imediatamente após o acto público, inexistindo [actualmente] norma que demande a cristalização da aceitação das propostas no fim do acto público.
Por outro lado, a reclamação em si pode não conter, expressamente, todos os elementos previstos nas alíneas do número 1 do artigo 102.º do CPA [ex vi artigo 107.º daquele normativo] mas a administração está obrigada a, oficiosamente, suprir as deficiências dos requerimentos [artigo 108.º do CPA]. De qualquer forma, a reclamação em causa não deixa dúvidas [que o júri nunca mostrou ter] quanto ao seu intuito e aos vícios invocados, bem como a identidade dos seus signatários, os demais concorrentes [sendo um deles representado pela sua esposa], não cabendo ao júri – ou a este Tribunal – ponderar sobre as eventuais estranhezas da motivação da reclamação [vide artigo 35.º da petição inicial].
Veja-se que o júri nem necessitava de impulso para ponderar as propostas e, em relatório preliminar, defender a exclusão da proposta da Autora, como acabou por suceder.
Tendo em conta o antes exposto, falece o alegado pela Autora quanto à validade da reclamação apresentada.».

E o assim decidido é para manter.
Como resulta da factualidade assente, quer no Anúncio quer no Programa do Concurso (PC), está previsto que os documentos que constituem a proposta podem/devem ser apresentados em suporte de papel comum, devendo esta ser redigida nos termos indicados no artigo 5º do PC, assinada e contida em carta fechada, a entregar pelo respectivo concorrente ao júri no acto público de abertura.
No que foi seguida a disciplina consagrada nas disposições transitórias do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o CCP, mormente nos artigos 11º e 12º.
Prevê o nº 1 do artigo 11º que “[q]uando os documentos que constituem a proposta ou a candidatura possam ser apresentados em suporte papel, todos os procedimentos de formação de contratos públicos, excepto o ajuste directo, integram um acto público (…)”.
À sessão do acto público pode assistir qualquer interessado, mas só os concorrentes podem intervir, podendo examinar os documentos apresentados no prazo fixado pelo júri e reclamar da lista de concorrentes, nos termos do disposto no artigo seguinte [nºs 4 e 5 do referido artigo 11º].
Sobre as formalidades do acto público, estatui o artigo 12º:
“1 - O presidente do júri inicia o acto público identificando o procedimento através de referência ao respectivo anúncio.
2 - Em seguida, são abertos os invólucros que contêm os documentos que constituem as propostas ou as candidaturas pela ordem da respectiva recepção, procedendo-se à leitura da lista dos concorrentes ou dos candidatos, elaborada pela mesma ordem.
3 - Cumprido o disposto no número anterior, o júri solicita aos representantes dos concorrentes ou dos candidatos as respectivas credenciais.
4 - O interessado que não tenha sido incluído na lista dos concorrentes ou dos candidatos pode reclamar desse facto, devendo para o efeito apresentar o recibo referido no n.º 5 do artigo 9.º ou documento postal comprovativo da tempestiva recepção do seu invólucro exterior.
5 - Apresentada reclamação nos termos do disposto no número anterior, o júri interrompe a sessão do acto público para averiguar o destino do invólucro.
6 - Se o invólucro não for encontrado, o júri fixa ao reclamante um novo prazo para a apresentação da respectiva proposta ou candidatura, informando os presentes da data e da hora em que a sessão será retomada.
7 - Se o invólucro for encontrado antes do termo do prazo referido no número anterior, dá-se imediato conhecimento do facto ao interessado, procedendo-se à abertura daquele logo que retomada a sessão do acto público.
8 - Cumprido o disposto nos números anteriores, o presidente do júri encerra o acto público, do qual é elaborada acta que deve ser sempre assinada pelo secretário e pelo presidente do júri.”
Do que se depreende que o acto de abertura das propostas pelo júri do concurso visa a elaboração da lista dos concorrentes e as reclamações se prendem com o reclamante constar ou não dessa lista.
Conforme resulta do teor da acta do acto público em apreciação, o júri do concurso seguiu o procedimento indicado: recebeu dos concorrentes presentes as propostas apresentadas em carta fechada, abriu cada uma delas, enunciou os nomes dos concorrentes, as lojas que cada um concorria a ocupar e os valores mensais que se propunham pagar, pela ordem em que as abriu, tendo, no fim, para além da elaboração da lista dos concorrentes, deliberado admitir todas as propostas apresentadas e, na falta de reclamações, posto fim ao acto público.
A admissão efectuada, contudo, não o foi nos termos dos artigos 31º e 33º do CPA, com o sentido pretendido pela Recorrente de que admitida a sua proposta por unanimidade, sem reclamações antes do termo do acto público, a mesma já não podia ser objecto de exclusão em fase posterior do procedimento, e porque apresentou o preço mais alto, teria necessariamente que ser a adjudicatária relativamente à loja a que concorreu.
Como resulta do teor da respectiva acta, em momento algum do acto público de abertura das propostas foi efectuada a ordenação das propostas de acordo com o critério da adjudicação ou deliberado propor a adjudicação de cada loja ao concorrente com o melhor preço mensal apresentado.
Esse é o objectivo a prosseguir na fase seguinte do procedimento concursal, a de análise das propostas e elaboração do relatório preliminar, constatando-se da leitura do relatório [parcialmente reproduzido no facto 5., mas integralmente referido na respectiva fundamentação] que o júri verificou existirem motivos de exclusão da proposta da Recorrente, bem como das apresentadas às lojas de florista e de cabeleireiro/esteticista por A... e A..., por incumprimento do disposto no artigo 4º do programa do concurso.
Donde, mesmo que não tivesse sido deduzida a reclamação contra a admissão da proposta da aqui Recorrente logo após o fecho do acto público, seriam analisadas as propostas e elaborado relatório preliminar e, consequentemente, relatório final, pelo júri.
A que acresce que, visando também o relatório preliminar permitir aos concorrentes o exercício do direito de audiência prévia relativamente às propostas de exclusão e de adjudicação do júri, sempre poderia nessa sede ser posta em causa a admissão da proposta da Recorrente.
Donde, forçoso é concluir que não pode considerar-se a reclamação apresentada como extemporânea.
Improcede assim este fundamento do recurso.

Da exclusão da proposta da Recorrente:

Alega a Recorrente que: ao ser convidada pelo júri, no acto de abertura das propostas, a escolher uma das duas folhas com valor mensal proposto e a assiná-la, só apresentou uma proposta que foi a admitida; antes de assinar não havia proposta e depois de assinada apenas uma, não existiram propostas múltiplas; desconhecia o valor das restantes propostas (sendo que o contrário não resulta provado nos autos), pelo que não pôde escolher; não existia outra proposta com um valor superior ou intermédio ao da sua, pelo que não há razão para a excluir; a decisão de não adjudicação à sua proposta viola o princípio da boa Administração, prevista no artigo 3º do Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de Agosto; não foi violado qualquer princípio de direito, muito menos o da igualdade, da concorrência e da transparência; não se verifica qualquer dos fundamentos de exclusão a que se refere o artigo 70º do CCP, nomeadamente o da alínea g) pois de outro modo o júri não lhe tinha pedido para assinar a proposta; foi efectuada uma incorrecta interpretação dos artigos 50º, 68º, nºs 1 e 3, 70º e 76º do CCP.

Da sentença recorrida extrai-se, sobre esta questão, o seguinte:
«(…), a situação sub judice não se reporta a esclarecimentos, mas ao suprimento de um elemento essencial da proposta, a vinculação do proponente, exigida pelo número 4 do artigo 57.º do CCP e pelo artigo 5.º do programa do concurso, e que o artigo 7.º do programa do concurso comina com nulidade e o artigo 146.º, número 2, alínea a), com exclusão.
Por outro lado, não é possível o suprimento da “irregularidade” por via do número 3 do artigo 72.º do CCP, atento o disposto na sua parte final, na medida em que tal suprimento – como adiantado no parecer citado no relatório preliminar, e para o qual o relatório final remete – implicaria a violação dos princípios da concorrência, transparência e igualdade.
Isto porque, tendo podido escolher qual a proposta que entendia submeter, depois de conhecer as outras, ficou inexoravelmente em vantagem face às demais concorrentes, podendo optar pelo valor que lhe permitia vencer o concurso ou, no caso de ambos o lograrem, no que lhe impunha um menor dispêndio de fundos.
Dito de outra forma, a Autora, na prática, acabou por não apresentar uma proposta em carta fechada, o que impõe que a mesma não possa ser valorada.
Quanto à fundamentação da violação do principio da concorrência, importa esclarecer que “O princípio da concorrência visa preservar a finalidade do procedimento concursal, assegurando que as diferentes propostas cumpram as imposições e os limites referidos nas peças do procedimento, de modo a permitir uma plena comparação entre elas, de forma a resultar escolhida a melhor que o mercado forneceu” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de Setembro de 2013, processo 592/12.1BEPNF].
Ora, o parecer jurídico constante do relatório preliminar, para onde remete o relatório final, esclarece cabalmente o motivo da exclusão, ao referir a não previsão, nas peças do concurso, da apresentação de propostas múltiplas; a situação de vantagem da Autora aquando da escolha da proposta a submeter ao júri, em momento posterior ao termo do prazo de apresentação das propostas; e a opção que teve sobre o valor efectivamente submetido.
Considera-se, pois, fundamentada a exclusão da proposta da Autora.
Improcede, pois, a pretensão da Autora.».

Decisão que também é para manter.
De acordo com o previsto nos artigos 5º, 6º e 7º do PC [v. teor dos factos 1. e 2.], as propostas deviam ser redigidas de acordo com a minuta indicada no primeiro, datadas, assinadas e apresentadas em carta fechada no dia e local do acto público, sob pena de serem consideradas nulas e de nenhum efeito, ainda que ficassem juntas ao respectivo processo.
Como admite a Recorrente e consta da acta do acto público, dentro da carta fechada que entregou ao júri estavam, designadamente, duas declarações com diferente valor mensal, sem assinatura.
Como reconhece a Recorrente tais folhas não consubstanciam propostas.
Efectivamente a falta de assinatura não obriga quem apresenta a declaração a cumprir ou contratar de acordo com o que na mesma consta.
Com a assinatura de uma dessas declarações, a convite do júri, entende a Recorrente que foi formalizada a sua proposta e devidamente admitida a concurso, não podendo ser excluída, nomeadamente nos termos da alínea g) do artigo 70º do CCP, pois de outro modo o júri não lhe tinha e pedido para assinar.
Mas não lhe assiste qualquer razão.
Se o júri pretendia apenas abrir as cartas fechadas e, em função dos documentos nelas constantes elaborar uma lista com identificação dos concorrentes (de acordo com o referido artigo 12º), deveria ter listado a Recorrente (tal como listou as concorrentes A... e A..., cujas propostas viriam a ser excluídas por incumprimento do disposto no artigo 4º do programa do concurso), como uma das concorrentes que se apresentou a concurso.
Se o júri pretendeu, como parece, aferir da regularidade formal das propostas para o efeito de as admitir, face à verificação de que a carta da Recorrente continha as duas declarações de preço não assinadas, em cumprimento das referidas normas concursais não podia admitir a sua “proposta” por a mesma ser nula e de nenhum efeito. Dito de outro modo, por a carta fechada apresentada pela Recorrente não conter qualquer proposta válida.
As razões porque apresentou duas declarações de preço não assinadas, são apenas conhecidas pela Recorrente [que em momento algum dos seus articulados/requerimentos na acção ou no recurso as explicou] e só a ela podem ser imputadas [podendo inferir-se, como fez o juiz a quo, que pretendia optar pelo valor que lhe permitia vencer o concurso ou, no caso de ambos o lograrem, no que lhe impunha um menor dispêndio de fundos].
A actuação do júri, ao convidar a Recorrente a escolher e assinar uma das duas declarações de preço, em pleno acto público, quando só lhe faltava abrir/conhecer uma das cinco propostas apresentadas para a loja em causa, revelam uma actuação de favorecimento, de desigual tratamento em relação ao exigido aos demais concorrentes, e de falta de transparência, por não ter apresentado qualquer justificação para assim agir, em manifesta inobservância das normas concursais aplicáveis.
Até porque, ainda que a falta de assinatura pudesse ser dessa forma sanada, é manifesto que não foi cumprida a exigência do artigo 6º do PC, a de que a proposta, com as formalidades enunciadas no artigo 5º, datada e assinada, devia ter sido entregue em carta fechada.
O alegado desconhecimento do valor das propostas dos outros concorrentes no momento em que a Recorrente escolheu o preço com que queria concorrer e assinou a correspondente declaração, em nada altera ou descaracteriza a situação de favorecimento ocorrida.
Perante a reclamação contra a admissão da “proposta” da Recorrente, melhor andou o júri ao solicitar parecer jurídico e, suportado no mesmo, propor a sua exclusão, no relatório preliminar, por conter duas declarações de preço em vez de uma, e por a sua anterior admissão, nos termos em que foi efectuada, consistir numa violação dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência.
Sendo a “proposta” inválida não pode, ao contrário do que defende a Recorrente, ser a mais benéfica para o interesse público pelo que não ocorre a alegada violação do princípio da boa Administração, prevista no artigo 3º do Decreto-Lei nº 280/2007.
Igualmente não procede a alegação genérica da Recorrente de que o tribunal recorrido efectuou uma incorrecta interpretação dos artigos 50º [relativo a esclarecimentos e rectificação das peças do procedimento], 68º, nºs 1 e 3 [sobre o inicio de funcionamento do júri e a forma como delibera] e 76º [dever de adjudicação], do CCP, sem concretizar que interpretação dos mesmos poderia ter determinado decisão diferente da proferida.

Em face do que não pode proceder o recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 20 de Outubro de 2021.


(Lina Costa – relatora)

(Ana Paula Martins – que, por razões técnicas, não pôde assinar digitalmente o acórdão, o que fará logo que as mesmas sejam ultrapassadas)

(Carlos Araújo)