Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/21.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I – Ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
II - Ocorre contradição entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida, não se confundindo com o erro de julgamento.
III - É nula a decisão, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, vem apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 17/09/2021, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo com o n.º 519/2020-T, ao abrigo dos artigos 26º e 27.º do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).
A impugnante termina a impugnação formulando as seguintes conclusões:

1. A presente Impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2021-09-17 pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa que julgou procedente o Pedido determinando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante “IVA”) relativas aos vários períodos melhor identificados no Pedido de Pronúncia Arbitral;
2. Tal decisão considerou-se notificada à Impugnante a 2021-09-20;
3. A Impugnante não concorda a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral por entender que: (a) a mesma não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão; (b) os fundamentos apontados estão em oposição à decisão e, (c) incorreu em Omissão de Pronúncia;
4. No tocante ao primeiro ponto, o Tribunal Arbitral deu como provado, entre outros que, do RIT constava que “a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.”
5. Para mais tarde concluir na decisão impugnada que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, constitui fundamentação à posteriori, por que não foi fundamento das liquidações impugnadas;
6. Contudo, da análise da referida decisão não se compreende quais os fundamentos em concreto nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção, até porque da análise do constante do RIT (dado como reproduzido na decisão impugnada), tudo aponta no sentido contrário àquele em que arrimou o areópago;
7. Pelo que, se deve dar por provado que a decisão não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, com todas as consequências legais.
8. Pelo mesmo motivo, na falta de qualquer fundamento que em detrimento do que foi dado como provado constar do RIT, permita a conclusão formulada na decisão impugnada, de que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, constitui fundamentação à posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, se deve concluir que esta conclusão está em contradição com os fundamentos da mesma.
9. E, por não se verificar tal fundamentação à posteriori, sempre se deveria ter o Tribunal pronunciada sobre aquela questão, que foi levantada no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Impugnada e, contraditado pela Impugnante, nas Resposta e Alegações que apresentou.
10. Entende, assim, a Impugnante que a decisão arbitral em causa se mostra contrária à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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A Impugnada apresentou contra-alegações nos termos do art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, formulando conclusões nos seguintes termos:










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O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Na presente impugnação cumpre apreciar e decidir se se verificam os vícios invocados pela Impugnante a saber, se a decisão arbitral enferma de nulidade por falta de fundamentação de facto, por oposição entre os fundamentos e a decisão, e omissão de pronúncia.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na decisão impugnada.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Não se conformando com a decisão arbitral proferida no processo nº 519/2020-T que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral tendo sido declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios de diversos períodos de 2016 e 2017, vem a Impugnante invocar falta de fundamentação de facto, oposição entre os fundamentos e a decisão, e, omissão de pronúncia.

A Impugnada defende nas suas contra-alegações que na decisão arbitral não ocorrem os vícios invocados pela Impugnante, não existindo qualquer nulidade.

O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) encontra-se previsto no Decreto-Lei n° 10/2011, de 20 de janeiro.
Os artigos 25º e 26º daquele diploma, consagram a possibilidade e condições de recurso da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, e nos artigos 27.º e 28.º prevê-se a possibilidade e condições de impugnação da decisão arbitral para os Tribunais Centrais Administrativos.
Quanto à impugnação da decisão arbitral junto deste Tribunal Central Administrativo, os artigos 27º e 28º do RJAT definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação.
Assim, de acordo com o art. 28º, nº 1 do RJAT os fundamentos para a impugnação da decisão arbitral, são, taxativamente, os seguintes:
a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) Oposição dos fundamentos com a decisão;
c) Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16º, n° 2.

Considerando o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, são normas subsidiariamente aplicáveis, as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC (cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT).

Como se afirma no Acórdão deste Tribunal de 18/04/2018 no proc. 121/17.0BCLSB “(…) Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo.
Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-seiam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Vejamos o caso em apreço.
A Impugnante alega que a decisão arbitral padece dos seguintes vícios:
i) não especificação dos fundamentos em que se estribou a decisão impugnada ao concluir que a alegação feita pela ora impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição constitui fundamentação a posteriori, não integrante das liquidações impugnadas;
ii) oposição dos fundamentos com a decisão pelo mesmo motivo, na falta de qualquer fundamento que em detrimento do que foi dado por provado no RIT, permita a conclusão formulada na decisão impugnada de que a alegação pela impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição constitui fundamentação a posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, se deve concluir que esta conclusão está em contradição com os fundamentos da mesma;
iii) omissão de pronúncia por o Tribunal não se ter pronunciado sobre a questão da finalidade terapêutica dos serviços de aconselhamento nutricional disponibilizados pela impugnada.

Vejamos o que se escreveu na decisão recorrida quanto a estas questões:

Por isso, no que releva para a presente decisão, a jurisprudência do TJUE confirma o erro de que enferma a posição assumida no RIT pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que as consultas de nutrição deveriam ser consideradas prestações acessórias dos serviços de ginásio e não «prestação de serviços distinta e independente».

Isto é, este acórdão do TJUE confirma que as liquidações efetuadas enfermam da ilegalidade que lhes foi imputada por erro sobre os pressupostos de direito ao entender as referidas consultas deveriam ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.

É certo que, na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.

Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.

Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.

No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.

Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».

É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).

Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.

Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.


Importa decidir.
Estas questões foram já analisadas e decididas no Acórdão deste Tribunal proferido em 16/03/2023 no âmbito do processo nº 12/22.3BCLSB referente à mesma Impugnante mas respeitante à decisão arbitral proferida no processo nº 381/2020-T, cuja fundamentação sufragamos, razão pela qual limitar-nos-emos a reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil) como de seguida se transcreve:
«Como se vê, julga-se que de modo evidente, não há falta de fundamentação da decisão, nem contradição entre os fundamentos e a decisão.
O que se passa é que a decisão impugnada na leitura que fez do relatório de inspecção tributária – cuja bondade não é sindicável neste meio processual – entendeu que as questões da efectividade da prestação dos serviços e da inexistência de finalidade terapêutica nos serviços de nutrição foram abordadas no RIT de forma tangencial para corroborar e melhor ilustrar a decisão de correcção da isenção do IVA (obiter dictum), mas que não estão, todavia, assumidas como fundamento determinante do acto correctivo, que se circunscreve ao carácter acessório da prestação dos serviços de nutrição, em relação à prestação considerada principal de utilização das instalações desportivas.
Sem necessidade de maiores considerandos, improcedem os invocados vícios de falta de fundamentação e de oposição dos fundamentos com a decisão.

Vem também invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a questão da falta de finalidade terapêutica dos serviços de nutrição disponibilizados pela Requerente, aqui impugnada.
A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Como pedagogicamente se deixou escrito no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02/16/2005 proferido no proc.º 05S2137, «(…) a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC (actual 608.º), nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".
É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.
Todavia, como já dizia A. Reis, “Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.”, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões.
"São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas – A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (Proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha), não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC (actuais 608/2 e 615/1 al. d)). A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005 (Proferidos, respectivamente, nos processos n.º 733/05 e 734/05, de que foram relatores, também respectivamente, os Ex.mos Conselheiros Salvador da Costa e Ferreira de Sousa, in Sumários de Acórdãos, n.º 90, pág. 35 e 54, respectivamente)» (fim de cit.).

Tendo em conta as considerações expostas, vejamos se o acórdão arbitral sob escrutínio enferma de nulidade por omissão de pronúncia. E logo se entrevê que a resposta é negativa. Ao entender o Tribunal Arbitral (bem ou mal, não o podemos sindicar aqui) que a correcção se fundou unicamente no carácter acessório das prestações dos serviços dietéticos prestados em relação à prestação principal de utilização das instalações desportivas, inútil se tornava indagar da verificação da alegada finalidade terapêutica dos serviços de nutrição disponibilizados pela Requerente.
Ou seja, a apreciação da alegada questão da finalidade terapêutica das consultas nutricionais ficou prejudicada pela resposta dada à fundamentação do acto correctivo, que o TA circunscreveu ao carácter acessório das prestações de serviços dietéticos.” (fim de citação).

Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações julgamos totalmente improcedente a impugnação da decisão arbitral proferida no processo nº 519/2020-T.

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V- DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente Impugnação e confirmar a decisão arbitral que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Impugnante.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2023

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Hélia Gameiro Silva]