Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1911/17.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA;
NULIDADES DA SENTENÇA;
ERRO DE JULGAMENTO;
NULIDADES INSUPRÍVEIS.
Sumário:1. São causa de nulidade da sentença em processo de contra-ordenação tributária a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia.
2. A contradição entre a fundamentação e a decisão que afecte o raciocínio lógico da sentença, conduz à anulação da decisão e sua remessa ao tribunal recorrido para eliminar esse vício estrutural.
3. No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), equiparam-se às situações em que há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, as omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de liquidação que deve ser efectuada pelos sujeitos passivos, de que são exemplo as situações previstas nas alíneas a) e e) deste nº.5, que sucedem na maior parte dos casos de I.V.A.
4. Deve constar da decisão de aplicação de coima a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada. O que se pretende exigir com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se acessivelmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artº.268, nº.3, da C.R.P.) e com a garantia do direito à defesa (artº.32, nº.10, da C.R.P.), o qual exige que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar.
5. Os limites mínimos das coimas abstractamente aplicáveis são elevados para o dobro sempre que aplicadas a pessoas colectivas.
Nº do Volume:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

L....... recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente o recurso interposto da decisão do 3.º Serviço de Finanças de Lisboa que lhe aplicou uma coima no montante de 1.940,05 Euros, acrescida de 76,50 Euros a título de custas, no processo de contra-ordenação n.º .......... e confirmou a decisão administrativa recorrida.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

i. O presente recurso vem interposto da sentença proferida que julgou improcedente o recurso apresentado da decisão do 3.º Serviço de Finanças de Lisboa que lhe aplicou a coima no montante de €1.940,05 (mil novecentos e quarenta euros e cinco cêntimos), acrescida de €76,50 (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos) a título de custas, no processo de contra-ordenação n.º .........., confirmando aquela decisão recorrida.

ii. Â sentença sob recurso decidiu pela confirmação da decisão recorrida do 3.º Serviço de Finanças de Lisboa, o que fez, ademais de outros vícios verificados na sentença em causa, sem se pronunciar sobre todas as questões suscitadas no recurso, pois que o Tribunal a quo não atendeu devidamente à motivação de facto e de direito do recurso, omitindo a decisão sobre questões essenciais invocadas pela Recorrente, decidindo pela à aplicabilidade da coima e aceitando a mensuração da mesma (sem qualquer fundamentação sustentada) - quando o objecto do recurso incluía, igualmente, a invocação i) da falta de pressupostos para a punibilidade e ii) da inobservância de requisitos legais da decisão administrativa, nomeadamente no que respeitava à determinação concreta da medida da sanção.

iii. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, incorreu, simultaneamente, em omissão de pronúncia, vício de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito – a implicar a revogação da decisão recorrida.

iv. Rememorando a factualidade apurada (incluindo a que destes resulta e não foi relevada na sentença recorrida) nos autos:
- A Recorrente exerceu, durante determinado período de tempo – entre o primeiro trimestre de 2011 até 31-03-2015 – actividade que, do ponto de vista de IVA, está sujeita a tributação em Portugal.
- Apercebendo-se de tal factualidade, a Recorrente apresentou, em 30-10-2015, declaração de início de actividade, bem como as declarações periódicas que eram devidas e, ainda declaração de cessação de actividade reportada a 31-03-2015, - o que fez, nomeadamente relativamente ao período de tributação em causa no presente procedimento de contra-ordenação (cfr. doc. n.º 2 com a petição),
- tendo, ademais, pago o imposto em causa (cfr. doc. n.º 3 com a petição),
- o que fez à custa do seu próprio património, pois que não chegou a liquidar e cobrar do clientes dos seus clientes IVA aquando das operações que veio a integrar naquelas declarações periódicas de IVA – o que logo se compreende, até, pela data em que as declarações de início e cessação de actividade e declarações periódicas de imposto foram apresentadas.
- Foi, aplicada à Recorrente uma coima que lhe foi fixada no procedimento de contra-ordenação supra referenciado, no montante de €1.940,05, por imputada infracção prevista e punida pelo artigo 114.º n.º 2 e n.º 5 a) e 26 n.º 4 do RGIT – falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo – relativa ao período de tributação correspondente segundo trimestre de 2014 [quando, em abstracto, a moldura sancionatória aplicada se cifrava entre €864,17 e €2.880,57, não obstante o entendimento errado da AT – aparentemente aceite pelo Tribunal a quo – de que o valor mínimo de coima aplicável seria de €1.728,33].

v. Como se alcança da decisão recorrida, vem a ora Recorrente acusada da prática de infracção prevista e punida pelo artigo 114.º n.º 2 e n.º 5 a) e 26 n.º 4 do RGIT – falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo – relativa ao período de tributação correspondente segundo trimestre de 2014, e a sentença recorrida julgou negar provimento ao recurso, «confirmando a decisão de aplicação de coima recorrida, nos seus exatos termos» por ter entendido que se não verificavam quaisquer dos vícios invocados pela Recorrente contra decisão de aplicação de coima em crise, «Improcedendo todos os fundamentos do presente recurso, e não se vislumbrando qualquer outro motivo de nulidade que importe conhecer oficiosamente» (sic).

vi. O Tribunal a quo aceita a qualificação feita pela AT à conduta da Recorrente, o que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo faz:
- sem fundamentar essa qualificação;
- sem apreciar (em toda a extensão) a questão suscitada pela Recorrente, de falta de pressupostos legais para a aplicação de coima;
- sem considerar todos os factos provados nos autos;
- incorrendo em erro de julgamento quanto à qualificação jurídica dos factos apurados nos autos (mesmo que fossem considerados apenas os factos vertidos na sentença).

vii. É que, lendo-se a decisão recorrida, é inequívoco que o Tribunal a quo, dá como adquirida a conduta negligente da Recorrente, sem que seja apreensível qualquer fundamentação factual para essa qualificação.

viii. Nos termos do art. 205º/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, e a necessidade de fundamentação, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP), prende-se igualmente com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma8, pelo que a “justiça” da decisão revê-se, assim, necessariamente, num mínimo de fundamentação factual.

ix. A sentença recorrida não contém esse conteúdo mínimo fundamentador, pelo que estamos perante uma falta de fundamentação que acarreta a nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do artigo 374.º, nº2, CPP, ex vi art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10.2,
Por outro lado:

x. Com efeito, na sentença recorrida, diz-se apenas (e somente a propósito da invocada violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, no que respeita ao vício de fundamentação quanto à determinação da medida concreta da coima aplicada) que «Também no que se refere à satisfação do disposto na alínea s) do mesmo preito, se verifica estarem indicados o montante da coima fixada (próxima do mínimo legal) [o que não ocorre, como adiante se verá] e, como elementos que serviram de base à sua fixação, a imputação a título de negligência simples […]», o que o Tribunal a quo afirma sem que, no entanto, refira, afinal, com que base factual teria sido alcançado tal juízo conclusivo de imputação de culpa, naquela modalidade, à Recorrente, e sem que na decisão quanto à matéria de facto julgada provada conste qualquer factualidade de que pudesse ser retirado tal juízo de censura.

xi. Nestes termos, verifica-se, inclusivamente, uma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que a decisão proferida é contraditória com a decisão proferida quanto aos factos julgados provados, na medida em que haverá contradição entre os seus fundamentos e a decisão, quando os fundamentos invocados pelo Juiz conduziriam, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto, ou seja, quando das premissas de facto e/ou de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que, logicamente, deveria ter extraído – como sucede in casu –, e a contradição entre os fundamentos e a decisão constitui nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 410º, nº2, b) do CPP, ex vi art. 32.º do D.L 433/82, de 27.10 (ou, quando muito, pelo menos a sua anulabilidade).

Acresce que:

xii. A falta de verificação do elemento subjectivo foi expressamente invocado pela Recorrente na petição de recurso, como foi invocado o vício de fundamentação daquela decisão, na medida em que da mesma também não constava qualquer factualidade invocada de que fosse possível retirar aquele juízo de censura relativamente à Recorrente, com o que o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre as referidas questões – o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artº 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, ex vi do art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10.

Por outro lado, ainda:

xiii. Devem ser aditados à matéria de facto provada as seguintes alíneas, nos termos do artigo 431.º a) do CPP, ex vi art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10 [assim inseridas por ordem alfabética, por uma questão se sistematização]:

A) a Recorrente exerceu, entre o primeiro trimestre de 2011 até 31-03-2015, actividade que, do ponto de vista de IVA, está sujeita a tributação em Portugal [alegado pela Recorrente sem que tivesse sido posto em causa, além de ser elemento que deveria ter sido objecto de diligências probatórias determinadas oficiosamente caso o Tribunal entendesse que haveria dúvida quanto a corresponder à verdade material, ao abrigo do principio do inquisitório, bem como considerando o princípio do in dúbio pro reu];

B) Apercebendo-se disso, a Recorrente apresentou, em 30-10-2015, declaração de início de actividade, bem como as declarações periódicas que eram devidas e, ainda, declaração de cessação de actividade reportada a 31-03-2015, o que fez, nomeadamente relativamente ao período de tributação em causa no presente procedimento de contra-ordenação [doc. n.º 2 da petição e factualidade alegada pela Recorrente sem que tivesse sido posto em causa, além de ser elemento que deveria ter sido objecto de diligências probatórias determinadas oficiosamente caso o Tribunal entendesse que haveria dúvida quanto a corresponder à verdade material, ao abrigo do principio do inquisitório, bem como considerando o princípio do in dúbio pro reu].

F 1) Tal pagamento foi feito à custa do próprio património da Recorrente, pois que não chegou a liquidar e cobrar do clientes dos seus clientes IVA aquando das operações que veio a integrar naquelas declarações periódicas de IVA [é o que resulta, desde logo, das regras de experiência comum, até pela data em que as declarações de início e cessação de actividade e declarações periódicas de imposto foram apresentadas e da data em que ocorreu o pagamento daquele imposto, além de ser factualidade alegada pela Recorrente sem que tivesse sido posto em causa, além de ser elemento que deveria ter sido objecto de diligências probatórias determinadas oficiosamente caso o Tribunal entendesse que haveria dúvida quanto a corresponder à verdade material, ao abrigo do principio do inquisitório, bem como considerando o princípio do in dúbio pro reu];

F 2) A Recorrente é uma entidade de direito Belga que, à data da apresentação das declarações de início e cessação de actividade, de apresentação das respectivas declarações periódicas, e na data em que procedeu ao pagamento do imposto daí decorrente, não tinha actividade em Portugal, tendo procedido ao pagamento do imposto por meio transferência bancária e já não por recurso às referências de pagamento ao Estado constantes de documento de autoliquidação de IVA, exactamente por causa daquela circunstância. [doc. n.º 3 da petição, por resultar das regras de experiência comum, por corresponder a factos pelo menos parcialmente alegados pela Recorrente sem que tivesse sido posto em causa, e, no mais, por ser factualidade relevante que deveria ter sido objecto de diligências probatórias determinadas oficiosamente, caso o Tribunal entendesse que haveria dúvida quanto a corresponder à verdade material, ao abrigo do principio do inquisitório, bem como considerando o princípio do in dúbio pro reu].

É que,

xiv. A factualidade referida na conclusão anterior foi alegada pela Recorrente e/ou resulta dos autos e da conjugação dos elementos probatórios deste constantes e das regras do ónus de prova aplicáveis aos autos, e é matéria factual relevante para a decisão da causa.

xv. O Tribunal a quo não podia ter deixado de conhecer da mesma e, ademais, julgar esta provada – com o que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia - o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artº 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, ex vi do art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10..
Assim:

xvi. A análise conjunta e agregada de toda a factualidade constante nos autos, quando concatenada com o direito aplicável, conduz, inelutavelmente, à conclusão de que a infracção imputada à Recorrente não o poderia ter sido, nomeadamente, nem a título de negligência.

xvii. Como resulta dos autos, a Recorrente procedeu ao pagamento do imposto em causa sem que tivesse liquidado cobrado e recebido o mesmo dos respectivos clientes, e a conduta tipificada como contra-ordenação e sancionada pelo artigo 114.º n.º 2 do RGIT é aquela que se encontra descrita no n.º 1.º do mesmo preceito, ou seja: «a não entrega total ou parcial (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (…)» (sic, sublinhado e destaque nossos).

xviii. A tal propósito afirma-se na sentença recorrida que «Como se depreende da leitura do artigo citado, a infracção por que vem condenada a Recorrente, basta-se com a falta de entrega do imposto que foi ou deveria ter sido liquidado em factura ou outro documento equivalente. Não tendo aqui aplicação o requisito da “prestação tributária deduzida” constante do n.º 1 do mesmo artigo, nem a jurisprudência invocada, que se referiam à redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não aplicável já à data dos factos» (sic), pelo que, ainda que assim fosse, é certo que a conduta objectiva tipicamente sancionada corresponde à “falta de entrega de prestação tributária”, o que pressupõe, inelutavelmente, que tal prestação tivesse sido previamente recebida pela Recorrente.

xix. Não pode deixar de se concluir que, quando o legislador utilizou a expressão de “falta de entrega” teve necessariamente de pretender fazer uma distinção da mera “falta de pagamento” de imposto exigível, sendo que, para que se possa considerar a existência de uma “falta de entrega”, haverá de se ter como pressuposto que a “falta de entrega” ocorre relativamente a algo que o contribuinte tenha materialmente na sua posse – e que haja feito seu, não entregando, justificando o juízo de censura a tal a apropriação. De outro modo, a conduta objectiva abstractamente sancionável haveria de ser a falta de pagamento de imposto e já não a falta de entrega de prestação.

xx. Como se viu, a Recorrente nunca recebeu qualquer quantia de IVA dos seus clientes no que respeita às operações que integrou nas declarações periódicas apresentadas, nomeadamente quanto ao período de tributação em causa nos autos, tendo, ademais, pago o imposto em causa à custa do seu próprio património, como expressamente invocou nos autos e não pode deixar de resultar provado nos mesmos, e, assim sendo, ocorre falta de verificação do pressuposto objectivo do tipo (bem, como subjectivo), matéria que não obteve pronúncia do Tribunal, não obstante estar a isso obrigado – pois que não analisou à invocada falta de verificação dos pressupostos objectivos do tipo nesta vertente invocada pela Recorrente – com o que o Tribunal a quo incorreu em vício de omissão de pronúncia sobre a referida questão – o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artº 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, ex vi do art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10, ou quando muito, incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no art. 114.º do RGIT, a implicar a anulação da sentença proferida, ou, pelo menos, a sua revogação e substituição por outra que não padeça do mesmo vício.

Por outro lado:

xxi. Como resulta dos autos, a Recorrente procedeu ao pagamento do imposto em causa logo após o momento em que apresentou a respectiva liquidação de imposto, o que fez por transferência bancária, por se tratar de entidade belga, sem qualquer actividade em Portugal no momento de apresentação daquela declaração periódica ou no memento no nascimento daquela obrigação de pagamento, não lhe sendo possível proceder àquele pagamento por outra via, nomeadamente por recurso a referências de pagamento ao Estado em documento de autoliquidação de imposto, tendo feito esse pagamento no momento em que lhe foi exigido pela AT e possível o pagamento respectivo por aquela via.

xxii. Assim, a Recorrente não deixou de entregar qualquer quantia de imposto que tivesse liquidado, cobrado e recebido dos seus clientes nas operações consideradas nas declarações periódicas que apresentou, tendo procedido ao pagamento do valor de imposto respeitante àquelas operações, remanescente após as deduções a que tinha direito, à custa do seu próprio património, com o que isso significa quanto à falta de verificação dos elementos objectivos do tipo, fundamento expressamente invocado pela Recorrente - assim sendo, o Tribunal a quo incorreu, novamente, em omissão de pronúncia sobre a referida questão – o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artº 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, ex vi do art. 32.º do D.L. 433/82, de 27.10.

xxiii. Ademais, resultando do referido, uma vez mais, a invocada falta de preenchimento dos elementos objectivos do tipo, ocorre, novamente, nulidade da decisão administrativa recorrida e, por consequência, pelo menos a anulabilidade da sentença sob recurso, por erro de julgamento (violação do art. 114.º do RGIT), ou, quando muito, a necessidade da sua revogação e substituição por outra que não padeça de tal vício.

Por outro lado, ainda:

xxiv. Prevendo o art. 29.º n.º 1 b) do RGIT que «As coimas pagas a pedido do agente são reduzidas nos termos seguintes: […] b) Se o pedido de pagamento for apresentado depois do prazo referido na alínea anterior [30 dias posteriores ao da prática da infracção], sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou iniciado procedimento de inspecção tributária, para 25 % do montante mínimo legal;» (sublinhado e destaque nossos), e prevendo o art. 30.º n.º 4 do RGIT que «Sempre que nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29 .º a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta.» (sublinhado e destaque nossos), tendo ainda em consideração que Recorrente, ao se aperceber de que tinha praticado operações que obrigavam à apresentação de declarações periódicas de IVA em Portugal, procedeu logo à apresentação das declarações de autoliquidação em falta e procedeu ao pagamento do respectivo imposto devido – pagamento este que efectuou, nos termos supra referidos, por transferência bancária, no primeiro momento em que tal possibilidade de pagamento voluntário lhe foi conferida – nos termos das citadas normas, aquele procedimento da recorrente vale como pedido de redução de coima para os efeitos previstos no art. 29.º n.º 1 b) do RGIT.

xxv. Considerando o que se refere na conclusão anterior, a AT não podia pedir da Recorrente mais do que a coima reduzida nos termos resultantes da aplicação daquela norma, o que manifestamente não é o que está em causa na decisão recorrida.

xxvi. No sentido de afastar a aplicabilidade daquelas normas, na sentença recorrida afirmava-se que «Conforme se pode retirar da leitura do preceito, é condição do direito à redução das coimas que o respectivo pedido seja apresentado antes de ter sido levantado auto de notícia.» e que «(…) como resulta das alíneas B) e D) [que haverão de passar a corresponder às alíneas D) e E) do probatório] do probatório, o auto de notícia foi levantado em 06.11.2015 e a entrega do imposto ao Estado ocorreu apenas em 18.11.2015, através de ordem de transferência bancária emitida em 17.11.2015.», daí concluindo (erradamente) que «(…) ainda que considerando o pagamento do imposto como pedido de redução, nos termos previstos no n.º4 do artigo 30.º do RGIT, sempre este foi efectuado depois de ter sido levantado auto notícia pela infracção praticada, não conferindo, por isso, direito a qualquer redução al abrigo destes preceitos.» (sic).

xxvii. Naquele entendimento, referido na conclusão anterior, o o Tribunal a quo desconsiderou que, mesmo que o auto notícia tenha sido emitido em tal data, não foi dado a conhecer à Recorrente naquela data, por não lhe ter sido notificado, nem o foi antes de esta ter procedido ao pagamento do imposto em causa.


xxviii. De igual modo, naquele entendimento referido na conclusão xxvi, o Tribunal a quo olvidou que aquele pagamento de imposto apenas ocorreu em 17-11-2015 por não ter sido possível à Recorrente proceder ao pagamento em causa em data anterior (pelas razões já supra expostas e que haverão de passar a constar do probatório).

xxix. Quer isto dizer que, não foi por causa imputável à Recorrente que esta não procedeu ao pagamento do imposto logo no dia em que procedeu à apresentação da declaração periódica em falta, mas apenas uns dias depois, por meio de transferência bancária, do que resulta que também não pode ser afastado o direito da Recorrente beneficiar daquele regime de redução de coima.

xxx. Mesmo que se entendesse que tal circunstância não fosse de relevar – o que não se concede – certo é que o pagamento ocorreu sempre antes da emissão de auto notícia ser eficaz relativamente à Recorrente - aliás, de outro modo, bastava que fosse emitido auto notícia no próprio dia em que fosse apresentada declaração em falta, mesmo que acontecesse pagamento nessa mesma data, para a AT poder sempre afastar a aplicação do regime de redução de coima, invocando apenas que o pagamento não foi anterior à emissão de tal auto – o que, manifestamente, não foi a intenção do legislador na previsão daquela norma, bastando, para assim concluir, atentar no disposto no art. 31.º n.º 1 a) do RGIT que dispõe expressamente que «1 - O direito à redução das coimas previsto no artigo anterior depende: a) Nos casos das alíneas a) e b), do pagamento nos 15 dias posteriores ao da entrada nos serviços da administração tributária do pedido de redução», prevendo assim que o direito à redução de coima não depende do pagamento no momento da apresentação da declaração em falta.

xxxi. Ao assim não entender o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no art. 29.º n.º 1 b) e 31.º do RGIT, a implicar a anulabilidade da sentença proferida ou, pelo menos, a sua substituição por outra que não padeça de tal vício.

xxxii. Mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede –os n.ºs 4 e 5 do art. 31.º do RGIT prevêem expressamente que «Sempre que nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29 .º a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta.» e que «Se, nas circunstâncias do número anterior, o pagamento das coimas com redução não for efectuado ao mesmo tempo que a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta, o contribuinte é notificado para o efectuar no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantado auto de notícia e instaurado processo contra-ordenacional.» (sic, sublinhado e destaque nossos), do que resulta claro que a lei prevê expressamente que há direito à redução de coima mesmo no caso do contribuinte ter procedido à apresentação da declaração em falta sem que nesse momento proceda ao pagamento do imposto daí decorrente, estabelecendo que, nessa circunstância, antes de lavrado auto notícia (aliás, sob pena do mesmo ser lavrado) o contribuinte é notificado para proceder ao pagamento do imposto.

xxxiii. No caso dos autos, com base no probatório apurado (e isto mesmo que não lhe fosse determinada qualquer alteração) sempre se haveria, necessariamente, de concluir que, a eventualidade de ter sido lavrado auto notícia em 06-11-2018, não pode produzir o efeito de afastar o direito da Recorrente à redução de coima, na medida em que era pressuposto disso que a Recorrente tivesse sido notificada para proceder ao pagamento do imposto no prazo de 15 dias sob pena, exactamente, desse auto notícia ser lavrado – o que não ocorreu nem resulta do autos – com o que o Tribunal a quo não podia ter deixado de julgar pela verificação do direito da Recorrente a beneficiar do regime de redução coima, previsto no art. 29.º n.º 1 a) e 31.º n.º 4 e 5 do RGIT – pelo que a sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento, por violação daquelas normas, a implicar a sua anulabilidade ou, quando muito, a sua revogação e substituição por outra que não padeça do mesmo vício.

SEM PRESCINDIR

xxxiv. A decisão administrativa recorrida, ao fazer a descrição dos factos e a graduação da coima que veio a aplicar, limitou-se a referir a infracção imputada à Recorrente e a consignar que fez aplicação da lei punitiva, e desta não consta nenhum dos requisitos legais, como lhe é imposto pelo art. 79.º n.º 1 b) e c) do RGIT - o que constitui a nulidade insuprível prevista no art. 63º./1-d) do RGIT – o que foi expressamente invocado nos autos pela Recorrente – e, a sentença sob recurso, ao não julgar verificada tal nulidade, incorreu, ela própria em vício de erro de julgamento, por violação daquelas normas, que determina a anulabilidade da sentença ou, pelo menos, a necessidade da sua revogação e substituição por outra que não padeça de tal vício.

xxxv. A sentença recorrida incorre ainda em vício de fundamentação ao invocar que «No caso dos autos, analisando o teor da decisão recorrida, conforme resulta da alínea G) do probatório, conclui-se que contém todos os elementos necessário e suficientes para a satisfazer o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, nomeadamente a indicação do montante de imposto exigível, o termo do prazo para o cumprimento da obrigação de entrega, o período a que respeita a infração, bem como as normas violadas e as normas punitivas.», que «Também no que se refere à satisfação do disposto na alínea c) do mesmo preceito, se verifica estarem indicados o montante da coima fixada (próxima do mínimo legal [o que não é rigoroso]) e, como elementos que serviram de base à sua fixação, a imputação a título de negligência simples, uma situação económica e financeira baixa, a prática considerada frequente da infração, a ausência de atos de ocultação e de benfício económico com a infracção e um tempo decorrido desde a prática da infração superior a 6 meses, pelo que, ainda que mencionados de forma sumária, se considera satisfeito a exigência legal.» e ao fazer apelo a jurisprudência que defende o entendimento de que «No que se refere, em especial, à alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, tem a jurisprudência entendido que “se a coima é fixada no limite mínimo abstractamente aplicável ou num valor muito próximo dele, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a falta de indicação dos elementos considerados na fixação não é sancionada com nulidade, constituindo mesa irregularidade nos termos dos artigos 118.º n.º 1 e 123.º do Código de Processo Penal, porquanto essa omissão não é susceptível de causar prejuízo ao arguido, pois que ele não pode ver diminuído o montante da coima aplicada”» (sic).

xxxvi. Não pode deixar de se considerar, desde logo, que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, a moldura de coima abstractamente aplicável ao caso dos autos não corresponde ao valor mínimo de €1.728,33 ou ao máximo de €5.761,13 [cfr. ponto E) do probatório (que haverá de passar a G)].

xxxvii. É o que resulta do disposto no art. 114.º n.º 2 do RGIT que prevê que a moldura abstractamente aplicável quando esteja em causa conduta negligente seria sempre determinada tendo por mínimo o valor correspondente a 15% do imposto em causa e como máximo metade desse valor, o que significa que, estando em causa imposto no valor de €5.761,13, o mínimo de coima aplicável corresponde a €864,17 (15% daquela quantia) e o máximo a €2.880,57 (50% daquela quantia).

xxxviii. Assim sendo, desde logo, a coima concretamente aplicada e confirmada pelo Tribunal a quo não o foi no âmbito do limite mínimo aplicável, não corresponde ao limite mínimo abstracto e nem sequer está próxima deste. Outrossim, uma coima de €1.940,05 (que corresponde a cerca de 30% do imposto em causa) está, aliás, mais próxima do limite máximo abstractamente aplicável do que do respectivo limite mínimo.

xxxix. Do referido resulta que a jurisprudência invocada na sentença recorrida não serve de fundamento válido ao entendimento de que o vício de fundamentação quanto à determinação do quantitativo da sanção aplicada seria mera irregularidade no caso dos autos, e, mesmo que assim não se entendesse (e fosse de considerar a moldura sancionatória referida no alínea E) do probatório da sentença), sempre se haveria de concluir que tal entendimento também não poderia ter aplicabilidade aos autos, na medida em que a coima aplicada sempre corresponderia a um acréscimo de mais de 10% relativamente a esse tal suposto valor mínimo, pelo que mesmo assim, nunca se poderia concluir que essa diferença não tinha relevância jurídica.

xl. Assim sendo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento (por violação do art. 114.º n.º 2 do RGIT e 79.º n.º 1 b) e c) do RGIT), a implicar a anulação daquela decisão, ou, quando muito, a sua substituição por outra que não padeça do mesmo vício.

Por outro lado:


xli. Contrariamente ao que se decidiu na sentença posta em crise, é manifesta a nulidade insuprível por violação art. 79.º n.º 1 b) e c) do RGIT (art. 63º./1-d) do RGIT) - e que foi expressamente invocada pela Recorrente, porquanto, compulsada a decisão de aplicação de coima, confirmada pelo Tribunal a quo, o que desta resulta, para efeito de pretender fundamentar a fixação do quantitativo da coima, corresponde um quadro onde se refere “Elementos que contribuíram para a fixação da coima” em que se diz apenas (i) qual o período de tributação em causa, (ii) qual a data que corresponderia ao termo do prazo para o cumprimento da obrigação, (iii) o alegado valor do imposto em falta, (iv) o alegado valor de imposto entregue e (v) o alegado valor de imposto exigível.

xlii. Tais dizeres não correspondem a qualquer ponderação, mesmo quanto a tais informações, ou o modo como tenham sido consideradas na fixação da coima, além de que dali não consta qualquer referência ou ponderação da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica ou do eventual benefício económico que se tenha retirado da prática dos factos, como não consta factualidade de que fosse possível retirar imputação de culpa à Recorrente e respectivo grau, ao que acresce que nem sequer resulta que tenha sido considerado naquela determinação da medida da coima que o valor do imposto estava já pago (bem pelo contrário, consta informação, falsa, de que não teria havido tal pagamento) – com o que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação do disposto no art. 79.º n.º 1 b) e c) e art. 63.º n.º 1 d) do RGIT, a implicar a anulabilidade desta, ou quando muito, a sua revogação e substituição por outra que não padeça do mesmo vício.

Por outro lado:

xliii. Ainda que se entendesse que a sentença recorrida estaria, ela própria, a proceder à aplicação de coima no mesmo montante da coima fixada pelo acto do Serviço de Finanças recorrido, sempre se haveria de concluir que a sentença, ela própria, também não cumpre os requisitos de fundamentação previstos nas referidas normas do RGIT (art. 79.º n.º 1 b) e c) do RGIT), padecendo, por essa via, também de nulidade insuprível, nos termos do disposto no art. 63.º n.º 1 d) do RGIT.

xliv. Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, a moldura abstracta da coima aplicável ao caso dos autos não corresponde ao valor mínimo de €1.728,33 e ao máximo de €5.761,13 [cfr. ponto E) do probatório (que haverá de passar a G)], mas, outrossim por mínimo o valor correspondente a 15% do imposto em causa e por um, máximo correspondente a metade desse valor de imposto (mínimo de €864,17 e o máximo a €2.880,57, calculados com base num imposto no valor de €5.761,13), do que decorre que a moldura sancionatória considerada, para efeito de determinação concreta da coima em causa, está errada e, por consequência, ocorre nulidade insuprível (art. 79.º n.º 1 c) e 63.º, 1 d) do RGIT) ou, pelo menos, anulabilidade da decisão de aplicação da coima e, por razões idênticas, a sentença proferida que, assim, padece de erro de julgamento (por violação do disposto no art. 114.º n.º 2 e 79.º nº 1 c) do RGIT) a implicar a sua anulação, ou, pelo menos, substituição por outra que não padeça de tal vício.

NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, que sempre serão supridos por V.Exas., deverá ser julgado procedente o presente recurso, com todas as legais consequências, com que V.Exas. farão cumprir
A LEI E JUSTIÇA! ».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais atenta a simplicidade e recorrência das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) nulidades da sentença: por falta de fundamentação na medida em que o tribunal a quo dá por adquirida a conduta negligente da recorrente sem que seja apreensível qualquer fundamentação factual para essa qualificação, nem, por outro lado, se apreende qual a base factual que suporta o juízo conclusivo de imputação da culpa a título de negligência simples (art.º 374/2 do CPP ex vi do 32.º do RGCO); por contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, a decisão de facto não suporta o juízo conclusivo de imputação da infracção a título de negligência simples (art.º 410/2/b), do CPP); por omissão de pronúncia, na medida em que o tribunal a quo não conheceu da questão colocada na P.I. da falta de verificação do elementos subjectivo da imputada infracção (art.º 379/1/c) do CPP); (ii) erro de julgamento por omissão de factos relevantes no probatório (art.º 431/a) do CPP); erro de julgamento sobre os pressupostos legais da infracção imputada; erro de julgamento quanto aos pressupostos da redução de coima; (iii) nulidades insupríveis da decisão, por falta dos requisitos previstos nos artigos 79/1/b) e c) e 63/1/d) do RGIT, nomeadamente, moldura da coima abstractamente aplicável e enunciação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Compulsados os autos e analisados os documentos juntos, julgam-se provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos (dando-se aqui como integralmente reproduzidos o teor dos documentos para os quais se remete):

A) Em 30.10.2015, a Recorrente entregou, via Internet, a declaração periódica de IVA n.º .........., relativa ao segundo trimestre de 2014, e da qual resultou o montante de 5.761,13€ de imposto a entregar ao Estado (cfr. documento 2, junto com a petição inicial).

B) Em 06.11.2015, foi levantado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, auto de notícia à Recorrente por infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea b), do CIVA – falta de pagamento do imposto –, prevista e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a) – falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo –, conjugado com o artigo 26.º, n.º 4, ambos do RGIT (cfr. fls. 3 dos autos, no SITAF).

C) Em 06.11.2015, com base no auto de notícia referido em B), foi instaurado contra a Recorrente, no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o processo de contra-ordenação n.º .......... (cfr. fls. 2 dos autos, no SITAF).

D) Em 18.11.2015, por ordem de transferência bancária emitida em 17.11.2015, a Recorrente pagou o montante de imposto a entregar ao Estado, referido em A) (cfr. documento 3, junto com a petição inicial, e Informação a fls. 33 a 35 dos autos, no SITAF).

E) Por ofício datado de 06.11.2015, enviado por carta registada a 09.11.2015, procedeu-se à notificação à Recorrente dos factos apurados no processo de contra-ordenação referido em C), das normas infringidas, das normas punitivas, da data da infração e do montante mínimo (1.728,33€) e máximo (5.761,13€) da coima aplicável, sendo ainda notificado que poderia apresentar defesa no prazo de 10 dias ou proceder ao pagamento antecipado ou voluntário da coima (cfr. fls. 5 a 7 do documento registado no SITAF sob o nº 006352422).

F) Por ofício datado de 05.12.2015, enviado por carta registada a 07.12.2015, na sequência da devolução da notificação referida em E), procedeu-se à sua repetição (cfr. fls. 8 a 10 do documento registado no SITAF sob o nº 006352422).

G) Em 24.06.2016, no âmbito do processo de contra-ordenação referido em C), foi proferida decisão de aplicação de coima no montante de 1.940,05€, acrescida de custas no montante de 76,50€, de cujo teor se extrai:
”Descrição Sumária dos Factos
Ao arguido foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 5.761,13; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 5.761,13; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-08-18; 5. Período a que respeita a infracção: 2014/06T, os quais se dão como provados. Número da Liquidação: L…………..
Normas Infringidas e Punitivas
(…)
Normas infringidas: Artº 27º nº1 e 41º nº1 b) CIVA – Falta de pagamento do imposto (T)
Normas punitivas: Artº 114 nº2, nº5 a) e 26 nº4 do RGIT - Falta entrega prest. Tributária dentro prazo (T) Período de Tributação: 201406T Data da Infracção: 2014-08-18 (…) Coima Fixada: 1.940,05 (…)” (cfr. fls. 11 a 13 do documento registado no SITAF sob o nº 006352422).
H) Em 02.07.2016, por remessa para a caixa postal electrónica do Via CTT da Recorrente, foi enviada a notificação da decisão referida em G) (cfr. fls. 14 do documento registado no SITAF sob o nº 006352422).

I) Em 05.07.2016, a Recorrente acedeu à sua caixa postal electrónica do Via CTT (cfr. fls. 15 do documento registado no SITAF sob o nº 006352422).

J) As alegações do presente recurso foram remetidas ao Serviço de Finanças de Lisboa 3, por via postal, em 01.08.2016 (cfr. fls. 4 dos autos, no SITAF).
***
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.
***
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos constantes dos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A recorrente invoca como causas de nulidade da sentença, falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronúncia.

Em processo de contra-ordenação tributária aplicam-se as causas de nulidade da sentença previstas em processo penal, por força do disposto no art.º 41/1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, para que expressamente remete o art.º 3.º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho.

Constituem, nomeadamente, causas de nulidade da sentença em processo penal, a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia – artigos 374/2 e 379/1, alíneas a) e c) do Cód. Processo Penal.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, prevista no art.º 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, não constitui nulidade da sentença, mas eventual nulidade processual (art.º 75/2, alínea b) do RGCO), dispondo o art.º 426/1 do CPP que «Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio».

Pretende a recorrente que a sentença validou a decisão administrativa de imputação dos factos a título de negligência, sem indicar os elementos subjectivos do tipo, o que integra nulidade por falta de fundamentação.

O despacho que aplicou a coima à arguida fez-lhe a sua imputação a título de negligência simples, como nele expressamente se diz (cf. fls.60), consistindo esta na formulação de um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, de acordo com o que a ordem jurídica lhe impunha, conforme podia e devia (no âmbito de um dever geral de atenção, de cuidado, de consideração pelos interesses alheios).

O traço fundamental situa-se, pois, na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homens), e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a justa previsão.

Como a sentença refere, a infracção por que vem condenada a arguida, basta-se com a falta de entrega do imposto que foi ou devia ter sido liquidado em factura ou outro documento equivalente.

A verificação objectiva da conduta omissiva que integra a descrição típica do ilícito contra-ordenacional previsto no art.º 114.º do RGIT, permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, pelo menos, com negligência.

E nesse contexto, cabia à arguida, a bem da sua defesa, alegar e provar factos que pusessem em crise aquela inferência, invocar circunstâncias concretas que, pelo menos, fizessem surgir uma dúvida razoável sobre a imputação subjectiva daquela conduta – sem que isso signifique aceitação de um ónus de alegação e prova em processo contra-ordenacional, antes decorrendo de um princípio de cooperação e lealdade processual – e não à AT ou ao tribunal apurar as razões do inadimplemento que a lei tipifica como infracção contra-ordenacional.

Improcede a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto aos elementos subjectivos do tipo.

Outrossim, invoca a arguida e recorrente que a sentença incorreu em omissão de pronúncia uma vez que não conheceu da alegada falta de factualidade na decisão administrativa impugnada, a partir dos quais se pudesse extrair o juízo de censura que lhe foi feito.

Ora, essa questão, já está sobremaneira respondida pela apreciação por nós feita a propósito da falta de fundamentação da sentença.

A imputação da infracção a título de negligência basta-se com a constatação da conduta omissiva, com a violação das regras e procedimentos estabelecidos no art.º 27/1 e 41/1 alínea b) do Código do IVA, não sendo necessário indagar previamente se ocorrem, com relação ao infractor, razões concretas a determinar o afastamento dessa imputabilidade.

Tendo a sentença constatado a indicação, na decisão administrativa, da conduta omissiva, da imputação dessa conduta a título de negligência simples e da indicação das regras e procedimentos violados, não pode dizer-se que omitiu pronúncia sobre o preenchimento dos elementos do tipo. O que se passa é que a arguida e aqui recorrente pretende que para além dos elementos indicados na decisão administrativa e que a sentença refere, outros elementos de facto deveriam ser enunciados de modo a poder extrair-se qualquer juízo de censura sobre a sua conduta.

Mas a ser assim, a sentença poderá estar inquinada de erro de julgamento quanto aos pressupostos da imputabilidade a título de negligência, não sendo suficiente a mera constatação da conduta omissiva relativamente a obrigações legalmente estabelecidas visando possibilitar o apuramento da obrigação de imposto e o seu pagamento (art.º 31.º da Lei Geral Tributária).

Improcede também esta invocada nulidade da sentença.

Quanto à questão da existente contradição entre os fundamentos e a decisão, entronca nas anteriores, lembrando-se que este vício da decisão em processo penal apenas é susceptível de integrar nulidade processual, que não nulidade da sentença.
Mas mesmo com essa qualificação, tal vício não ocorre, porquanto, a ver da recorrente a decisão é contraditória com os factos provados, dos quais nada se retira quanto ao juízo conclusivo de imputação de culpa que veio a ser feito.

Mas como já se deixou dito, tal assenta no pressuposto entendimento, que não acompanhamos, de que não basta à formulação do juízo de culpa a título de negligência simples a mera verificação da conduta omissiva violadora de obrigações tributárias legalmente estabelecidas, sendo ainda necessário recolher factualidade relativa às razões por que a arguida não cumpriu as obrigações impostas.

Porém, no nosso modo de ver, é manifesto que a sentença não decidiu contraditoriamente com os factos provados, não elencou factos contraditórios entre si, nem decidiu contra os factos provados, o que a verificar-se consubstanciaria erro de julgamento e não nulidade processual.

Ou seja, não se impunha, num raciocínio lógico, decisão diversa perante os factos dados como provados e tanto basta para que inexista fundamento de anulação por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Improcede o alegado vício de nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Quanto ao alegado erro de julgamento por omissão de factos essenciais ao probatório, sempre haverá que realçar que o julgador não está vinculado a aportar ao probatório toda a matéria factual pretendida pelas partes, mas apenas e unicamente aquela que se apresente em abstracto susceptível de relevar para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Pretende a recorrente sejam levados ao probatório os seguintes factos: “A) a Recorrente exerceu, entre o primeiro trimestre de 2011 até 31-03-2015, actividade que, do ponto de vista de IVA, está sujeita a tributação em Portugal; B) Apercebendo-se disso, a Recorrente apresentou, em 30-10-2015, declaração de início de actividade, bem como as declarações periódicas que eram devidas e, ainda, declaração de cessação de actividade reportada a 31-03-2015, o que fez, nomeadamente relativamente ao período de tributação em causa no presente procedimento de contra-ordenação; F1) Tal pagamento foi feito à custa do próprio património da Recorrente, pois não chegou a liquidar e cobrar dos seus clientes IVA aquando das operações que veio a integrar naquelas declarações periódicas de IVA”.

Tais factos não foram objecto de prova nem apresentam qualquer pertinência para a decisão; nessa medida, nem foi violado o princípio do inquisitório e da oficiosidade, nem é de integrar tais factos no probatório por serem irrelevantes quer para o preenchimento do tipo de ilícito contra-ordenacional, quer para o juízo de censura, improcedendo o alegado erro de julgamento de facto.
Prosseguindo, quanto ao erro de julgamento de direito:

De acordo com a decisão de aplicação de coima (cf. ponto G) do probatório), a norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do art.º 114, n.º 2 e n.º 5, alínea a), do RGIT, a qual na versão à data em vigor (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12), tinha a seguinte previsão e estatuição:
«Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1 – A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 – Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5 – Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;
(...).».


Por prestação tributária entende-se qualquer tributo cuja cobrança caiba à administração fiscal ou à administração da segurança social – art.º 11.º, alínea a), do RGIT, aí se incluindo o IVA.

Por outro lado, quanto à alegação da recorrente de que “não chegou a liquidar e cobrar dos seus clientes IVA aquando das operações que veio a integrar nas declarações periódicas” (facto que pretendia, recorde-se, levar ao probatório), tal não constitui elemento do tipo, pois o art.º 114/5 do RGIT refere na sua previsão “falta de liquidação” e “falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente”.

Tem sido este o entendimento da jurisprudência, nomeadamente a deste tribunal, de que se destaca o acórdão de 06/05/2019, tirado no proc.º 2263/16.0BELRS, em cujo sumário se deixou consignado: «No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114.º, do R.G.I.T.), equiparam-se às situações em que há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, as omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de liquidação que deve ser efectuada pelos sujeitos passivos, de que são exemplo as situações previstas nas alíneas a) e e) deste nº.5, que sucedem na maior parte dos casos de I.V.A.».

Avançando,

Na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, mantida no segmento que releva, na Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, prescrevia o art.º 29.º do RGIT:
«Artigo 29.º
Direito à redução das coimas
1 - As coimas pagas a pedido do agente são reduzidas nos termos seguintes:
a) Se o pedido de pagamento for apresentado nos 30 dias posteriores ao da prática da infracção e não tiver sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, para 12,5 % do montante mínimo legal;
b) Se o pedido de pagamento for apresentado depois do prazo referido na alínea anterior, sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou iniciado procedimento de inspecção tributária, para 25 % do montante mínimo legal;
c) Se o pedido de pagamento for apresentado até ao termo do procedimento de inspecção tributária e a infracção for meramente negligente, para 75% do montante mínimo legal.
2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, é considerado sempre montante mínimo da coima o estabelecido para os casos de negligência.
3 - Para o fim da alínea c) do n.º 1 deste artigo, o requerente deve dar conhecimento do pedido ao funcionário da inspecção tributária, que elabora relatório sucinto das faltas verificadas, com a sua qualificação, que será enviado à entidade competente para a instrução do pedido.
4 – (…)».

Na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, prescrevia o art.º 30.º do RGIT:

«Artigo 30.º
Requisitos do direito à redução da coima
1 - O direito à redução das coimas previsto no artigo anterior depende:
a) Nos casos das alíneas a) e b), do pagamento nos 15 dias posteriores ao da entrada nos serviços da administração tributária do pedido de redução;
b) No caso da alínea c), bem como no do artigo 31.º, do pagamento nos 15 dias posteriores à notificação da coima pela entidade competente;
c) Da regularização da situação tributária do infractor dentro do prazo previsto nas alíneas anteriores;
d) (Revogada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho)
2 - Em caso de incumprimento do disposto no número anterior, é de imediato instaurado processo contra-ordenacional.
3 - Entende-se por regularização da situação tributária, para efeitos deste artigo, o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção.
4 - Sempre que nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta.
5 - Se, nas circunstâncias do número anterior, o pagamento das coimas com redução não for efectuado ao mesmo tempo que a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta, o contribuinte é notificado para o efectuar no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantado auto de notícia e instaurado processo contra-ordenacional.».

Mostram o probatório e os autos que em 30/10/2015 a recorrente entregou por via electrónica a declaração periódica de IVA n.º .......... relativa ao 2.º T/2014, de que resultou o montante de 5.761,13€, a entregar ao Estado (ponto A do probatório); que em 06/11/2015 foi levantado auto de notícia pela infracção espontaneamente comunicada (ponto B), do probatório) e que em 18/11/2015, por transferência bancária ordenada em 17/11/2015, a recorrente pagou aquele montante de imposto a entregar ao Estado (ponto D), do probatório).
Ou seja, a recorrente fez entrega da prestação tributária, já depois de levantado o auto de notícia (art.º 56/a) do RGIT) com base na declaração espontânea apresentada.

Ora, nas situações de regularização espontânea, que não dependam de tributo a liquidar pelos serviços, caso o contribuinte não faça entrega da prestação tributária devida com a comunicação apresentada, é de imediato instaurado processo de contra-ordenação (art.º 30.º, n.ºs 2, 4 e 5, do RGIT).

A notificação prevista no n.º 5 daquele preceito, só vale para as situações em que ocorra entrega da prestação tributária antes da instauração do processo de contra-ordenação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Tal significa que a recorrente, com a entrega da prestação tributária ao Estado já depois de levantado o auto de notícia pela infracção comunicada, perdeu direito à redução da coima por falta dos requisitos de que depende.

Por fim, pretende a recorrente que a decisão de fixação da coima enferma de nulidade insuprível nos termos do disposto no art.º 63/1, alínea d) do RGIT quer quanto à descrição dos factos, quer quanto à graduação da coima, por falta dos requisitos previstos nos artigos 79.º, nº1 alíneas b) e c), do mesmo diploma.


Diz-nos o artº.63, nº.1, alínea d), do RGIT, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, nulidade esta de conhecimento oficioso, conforme estatui o nº.5, da citada norma legal (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.444).

Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são, entre outros: b) A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas; c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.

Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.

Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, alínea d), do RGIT.

O que se pretende exigir com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artº.268, nº.3, da C.R.P.) e com a garantia do direito à defesa (artº. 32, nº.10, da C.R.P.), o qual exige que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517).

Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cf. ponto G) do probatório e fls.60 dos autos), o despacho administrativo de aplicação de coima exarado no presente processo satisfaz os requisitos previstos na lei quer quanto à descrição sumária dos factos, quer quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, tudo conforme decidiu o Tribunal a quo.

Na verdade, como a sentença refere, consta da decisão a indicação do montante de imposto exigível, o termo do prazo para o cumprimento da obrigação de entrega, o período a que respeita a infracção, bem como a indicação das normas violadas e punitivas, em termos de arguida poder apreender acessivelmente a infracção que lhe é imputada e estruturar esclarecidamente a sua defesa.

Também no que se refere à observância dos requisitos enunciados na alínea c) do art.º 79.º, constata-se estarem indicados o montante da coima fixada e discriminados os elementos que serviram de base à sua fixação, a imputação a título de negligência simples, a situação económica e financeira baixa, a prática frequente da infracção, a ausência de actos de ocultação e de beneficio económico com a infracção e um tempo decorrido desde a prática da infracção superior a 6 meses, o que preenche a exigência legal, permitindo a apreensão das razões que conduziram à fixação do montante da coima.

Pretende a recorrente que a coima não foi fixada pelo mínimo legal, outrossim tendo a decisão incorrido em erro na fixação do montante mínimo abstractamente aplicável.

Todavia, não é assim. O infractor é uma pessoa colectiva.

Dispõe o art.º 26.º do RGIT:
«Artigo 26.º
Montante das coimas
1 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicáveis às pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, ou outras entidades fiscalmente equiparadas podem elevar-se até ao valor máximo de:
a) (euro) 165 000, em caso de dolo;
b) (euro) 45 000, em caso de negligência.
2 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicáveis às pessoas singulares não podem exceder metade dos limites estabelecidos no número anterior.
3 - O montante mínimo da coima a pagar é de (euro) 50, excepto em caso de redução da coima, em que é de (euro) 25.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.»

O art.º 26/4 foi expressamente convocado na decisão de fixação da coima.

Pois bem, como a própria recorrente admite (conclusão xxxvii), o valor mínimo da coima abstractamente aplicável é de 15% do valor da prestação tributária em falta de 5.761,13 Euros (art.º 114/2 do RGIT).

15% desse valor corresponde a 864,17€, cujo montante em dobro equivale a 1.728,34€, pelo que não incorreu em erro de julgamento a sentença quando refere como limite mínimo da coima abstractamente aplicável aquele último valor para concluir que a coima fixada de 1.940,05€ se situa próxima do limite mínimo, a não demandar mais ampla fundamentação que a externada para a sua fixação.

E, acrescentamos nós, dela constando que a prática frequente da infracção, elemento que não vem contestado nos autos.

Também por este fundamento, o recurso não merece provimento.

Tudo visto, é, pois, de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que pelas razões expostas, não é merecedora da censura que lhe vem dirigida.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 27 de Maio de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e MÁRIO REBELO].

Vital Lopes