Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1034/04.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRC;
RELAÇÕES ESPECIAIS;
PROVA.
Sumário:O artº 57º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário, anterior à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, permitia à Administração Fiscal efectuar as correcções que se mostrassem necessárias à determinação do lucro tributável sempre que existissem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, e que por força dessas relações especiais fossem estabelecidas, entre elas, condições diferentes das que, normalmente, seriam acordadas entre pessoas independentes conduzindo a que o lucro apurado fosse diverso daquele que se apuraria na ausência dessas relações, cabendo à Administração Fiscal o ónus da prova dessas relações especiais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Lda., referente a liquidação de IRC do exercício de 2000 no montante de € 79.007,24.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

1. Manda o bom senso jurídico que por mais deficientes que por vezes as leis se apresentem, quase tudo nelas pode ser corrigido pela sua adequada interpretação, o que no caso em apreço, com o devido respeito, que é muito, não foi alcançado pelo Tribunal a quo. Pelo que, com o devido respeito se fosse preconizada uma maior acuidade ao escopo do vertido no art. 57.° do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999; art. 125°, n° 1, do CPPT, e nos arts. 653°, 655°, e 659°, n° 3 e 668°, n° 1, al. b), do CPCivil, assim como do teor do Relatório da Inspeção Tributária sub judice, na Informação da Administração Tributária (fls. 246 a 256 do PAT);

2. devidamente conjugado com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, assim como a todo o acervo probatório documental que foi junto ao processo por parte da Recorrente para que se pudesse aquilatar pela improcedência da Impugnação aduzida pela Recorrida/lmpugnante, no que concerne às reintegrações não aceites.

3. Outrossim, o sobredito (errada valoração da prova produzida e considerada assente) foi como que causa adequada para que fosse preconizada pelo Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.

4. Consequentemente, foi proferida a decisão a quo, a qual, decidiu julgar parcialmente procedente a Impugnação apresentada pelo Recorrido e consequentemente, anular a correcção efectuada, “...concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada relativamente às reintegrações, impondo-se, nessa medida proceder à anulação do acto de liquidação na parte em que pressupõe a referida correcção.”.

5. - "...julga-se a presente impugnação parcialmente procedente, com a consequente anulação da liquidação adicional impugnada na parte que resultou da correcção efectuada quanto às reintegrações não aceites, e improcedente quanto ao remanescente.”.

6. A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO ASSENTE, consta dos itens A) a V) do segmento fáctico do douto aresto a quo, mormente de fls. 7 a fls. 8 do douto aresto a quo. Aliás, pela sua relevância, e para os efeitos almejados com o presente recurso, aqueles itens da factualidade dada como provada, dão-se aqui por integral e expressamente vertidos por razão de economia processual.

7. Tem particular relevância a factualidade dada como provada e constante dos itens E), F), H), N), O), P), Q), R), S), T), U) e V) da matéria assente, os quais não foram devidamente valorados e considerados pelo respeitoso Tribunal a quo na subsunção que foi preconizada quanto ao direito aplicável e no que respeita à sua falta de exame crítico da prova.

8. Vislumbra-se naqueles itens dados como provados, como que uma remissão genérica e sem descrição de qual o itinerário seguido pelo Tribunal a quo para dar como assente a factualidade constante daqueles itens.

9. Na FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO que é vazada no douto aresto a quo, mormente no que concerne à temática em apreço resulta que:

10. - "Cabe, agora, aferir da legalidade da correcção efectuada quanto às reintegrações não aceites, a qual resultou da aplicação do regime constante do artigo 57° do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, bem como do facto de não ter sido celebrado qualquer contrato de aquisição de imobilizado e no Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) não constar a referida aquisição”

11. - "Tendo presente o disposto no art. 74.° da LGT, conclui-se que para proceder às correcções a que se refere o citado artigo 57.° do Código do IRC impende sobre a Administração Fiscal o ónus de provar a existência de relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorreriam operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, uma vez que o regime consta da referida norma legal tem como pressuposto que a existência de relações especiais pode determinar a realização de operações em moldes diferentes daqueles que se verificariam se aquelas relações não existissem. ”. 

12. - "Ora, no caso vertente, julgamos que a Administração fiscal não cumpriu o ónus da prova relativamente às condições em que a operação se realizaria entre pessoas independentes, limitando-se a referir que o sócio das duas sociedades é o mesmo, bem como que os valores dizem respeito a inúmeros itens que não estão quantificados, não sendo possível confirmar a valorização mencionada nas facturas... ”

13. - “Por outro lado, a correcção a que se refere o citado art. 57° do Código do IRC, não passa pela desconsideração da operação realizada, mas pela consideração do valor que seria normalmente praticado na ausência de relações especiais, sendo certo que a Administração Fiscal desconsiderou por completo, a aquisição do imobilizado suportado nas facturas emitidas pela «A.........., SARL», não aceitando a dedução da reintegração do imobilizado como custo fiscal.

14. - Contudo, não obstante a referência no Relatório de Inspecção Tributária ao artigo 57° do Código do IRC, verifica-se que a correcção efectuada se situou ao nível das reintegrações, as quais não foram aceites pela Administração Fiscal...”

15. - O artigo 23° do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, considera dedutíveis os custos com reintegrações (alínea g), na medida em que preencham o requisito da indispensabilidade constante da cláusula geral do n.° 1 do mesmo artigo.

16. "Ora, a invocada existência de relações especiais, bem como a inexistência de contrato relativo à aquisição de imobilizado e a forma de pagamento do mesmo, não legitima substancialmente a decisão de correcção, uma vez que não se pode entender que a administração tributária colocou fundadamente em causa a indispensabilidade do custo deduzido, de forma a fazer impender sobre o impugnante o ónus de provar aquela."

17. - "...em momento algum, a Administração Tributária colocou a questão da indispensabilidade do custo, limitando-se a referir factos relativos à aquisição do imobilizado cujo valor de reintegração foi deduzido pela impugnante, sem que se possa considerar que esses factos fundamentam materialmente a correcção efectuada.".

18. - "...não sendo aplicável o regime constante do artigo 57° do Código do IRC já citado, concluímos que a omissão da operação no VIES não fundamenta substancialmente a correcção efectuada, concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada relativamente às reintegrações, impondo-se, nessa medida, proceder à anulação do acto de liquidação na parte em que pressupõe a referida correcção".
ORA, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO (DO ARESTO A QUO) SUPRA NARRADA EM SÍNTESE, E SE NÃO FOR POR MAIS:

19. - In casu, é sobremaneira relevante desde já sublinhar, que por meio de confissão, a qual foi aceite e não posta em causa, a Recorrida no item 58 do seu petitório reconhece e afirma taxativamente, com alguma incongruência que terá sido o facto das duas empresas terem o mesmo responsável que terá justificado a deslocalização do imobilizado em causa, de França para Portugal, a preço de mercado.

20. Com o devido respeito a referida transacção torna-se ainda mais trivial, quando esse suposto valor de mercado se cifra exactamente num valor de encontro de contas e regularização de créditos, no montante de 91.018,645 euros.

21. Ao que acresce, também porque para aquisições de imobilizado nestes montantes, não se verificou a efectivação de qualquer contrato.

22. Como se não bastasse para completar este quadro, de referir que o transporte do referido Imobilizado foi efectuado por viaturas próprias da empresa, e contrariamente ao alegado pelo Sujeito passivo, a Administração Tributária não pretendeu retirar quaisquer ilações desta factualidade, antes e pelo contrário como lhe competia, evidenciou-a, porque a mesma se torna determinante e evidenciante em todo o procedimento.

23. Todavia, o sujeito passivo desvalorizou dois pressupostos essenciais da transacção, o primeiro dos quais têm a ver efectivamente com as questões de preços de mercado praticados.

24. E andou bem a fiscalização quando pôs em causa os preços de transferência.

25. Além do mais ficou provado pelos serviços de Fiscalização Tributária, que não foi possível verificar, confirmar ou avaliar a valorização dos preços, porque as facturas não continham a quantificação dos itens.

26. De referir ainda que, a questão da não evidenciação da operação a nível do VIES, trata-se de uma obrigação acessória imposta aos contribuintes, na medida que este é, não só a nível Nacional, mas também a nível da Comunidade, um dos instrumentos mais eficazes de controlo à evasão e Fraude Fiscais. 

27.Em bom rigor, a não evidenciação desta operação a nível do sistema VIES, só leva a um reforço da posição cimentada pela Administração fiscal, na medida em que descredibiliza totalmente esta operação comercial, e torna-se aqui irrelevante o facto de o Sujeito Passivo a ter evidenciado à posteriori, porque à data do levantamento do auto, a obrigação não se mostrava cumprida.

28. REITERA-SE: da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanto a esta vexata quaestio. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, e a preconizada errada valoração de prova documental que foi junta aos autos, cimentam a posição assumida e defendida pela Administração Fiscal.

29. A AT no caso vertente, rumou caminho no sentido da descoberta da verdade tributária aproximada e não por um exponenciar de um rendimento que nunca poderia existir! O método e o itinerário que foi adoptado pela Administração Tributária no caso vertente, não é nem inadmissível, nem se mostra inadequado ou contra legem.

30. Permitam-nos o ensejo, mas a vexata quaestio da temática em apreço, e a conclusão que foi retirada quanto à mesma pela AT, atenta toda a factualidade envolvente, antes se trata, não de “uma afirmação que não consubstancia um facto", mas sim, de uma afirmação consubstanciada em vários factos concretos e elucidados que, de per si, também é potenciadora, para o caso concreto, de uma ou mais conclusões assertivas e valoradas pelo nosso Ordenamento jurídico.

31. Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

32. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

33. Com o devido respeito, que é muito, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
Concomitantemente,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna, ser preconizado por Vas Exas, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada
JUSTIÇA!”
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações

* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e das normas legais, ao decidir pela ilegalidade das correcções relativas a reintegrações não aceites pela administração tributária.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:
A) A sociedade impugnante exerce, desde 1 de Fevereiro de 1999, a actividade de produção de audiovisuais (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 25 a 43 dos autos);

B) Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa efectuaram uma acção inspectiva externa à impugnante, relativamente aos exercícios de 1999 e 2000, e que teve origem nas Ordens de Serviço n°s 78987 e 78988, emitidas em 4 de Outubro de 2002 (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

C) O procedimento de inspecção externa referido na alínea antecedente decorreu no período compreendido entre 17 de Junho de 2003 e 9 de Outubro de 2003 (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

D) Quanto ao motivo, âmbito e incidência temporal do procedimento de acção inspectiva referido em B) que antecede, consta do respectivo RIT o seguinte: “Esta inspecção vem na sequência de outras efectuadas à antecessora - A.........., Lda., com o NIPC ………. - onde foram detectadas diversas infracções e sobre a qual recaem diversos processos de execução fiscal. O código PNAIT é 22.140 PC/EXT/P - DIVERSOS (DFL) e incide sobre os Exercícios de 1999 e 2000” (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

E) Em 27 de Outubro de 2003 foi elaborado Relatório do procedimento de acção inspectiva externa referido em B) que antecede, em que se propunha, em sede de IRC, relativo ao exercício de 2000, as seguintes correcções ao lucro tributável:
- viaturas pessoais - €1.014,86.
- reintegrações não aceites - €90.799,82.
- fornecedor Ilha de Man - €150.000,00 (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

F) Quanto às correcções efectuadas relativamente ao IRC do exercício de 2000, referidas na alínea antecedente, consta do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária o seguinte:
“F - Viaturas Pessoais
Pelos mesmos motivos e fundamentos referidos no parágrafo C deste Capítulo, irá ser corrigida a verba de 1.014.86 Euros (Anexo 10).
G - Fornecedor de Serviços Sediado na Ilha de Man
Foi contabilizada como Custo na Conta 62263651 “Trabalhos Especializados”, a verba 150.000 Euros relativa a uma factura emitida pela “S.......... Limited” com sede na Ilha de Man, pela prestação de serviços que estão descritos de uma forma muito vaga e imprecisa (Anexo 11).
Colocada a questão ao responsável pela empresa, e, apesar do elevado valor em causa, não soube dar uma resposta pronta e esclarecedora.
De acordo com o Art°. 57°.-A, n°. 1 do Código do IRC (aplicável na altura), esta despesa não é dedutível para efeitos de determinação do Lucro Tributável, salvo se o Sujeito Passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou de montante exagerado.
Nenhuma destas exigências foi satisfeita pela resposta do Contribuinte à nossa Notificação para efeitos do n°. 3 do citado Art°. (Anexo 12), pois, contrapõem-se os seguintes factos à resposta do Contribuinte:
- A empresa antecessora “A.........., Lda. com o NIF .........., já estava implantada extra-fronteiras, nomeadamente em França, de onde continuam a ser a maior parte dos Clientes não nacionais.
- Em 1999, cerca de 40% das Prestações de Serviços já eram destinadas a Clientes Comunitários.
- A empresa alegadamente fornecedora dos serviços aqui postos em causa, está registada para impostos na Irlanda desde 13 de Abril de 2000. O Contrato celebrado com esta, está datado de Novembro de 2000 e a factura é de 15 de Dezembro de 2000,
o que nos leva a considerar que o valor facturado no montante de 150.000 Euros (Esc. 30.072.300$00) além de manifestamente exagerado não está devidamente discriminado.
Não se consegue estabelecer uma correspondência causa/efeito (custo/proveito), baseado neste encargo.
Por tudo isto, esta despesa não poderá ser aceite fiscalmente.
H - Aquisição Intracomunitária de Imobilizado
Pelos mesmos motivos e fundamentos mencionado no parágrafo E deste Capítulo, irá ser acrescido ao Resultado Tributável a quantia de:
Esc.: 91.018.045$00 X 20% = 18.203.729$00 = 90.799,82 Euros.” (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
G) No Capítulo “Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto”, Parágrafo C, do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária consta o seguinte:
“Neste exercício [1999], esta empresa tinha afecta ao seu imobilizado duas viaturas, e, conforme as necessidades da sua actividade, alugava outras. Os combustíveis utilizados por estas viaturas atingiram neste Exercício os seguintes valores:
C/622121 - Gasóleo 2.505.739800
C/6622122 - Gasolina 4.135.481800.
O que resulta um consumo médio mensal na ordem dos Esc.: 550.00800.
Paralelamente, foram contabilizadas na conta 6622272 - Viaturas pessoais, ao longo das suas 20 páginas, inúmeras verbas de pequeno valor, nomeadamente referentes a combustíveis, e que na sua totalidade atingem Esc.: 12.553.312800 (62.615.66 Euros) - Anexo 3.
Pela própria denominação da conta - Viaturas Pessoais - e pelo seu conteúdo (custos afectos a viaturas não pertencentes à empresa, nem aos seus empregados dependentes), estas despesas não constituem Custo Fiscal da empresa, por não se enquadrarem no âmbito do Art°. 23º., conjugado com o Art°. 41º, n°. 1 alínea i) do Código do IRC (aplicável na altura).
Em Termo de Declarações (Anexo 4), o Técnico Oficial de Contas afirmou que de facto estes encargos, apesar de terem sido efectivamente suportados pela empresa, disseram respeito a viaturas que não estavam registadas no seu Imobilizado, pois pertenciam aos técnicos (colaboradores independentes) e eventualmente algumas delas teriam sido alugadas para as rodagens, pelo que se confirma como aplicável a legislação acima citada, porque fica esclarecido que as viaturas não estavam afectas à actividade da empresa e, por outro lado, não fica provado que se trataram de consumos normais, de viaturas sob responsabilidade da empresa”, (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
H) No Capítulo “Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto”, Parágrafo E, do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária consta o seguinte:
“Estão contabilizadas duas Facturas de aquisição de Imobilizado (Anexo 7):
N°. 004-09-99 27.09.99 58.648.190$00
N°. 003-12-99 07.12.99 32.370.455$00
91.018.645$00
à A..........., S.A.R.L., sediada em França, com o NIF FR…………., cujo responsável é o mesmo da empresa aqui em Análise - A...........
Consultado o Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES), relativamente ao Exercício de 1999, nada consta referente a essas duas aquisições (Anexo 8).
Por outro lado, aqueles valores dizem respeito a inúmeros “items” que não estão quantificados, não sendo por isso possível confirmar, ou simplesmente avaliar a valorização mencionada naquelas Facturas, ficando aqui também em causa o “Preço de Transferência” referido no Art°. 57º. do Código do IRC (aplicável na altura).
Foi-nos informado pelo sócio-gerente A.........., que não houve qualquer contrato relativo a estas aquisições e que este Imobilizado foi transportado para Portugal pelas viaturas da empresa e não por uma firma especializada.
A forma de pagamento destas duas Facturas também deixa muitas dúvidas, porque a contrapartida contabilística destas aquisições (lançamentos a crédito) foi a conta 26112778 - ACT S.A.R.L.
Em 31.12.99 foram transferidas (lançamentos a débito) para a mesma, as verbas de Esc.: 3.476.596$00 e Esc. 87.542.049$00, sendo esta última da conta 268778 ACT, SARL, que à data da primeira aquisição (27.09.99) já tinha um saldo devedor de Esc.: 63.866.961$00 e com as transferências atrás referidas ficaram saldadas ambas as contas. (...)
Por todos estes motivos e nomeadamente porque o Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES), não acusa estas aquisições de imobilizado, as correspondentes Reintegrações não poderão ser aceites como Custos”, (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

I) No exercício de 2000, foram contabilizadas pela sociedade impugnante, na conta “Viaturas Pessoais”, despesas com combustíveis no valor de €l.014)86. (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

J) As despesas referidas na alínea antecedente dizem respeito a veículos que não integram o imobilizado da impugnante (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

K) A impugnante contabilizou na conta n° 6223651 - “Trabalhos Especializados”, a verba de €150.000,00, relativa a uma factura emitida pela sociedade “S.......... Limited” (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

L) Na factura referida na alínea antecedente consta, além do mais, o seguinte: “Services concerning worlwide research of Film Production” (cfr. fls. 8t dos autos);

M) A sociedade referida em K) que antecede encontra-se registada para efeitos fiscais na Irlanda desde 13 de Abril de 2000 (cfr. fls. 25 a 43 e 111 a 119 dos autos);

N) A impugnante contabilizou duas facturas de aquisição de imobilizado, com os n°s 004-09-99 e 003-12-99, à «A….., S.A.R.L.», sediada em França, com o NIF FR ………. (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

O) No Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) não constavam, à data de realização da acção de inspecção tributária, as aquisições de imobilizado referidas na alínea antecedente (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

P) A contrapartida contabilística das aquisições referidas em N) que antecede foi a conta 26112778 - ACT, SARL (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

Q) Em 31 de Dezembro de 1999, foram transferidas (lançamentos a débito) para a conta 26112778 – A……, SARL as verbas de Esc.3.476.596$00 e Esc.87.542.049$00, sendo esta última da conta 268778 A….., SARL, que à data da primeira aquisição, 27 de Setembro de 1999, tinha um saldo devedor de Esc. 63.866.96l$00 (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

R) Com as transferências referidas na alínea antecedente, as contas 26112778 – A…….., SARL e 268778 – A……, SARL ficaram saldadas (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

S) O sócio da impugnante A.......... é responsável da sociedade «A….., S.A.R.L.» (cfr. fls. 105 a 110 dos autos e depoimento testemunhal);

T) A impugnante adquiriu material técnico à sociedade «A……, S.A.R.L.», sediada em França (cfr. depoimento testemunhal);

U) Entre a impugnante e a sociedade «A……, S.A.R.L» não foi celebrado qualquer contrato que tivesse por objecto a aquisição de material (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);

V) A impugnante solicitou a um “Expért prés le Cour d’Appel de Paris” a avaliação de equipamento cinematográfico e de audiovisual, para o que forneceu listas de mercadorias e facturas (cfr. fls. 120 a 140 dos autos);
*
Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou, designadamente:

I) Que as despesas com combustíveis constantes da contabilidade da sociedade impugnante se referem a veículos de técnicos colaboradores independentes e a veículos alugados afectos ao funcionamento da empresa;

II) Que os serviços prestados à impugnante pela “S.......... Limited” consistem em angariar e promover aquela como produtora de filmes em Portugal.

A decisão sobre a matéria de facto efectuou-se com base na análise crítica dos documentos, não impugnados, constantes dos autos, e, bem assim, do depoimento das testemunhas inquiridas, o qual se mostrou credível, tendo demonstrado ter conhecimento directo dos factos sobre os quais prestaram depoimento, conforme referido a propósito de cada alínea supra.
Quanto ao facto do sócio da impugnante, A.........., ser igualmente responsável da sociedade de direito francês «A………, S.A.R.L.» (cfr. alínea S) dos factos provados), importa referir que esse facto consta do RIT e foi corroborado pelo depoimento das testemunhas F.........., quadro da segunda empresa referida, bem como pela testemunha G.........., trabalhador da impugnante.
A qualidade jurídica em que A.......... era responsável na «A….., SARL», designadamente, se era sócio, administrador ou gerente, é, contudo, insusceptível de prova testemunhal, não tendo sido produzida prova documental a esse respeito.
O depoimento da testemunha F.......... mostrou-se igualmente relevante para a prova do facto constante das alíneas T) e V), tendo referido em que termos foi efectuada a “cessão” de materiais de luzes e maquinaria, esclarecendo como foi efectuado o transporte, bem como a razão de ter sido pedida a avaliação da mercadoria a um perito, sendo certo que o seu depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha F.........., TOC, contabilista da sociedade.
Relativamente à matéria de facto não provada, cumpre referir que as testemunhas G.......... e F.......... depuseram no sentido de que na actividade da impugnante são utilizados veículos pessoais dos colaboradores e técnicos, tendo a última testemunha esclarecido a razão de se proceder ao pagamento das despesas de combustíveis mediante a apresentação dos documentos de despesa e não através de um valor fixo ao quilómetro.
Contudo, a afirmação genérica de que a impugnante recorria aos veículos pessoais dos colaboradores, sem que se proceda à identificação desses veículos e colaboradores, não permite concluir que as despesas contabilizadas se referem a veículos afectos ao funcionamento da empresa.
Por último, quanto ao facto constante da alínea II) dos factos não provados, cumpre referir que o depoimento das testemunhas referidas se mostrou credível quanto ao facto de a impugnante recorrer a empresas de angariação de clientes, sem que, contudo, tenham procedido à identificação da referida empresa, pelo que se impõe considerar que não ficou provado que os serviços realizados pela “S.......... Limited” consistiam em angariar clientes e promover a impugnante como produtora de filmes em Portugal.
De facto, o que carecia de prova era o facto de a factura emitida pela “S.......... Limited” se referir à prestação de serviços de angariação de clientes, de forma a permitir formular um juízo sobre a indispensabilidade do custo, e não o facto, genérico, de a impugnante recorrer a empresas de angariação de clientes.”
* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No presente recurso vem a Recorrente alegar desde logo o seguinte:
“Tem particular relevância a factualidade dada como provada e constante dos itens E), F), H), N), O), P), Q), R), S), T), U) e V) da matéria assente, os quais não foram devidamente valorados e considerados pelo respeitoso Tribunal a quo na subsunção que foi preconizada quanto ao direito aplicável e no que respeita à sua falta de exame crítico da prova.
Vislumbra-se naqueles itens dados como provados, como que uma remissão genérica e sem descrição de qual o itinerário seguido pelo Tribunal a quo para dar como assente a factualidade constante daqueles itens.” (cfr. conclusões 7 e 8 das respectivas alegações de recurso).

Ora, considerando o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

As conclusões acima transcritas não configuram impugnação da matéria de facto, mas sim erro de julgamento da matéria de facto mencionada nas alíneas E, F, H, N, O, P, Q, R, S, T, U e V, invocando a Recorrente que esses factos não foram devidamente valorados e falta de exame crítico da prova por remissão genérica e sem descrição.

Quanto à falta de exame crítico da prova por remissão genérica e sem descrição importa desde já referir que tal afirmação é destituída de fundamento porquanto se atentarmos na matéria assente na sentença recorrida, resulta evidente que, não tendo sido impugnada a prova documental constante dos presentes autos, o tribunal a quo efectuou a análise dos documentos constantes dos autos e verteu para o probatório os factos deles resultantes mencionando expressamente os documentos que suportam os factos enunciados. E quanto aos factos considerados como provados mediante a prova testemunhal, o tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto fez constar as razões pelas quais considerou tais factos como provados, tendo ainda feito referência às razões pelas quais considerou como não provados os factos igualmente enunciados como tais.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se o tribunal a quo não fez a devida valoração da prova e a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito ao ter decidido pela procedência parcial da impugnação quanto às correções referentes a reintegrações.

Recordemos o que se encontra assente no probatório quanto às correções das reintegrações:
1 - No relatório de inspeção encontram-se enunciadas as razões que conduziram à correção das integrações e que se encontram transcritas na alínea H) do probatório:
“H) No Capítulo “Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto”, Parágrafo E, do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária consta o seguinte:
“Estão contabilizadas duas Facturas de aquisição de Imobilizado (Anexo 7):
N°. 004-09-99 27.09.99 58.648.190$00
N°. 003-12-99 07.12.99 32.370.455$00
91.018.645$00
à A..........., S.A.R.L., sediada em França, com o NIF FR…………, cujo responsável é o mesmo da empresa aqui em Análise - A...........
Consultado o Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES), relativamente ao Exercício de 1999, nada consta referente a essas duas aquisições (Anexo 8).
Por outro lado, aqueles valores dizem respeito a inúmeros “items” que não estão quantificados, não sendo por isso possível confirmar, ou simplesmente avaliar a valorização mencionada naquelas Facturas, ficando aqui também em causa o “Preço de Transferência” referido no Art°. 57º. do Código do IRC (aplicável na altura).
Foi-nos informado pelo sócio-gerente A.........., que não houve qualquer contrato relativo a estas aquisições e que este Imobilizado foi transportado para Portugal pelas viaturas da empresa e não por uma firma especializada.
A forma de pagamento destas duas Facturas também deixa muitas dúvidas, porque a contrapartida contabilística destas aquisições (lançamentos a crédito) foi a conta 26112778 – A….. S.A.R.L.
Em 31.12.99 foram transferidas (lançamentos a débito) para a mesma, as verbas de Esc.: 3.476.596$00 e Esc. 87.542.049$00, sendo esta última da conta 268778 A….., SARL, que à data da primeira aquisição (27.09.99) já tinha um saldo devedor de Esc.: 63.866.961$00 e com as transferências atrás referidas ficaram saldadas ambas as contas. (...)
Por todos estes motivos e nomeadamente porque o Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES), não acusa estas aquisições de imobilizado, as correspondentes Reintegrações não poderão ser aceites como Custos”, (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);”.

2. Resultaram ainda provados, através de prova documental e testemunhal, os seguintes factos:

“N) A impugnante contabilizou duas facturas de aquisição de imobilizado, com os n°s 004-09-99 e 003-12-99, à «A……, S.A.R.L.», sediada em França, com o NIF ………….(cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
O) No Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) não constavam, à data de realização da acção de inspecção tributária, as aquisições de imobilizado referidas na alínea antecedente (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
P) A contrapartida contabilística das aquisições referidas em N) que antecede foi a conta 26112778 – A……, SARL (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
Q) Em 31 de Dezembro de 1999, foram transferidas (lançamentos a débito) para a conta 26112778 – A……, SARL as verbas de Esc.3.476.596$00 e Esc.87.542.049$00, sendo esta última da conta 268778 A……., SARL, que à data da primeira aquisição, 27 de Setembro de 1999, tinha um saldo devedor de Esc. 63.866.96l$00 (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
R) Com as transferências referidas na alínea antecedente, as contas 26112778 – A…., SARL e 268778 – A….., SARL ficaram saldadas (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
S) O sócio da impugnante A.......... é responsável da sociedade «A…., S.A.R.L.» (cfr. fls. 105 a 110 dos autos e depoimento testemunhal);
T) A impugnante adquiriu material técnico à sociedade «A…., S.A.R.L.», sediada em França (cfr. depoimento testemunhal);
U) Entre a impugnante e a sociedade «A…., S.A.R.L» não foi celebrado qualquer contrato que tivesse por objecto a aquisição de material (cfr. fls. 25 a 43 dos autos);
V) A impugnante solicitou a um “Expért prés le Cour d’Appel de Paris” a avaliação de equipamento cinematográfico e de audiovisual, para o que forneceu listas de mercadorias e facturas (cfr. fls. 120 a 140 dos autos);”

Com base na factualidade acima enunciada, o tribunal a quo considerou que as correcções das reintegrações padeciam de vício de violação de lei, dado que, por um lado a administração tributária não logrou provar a existência de relações especiais previstas no art. 57º do CIRC, e por outro, não colocou a questão da indispensabilidade do custo, limitando-se a referir factos relativos à aquisição do imobilizado, tendo o tribunal a quo concluído que, não sendo aplicável o regime do art. 57º do CIRC, a omissão de comunicação da operação no VIES não fundamenta a correcção efectuada e a razão porque não pode ser aceite como custo.

A sentença assentou, na parte que agora importa, na seguinte fundamentação:
“….Cabe, agora, aferir da legalidade da correcção efectuada quanto às reintegrações não aceites, a qual resultou da aplicação do regime constante do artigo 57° do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, bem como do facto de não ter sido celebrado qualquer contrato de aquisição de imobilizado e no Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) não constar a referida aquisição (cfr. alínea F) dos factos provados).
Nos termos do artigo 57o, n° 1 do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, “A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações”.
Da norma legal citada resulta que são pressupostos da correcção: a existência de relações especiais e a diferença de condições relativamente àquelas que seriam acordadas entre pessoas independentes, sendo certo que o Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, não continha qualquer disposição que procedesse à definição daquelas relações, ao contrário do que se verifica na redacção actualmente vigente (artigo 63o, n° 2).
Alega a impugnante que o disposto no artigo 57o do Código do IRC não é aplicável e que, quanto à questão do seu sócio A.......... ser responsável pela sociedade «A.........., SARL», este facto não foi provado pela Administração Fiscal, como lhe competia.
Tendo presente o disposto no artigo 74o da LGT, conclui-se que para proceder às correcções a que se refere o citado artigo 57o do Código do IRC impende sobre a Administração Fiscal o ónus de provar a existência de relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorreriam operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, uma vez que o regime constante da referida norma legal tem como pressuposto que a existência de relações especiais pode determinar a realização de operações em moldes diferentes daqueles que se verificariam se aquelas relações não existissem.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2006, proferido no Processo n° 4902/01, integralmente disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
“(...) 2. Embora o citado normativo (artigo 57o do Código do IRC) não defina o que deve entender-se por ‘‘relações especiais”, a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
2.Compete à Fazenda Pública o ónus da prova da existência dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, devendo o acto ser anulado se tal prova não for feita.
3.A correcção a que se refere o artigo 57o do CIRC não pode, pois, assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57o do CIRC. (...)
6. A determinação da situação de condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, poderá ser feita pela AF com uma certa margem de discricionariedade técnica desde que adopte um método legítimo e devidamente fundamentado, e que tal situação se enquadre no conceito de relações especiais previsto no art. g°, n° 1, al. b) do Modelo de Convenção da OCDE de 1977, complementado por novo Relatório de 84, e no artigo 57o do CIRC”.
Ora, no caso vertente, julgamos que a Administração Fiscal não cumpriu o ónus da prova relativamente às condições em que a operação se realizaria entre pessoas independentes, limitando-se a referir que o sócio das duas sociedades é o mesmo, bem como que os valores dizem respeito a inúmeros items que não estão quantificados, não sendo possível confirmar a valorização mencionada nas facturas (cfr. alínea H) dos factos provados).
Por outro lado, a correcção a que se refere o citado artigo 57o do Código do IRC não passa pela desconsideração da operação realizada, mas pela consideração do valor que seria normalmente praticado na ausência de relações especiais, sendo certo que a Administração Fiscal desconsiderou, por completo, a aquisição de imobilizado suportada nas facturas emitidas pela «A..........., SARL», não aceitando a dedução da reintegração do imobilizado como custo fiscal.
Pelo exposto, conclui-se que não podia a Administração Fiscal proceder à correcção relativa à aquisição de imobilizado com base no regime constante do artigo 57o do Código do IRC.
Contudo, não obstante a referência no Relatório de Inspecção Tributária ao artigo 57o do Código do IRC, verifica-se que a correcção efectuada se situou ao nível das reintegrações, as quais não foram aceites pela Administração Fiscal (cfr. alínea E) dos factos provados).
O artigo 23o do Código do IRC, na redacção em vigor em 1999, considera dedutíveis os custos com reintegrações [alínea g)], na medida em que preencham o requisito da indispensabilidade constante da cláusula geral do n° 1 do mesmo artigo.
Ora, a invocada existência de relações especiais, bem como a inexistência de contrato relativo à aquisição do imobilizado e a forma de pagamento do mesmo, não legitima substancialmente a decisão de correcção, uma vez que não se pode entender que a Administração Tributária colocou fundadamente em causa a indispensabilidade do custo deduzido, de forma a fazer impender sobre a impugnante o ónus de provar aquela.
De facto, em momento algum, a Administração Tributária colocou a questão da indispensabilidade do custo, limitando-se a referir factos relativos à aquisição do imobilizado cujo valor de reintegração foi deduzido pela impugnante, sem que se possa considerar que esses factos fundamentam materialmente a correcção efectuada.
Por último, a correcção relativamente à aquisição de imobilizado à sociedade «A..........., SARL» fundamentou-se, igualmente, no facto de a mesma não constar do sistema de informação de trocas intracomunitárias (VIES), pelo que cumpre apreciar se este facto, o qual resultou provado nos autos (cfr. alínea N) dos factos provados), legitima a correcção assim efectuada.
Ora, o incumprimento da obrigação de comunicação da aquisição ao VIES não legitima substancialmente a desconsideração do custo pela Administração Fiscal, cabendo a esta colocar, fundadamente, em causa a realização da aquisição, sem que daquele incumprimento se possa concluir que a operação não se realizou.
De facto, se é certo que o incumprimento da obrigação de comunicação da troca configura infracção tributária, não é menos certo que desse facto não se pode, imediatamente e sem mais, concluir pela não realização da operação.
Assim, não sendo aplicável o regime constante do artigo 57o do Código do IRC já citado, concluímos que a omissão da operação no VIES não fundamenta substancialmente a correcção efectuada, concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada relativamente às reintegrações, impondo-se, nessa medida, proceder à anulação do acto de liquidação na parte em que pressupõe a referida correcção.”.


Discordando do assim decidido vem a Recorrente defender em sede de recurso que; por meio de confissão, a qual foi aceite e não posta em causa, a Recorrida no item 58 do seu petitório reconhece e afirma taxativamente, com alguma incongruência que terá sido o facto das duas empresas terem o mesmo responsável que terá justificado a deslocalização do imobilizado em causa, de França para Portugal, a preço de mercado;

Que decorre da referida transacção que esse suposto valor de mercado se cifra exactamente num valor de encontro de contas e regularização de créditos, no montante de 91.018,645 euros, não se tendo verificado a efectivação de qualquer contrato, além de que o transporte do referido imobilizado foi efectuado por viaturas próprias da empresa. Todavia, o sujeito passivo desvalorizou dois pressupostos essenciais da transacção, o primeiro dos quais têm a ver efectivamente com as questões de preços de mercado praticados. E andou bem a fiscalização quando pôs em causa os preços de transferência. Além do mais ficou provado pelos serviços de Fiscalização Tributária, que não foi possível verificar, confirmar ou avaliar a valorização dos preços, porque as facturas não continham a quantificação dos itens.
Mais invoca que a questão da não evidenciação da operação a nível do VIES, trata-se de uma obrigação acessória imposta aos contribuintes, sendo um dos instrumentos mais eficazes de controlo à evasão e fraude fiscais e, em bom rigor, a não evidenciação desta operação a nível do sistema VIES, só leva a um reforço da posição cimentada pela Administração fiscal, na medida em que descredibiliza totalmente esta operação comercial.

Desde já se afirma que não assiste razão à Recorrente. Vejamos por que assim o entendemos.

Atento o teor do relatório vertido na alínea H) do probatório, a administração tributária considerou que estavam preenchidos os pressupostos para a correção de tais reintegrações, fundando-se no disposto no art. 57º do CIRC na redação aplicável ao tempo.

Na impugnação judicial, o tribunal a quo veio a considerar que não estavam preenchidos os requisitos daquela disposição legal, mais concretamente quanto à prova das relações especiais tendo considerado não estar justificada a não aceitação como custo do valor das reintegrações.

Na perspectiva da Recorrente as relações especiais estão provadas - por não existir contrato para a aquisição do imobilizado, pelo transporte ter sido efectuado por viaturas próprias da empresa, pelo valor da transação ser exactamente no valor de regularização de créditos e não ter sido possível a valorização dos preços porque as facturas não continham a quantificação dos bens a que acresce o facto da operação não ter sido comunicada ao sistema VIES.

A propósito do art. 57º do CIRC na redação anterior à Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro, destacamos o entendimento vertido no Acórdão do STA de 21/09/2016 – processo nº 0571/13 onde se afirma o seguinte:

Porém o artº 57º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário, anterior à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, permitia também à Administração Fiscal efectuar as correcções que se mostrassem necessárias à determinação do lucro tributável sempre que existissem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, e que por força dessas relações especiais fossem estabelecidas, entre elas, condições diferentes das que, normalmente, seriam acordadas entre pessoas independentes conduzindo a que o lucro apurado fosse diverso daquele que se apuraria na ausência dessas relações.

Este normativo dava corpo no sistema fiscal português, então vigente, ao chamado regime dos preços de transferência.

A expressão "preço de transferência" traduz-se, como sublinha João Sérgio Ribeiro, «no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente.

Ora, esse afastamento do preço que normalmente seria praticado para uma transacção equivalente pode ter como objectivo a manipulação dos preços com o intuito de transferir rendimentos (sob a forma de lucro, por exemplo) de um sujeito passivo para outro, obtendo vantagens fiscais. Estas situações verificam-se tipicamente no plano internacional quando se tenta, através da manipulação de preços, transferir o lucro para o país onde a tributação é mais favorável, embora também sejam relevantes no plano interno.

A resposta dos países a esta situação é a correcção desses preços de transferência, no sentido de evitar que outros países obtenham uma parte do rendimento que foi gerado no seu território. Este ajustamento tem como referência os preços que teriam sido fixados por empresas sem uma relação especial, actuando de forma independente. Este método, designado por arm’s length method (princípio da plena concorrência), é partilhado pela maioria dos países, embora haja dissonância quanto à forma como deve ser posto em prática» (João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, col. Teses, ed. Almedina, pag. 394.).

O princípio do preço de plena concorrência estabelece que nas operações realizadas entre um sujeito passivo de IRS ou IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual estejam em situação de relações especiais, deverão ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis (Breves notas sobre o regime da Portaria n.º 1446-C/2001 - Preços de transferência / Elsa Rodrigues, João Espanha, Fiscalidade, Lisboa, n.12 (Outubro.2002), 5-21p.; Lobo Xavier, Preços de transferência no Sector Financeiro, CTF, nº 398, pags. 74 e segs.).

Acolhendo tal princípio dispunha o artigo 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na sua redacção originária, sob a epígrafe “Correcções nos casos de relações especiais ou sujeição a vários regimes de tributação”, o seguinte:

“1 - A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações.

2 - O disposto no número anterior observar-se-á igualmente sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se apuraria se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência.

3 - Também se aplicará o disposto no n.º 1 quanto às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral do IRC, quando relativamente a tais actividades se verifiquem idênticos desvios.

4 - Quando o disposto no n.º 1 se aplique relativamente a um sujeito passivo do IRC por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do mesmo imposto ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último serão efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro”.

Por sua vez, o nº 3 do art. 77º da LGT, na primitiva redacção (já vigente à data do facto tributário - cfr. arts. 1º e 6º do DL nº 398/98, de 17/12) dispunha que «Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:

a) Descrição das relações especiais;

b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;

c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.»
Eram pressupostos cumulativos de aplicação do artº 57º do CIRC os seguintes:
i) existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, residente ou não para efeitos fiscais em território português;

ii) que entre ambos fossem estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;

iii) que tais relações especiais fossem causa adequada das ditas condições;
iv) que aquelas tivessem conduzido a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.


Contudo, a forma vaga e imprecisa como o preceito em análise estabelecia os respectivos pressupostos de aplicação e também facto de o regime de preços de transferência inicialmente previsto no Código do IRC não ir além de uma consagração genérica da aplicação do princípio do preço de plena concorrência, não concretizando quais os métodos que deveriam ser seguidos pela Direcção-Geral dos Impostos no âmbito das correcções que se encontrava autorizada a efectuar, suscitavam divergências de interpretação e dúvidas quanto ao preenchimento de tais pressupostos, face às situações concretas
.

É neste contexto que surge a nova redacção do artigo 57º do CIRC, introduzida pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o qual, renumerado, passou a artº 58º, e que corresponde, nos seus aspectos mais relevantes, à consagração expressa, em termos legislativos, das recomendações contidas nos relatórios da OCDE sobre preços de transferência, aplicando-se apenas aos períodos de tributação iniciados em ou a partir de 1 de Janeiro de 2002, mantendo-se a anterior redacção, em vigor até essa data (Neste sentido vide Paula Rosado Pereira, Alguns Desafios ao Código do IRC - Preços de Transferência e o Desafio Europeu, in 15 Anos da Reforma Fiscal de 1988/89, ed. Almedina, pags. 251 e segs. Sobre a matéria v. ainda Stephen Callahan, As novas regras de preços de transferência em Portugal, Revista Fisco 97/98, Ano XII, pags. 39 e segs.

Como refere este autor, em termos gerais, as ideias-chave que se podem retirar da nova legislação de preços de transferência são as seguintes:

• Uma ampla definição de relações especiais, que inclui situações que vão desde a dependência estatutária à económica, abrangendo, igualmente, as relações familiares e de parentesco;
• A extensão do âmbito da sua aplicação, dado poder ser aplicada tanto a transações nacionais como internacionais;
• Uma definição clara das regras que podem ser utilizadas para determinar os preços de transferência, particularmente no que diz respeito à definição dos métodos e aos factores de comparabilidade que devem ser tomados em consideração;
As obrigações que os sujeitos passivos passam a ter que cumprir, tais como: organizar e manter actualizada documentação relativa aos preços de transferência, justificando os preços utilizados, bem como declarar no Anexo H da Declaração Anual de Informação Contabilística-Fiscal, a sua existência, os montantes e as partes envolvidas.).

No caso subjudice, como vimos, estão em causa os exercícios de 2000 e 2001, que foram alvo de uma acção inspectiva por banda da Administração Tributária pelo que é a possibilidade/necessidade de aplicação da norma, na referida redacção original - artº 57º do CIRC - que cumpre considerar.

(…)
De acordo com o artigo 57.º do CIRC, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efctuar as correcções necessárias sempre que, existindo relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, tenham sido estabelecidas condições diferentes do que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.

A norma, na redacção em causa, não fornecia, porém, contrariamente ao que sucedia noutros ordenamentos jurídicos, uma definição do que se entendia por relações especiais.

Já a posterior redacção do preceito (artº 58º, nº 4), como nota Manuel Henrique Freitas Pereira (Fiscalidade, 3ª edição, pag. 458) formula expressamente uma regra de que «existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra» e dá depois uma lista de exemplos em que considera verificada a regra.

No caso vertente, estando em causa a redacção originária do preceito, as mais elementares regras de interpretação exigem que se procure reconstituir o pensamento legislativo, fazendo apelo à regra do artigo 9º, n.° 1, do Modelo de Convenção da OCDE, que serviu de paradigma ao regime dos preços de transferência consagrado no artº 57º do CIRC (E já antes no artº 51º do CCI.), para definir o conceito de relações especiais.

Ora, de harmonia com o artigo 9º do Modelo de Convenção da OCDE, de 1977, entende-se que existem relações especiais «quando uma empresa de um Estado contratante participa directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou se as mesmas pessoas participarem directa ou indirectamente na direcção ou controle ou no capital de ambas as empresas dos Estados contratantes (…)”.

No caso em apreço, e como bem refere a sentença recorrida, os serviços de inspecção tributária embora tenham mencionado o art. 57º do CIRC no relatório de inspecção, no entanto, não fundaram a correção com base nessa disposição dado que em relação às facturas de aquisição de imobilizado “… aqueles valores dizem respeito a inúmeros items que não estão quantificados, não sendo por isso possível confirmar, ou simplesmente avaliar a valorização mencionada naquelas facturas, ficando aqui também em causa o “preço de transferência” referido no art. 57º do Código do IRC (aplicável na altura) e concluíram então que as correspondentes reintegrações não poderão ser aceites como custos (cfr. alínea H) do probatório).

E não tendo sido aceite o valor de reintegração como custo deveria a administração ter demonstrado que tal valor não poderia ser aceite como custo, por não ser indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos, ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art. 23º do CIRC, na redacção à data.

De salientar que mesmo que a administração tributária tivesse determinado a existência de relações especiais entre a Recorrida e a sociedade ACT as correcções deveriam ter em conta o princípio do preço de plena concorrência preceituado no regime do artº 57º do CIRC, pelo que também nesta perspectiva, a liquidação impugnada padeceria de ilegalidade quanto à correção das reintegrações e deveria ser anulada nessa parte.

Finalmente importa ainda diferenciar a relevância dos custos em causa (reintegrações) e seu enquadramento no conceito de indispensabilidade ligado ao artº 23º do CIRC e o da sua relação com os preços de transferência.

Como se refere no Acórdão do STA acima referenciado “Quanto à indispensabilidade dos custos, como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.

Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos é que deverão ser desconsiderados.

Neste sentido também se vem pronunciando a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de que são exemplo, entre muitos outros, os Acórdãos de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.

Ora, deste ponto de vista, tendo em conta aquele conceito (amplo) de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, estes custos terão sempre de ser considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que estamos perante uma actividade produtiva relacionada com a obtenção dos lucros, e com a venda dos produtos da recorrente.

(…)
Questão bem diversa é já a da relação de tais custos com os preços de transferência.

Como já se referiu a expressão "preço de transferência" traduz-se, no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente.

A correcção desses preços de transferência, no sentido de evitar que outros países obtenham uma parte do rendimento que foi gerado no seu território, tem como referência os preços que teriam sido fixados por empresas sem uma relação especial, actuando de forma independente.”

Por isso, no caso vertente, não estava em causa saber da indispensabilidade dos custos não admitidos pela administração, mas sim esclarecer se tais custos, face ao que normalmente é corrente no mercado perante transacções equivalentes, seriam excessivos ou ficariam aquém do é normalmente praticado, prova que a administração tributária não logrou efectuar, e só uma actuação da Administração tributária nesse sentido permitiria, eventualmente, ajustar o lucro da recorrente nos termos do art. 57º do CIRC na redação à data.” (sublinhado nosso)

No caso em apreço, porém, a Administração Fiscal acabou por invocar a não aceitação do valor da reintegração como custo, e de acordo com o art. 23º do CIRC tal como foi referido supra a indispensabilidade do custo não foi questionada pela administração tributária.

Em face do que vem exposto conclui-se que o presente recurso não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente

Lisboa, 15 de Abril de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares