Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:515/04.1BELSB-A
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRAZOS PARA EXECUÇÃO ESPONTÂNEA E COERCIVA DO JULGADO.
Sumário:1. A execução de sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução de sentenças dos tribunais administrativos (Art.º 102º/1 LGT e 146º/1 CPPT).
2. O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (art.º 146º/2 do CPPT)
3. Nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CPTA (na redacção em vigor à data da interposição da acção de execução de julgados sub judice), o prazo para pedir ao tribunal a execução do julgado é de “seis meses” contados desde o termo do prazo para a execução espontânea do decidido, ou seja, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 175.º do CPTA, três meses ou 30 dias, este último aplicável quando a execução de sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária.
(4) A remessa do processo ao órgão da Administração tributária deverá ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal ao interessado, nos termos do artigo 229.º/2 do Código de Processo Civil, notificação que determina o início da contagem dos prazos para execução espontânea e coerciva
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira.
RECORRIDO: M.......
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Lisboa que jugou procedente o pedido de execução de sentença de anulação de acto administrativo e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar 78.801,18 à EXEQUENTE no prazo de 30 dias sob pena de, em caso de incumprimento, os autos seguirem termos do processo executivo para pagamento de quantia certa.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença a qual considerou que a acção foi proposta em momento claramente anterior ao termo do prazo legalmente previsto para o efeito, de acordo com o disposto no n.º 2 do Art.º 146.º do CPPT, e concomitantemente, julgou improcedente a excepção de intempestividade da execução de julgados, invocada pela ora Recorrente, entendendo que o prazo para a execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução.

II. É contra tal entendimento que se insurge a Recorrente, entendendo que a douta sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2.º do Art.º 146.º do CPPT, em face da doutrina e da mais recente jurisprudência.

III. O princípio da tutela jurisdicional efectiva enquanto direito fundamental estatuído nos Art.ºs 20.º e 268.° n° 4, ambos da CRP, compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo (dimensão declarativa), bem como a possibilidade de a fazer executar (dimensão executiva) e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão (dimensão cautelar).

IV. Determina, o Art. 205,º n° 2 da CRP que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades estatuindo o n° 3 do mesmo dispositivo legal que a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.

V. Acerca da execução das sentenças aduz o n.º 1 do Art.º 146.°do CPPT que, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelas normas sobre o processo nos tribunais administrativos, constantes nos Art.º 173.º a 179.º do CPTA.

VI. O Art. 158.º n° 1 do CPTA sustenta que as decisões dos tribunais administrativos obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas, e implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

VII. No que concerne ao conteúdo do dever de executar, consagra o Art. 100° da LGT, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

VIII. O Art.º 146.º nº 2 do CPPT refere que, o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão.

IX. Entendeu a sentença recorrida que o início do prazo de execução espontânea, se inicia com a remessa do processo ao órgão de execução fiscal, ao invés do trânsito em julgado, sustentando tal entendimento em jurisprudência do STA (Acórdão do S.T.A. de 12.02.2015, Proc. n.° 01169/14).

X. É certo que tem sido propalado pela jurisprudência do STA que a norma do n.º 2 do Art.º 146.º do CPPT deve ser considerada apenas para os efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado pois que, constituindo lex scripta, os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária (neste sentido refere Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª ed., vol. II, pag. 530, que « por força do principio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado o seu direito, pelo facto de observar directamente o que resulta da lei).

XI. Todavia, em face das normas e dos princípios atrás assinalados, não poderá olvidar-se que existe também jurisprudência do STA, que aponta no sentido que se sufraga que o início do prazo de execução espontânea se inicia com o trânsito em julgado da sentença anulatória.

XII. Desde lodo, a jurisprudência do STA tem considerado que o n.º 2 do Art. 146.º do CPPT é inconstitucional por evidenciar uma dimensão materialmente violadora do n.º 2 do artigo 205.º da CRP, posto que à face deste imperativo constitucional, uma vez transitadas, as decisões são de imediata execução obrigatória, não dependendo de qualquer requerimento do interessado. - cfr., neste sentido, os Acórdãos 17.06.2009, Proc. 73/09, de 3.12.2008, Proc. n.º 570A/08 (do Pleno) e de 19.03.2009, Proc. n.º 983/08 todos in www.dgsi.pt.

XIII. Como se entendeu no Acórdão STA de 17.06.2009 proferido no Proc. n.º 73/09, onde se refere que “Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para a execução espontânea pela Administração tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), parece que deve entender-se, como sustenta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n,° 2 do artigo 229.° do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar peio juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).

XIV. Resulta assim, que à revelia do entendimento propugnado na sentença o prazo para a Recorrente dar cumprimento espontâneo das decisões dos tribunais, se inicia com o trânsito em julgado (artº 100º da Lei Geral Tributária) e não com a remessa do processo, sem prejuízo de ao interessado ser concedida a faculdade de requerer a remessa dos autos ao serviço de finanças competente no prazo de oito dias após o trânsito da decisão (a este propósito veja-se Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. II, pág. 530 e a jurisprudência do STA no Proc. 01015/11 de 09.05.2012, ainda no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 02.12.2009, Proc. n.° 0570-A/08 e Acórdão do STA de 12/02/2014, processo n° 01528/13).

XV. Acresce ainda que, é comummente aceite que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta do Art. 1° do CPPT, (nesse sentido, Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, voL II, 6.° Ed., Áreas Editora," 2011, pág. 528), e estando a matéria em causa - garantia dos contribuintes - sujeita ao princípio da reserva (relativa) de lei, nos termos do disposto nos Arts.º 103.° n° 2 e 165.° n.º l, al. i), ambos da CRP, resulta que para que o desiderato constitucional seja respeitado, a definição, por decreto-lei, de matéria relativa às garantias dos contribuintes, está dependente de prévia lei habilitante, o que sucedeu no caso da LGT, mas que não existiu para o CPPT, pelo que a concluir-se pela prevalência do n° 2 do Art.° 146.º do CPPT, sempre este estaria ferido de inconstitucionalidade.

XVI. Pelo exposto, conclui-se pela aplicação do disposto no Art. 100.° da LGT, e a obrigação da Recorrente executar o julgado, surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial (A este propósito veja-se o mais recente entendimento propalado pelo TCAN proferido no Proc. n.º 76/05.4BECBR-A, cujo entendimento acolhemos e o qual refere “Nesta sequência, crê-se que se impõe esta leitura mais incisiva desta matéria, até porque aquilo que se impõe à administração tributária é a execução do julgado, o que determina que, naturalmente, o prazo de execução espontânea esteja ligado ao momento em que surge a obrigação de executar, ou seja, com o trânsito em julgado da decisão. Como vimos, não é sempre esta a posição do S.T.A., que faz uma leitura da situação procurando integrar o exposto no art. 146° n° 2 do CPPT, deixando como que em suspenso o que fica dito a propósito do momento em que existe a obrigação de executar, o que constitui, quer se queira quer não, uma suspensão/negação do princípio enunciado.Com efeito, se tal momento reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146° n°2do CPPT. Tal posição, crê-se, não tem razão de ser, exibindo resquícios de uma postura algo paternalista no que concerne à situação da administração tributária, que argumenta sempre com a necessidade de dispor do processo administrativo tributário para avançar com o processo de execução, quando estamos no domínio do processo de impugnação onde não existe uma norma como a do art. 213° do CPPT em relação à oposição, onde se estabelece que ‘Transitada em julgado a sentença que decidir a oposição e pagas as custas, se forem devidas, será o processo devolvido ao órgão da execução fiscal para ser apensado ao processo da execução.”. Resulta assim de forma clara e evidente que a sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do Art.º 146.º do CPPT, na medida em que o prazo para a execução espontânea do julgado não se inicia com a remessa do processo para o órgão da autoridade tributária, mas sim com o trânsito em julgado da decisão.

XVII. No caso em análise tendo o Acórdão do TCAS transitado em julgado em 02.04.2012, o prazo para a execução espontânea por parte da Recorrente iniciar-se-ia em 03.04.2012 (à luz do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Proc. n.º 0941A/05 de 14.10.2010 que determina que o prazo previsto no n.º 1 do art.º 175.º do CPTA tem natureza administrativa (procedimental) contando-se, por isso, nos termos do art.º 72.º do CPA).

XVIII. Iniciando-se o prazo de 30 dias contado nos termos do Art.º 72.º do CPA, após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, a partir de 03.04.2012, a Recorrente não deu cumprimento ao julgado a partir de 14.05.2012, pelo que, a partir dessa data, se iniciaria o prazo a que alude o disposto no Art.º 176.º do CPTA, ou seja, a partir dessa data iniciar-se-ia o para a Recorrida intentar a execução de julgados.

XIX. O prazo de 6 meses a que alude o disposto no n.º 2 do Art.º 176.º do CPTA iniciou-se em 15.05.2012, suspendeu-se nas férias judiciais em observância com o disposto no Art.º 144.º do CPC, donde o prazo limite para a Recorrida interpor a execução de julgados precludiu em 22.01.2013, daí que, tendo sido interposta a execução de julgados em 06.06.2013, a mesma é manifestamente intempestiva.

XX. Neste desiderato, afere-se que a douta sentença procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2.º do Art.º 146.º do CPPT, em face da doutrina e da mais recente jurisprudência, na medida em que o início do prazo de execução espontânea, se inicia com o trânsito em julgado da sentença anulatória, sendo a execução de julgados manifestamente intempestiva.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por errada interpretação e aplicação do n.º 2 Art.º 146.º do CPPT, sendo a execução de julgado intempestiva, com todas as legais consequências.


CONTRA ALEGAÇÕES.
A Recorrida contra alegou e formulou as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida no âmbito do processo n.º 515/04.1 BELSB-A, que em sede de execução de julgado da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo de impugnação judicial n.º 515/04.1 BELSB, "( ..) condenou a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, ora Executada, a pagar EUR 78.801, 18 à sociedade M......, S.A., ora Exequente, no prazo de 30 dias, sob pena de, em caso de incumprimento, se seguirem os termos do processos executivo para pagamento de quantia certa''.
B) Nas suas alegações de Recurso, o Digno Representante da Fazenda Pública considera "( ...) que a douta sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n. º2 do artigo 146.º do CPPT, em face da doutrina e da mais recente jurisprudência , na medida em que o início do prazo de execução espontânea, se inicia com o trânsito em julgado da sentença anulatória, sendo a execução de julgados manifestamente intempestiva" (cfr. Alegações de recurso da Fazenda Pública).
C) A ora Recorrida entende, por sua vez, que a Fazenda Pública não faz uma correcta interpretação e aplicação das normas reguladoras do prazo para intentar uma acção de execução de sentença anulatória no contencioso tributário.
D) Por força do disposto no artigo 102.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 146.º , n.º 1 do CPPT, a execução das sentenças dos tribunais tributários é regulada pelas normas aplicáveis à execução das sentenças dos tribunais administrativos, constantes dos artigos 173.º a 179.º do CPTA.
E) O artigo 176.º , n.º 2 do CPTA, dispõe que a acção de execução de julgados deve ser intentada no prazo de 6 meses, a contar do termo do prazo da execução espontânea, que no caso em apreço é de 30 dias (cfr. artigo 175.º , n.º 3 do CPTA).
F) Para além destas normas há ainda que ter em conta o disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPPT, que estabelece o termo inicial do prazo de execução espontânea "(...) conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (...)''.
G) Assim, para se saber da tempestividade ou não da presente acção de execução de julgados e consequentemente da censurabilidade da sentença recorrida, torna-se necessário, pois, apurar a data em que o processo foi remetido ao órgão da Autoridade Tributária competente para a execução da sentença (Neste sentido vejam-se, entre outro, os Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/12/2008 e 073/2009, proferidos no âmbito do processo n.0 0708/08 e n.º 073/09, respectivamente).
H) Do documento n.º 1 da petição inicial da presente acção de execução de julgados, resulta que o Tribunal Tributário de Lisboa remeteu o processo para o respectivo Serviço de Finança de Lisboa - 2, em 18/04/2013.
I) Sendo este o termo inicial do prazo de 30 dias para a execução espontânea do julgado, previsto no n.º 3 do artigo 175.º do CPTA, e devendo a acção de execução de julgados ser apresentada no prazo de seis meses, contado desde o termo do prazo de execução espontânea, que ocorreu em 18/05/2013, é por demais evidente que tendo a presente acção sido enviada ao tribunal, sob registo postal, em 04/06/2013, a mesma é tempestiva.
J) Para além disso, sempre se diga que a tentativa, por parte da Fazenda Pública, de desaplicar nos presentes autos o artigo 146.º, n.º 2 do CPPT, através da invocação da sua inconstitucionalidade, nunca poderia prejudicar o direito de a Recorrida requerer a execução de julgados, por ter cumprido o disposto no artigo 146.º, n.º 2 do CPPT, sob pena de violação do princípio da confiança subjacente ao Estado de Direito de Democrático (cfr. Artigo 2.º da CRP).
K) Sobre esta temática veja-se, JORGE LOPES DE SOUSA, que refere que ''independentemente da posição que se tenha sobre a constitucionalidade do art. 146. n.º 2, do CPPT, o contribuinte não poderá ser prejudicado no seu direito de requerer a execução se o exercer dentro do prazo que resulta dos seus termos. [Com efeito,] por força do princípio da confiança ínsito da ideia de Estado democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado um seu direito, pelo facto de observar o que resulta directamente da letra da lei, pelo que o requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária" (sublinhado nosso) (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Código de Procedimento e de Processo Tributária Anotado", 6.ª edição, Vol. 11, pág. 530).
L) Face ao exposto deverá o recurso apresentado pela Fazenda Pública, ser julgado totalmente improcedente. O que desde já se requer.



TERMOS EM QUE deverá ser julgado improcedente, por não provado, o recurso apresentado pela Fazenda Pública, por manifesta falta de fundamento e aderência ao regime legal acima explicitado, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos autos, tudo com as demais consequências legais.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA não se pronunciou sobre o mérito do recurso por os interesses em causa não serem nenhuns dos enunciados no art.º 146º do CPTA.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a ação de execução movida pela Exequente M…...

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Em 12 de Maio de 1997, foram emitidos à sociedade I….. – G….., Lda. os actos de liquidação adicional de IVA n.º 971….., relativo ao ano de 1992, n.º 97…., relativo ao ano de 1993, n.º 97…, relativo ao ano de 1994, n.º 97…., relativo ao ano de 1995 e n.º 97….., relativo ao ano de 1996, bem como dos respectivos juros compensatórios, no valor total de PTE 224.519.169$00 [EUR 1.119.896,89] – cfr. fls. 40 e 45 a 49 do processo administrativo de reclamação graciosa (“PARG”) apenso e 57 a 74 dos autos do processo principal, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
2. Com vista à cobrança coerciva da dívida resultante dos actos tributários supra mencionados, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1503….. – facto admitido por acordo das partes (cfr. artigos 8.º da petição inicial e 40.º da contestação);
3. Em 29 de Outubro de 1997, a sociedade I.... – G....., Lda. apresentou reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios – cfr. fls. 4 a 6 do PARG apenso, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
4. Em 19 de Janeiro de 1998, a sociedade I.... – G....., Lda., por transformação para sociedade anónima, alterou a sua denominação social para M......, S.A., ora Exequente – cfr. fls. 38 a 51 dos autos do processo principal, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
5. Em 8 de Julho de 1998, a Exequente procedeu ao pagamento parcial de PTE 43.836.936$00 [EUR 218.657,71], respeitantes ao IVA e respectivos juros supra referidos – cfr. fls. 12 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
6. Em 23 Março de 1999, a Exequente prestou seguro-caução, no montante de PTE 291.641.280$00 [EUR 1.454.700,57], com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 150….. – cfr. fls. 13 e 14 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
7. Por despacho de 8 de Março de 2004, a reclamação graciosa referida no ponto 3 supra foi indeferida – cfr. fls. 53 a 55 dos autos do processo principal, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
8. Em 25 de Março de 2004, a Exequente apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa – cfr. fls. 3 dos autos do processo principal, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
9. A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial em apreço procedente e anulou “os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados, com a consequente restituição à Impugnante da quantia de €218.657,71, reconhecendo-se, ainda, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios sobre essa quantia, devidos desde a data do pagamento indevido até à data de emissão da nota de crédito”, com fundamento na falta de notificação dos actos no prazo de caducidade – cfr. fls. 15 a 25 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
10. Da sentença mencionada no ponto anterior foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que correu os seus termos sob o n.º 05149/11, e cujo Acórdão, mantendo a decisão recorrida quanto ao demais, veio a “revogar a decisão quanto ao reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de € 218657,71”, com o fundamento de que “os juros indemnizatórios não são devidos quando a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma, de natureza procedimental” e que a “falta de notificação, sendo a notificação acto exterior à liquidação e condição de eficácia desta, constitui preterição de um vício de natureza procedimental e não constitui erro da liquidação imputável aos serviços porque exterior à mesma” – cfr. fls. 26 a 39 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
11. A Exequente apresentou recurso do mencionado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para o Supremo Tribunal Administrativo, vindo, posteriormente ao respectivo despacho de admissão, a desistir do mesmo – cfr. fls. 40 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
12. Em 2 de Abril de 2012, a Exequente recepcionou o despacho que homologou a desistência do recurso – facto admitido por acordo das partes (cfr. artigos 16.º e 17.º da petição inicial e 9.º da contestação);
13. Em 8 de Junho de 2012, a Exequente solicitou ao Serviço de Finanças de Cascais 1 a execução imediata da decisão judicial, peticionando (i) que fossem anuladas as “liquidações de IVA e juros compensatórios em causa, assim como,” o “processo de execução fiscal n.º 1503….., instaurado para cobrança coerciva das mesmas”; (ii) a restituição “do montante de € 218.657,71, indevidamente pago”; (iii) o “levantamento do seguro-caução” prestado para suspender o processo de execução fiscal, e (iv) a indemnização pelos “prejuízos resultantes da prestação indevida da garantia, os quais ascenderam ao montante total de € 78.801,18” – cfr. fls. 41 a 45 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
14. O seguro-caução mencionado no ponto 6 supra foi mantido até dia 22 de Junho de 2012 – cfr. fls. 46 a 107 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
15. Desde 22 de Março de 1999 até 22 de Junho de 2012, a Exequente suportou EUR 78.801,18 com o seguro-caução mencionado no ponto 6 supra – cfr., uma vez mais, fls. 46 a 107 dos autos em suporte físico;
16. Em 18 de Abril de 2013, os autos do processo judicial n.º 515/04.1BELSB foram remetidos pelo Tribunal Tributário de Lisboa para o Serviço de Finanças de Lisboa 2, para efeitos de execução da decisão – cfr. fls. 11 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
17. A presente acção foi proposta em 4 de Junho de 2013 – cfr. fls. 110 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas.
*
Conforme especificado nos vários pontos acima enunciados, os factos foram dados como provados com base no exame dos documentos constantes dos presentes autos, dos documentos constantes dos autos do processo principal (com o n.º 515/04.1BELSB) e dos documentos constantes dos autos do PARG. Os factos foram ainda dados como provados com base na admissão por acordo pelas partes, por força do disposto no artigo 574.º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º do CPTA, 102.º n.º 1 da LGT e 146.º n.º 1 do CPPT.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em apreço, atento o objecto do processo.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente o pedido de execução de julgado e improcedente a oposição na qual se excecionava a intempestividade da execução de julgados, e subsidiariamente, a intempestividade do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

A primeira exceção era alegada com fundamento em que tendo o ac. do TCAS transitado em julgado em 2/4/2012 o prazo para execução espontânea da decisão pela AT inicia-se a partir do trânsito em julgado da mesma, por força do art. 100º LGT, e não com a remessa dos autos (ao serviço de finanças). Assim sendo, o prazo de execução espontânea iniciou-se em 3/4/2012 e completou-se em 14/5/2012 (prazo administrativo contado nos termos do art.º 72º do CPA "ex vi" do art. 175º do CPTA), pelo que a partir dessa data abriu-se o prazo de seis meses para a Exequente intentar a execução de julgados, nos termos do art.º 176º/2 CPTA, a contar nos termos do art. 144º do CPC. Prazo que precludiu em 22/1/2013.

Como tal, conclui, a presente instauração de execução de julgados em 6/6/2013 é manifestamente intempestiva.

A segunda exceção radicava no entendimento de que o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida deveria ter sido formulado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 171 do CPPT. Ou seja, o pedido não poderia ser efetuado em execução de julgado, mas sim em requerimento no prazo de 30 dias a que alude o n.º 2 do art. 171º do CPPT.

Respondendo às exceções, a EXEQUENTE referiu que o prazo para execução de julgados se conta a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração competente para a execução, nos termos do art. 146º/2 do CPPT.

Considerando que o processo apenas foi remetido ao SF em 18/4/2013, o prazo para execução espontânea da AT expirava em 18/5/2013, pelo que tendo a ação sido remetida a tribunal em 4/6/2013, a mesma é tempestiva.

Para além disso, e independentemente das considerações de constitucionalidade relativas a este preceito, louvando-se na doutrina de Jorge Lopes de Sousa, acrescenta que o contribuinte não pode ser prejudicado no seu direito de requerer a execução se o requerer dentro do prazo que resulta da lei.

E quanto à tempestividade do pedido e indemnização, formulado em execução de julgado, defendeu que o n.º 3 do art.- 53º LGT permite a dedução do pedido de indemnização em requerimento autónomo, não lhe sendo aplicável o prazo referido no art.º 171 CPPT, que regulamenta tão só o pedido formulado no próprio procedimento ou processo tributário. O dever de reconstituição da situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada permite a formulação do pedido em execução de julgado, conforme é admitido por jurisprudência do STA.

A reflexão do MMº juiz sobre a primeira questão foi a seguinte:

Nos termos do artigo 205.º n.º 2 da CRP, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
Nesta senda, os artigos 102.º n.º 1 da LGT e 146.º n.º 1 do CPPT prevêem a admissibilidade, no processo judicial tributário, do meio processual de execução de julgados, o qual seguirá o regime previsto no CPTA.
O artigo 175.º do CPTA, dispondo sobre o prazo para a execução de sentenças de anulação de actos administrativos – e que, como tal, é aplicável ao caso sub judicio – prevê que o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses (n.º 1). Todavia, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deve ser realizado no prazo de 30 dias (n.º 3).
Os prazos previstos no artigo 175.º do CPTA para a execução das sentenças são denominados de prazos de execução espontânea, porque é à Administração que cabe, perante uma decisão judicial que lhe é desfavorável – e que é obrigatória para todas as entidades públicas, prevalecendo sobre as decisões das demais autoridades, nos termos do artigo 205.º n.º 2 da CRP – cumprir o que aí for fixado.
Uma vez que se trata de um prazo que tem por destinatária a Administração, que fica incumbida no dever de actuar, o prazo em apreço conta-se nos termos do CPA, o que significa, designadamente, que se não for superior a seis meses, se suspende aos sábados, domingos e feriados – cfr. artigo 72.º do CPA em vigor à data dos factos.
Suscita-se então a questão de saber quando se deve(m) começar a contar o(s) prazo(s) de execução espontânea previsto(s) do artigo 175.º do CPTA.
Atento o preceituado no artigo 100.º da LGT, que estabelece que a Administração fica obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, entender-se-ia que o prazo de execução espontânea se deve começar a contar a partir do trânsito em julgado da decisão exequenda.
Sucede que, por sua vez, o artigo 146.º n.º 2 do CPPT, estabelece que o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da decisão. (Sublinhado nosso)
Uma vez que o CPPT não poderá criar um regime incompatível com o da LGT, parece ter de se interpretar o referido artigo 146.º n.º 2 no sentido de que o envio do processo ao órgão da Administração com competência para a execução não tem por desiderato criar, para esta, o dever de executar, que nasceu com o trânsito em julgado da sentença/acórdão.
Todavia, perante a letra do artigo 146.º n.º 2 do CPPT, entende-se que este não deixa de regular o início do prazo de execução espontânea para efeitos do recurso ao meio processual de execução de julgados, o que implica, necessariamente, um alargamento do termo do prazo através do qual o interessado pode propor a competente acção de execução – neste sentido, veja-se Jorge Lopes de Sousa, que afirma que “Poderá, no entanto, aventar-se a viabilidade dessa compatibilização na parte relativa ao início da contagem do prazo de execução, entendendo-se que a remessa do processo não terá por função criar o dever de executar (que já existe anteriormente desde o trânsito em julgado, por força do art. 100.°- da LGT), mas determinar o início da contagem do prazo de execução espontânea, e, indirectamente, o momento a partir do qual o interessado pode reagir judicialmente contra a inércia da Administração Tributária em dar execução ao julgado” – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Comentado e Anotado, 6.ª Ed., Vol. II, Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 529.
Ou seja, a data a ter em conta para efeitos de se determinar o início do prazo de execução espontânea e, subsequentemente, a caducidade do direito de acção nos presentes autos, deve ser a que resulta do artigo 146.º n.º 2 do CPPT – solução que não é incompatível com o dever de reconstituição da situação hipotética que existiria que impede sobre a Administração desde a data do trânsito em julgado da decisão exequenda por força do artigo 100.º da LGT.
Também neste sentido vai a jurisprudência dos tribunais superiores, como se verifica, nomeadamente, no recente Ac. do STA, de 12-02-2015, proferido no processo n.º 01169/14, disponível em www.dgsi.pt, que sumaria: “O prazo para executar o julgado, fixado no artigo 176º, nº 2, do CPTA, reportando -se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no artigo 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição .”
Como é bom de ver, se o artigo 146.º n.º 2 do CPPT prevê expressamente que o início do prazo de execução espontânea se inicia apenas com a remessa dos autos à administração – o que resulta, invariavelmente, num acréscimo de prazo segundo o qual os contribuintes podem requerer a execução de julgados ao tribunal – nunca os interessados poderiam ser prejudicados no seu direito de acesso à justiça, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Nestes termos, compulsada a pertinente matéria de facto, verifica-se, em primeiro lugar, que o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 2 de Abril de 2012, mas que o processo apenas foi remetido ao órgão da administração tributária, para efeitos de execução, em 18 de Abril de 2013 – cfr., respectivamente, os pontos 12 e 16 da matéria de facto assente.
Assim, o início do prazo de execução espontânea para efeitos de propositura da presente acção começou em 19 de Abril de 2013, data a partir da qual se deve contar o prazo, procedimental, de 30 dias ou de três meses (cfr. artigo 175.º do CPTA), para a Administração executar a sentença anulatória.
Para facilidade de raciocínio, tomaremos como hipótese que a execução da sentença exequenda consiste, somente, no pagamento de uma quantia pecuniária – e que, como tal, o prazo de execução espontânea era de 30 dias.

Se considerarmos que, neste caso, não ocorre a caducidade do direito de acção, por maioria de razão, tal não sucederá perante um prazo de execução espontânea de três meses.
Assim, considerando-se o prazo mais curto de execução espontânea, que é, como se referiu, de 30 dias, temos que a data final para a execução espontânea culminaria em 4 de Junho de 2013 e que, a partir de 5 de Junho de 2013, inclusive, se iniciaria o prazo de seis meses, previsto no artigo 176.º n.º 2 do CPTA, para a Exequente propor a acção de execução de sentenças anulatórias.
A presente acção foi proposta em 4 de Junho de 2013 e, até ao momento, não há notícia de que a Administração tenha pago a indemnização ora peticionada – cfr. pontos 17 da matéria de facto provada.
Considerando que a acção foi proposta em momento claramente anterior ao termo do prazo legalmente previsto para o efeito, conclui-se que a presente acção não foi intentada fora de prazo.
Termos em que se julga improcedente a excepção da intempestividade da presente execução de julgados invocada pela Executada.”

A RECORRENTE aceita a tempestividade do pedido de indemnização por prestação de garantia (segunda exceção) e a obrigação de indemnizar, mas não se conforma com o segmento da sentença que julgou tempestiva a apresentação da execução por aplicação do art.º 146º/2 do CPPT.

Não obstante reconhecer a existência de jurisprudência do STA e doutrina no sentido da sentença proferida, apoia-se em jurisprudência que considera a norma do art.º 146º/2 do CPPT inconstitucional pois a matéria relativa a garantia dos contribuintes está dependente de prévia lei habilitante, o que sucedeu com a LGT mas não existiu para o CPPT.

Daí que uma interpretação que desse prevalência ao art. 146º/2 do CPPT sobre o art. 100º LGT seria inconstitucional.

E assim sendo, reitera que o prazo para a execução espontânea das decisões dos tribunais se inicia com o trânsito em julgado e não com a remessa do processo.


Afigura-se-nos que o RECORRENTE não tem razão e que o MMº juiz decidiu bem.
Aliás, a questão tem sido alvo de sucessivas decisões do STA no sentido do julgado sendo a mais recente a proferida no acórdão(1) do Pleno da secção do CT do STA no processo n.º 076/05.4BECBR-A 0441/18 de 28-11-2018 em que se confrontavam as mesmas posições divergentes veiculadas no acórdão recorrido proferido pelo TCA Norte, de 12/1/2017, e o acórdão fundamento proferido pelo STA de 12 de Fevereiro de 2015, no Processo n.º 01169/14.

O Acórdão Recorrido negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente por entender, em suma, ser “inequívoco que logo que a sentença transita em julgado, a AT deve providenciar pela sua imediata execução, podendo o contribuinte, que conhece a data em que a decisão transitou em julgado (e assim não tem de estar na expectativa de uma eventual notificação que, afinal, ninguém tem ideia sobre o momento em que a mesma irá ser efectuada), no momento oportuno, recorrer à figura da execução de julgado caso a AT não tenha executado a decisão no prazo que tinha para o fazer de forma espontânea, situação que salvaguarda os princípios e interesses apontados pela Recorrente”.

O Ac. fundamento, por seu turno, decidira que O prazo para executar o julgado, fixado no artigo 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no artigo 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.

São estas as duas teses que nestes autos também se confrontam.

O STA, louvando-se na fundamentação proferida em 17/6/2009 no recurso n.º 073/09 que seguiu de perto, decidiu que por “força do disposto no n.º 1 do artigo 102.º da LGT e do n.º 1 do artigo 146.º Código do CPPT, a execução de sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução de sentenças dos tribunais administrativos, sendo que aos autos são aplicáveis as regras sobre a matéria constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pois que a petição de execução foi enviada ao tribunal em 3/6/2015 (cfr. fls 1 dos autos), ou seja, tem-se como instaurada em data posterior à da entrada em vigor daquele diploma (cfr. os arts. 5.º, n.º 4 e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2) com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 214-G/2015, de 2/10.

Nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CPTA (na redacção em vigor à data da interposição da acção de execução de julgados sub judice), o prazo para pedir ao tribunal a execução do julgado é de “seis meses” contados desde o termo do prazo para a execução espontânea do decidido, ou seja, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 175.º do CPTA, três meses ou 30 dias, este último aplicável quando a execução de sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária.

Dispõe, contudo, a primeira parte do n.º 2 do artigo 146.º do CPPT que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (…)”, no que parece pretender fixar um termo inicial para a execução espontânea de julgados diverso (e mais dilatado no tempo) daquele que decorre do artigo 100.º da LGT (e do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, diga-se).

Entende-se que esta norma é atendível para os estritos efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado, pois que constituindo lex scripta os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária.

Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para essa execução espontânea se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).

Assim, e de acordo com o Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 15/05/2013 no processo nº 1317/12, “significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”.

É também esta a posição da melhor doutrina.

Rui Duarte Morais in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2016, pp. 333 e 334 explica que a fixação do prazo de seis meses “pode redundar num “prémio” à inércia da administração fiscal, pois os contribuintes, confiados no cumprimento espontâneo, ainda que tardio (que é a regra), poderão facilmente deixar caducar o seu direito à ação executiva”. Nesta medida, o Professor “não pod[e] estar mais de acordo” com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, concluindo que “uma vez que [a notificação da remessa do processo], por regra não acontece, o sujeito passivo estará, na prática, sempre em tempo (sem prejuízo do decurso do prazo prescricional) de interpor a ação executiva”.

Para o Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado e comentado 6ª edição vol. II pag.530, “determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução de julgado”.

Todavia, não foi este entendimento vertido na sentença do Tribunal de 1.ª Instância e do Acórdão Recorrido, que situaram o início do prazo para a execução do julgado na data do trânsito em julgado da decisão. Ora, conforme se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 15/05/2013 no processo nº 1317/12, esta ilação estaria correcta “sob o ponto de vista do cumprimento do dever que impende sobre a administração tributária, nos termos do artigo 100º da LGT, de proceder à imediata e plena reconstituição da legalidade, mas não o é para o efeito de delimitar o prazo da execução coerciva, em que se impõe, nos termos expostos, atender à data da notificação da remessa do processo.

E, nesta circunstância, não se podia ter julgado, como se julgou, precludido o prazo para a interposição de execução do julgado sem previamente saber se foi ou não efectuada essa notificação e, no caso afirmativo, em que data ela ocorreu”.

Entendemos ser esta a interpretação mais correta e adequada dos preceitos em causa pelo que sem qualquer reserva, e com a devida vénia, aderimos integralmente ao discurso fundamentador, o que acarreta a total improcedência do recurso.

E quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do art. 146º/2 do CPPT ela não existe na interpretação que temos por mais adequada, no sentido de que a remessa do processo ao SF não tem por função criar o dever de executar – que já existe desde o trânsito em julgado da sentença, por força do art. 100º LGT – mas apenas determinar o início do prazo de execução espontânea e, indiretamente, o momento a partir do qual o interessado pode reagir judicialmente contra a inércia da administração tributária em dar execução ao julgado(2).



V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 11 de julho de 2019.


(Mário Rebelo)



(Patrícia Manuel Pires)



(Cristina Flora)



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(1) Cujo sumário, no que para aqui releva, diz precisamente o seguinte:
“Se o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para a execução espontânea pela Administração tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).
(2) Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II, 2011, pp. 529