Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1912/08.9BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/04/2020 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | VALOR DA CAUSA; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO. |
Sumário: | I. Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, como é o caso, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial (cfr. artigo 97º-A, n.º 1, al. a) do CPPT).
II. O princípio da especialização dos exercícios está consagrado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, admitindo a lei (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio da especialização dos exercícios , dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I.RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou procedente a Impugnação Judicial que S.................... e mulher M.................... deduziram na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentaram contra a liquidação adicional de IRS nº...................., referente ao ano de 2002.
A recorrente termina a sua alegação com as seguintes conclusões: «I - O presente recurso visa reagir contra a sentença que procede à anulação do ato impugnado, a liquidação de IRS n.º ...................., relativa a IRS de 2002, no valor de 73.525,41. III - Assim, a questão sub júdice tem como necessariamente implícita a verificação da prova realizada pelo impugnante sobre o pedido formulado e se perante a prova produzida, que julgamos ser insuficiente, se é possível aferir a mesma conclusão da douta sentença do tribunal a quo. IV- Consequentemente, deverá aferir-se se realmente se verificam os pressupostos elencados na douta sentença, nomeadamente, sobre a aplicação dos artigos 18º e 19º do CIRC e a demonstração dos pagamentos das ajudas de custos aos trabalhadores, de acordo com a Lei. V - Na sequência de acção inspectiva externa a AT efectuou correcções, em sede de IRS, sendo que após indeferimento da reclamação graciosa, se manteve a divergência relativamente à liquidação de IRS, ano 2002, quanto a anulação de proveitos e despesas não documentadas. VI - Sobre a anulação de proveitos, no relatório de inspecção, informação de fls. 166, 167, apenso, foi considerado que o sujeito passivo que desenvolve actividade em duas áreas distintas, construção civil e exploração agrícola e pecuária, em Outubro de 2002, emitiu a nota de crédito nº9/2002 (fls. 37,39 dos autos, para a Camara Municipal da Amadora no valor de 70.681,79€ + IVA 3.534,09€, que indica como discrição, “Valor a crédito relativo à nossa factura n.º 1990 de 01.02.2001”. VII - A nota de crédito nº 9/2002, anula proveitos facturados e contabilizados em 2001, correspondentes a serviços prestados neste ano, sendo que a AT não aceita a anulação dos proveitos dela constantes por considerar que não existe elementos que comprovem que tenha ocorrido a rectificação dos valores facturados, como pretende a impugnante, que alega que a factura em causa se reporta à devolução desse valor na sequência da elaboração de autos de medição nos quais foi constatada a existência de “ desconformidades na quantidade de trabalho”, realizado no âmbito de uma obra adjudicada pelo Município da Amadora, que envolvia a reparação/reabilitação em 4 escolas deste concelho indicadas nos autos, pelo que a mesma tem por base a rectificação dos valores em causa. VIII - Compulsados os autos aferimos que o impugnante não apresentou qualquer documento que comprove ou suporte a emissão da nota de crédito em causa. IX - Desde já pelo facto do impugnante não ter apresentado, nem na fase administrativa, nem nos presentes autos qualquer documento que fundamente a operação em causa nos autos. X - Na verdade e situando o impugnante a emissão da referida nota de crédito no âmbito da realização de uma empreitada de obras públicas envolvendo a reabilitação de 4 escolas e Pré-Escolar, que lhe terá sido adjudicada pela Camara Municipal da Amadora, o procedimento em causa teria necessariamente de se desenvolver segundo os trâmites pelo DL 59/99 de 2/3, à data dos factos (a que se seguiu o DL 18/2008 de 29/1), regime jurídico das empreitadas de obras públicas, aplicável às autarquias locais, artsº1º e 3º, nº1- d), deste DL. XI - E, salvo o devido respeito que é muito, não se vislumbra que o alegado na p.i. com vista a justificar a emissão da nota de crédito tenha qualquer enquadramento no procedimento legal próprio das empreitadas de obras públicas como preceituado no DL citado. XII - O impugnante invoca que emitiu a mesma, na sequencia de medição efectuada pelos serviços de fiscalização da CMA, por ter sido constatada a existência de, “trabalhos eventualmente facturados a mais na factura 1990C, de 01/02/2001” XIII - Tendo em atenção o quadro legal em que supostamente terá ocorrido a mencionada medição por parte dos serviços de Fiscalização, não se vê onde possa ser validamente ser enquadrada a emissão da referida nota de crédito, designadamente nos procedimentos/incidentes próprios da execução dos trabalhos previstos nos arts. 26º, 29º, 35º, 36º, do DL. 59/99. XIV - A documentação apresentada, designadamente a fls. 41, relativamente a este aspecto, salvo melhor opinião, nada comprova, sendo certo que não foi junta aos autos a cópia de qualquer auto de medição artº 21º do DL 59/99, ou qualquer acta de reunião do executivo camarário que nesse sentido tenha decidido. XV - Pelo que deverá soçobrar a pretensão do impugnante sobre a anulação dos proveitos. XVI - As despesas não documentadas e ajudas de custo, estão em causa correcções realizadas em sede de procedimento de inspecção, que o impugnante diz ter pago aos seus trabalhadores. XVII - Ora não estando na posse do impugnante qualquer documento demonstrativo, como foram realizados esses pagamentos. XVIII - Acresce o facto que mesmo o Técnico Oficial de Contas, ao ser inquirido informou que não foram cumpridas de forma adequada, as regras contabilísticas no processamento destes custos, mais, quer em sede de procedimento inspectivo, quer em sede de contestação, fls. 165, afigura-se-nos que impugnante não comprovou o pagamento dos encargos suportados com as ajudas de custo que diz ter pago. XIX - É de sublinhar que ao estamos perante matéria de direito mas também de facto, cabia à impugnante demonstrar - a necessidade de fazer prova dos factos constitutivos o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. XX - Nos termos do disposto na al. a) do nº1 do art.97.º-A do CPPT e considerando o quantitativo corresponde ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção, parece-nos razoável que a mesma seja fixada no valor da liquidação de €73.525,41 e não no valor da correcção realizada em sede de inspecção tributária. XX - Salvo melhor entendimento a decisão recorrida padece de erro de julgamento na interpretação dos factos, na subsunção do direito, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. Assim entende-se que deve improceder a presente impugnação.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.» ** Não foram apresentadas contra-alegações. ** Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. ** Colhidos os vistos dos Exmos Desembargadores adjuntos, cumpre decidir. ** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 635.º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber: - se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao fixar o valor da causa em 107.776,67€; - se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que foi feita prova da substância que suporta a Nota de Crédito n.º 9/2002, e como tal não se mostra violado o princípio da especialização de exercícios; - se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar como documentadas as despesas, contabilizados nas contas 642 - Remunerações e 648 - Ajudas de Custo -. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos: «A) O impugnante marido desenvolve a sua atividade comercial, enquadrada pelo Código de Actividade Económica, CAE 45211 - «Construção e Obras Públicas» e atua como Empreiteiro sendo a maioria dos seus clientes as Câmaras Municipais ou Cooperativas e ainda pelo CAE 01112 - «Agricultura»; (acordo) B) - Pré-Escolar Cerrado da Bica; - Escola Básica Reboleira 3; - Escola Básica da Mina 9 - Escola Básica da Damaia 1 (acordo) C) «Correspondente a trabalhos realizados na Empreitada de “Reabilitação de 4 Escolas e Pré-Escolar” – Escola Básica n.º3 da Reboleira, de acordo com o Auto n.º2 , datado de 25 de Janeiro de 2001. Valor em Esc: ………………………………………………..………………. 19.096.300$00 5% I.V.A. ……………………………………………………….……… 954.815$00 20.051.115$00 (…)» Registada na contabilidade da Câmara Municipal da Amadora, conforme documento, a fls. 45 dos autos; (cf. doc. 8 junto com a PI) D) (cf. doc. 2 do processo de Reclamação Graciosa junto dos autos) E) «(…) Empreitada de: “REABILITAÇÃO DE 4 ESCOLAS E PRÉ-ESCOLAR – ESCOLA BÁSICA N.º3 DA REBOLEIRA” TRABALHOS CONTRATUAIS Valor a crédito relativo à nossa factura n.º1990 de 01/02.2001,AUTO DE MEDIÇÃO N.º1 Referente aos trabalhos em anexo. 70.681,79 I.V.A a 5% 3.534,09 74.215,88 (…)» Registado na contabilidade da Câmara Municipal da Amadora, conforme documento, a fls. 45 dos autos; (cf. doc. 8 junto com a PI) F) (cf. doc. 8 junto com a PI) G) H) (cf. fls. 2 do Relatório Inspetivo do PA junto aos autos) I) «(…) Ano 2002 (…) 3.1.2.3. Anulação de Proveitos O sujeito passivo emitiu em Outubro de 2002, a Nota de Crédito n.º 9/2002, para a Câmara Municipal da Amadora, no valor de €70.681,79 + €3.534,09 (IVA), que refere como discrição “Valor a crédito relativo à nossa factura n.º1990 de 1/2/2001…” A Citada nota de crédito, a que corresponde o documento de operações diversas n.º328, foi contabilizada a débito na conta 7272 “Anulação de Proveitos à taxa de 5%”.De acordo com o princípio da especialização dos exercícios, a que deve obedecer a elaboração da contabilidade, preconizado no artigo 18º do CIRC, os custos e proveitos, bem como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que respeitam. Conforme descrição constante nos supra citados documentos, verifica-se que a nota de crédito n.º9/2002, anula proveitos facturados e contabilizados em 2001, correspondentes a serviços prestados neste ano, como comprovam os Autos de Mediação anexos à s respetivas facturas, pelo que não existe justificação para que os mesmos sejam anulados à posteriori. Em face do exposto, acresceu-se ao Rendimento Declarado o montante de €70.681,79. Juntam-se em anexo (Doc. 8) fotocópia da nota nc 9/2002 e do extracto da conta 727 que traduzem a incorrecção praticada. 3.1.2.4. Despesas não Documentadas De acordo com a verificação efectuada às contas 642 “Remunerações” e 727 “ Ajudas de Custo”, a empresa processa os vencimentos e ajudas de custo, debitando as contas de custos respectivas, tendo por documento de suporte o mapa de processamento de vencimentos e credita a conta 2622 “remunerações a pagar” pelos pagamentos efectuados, com base nos recibos emitidos e assinados pelos trabalhadores. J) (cf. doc. 1 junto com a Reclamação Graciosa) K) (cf. fls. 2 do processo de Reclamação Graciosa junto dos autos) L) (cf. fls. 150 e 151 do PA junto aos autos) M) (cf., depoimento da testemunha J..............) N) (cf., depoimento da testemunha J.............. e R.............) O) (cf., depoimento da testemunha J..............) P) (cf., depoimento da testemunha J..............) Q) (cf., depoimento da testemunha J.............. e R.............) R) (cf., depoimento da testemunha F.............) S) (cf., depoimento da testemunha F.............) T) III.I – Factos não Provados Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão. MOTIVAÇÃO A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada um das alíneas do probatório e na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como da prova testemunhal produzida em audiência, tendo o depoimento das três testemunhas arroladas pelo impugnante relevado, sobretudo na medida em que confirmaram os facto provados nas alíneas M) a S), ou seja, que o impugnante assumiu a responsabilidade das deficiências da obra e da sua demolição tendo sido efectuados novos projectos de estruturas e execução e finalizado a obra da Escola Básica da Reboleira, com base em relatório do Instituto Superior Técnico e passado mais de um ano, ou seja, em 2002. Neste contexto destacaram-se os depoimentos das testemunhas, Engenheiro J.............. do impugnante e Engenheiro R............. da Câmara Municipal da Amadora que, tendo acompanhado os desenvolvimentos da obra até ao fim afirmaram que a Nota de Crédito apareceu só em 11.10.2002 porque não sabiam se tinham de reforçar a obra que já estava feita ou partir tudo e começar de novo, como efectivamente aconteceu.
** B.DE DIREITO Na sequência do procedimento de inspecção externo realizado sob a Ordem de Serviço n.º OI200400816, emitida em 23.11.2004, a Administração Tributária procedeu à correcção do lucro tributável declarado pelos Impugnantes relativamente ao ano de 2002 e à consequente liquidação adicional do IRS. Os sujeitos passivos dessa liquidação, ora recorridos, impugnaram junto do Tribunal Tributário de Lisboa esse acto tributário, por não concordarem com as duas correções técnicas que o suportam (“anulação de proveitos” e “ despesas não documentadas”). O Juiz do Tribunal «a quo», apreciando a impugnação judicial, decidiu dar razão aos Impugnantes. Cabe, pois, analisar as questões abrangidas pelo presente recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, começando pela que se prende com a determinação do valor da causa. O valor da causa foi fixado no dispositivo da sentença recorrida no montante de 107,776,67€, ao abrigo do artigo 97.º -A, nº1. al, b), do CPPT. O preceito acima citado estatuí o seguinte: «1. Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a)Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;» Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, como é o caso, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial. Deste modo, o valor da presente impugnação judicial não é o de 107.776,67€, como o fixado pelo Tribunal «a quo», mas o valor de 73.525,41€, por corresponder ao valor da liquidação sindicada cuja anulação foi requerida, o que se fixará no dispositivo. Anulação de proveitos Na prespeciva da recorrente incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento porquanto os recorridos não apresentaram qualquer documento que suporte a emissão da Nota de Crédito n.º 9/2002, para a Câmara Munincipal da Amadora, sob a seguinte descrição « Valor a crédito relativo à nossa factura n.º 1990 de 1/2/2001». Com interesse para a apreciação que aqui nos ocupa, vale a pena recuperar o que ficou dito na sentença, uma vez que a factualidade que a mesma incorpora não foi colocada em causa em recurso. Vejamos, então. O Tribunal de 1.ª Instância após invocar o princípio da especialização dos exercícios, consagrado no artigo 18.° do CIRC e transcrever a jurisprudência que jugou pertinente, produziu a seguinte fundamentação: «Decorre do probatório que à empresa, pertença do impugnante marido, foi adjudicada uma «Empreitada para a Reabilitação de 4 Escolas e Pré- Escolar», por Concurso Público promovido pela Câmara Municipal da Amadora. Decorre do probatório, nomeadamente da prova testemunhal que, em 2001 a empresa iniciou os trabalhos de fundações implementação de sapatas ou pilares, tendo criado estruturas alternativas para as crianças que estavam em período escolar, enquanto aqueles trabalhos decorriam nas antigas estruturas da Escola Básica n.º3 da Reboleira. Em face dos trabalhos efetuados, constantes do Auto de Medição n.º 001, conforme documento n.º2, junto com a petição inicial, foi emitida factura n.º 1990 c, no montante de, €100.014,54 (20.051.115$00) que foi recebido pelo impugnante. Devido ao volume de trabalho desenvolvido nas 4 obras, para além da fiscalização da própria Câmara Municipal da Amadora, a fiscalização das mesmas passou a ser efetuada por uma entidade particular de fiscalização, «S.............. Lda.», entretanto adjudicada pela edilidade para efetuar o seu acompanhamento e fiscalização permanente, Em Julho de 2001 foi detectado pela fiscalização que os projetos iniciais para a efectivação das referidas obras, nomeadamente o Projeto de Estruturas e Projeto de Execução, da autoria da Câmara Municipal da Amadora, apresentavam erros e deficiências graves não podendo, a obra referente à Escola Básica da Reboleira, continuar. Foi decidido pela Edilidade que a situação teria de ser sujeita a peritagem a cargo de uma entidade credível em construções, tendo sido escolhido o Instituto Superior Técnico, tendo a obra sido suspensa até ao conhecimento do resultado do respetivo relatório. Mais decorre do probatório que, para além das deficiências dos referidos projectos, foram detectados pela fiscalização erros de construção por parte do impugnante, descritos no documento n.º4, junto com a petição inicial, emitido em 11.07.2001, que orçaram em €70.681,79. Segundo o depoimento das testemunhas, a obra da Escola Básica n.º3 da Reboleira esteve suspensa durante todo o tempo em foi efetuada a peritagem elaboração do relatório e projectos de estruturas e de execução. Neste lapso de tempo o impugnante, porque não conhecia o resultado da peritagem, não sabia se iriam remendar os erros cometidos na construção ou se iriam demolir tudo o que já haviam construído, como afirmaram os engenheiros que fiscalizaram a obra – J.............. e R.............. Segundo o depoimento da testemunha F............., atendendo ao impasse da construção da obra, quando o exercício de 2001 foi encerrado contabilísticamente e elaboradas as declarações fiscais, a obra foi dada como concluída, em conformidade com o disposto no art.º19 do CIRC, ou seja, pelo método da percentagem de acabamento. Do esperado relatório resultou a necessidade de demolição de grande parte da obra que havia sido erradamente construída pela empresa e, com a elaboração de novos projetos de estruturas e de execução, a obra só foi concluída em 2002 tendo para o efeito, o prazo de conclusão da mesma sido prorrogado pela Edilidade. A confirmar, resulta dos documentos do Departamento de Obras da Câmara Municipal da Amadora que apenas foi emitida uma segunda factura, referente a estas obras, em 20.08.2002, cf. fls. 45 dos autos. A questão do acerto das obras demolidas, cuja responsabilidade foi reconhecida pelo impugnante, ficou dependente da decisão/solução da Câmara Municipal da Amadora, conforme havia sido referido ao impugnante pela empresa de fiscalização. (depoimento do engenheiro J..............). Em Outubro de 2002 foi sugerido pela Câmara Municipal de Amadora, por razões contabilísticas, acertar a diferença dos montantes envolvidos, através da emissão de uma Nota de Crédito, por parte do impugnante do excesso que havia recebido pela emissão da fatura n.º1990 c. Este acordou na solução avançada e, em 11.10.2002 emitiu a referida Nota de Crédito, no montante de €70.681,79, acrescido de IVA, no montante de €3.534,09, no total de €74.215,88, como decorre dos documentos do impugnante e dos documentos do Departamento de Obras da Câmara Municipal da Amadora, a fls. 45 dos autos. Ou seja, o montante da Nota de Crédito resulta da diferença recebida pelo impugnante pelo pagamento da factura n.º1990 c, e do montante das obras demolidas, cf. docs. 1 e 4 juntos com a petição inicial. (…). No caso dos autos como ficou demonstrado o impugnante tinha conhecimento das obras efetuadas com deficiências tendo assumido a sua responsabilidade quanto às mesmas. Porém, como resulta do probatório, não tendo a empresa conseguido acabar a obra em 2001, era manifestamente desconhecida a forma como iria ser efetuada uma vez que se encontrava dependente do resultado do relatório do Instituto Superior Técnico e, bem se entende, de toda a envolvente de novos projetos e aplicação de novos materiais, sendo desconhecido até ao final da obra, o montante em que a mesma iria orçar. Assim sendo, resulta entendível, como referiu o Técnico Oficial de Contas, que o exercício de 2001 tenha sido encerrado tendo considerado a obra concluída, atendendo ao método do cálculo do resultado da obra, em função da percentagem de acabamento, atendendo à incerteza dos moldes em que iria continuar a obra.», e concluiu que a Administração Tributária agiu à revelia do princípio consagrado no artigo 18.° do CIRC. Perante a factualidade apurada (não impugnada) não se vislumbra qualquer razão que nos leve a alterar os entendimentos vertidos na sentença sob recurso e que parcialmente supra se transcreveram. Como já vimos, a correção aqui em análise decorre da Nota de Crédito n.º 9/2002, contabilizada a débito na conta 7272 ” Anulação Preoveitos ” incidente sobre a factura n.º 1990, de 1.02.2001, por alegada violação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC. Nos termos do preceituado no artigo 17.º do CIRC, o lucro tributável das entidades referidas e é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado determinado com base na contabilidade. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado. Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados. E da conjugação dos n°s. 1 e 2 do artigo 18.° do CIRC, resulta que os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, com excepção dos casos em que, à data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputados, esses custos eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos ou nas situações de realização de obras de carácter plurianual (artigos 18. º nº 5, e 19.º, ambos do CIRC). Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. Ora, tendo ficado demonstrado que a contabilização da Nota de Crédito n.º 9/2002, decorre de um evento manifestamente desconhecido pelos recorridos no exercício de 2001 e não decorrente de qualquer omissão voluntária e intencional visando a transferência de resultados entre exercícios, tal quadro é consentâneo com o teor do artigo 18.º, nº 2 do CIRC onde se afirma que «as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas». De qualquer modo, embora os recorridos tivessem conhecimento que as obras efectuadas apresentavam deficiências, não é menos verdade que, se encontrava pendente o resultado do relatório solicitado ao Instituto Superior Técnico, que posteriormente veio a concluir pela necessidade de demolição de grande parte daquelas obras. E, foi no ano de 2002 que a nova construção foi concluída. Sustenta-se, ainda nas conclusões de recurso que não foi junta aos autos a cópia de qualquer auto de medição a que se reporta o artigo 21.º do DL n.º 59/99, de 2 de Março ou qualquer acta de reunião do executivo camarário que nesse sentido tenha decidido. Porém, esta fundamentação não consta do Relatório da Inspecção Tributária, daí que seja de todo em todo irrelevante para aferir a legalidade da correcção por constituir fundamentação a posteriori. Na verdade, não pode, a recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional, invocar fundamentos posteriores, que de todo não fazem parte do teor expresso do Relatório de Insepcção, enquanto suporte fundamentador da liquidação impugnada. Neste sentido pode ler-se (entre muitos outros) o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2016, proferido no processo n.º 01436/15, no qual dá conta que a Administração Tributária não pode aditar fundamentação a posteriori relativamente às liquidações a que procedeu, nem pode legalmente apelar a fundamentos que antes não foram avocados. Na segunda correcção questionada estão em causa custos relevados contabilisticamente, e declarados para efeitos de determinação da matéria tributável, no montante de 37.094,88€, correspondente à diferença de valores contabilizados nas contas 642 - Remunerações e 648 - Ajudas de Custo - (com excepção dos meses de Abril, Agosto, Setembro e Novembro) e aquele que foi efetivamente pago (Deb 2622) que não foram aceites fiscalmente. E, foi perante este enquadramento que a Administração Tributária considerou que a importância de 37.094,88€, tem a natureza de uma despesa não documentada, e como tal sujeita à disciplina da al.g) do nº1 do artigo 42.° do CIRC. O Tribunal «a quo» concluiu pelo seu julgamento, que de acordo com a prova produzida, os funcionários receberam os montantes evidenciados nos recibos de vencimento e de ajudas de custo, conforme resulta da assinatura dos mesmos e cheques emitidos em seu nome. Discorda do decidido a recorrente, pretendendo que, contrariamente ao decidido, não sejam considerados custos fiscais as despesas contabilizadas, por falta de cumprimento do ónus probatório que sobre a recorrida impendia. Vejamos. Nos termos da al.g) do nº1 do artigo 42.° do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, «os encargos não devidamente documentados». Devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas, assim não apresentando qualquer documento de suporte que as justifique. De regra são designadas por “despesas confidenciais” e será o caso da saída de numerário de caixa ou de “saco azul” sem qualquer documento justificativo ou de suporte para efectuar pagamentos sem emissão do correspondente recibo. No âmbito dos presentes autos, os recorridos vieram juntar os documentos de suporte que dão a conhecer a origem e a natureza das despesas e, também, os seus beneficiários (cfr. al. S) do probatório). Aliás, certamente por essa razão, a recorrente afirme que «afigura-se-nos que impugnante não comprovou o pagamento dos encargos suportados com as ajudas de custo que diz ter pago» tal é falta de convicção da censura que dirige dirigida à sentença. Em conclusão, improcedem in totum as conclusões recursórias apresentadas quanto ao mérito do recurso. IV.CONCLUSÕES I. Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, como é o caso, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial (cfr. artigo 97º-A, n.º 1, al. a) do CPPT). II. O princípio da especialização dos exercícios está consagrado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, admitindo a lei (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio da especialização dos exercícios , dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. V.DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso: a) revogar a sentença recorrida na parte referente à fixação do valor da causa, que se fixa em 73.525,41€; b) confirmar a sentença recorrida na restante parte.
Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 4 de Junho de 2020 [Ana Pinhol] [Isabel Fernandes] [Jorge Cortês] |