Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:500/08.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:GERÊNCIA
PROVA
CHEQUES
NON LIQUET
Sumário:I-Inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.

II- A assinatura de apenas três cheques fora do período de gerência em contenda, e sem mais elementos, não poderá deixar de ser entendido como uma mera decorrência da gerência nominal, não tendo, nessa medida, a virtualidade de comprovar a eventual gerência de facto para o período em causa.

III-Ademais, resultando provado que os pagamentos eram ordenados por terceiro, sócio e gerente da sociedade devedora originária, e visto, por todos, como o dono da empresa, e a quem deviam reportar, tal permite inferir que o Recorrido o fez totalmente alheado do interesse e vinculação societária e a pedido, donde sem o necessário animus.

IV-Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros, cuja prova compete à AT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição ao processo de execução fiscal nº 3123…… e apensos, com a consequente extinção do mesmo, quanto ao revertido J......, ora Recorrido.

A Recorrente, apresentou alegações tendo concluído da seguinte forma:“

4.1 – O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando procedente a oposição deduzida, e em consequência, condenar a Fazenda Publica a proceder à extinção da execução quanto ao Oponente.

4.2 – Após se ter aferido que o Oponente era responsável pelo funcionamento do restaurante explorado pela executada originária e que assinava cheques tal não é, no entendimento do tribunal a quo, suficiente para provar que exerceu de facto as funções de gerente.

4.3 – Discorda com este entendimento a AT, uma vez que o Oponente se encontra numa posição em relação à devedora originária que lhe permite afetar e influenciar o cumprimento das obrigações desta, nomeadamente as obrigações tributárias e, dentro destas, a obrigação de pagamento.

4.4 - A lei não conceptualiza, em bom rigor, o que sejam os poderes de administração ou gerência, mas somos levados a considerar que são os que se traduzam na representação da empresa face a terceiros (ex: credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias, etc.) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado (artigos 259.º e 260.º do CSC).

4.5 - Até à prolação do Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-02-2007, no recurso n.º 1132/06, resultava que da nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) existia uma presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exerceria as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade. Todavia, após o referido Acórdão passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, que o mesmo gerente tivesse praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção.

4.6 - Acompanhamos o TCA Sul, quando entendeu que “Mesmo que a maior parte das funções em que se traduz a gerência de facto sejam exercidas por terceiro, não pode deixar de se considerar gerente de facto quem aprova as contas, assina declarações mod. 22 de IRC, preside às assembleias gerias ordinárias e recebe remuneração, de valor razoável, pelo exercício de gerente único de uma sociedade” (Ac. De 22-02-2000, proc. 2207/09). E ainda o mesmo Tribunal quando refere que: “(…) a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto” (Ac. TCA Sul, nº 01953/07 de 09-10-2007).

4.7 - Ora, como vem provado, a “Dos factos provados resulta que a executada originária foi constituída em 04-03-1999 entre J......, L......, M......e C......, com capital social era de um 30.000.000$00, correspondente à soma de duas quotas de 10.000.000$00/cada, uma de 9.775.000$00 e uma de 20.000$00 pertencentes àqueles sócios, respectivamente.

À data na escritura de sociedade foram nomeados gerentes: J......, M...... e L......, sendo a forma de obrigar com a assinatura de dois gerentes.

Sendo que o Oponente foi nomeado gerente em 31-03-2000 e que em 02-11-2000 M...... renunciaria à gerência da sociedade em 31-03-2000, ou seja, ambos os actos de renúncia e designação de novo gerente ocorreram na mesma data. (...)

Em sede de inquirição de testemunhas, apurou-se que, ao oponente, havia sido proposto, em 1999, pelo cunhado de L……, tomar conta do restaurante “Doca……”, situado na Doca de Alcântara e que lhe competiria “colocar o” restaurante a funcionar”, passando a ter aí funções comerciais, nomeadamente angariação de clientes e gestão de pessoal.”

4.8 - Daqui decorre que o Oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção do oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

4.9 - Acresce o facto de, como também vem provado, o Oponente aceitou a nomeação do cargo e gerente e apesar das contas da devedora originária terem a intervenção direta do Sr L….., tal não poderá significar o alheamento total da responsabilidade subsidiária aqui em causa.

4.10 - O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a este aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade. Donde que, (e ao contrario do entendimento da Exma. Juiz do Tribunal a quo que considerou que apesar de o Oponente ter assinado cheques e ser o responsável pelo funcionamento do restaurante explorado pela executada originária, não exerceu de facto as funções de gerente), o Oponente, nomeadamente ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a, estava a representá-la perante terceiros.

4.11 - Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos, violando o direito aplicável, no caso o art. 24.º, n.º 1, b) da LGT e os artigos 64.º, 259.º e 260.º do CSC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma:

“a) Apesar de o oponente ter sido nomeado gerente da sociedade no período referido, em que a vinculação da sociedade exigia a assinatura de dois gerentes, o certo é que, como foi apurado, se “demonstrou que os actos de gerência por si efectuados apenas serviram para manter o restaurante (fonte produtora da sociedade) angariando clientes, contratando empregados, não obtendo qualquer efeito os mapas de pagamentos das obrigações tributárias correntes nem os cheques que assinava, ficando essa decisão para o gerente L……, como decorre da prova produzida nos autos.

b) Nem o despacho de preparação do processo de execução fiscal para a reversão, nem a notificação para o exercício do direito de audição, nem a citação para a reversão, fazem alusão às alíneas do nº 1 do artº 24º da L.G.T. ficando sem se saber se as dívidas tributárias se constituíram no período de gerência do oponente e se o prazo de pagamento das mesmas terminou após esse período (alínea a), ou se as dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou de entrega terminou no período do exercício do seu cargo (alínea b).

c) À A.T. competia demonstrar que foi por culpa do oponente que a dívida exequenda não foi paga por as dívidas tributárias se constituírem no período da sua gerência e que o património da sociedade se revelou insuficiente para a satisfação da mesma, nos termos da alínea a), o que não logrou fazer.

d) O oponente, pelo contrário, demonstrou que os actos de gerência por si efectuados apenas serviram para manter o restaurante, angariando clientes, contratante empregados, não obtendo qualquer efeito os mapas de pagamento das obrigações tributárias correntes nem os cheques que assinava, ficando essa decisão para o gerente L….., como decorre da prova produzida nos autos, que conforme alínea 1) dos factos assentes, deixava os impostos por pagar, e conforme alínea H) o oponente assinava cheques do restaurante para pagamento aos empregados, fornecedores e impostos que ficavam sujeitos ao critério do sócio gerente L.......

e) Improcedem as doutas Conclusões da Exma. Representante da Fazenda Pública na medida em que não teve em conta, concretamente, a inexistência de culpa do oponente no que respeita aos pagamentos dos impostos através dos cheques que o oponente assinava à ordem da A.T. e que o outro gerente (cuja assinatura era necessária) se recusava a subscrever.

f) Finalmente, não pode deixar de se evidenciar que, no caso de a sociedade se obrigar com as assinaturas de dois gerentes, só podem ser responsabilizados os que tiverem agido com culpa, isto é, no caso concreto, os pagamentos em falta à A.T. que não foram feitos porque, apesar de assinados os respectivos cheques pelo oponente, o outro gerente os não subscreveu, impedindo o seu pagamento.

Nestes termos, e por virtude do disposto no artº 204º, nº1, alínea b) do C.P.P.T., deve ser julgado improcedente e não provado o presente Recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, como é de JUSTIÇA”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Dão-se por provados os seguintes factos:

A) Consta do contrato de sociedade da denominada T…., B…., Lda, constituída em 04-03-1999, com objecto social a exploração de bares, restaurantes e cervejarias e restauração em geral:

“Capital: 30.000.000$00
Sócios e quotas:
1) J…. (…) – 10.000.000$00
2) L...... (…) – 10.000.000$00
3) M……. (…) 9.775.000$00
4) C...... (…) – 25.000$00
Gerentes designados: J….., M….. e L.......
Forma de obrigar: com a assinatura de dois gerentes.
Ap 25/990304 – Transmissão – quota – 25.000$00 a favor de M….., por cessão de C.......
(…).
Ap 07/001102 – Cessão de funções de M......, por renúncia em 000331.
Ap 08/001102 designação de gerente em 000331 de J….;
De rectificação: o sócio M...... é titular de uma quota de 9.975.000$00.
Ap 16/010301, Transmissão da quota de 10.000.000$00 a favor da B.... – A…., SA;
Ap 17/0100301 – Transmissão de quotas: 25.000$00 – 9.975.000$00 a favor da B.... – A……., SA;
Ap 03/040910 – Cessação de funções por renúncia em 040518 como gerente de J.......

B) Do Registo Comercial da B.... – A……, SA, resulta, nomeadamente:

(…).
Capital: 50.000,00 euros
Acções
Número de acções: 10000
Valor nominal: 5,00 euros.
(…).
Administrador único:
L.......
(…).”

C) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados, designadamente, os seguintes processos de execução fiscal:



D) Em 18-05-2007 foi emitido mandado de penhora de bens pertencentes à sociedade executada (fls 38, dos autos);

E) Foi emitida certidão negativa de diligências de penhora informando que a executada não tem bens susceptíveis de penhora (fls 44, dos autos);

F) Em 22-06-2007 o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho para audição prévia da reversão do oponente (fls 47, dos autos);

G) O oponente apresentou requerimento onde invoca que o período da sua gerência ocorreu entre 02-11-2000 e 18-05-2004, não tendo poderes efectivos (fls 49, dos autos);

H) Em 23-07-2007 o Chefe do Serviço de Finanças ordenou a reversão contra o oponente por dívidas respeitantes a Coima (2003 e 2004), IRS (2004), IRC (2003) e IVA (2004) (fls 59 e 60, dos autos);

I) Citação do oponente na execução fiscal

J) Foi efectuada informação ao oponente de que dívida exequenda é inferior à constante da citação, sendo no valor de €18.789,57 (fls 88, dos autos);

K) No ano de 2002 o oponente assinou três cheques à Direcção Geral do Tesouro (fls 86 a 88, dos autos);

L) O oponente era o responsável pelo funcionamento do restaurante, devedora originária, designadamente angariar clientela e gerir pessoal (inquirição das testemunhas);

M) Todas as questões relativas a pagamentos tinham a última palavra de L.... e, designadamente só se pagavam as contas que este aprovava (inquirição das testemunhas);

N) Quem decidiu sobre reuniões, contas, resultados e pagamentos era L.... (inquirição das testemunhas);

O) Havia operações ocorridas entre oT.... para outros restaurantes que eram decididas pelo L.... (inquirição das testemunhas).


***


A decisão recorrida elencou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”


***


Ficou consignado na decisão recorrida como motivação da matéria de facto provada, que:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos aos autos e na inquirição das testemunhas.

Da inquirição das testemunhas resultou o seguinte:

M...., exercia funções como administrativa noT....que fazia parte de uma cadeia de restaurantes, pertencentes ao Sr. L....: Referiu que o oponente fazia um plano de pagamento, mas era o Sr. L.... que autorizava os pagamentos. O oponente contactava com clientes, fornecedores, fazia de relações públicas. Mais referiu que as decisões de fundo eram tomadas pelo Sr. L.... e, em sua opinião, era ele que mandava na sociedade. Tendo, ainda referido que o Sr. D.... tinha preocupação em pagar os funcionários, fornecedores, SS, tudo, e se o Dr. L.... entendia tirar dinheiro doT....para outro lado fazia-o não dava explicações. Tendo ainda dito que o Sr. D.... era o responsável pelo funcionamento do restaurante.

F...., gestor de empresas, tendo frisado que trabalhos com o oponente em seguros sendo amigos. Disse que os gerentes eram o L.... e o N.... e que o oponente teve o convite para trabalhar no restaurante da doca do espanhol como comercial que aceitou: tinha as funções de angariar a clientela e gerir pessoal. Com a saída do Sr. N.... as funções do D.... não mudaram. Referiu que o oponente tinha de fazer orçamento e tinha de garantir junto do Sr. R.... que seriam pagos, sendo que só saiam os cheques que o Sr. R.... aprovava. Referiu que o D.... não tinha influência nas decisões do restaurante.

N...., profissional de seguros, é primo do oponente. Era, na altura, fornecedor de serviços, no âmbito dos seguros à devedora originária e igualmente foi cliente deste restaurante: disse que as questões de cobrança dos seguros eram, complicadas, porquanto as tinha de reportar ao Sr. L...., pois embora o D.... tivesse boa vontade para pagar e resolver os problemas estas questões tinham de ser reportadas àquele, estava sempre cheio. Sempre tive a percepção que oT....era um caso de sucesso e ouviu o D.... referir que não sabia para onde ia o dinheiro. Quem mandava no dinheiro e, pelo menos, na área do pagamento dos seguros era o Sr. L.....

J...., T.... – trabalhava e trabalho na S....., C..........., SA, que fazia a contabilidade do T.... , desde 1997. Referiu que era o sr. L...... que mandava no T.... . Mais referiu que haviam coisas que se podiam discutir com o Sr. S.... , mas as decisões sobre as reuniões sobre contas, resultados, pagamentos, eram o Sr. L.... , sendo com ele que tratavam. Acrescentou que as sociedades eram geridas quase como de uma única se tratava. OT....era um que se saiu bem, mas havia um outro restaurante que tinha poucos clientes.

L.... , contabilista, comecei por ser a contabilista do T.... , tendo começado no grupo em 2002 e esteve até 2003/2004, tendo dito que: A sociedade tinha alguns problemas financeiros. Quando entrámos em 2002 já havia dívidas. Referiu ainda que para si e quem foi apresentado como sendo dono: era L.... sendo a este que tinha de reportar. O Sr. D.... era um gestor. As questões fiscais era com o Sr. L.... que falava. Acrescentou que era um grupo de restaurantes e havia operações doT....para outros restaurantes.”


***



III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a presente oposição, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 31232…… e apensos, com a consequente extinção do mesmo.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto arguido pela Recorrente porquanto da factualidade apurada resulta demonstrado que o Recorrido foi gerente de facto da sociedade devedora originária, donde ter-se-á de concluir pela legitimidade do mesmo no âmbito do processo de execução fiscal, com a inerente prossecução do mesmo contra si.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto resultando do probatório que o Recorrido era o responsável pelo funcionamento do restaurante explorado pela executada originária e que assinava cheques, tal circunstância é suficiente para provar que o mesmo exerceu, de facto, as funções de gerente, visto que tal permite inferir que se encontra numa posição em relação à devedora originária que lhe permite afetar e influenciar o cumprimento das obrigações desta, nomeadamente as obrigações tributárias e, dentro destas, a obrigação de pagamento.

Mais alegando que, exercendo o Recorrente funções comerciais no aludido restaurante tal implica que o mesmo tinha uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade, em nada relevando o alegado alheamento societário.

Conclui, dizendo que o Tribunal a quo violou o direito aplicável, no caso o artigo 24.º, n.º 1, b), da LGT e os artigos 64.º, 259.º e 260.º do CSC.

Dissente o Recorrido propugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto a AT não fez prova do que lhe competia, sendo certo que do probatório resulta demonstrado que os atos praticados serviram, tão-só, para manter o restaurante em funcionamento, e que todos os atos pagamentos e decisões estavam dependentes de ordem e critério de L.....

Ab initio, importa começar por relevar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, limitando-se a sindicar erro de julgamento face à factualidade vertida no probatório. Assim, estando estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, no erro de julgamento de direito, competindo aferir se o Tribunal a quo errou ao decidir que o Recorrido é parte ilegítima porquanto não foi feita prova da gerência de facto.

Apreciando.

A oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do ato tributário corporizado no processo executivo(1).

Sendo que, os fundamentos da execução fiscal são os taxativamente indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos(2).

No caso sub judice, face à natureza e ao período temporal das dívidas revertidas e em contenda e melhor evidenciadas em C), é aplicável o regime constante na LGT, concretamente o consignado no artigo 24.º, do citado diploma legal e bem assim o artigo 8.º do RGIT, pese embora o despacho de reversão não subsuma a realidade de facto a nenhuma das alíneas em concreto.

Convoquemos, então, o regime jurídico aplicável.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supra transcrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

No atinente às coimas o regime legal encontra-se regulado no artigo 8.º do RGIT, estatuindo o mesmo que:

“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infrações por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa coletiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento”.

Do teor do citado artigo 8.º, do RGIT, resultam semelhanças, em termos estruturais, com o artigo 24.º, n.º 1, da LGT. No entanto, é de sublinhar que, em termos de culpa, ao contrário do que sucede no âmbito de LGT, em nenhum dos casos a lei presume a culpa do responsável ou a sua imputabilidade pela falta de pagamento.

De todo o modo, conforme bem evidencia a sentença recorrida, a análise da gerência de facto é preliminar à culpa pela falta de pagamento.

Visto o direito, atentemos, ora, no acervo probatório dos autos.

In casu, resulta que a 04 de março de 1999, foi constituída a sociedade por quotas com a designação “T.... , b…., lda”, tendo sido designados gerentes J...., M...... e L......, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes.

Por seu turno, a 02 de novembro de 2001, foi registada a renúncia de M...... à gerência, data em que, igualmente, o Recorrido foi designado gerente cuja designação do cargo ocorreu até 10 de setembro de 2004, data em que foi registada a sua renúncia.

Sendo certo que, como visto, para efeitos de preenchimento dos pressupostos da reversão é curial a demonstração inequívoca da gestão por parte do gerente de direito, cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica da AT.

Ajuizando, in casu, o Tribunal a quo que face à prova carreada aos autos a AT não tinha logrado provar a gerência de facto que o Recorrido, expressamente, nega.

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e corretamente os pressupostos da reversão à realidade fática dos autos e efetuado um correto exame crítico da prova produzida, permitindo-nos concluir pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte do Recorrido no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário.

Atentemos, então, nas razões que nos permitem concluir pelo acerto da decisão recorrida.

Para o efeito, importa, desde logo, sublinhar que o Recorrido nega ao longo de toda a p.i e de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo, efetivamente, a AT carreado para os autos elementos de prova que permitam extrair, de forma inequívoca e segura, que o mesmo exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária.

Não bastando, para o efeito, a mera alegação de que o Recorrido se encontra numa posição em relação à devedora originária que lhe permite afetar e influenciar o cumprimento das obrigações, porquanto é preciso demonstrar que corporalizou as funções de gerente e influenciou, efetivamente, o curso e rumo da sociedade, o que, in casu, não sucede.

De facto, do probatório resulta que o Recorrido era o responsável pelo funcionamento do restaurante, no entanto, tal adjetivação-desde logo, eminentemente conclusiva- e face às asserções fáticas contempladas em L), M) e N), permite apenas discernir que o mesmo se limitava a atuar enquanto Comercial e Relações Públicas -aliás, conforme resulta da motivação da matéria de facto, tal foi a denominação e o qualificativo atribuído pelas testemunhas M.... e F...., não impugnado-, porquanto o mesmo se limitava a angariar clientela e a gerir pessoal, mas atuando na inteira dependência de L.....

De relevar, outrossim, que tais inferências são sedimentadas com a própria motivação da matéria de facto, da qual se retira, designadamente, que “os gerentes eram o L.... e o N.... e que o oponente teve o convite para trabalhar no restaurante da doca do espanhol como comercial”, mais se retirando que com “a saída do Sr. N.... as funções do D.... não mudaram”, com a inerente extrapolação de que “o D.... não tinha influência nas decisões do restaurante”, porquanto era “o sr. L...... que mandava no T.... ”, tendo este sido apresentado “como sendo dono”, e sendo a este “que tinham de reportar”.

Dimana, assim, que a evidência conclusiva a “responsável do restaurante” não permite inferir pela gerência de facto, porquanto, como visto, todas as decisões e vinculações societárias, mormente a respeitantes a pagamentos, resultados, contas e reuniões estavam na esfera decisória de L...., o qual era visto como o dono da empresa.

De facto, anui-se com a alegação genérica constante nas alegações de recurso de que a assinatura de documentos da sociedade na qualidade de representante legal, exterioriza a vontade da sociedade, vinculando-a, no entanto, no caso vertente, nada foi demonstrado nesse conspecto, ou seja, não foi carreado um único documento que atestasse que -no período das dívidas em contenda- o Recorrente representasse a sociedade perante terceiros, sendo que, como visto, o ónus é da AT.

É certo que do probatório resulta que no ano de 2002 o Recorrido terá assinado três cheques à ordem da Direção Geral do Tesouro, no entanto, tal asserção fática não permite concluir, desde logo face ao período temporal das dívidas objeto de cobrança coerciva nos autos, como visto, 2003 e 2004, que o Recorrido geria, efetivamente, a sociedade devedora originária.

Com efeito, a assinatura de apenas três cheques fora do período de gerência em contenda, e sem mais elementos, não poderá deixar de ser entendido como uma mera decorrência da gerência nominal, não tendo, nessa medida, a virtualidade de comprovar a eventual gerência de facto para o período em causa.

Acresce que, como visto, e dimana assente, os pagamentos eram ordenados por L...., permitindo, assim, inferir que o fez totalmente alheado do interesse e vinculação societária e a pedido, donde sem o necessário animus(3). Conforme sufragado pelo Recorrido, não lhe pertencia a “oportunidade”, o “que”, o “como” e o “quando” fazer, o qual se encontrava na esfera jurídica de L...., não permitindo, assim, inferir pela gerência efetiva.

Carecendo, nessa medida, de qualquer relevância o aludido em 4.10, porquanto contrariamente ao que parece evidenciar a Recorrente a tese do Tribunal a quo em nada se consubstanciou na divisão de tarefas e pelouros, não podendo, de todo, a mesma inferir-se do probatório dos autos e não impugnado.

Com efeito, para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder(4) .

Até porque, aduza-se em abono da verdade, o que “[i]mporta para possibilitar a reversão contra as oponentes não é que, em termos jurídico civilísticos os actos praticados obriguem a sociedade, ou mesmo o desconto para a segurança social como membros de órgão estatutário, mas sim que efectivamente exista em termos naturalísticos, uma relação com a sociedade que permita traçar ou determinar o rumo desta(5).” (destaque e sublinhado nosso).

Aliás, face às alegações do Recorrido na sua p.i, e tendo, outrossim, presente que a AT não carreou aos autos qualquer elemento que indicie, inequivocamente, a gestão, tal falta de prova terá de ser contra si valorada(6).

De resto, in limite, sempre o recurso estaria votado ao insucesso, porquanto face à matéria de facto provada, no mínimo, sempre existiria uma situação de non liquet, que se resolve contra quem tem o ónus da prova do facto, ou seja, no caso a Fazenda Pública.

Neste particular, convoque-se o Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo: 0580/12, datado de 31 de outubro de 2012(7), o qual, claramente, doutrina que:

“[P]ersistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o ‘non liquet’ não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções”.

Ora, como visto, in casu, o Recorrido sempre negou essa vinculação societária e investidura como órgão atuante, pelo que competia à AT fazer prova que o Recorrido era o órgão de gestão atuante que o mesmo, expressamente, refutou.

Em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade provada, é manifesto que a Entidade Exequente não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto. Acresce que da demais documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal apenso, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que o Recorrido exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento.

Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a AT não estava legitimada a efetivar a reversão contra o Recorrido devido a falta de prova dos pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº 31232…. e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de outubro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)



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(1)Cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo datado de 04/06/2008, proferido no recurso n.º 179/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(2)vide, designadamente, Acórdãos do Pleno do STA, proferidos nos processos nºs 58/09, e 945/09, datados de 24.03.2010 e 07.07.2010.
(3)Vide, designadamente, Acórdão do TCAN, prolatado no processo nº 0116/11.3BEPRT datado de 25.05.2018.
(4)Sobre o traço distintivo entre gerente de direito e gerente de facto, vide, designadamente, Acórdão proferido pelo TCAN, no processo01417/05.0BEVIS, de 16 de abril de 2015
(5)In Acórdão do TCAN, proferido no processo nº 00520/12.4 de 02.03.2017.
(6)Neste particular, vide o Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 01389/04, de 25.05.2016, e Aresto deste Tribunal, prolatado no âmbito do processo nº 1269/12, de 03.12.2020.
(7)No mesmo sentido, vide o recente Aresto deste Tribunal, prolatado no processo nº 1978/05, de 08.10.2020.