Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:354/18.2BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:09/09/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO;
OBRIGADOS A QUEM APROVEITA A PRESCRIÇÃO;
CRIME;
INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL;
SUSPENSÃO;
INTERRUPÇÃO;
Sumário:I – A prescrição é uma causa extintiva dos direitos que ocorre em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo e que aproveita todos os devedores obrigados e que dela possam retirar benefício – cf. art.º 301.º e 304.º do CC;
II - O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso;
III - Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. O alargamento do prazo prescricional previsto no art.º 498.º n.º 3, do CC, encontra justificação numa lógica de coerência do ordenamento jurídico, porquanto se para efeitos penais se pode discutir durante um prazo mais longo o direito de indemnização do lesado, ter-se-á que entender que esse mesmo prazo deve também ser considerado para a indemnização civil fundada no mesmo facto ilícito;
IV - Para que o lesado possa beneficiar do prazo alargado que vem previsto no art.º 498.º, n.º 3, do CC terá de alegar na PI que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal e, por outro, tem de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa;
V - O início do prazo prescricional não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito, bastando que aquele tenha a consciência da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade - a existência de facto ilícito e culposo e a verificação dos prejuízos, com nexo de causalidade entre aquele e estes;
VI - Considera-se que o lesado passa a conhecer do seu direito indemnizatório e que o pode exercitar logo que saiba que determinado evento ilícito ocorreu, se concretizou, e desde que verifique a existência de danos, daí decorrentes. Exige-se uma mera percepção subjectiva, que se alheia à certeza do Direito, isto é, não tem o lesado de estar ciente dos fundamentos legais, da razão jurídica que justifica o seu Direito, bastando-lhe o conhecimento fáctico da situação que funda os prejuízos e a consciência da possibilidade legal de ser ressarcido desses prejuízos através de uma indemnização;
VII - Para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado;
VIII - O prazo de prescrição está sujeito a causas de suspensão e de interrupção;
IX - Ocorrendo a interrupção, o tempo para a contagem da prescrição fica inutilizado e só volta a correr quando desaparecer a causa da interrupção ou o acto interruptivo. Ocorrendo a suspensão do prazo de prescrição, este reinicia a contagem findo o acto que determinou tal suspensão – cf. art.ºs 323.º, 326.º e 327.º do CC;
X - A interrupção da prescrição só ocorre pelos meios que a lei autoriza – cf. art.º 300.º do CC;
XI - Se a interrupção da prescrição resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo da prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo – cf. art. 327.º, n° 1, do CC;
XII - A citação ou a notificação judicial cumpre uma dupla função: (i) permite a comunicação pelo titular do direito ou credor à contraparte, ao devedor, que aquele pretende exercitar o seu direito e; (ii) confere ao devedor o conhecimento dessa intenção do devedor exercer o seu direito;
XIII - Para interromper a prescrição, a comunicação do credor ao devedor, ou o acto judicial que se introduz em juízo, tem de ser apto a proceder a uma efectiva comunicação quanto à intenção do devedor de exercer o seu direito e, por outro lado, tem de ter aptidão bastante para assim também puder ser compreendido pelo devedor;
XIV - A previsão do art.º 323.º do CC só actua nos seus expressos termos. Não se permite aqui uma interpretação extensiva, por forma a abranger outras situações processuais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
B… interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou verificada a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização do R., Município do Seixal, absolvendo-o o R Município do pedido, assim como, que julgou verificada a excepção peremptória de “inexistência do direito do A. de demandar directamente a Ré F…e”, que foi igualmente absolvida do pedido.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A) O Tribunal "a quo" julgou procedente a exceção perentória de prescrição, invocada pelo Município do Seixal, absolvendo os Réus do pedido.
B) No entanto, o Douto Tribunal não notificou o Autor da contestação apresentada pelo Município, retirando-lhe, assim, oportunidade de defesa quanto à matéria de exceção invocada, em clara violação do princípio do contraditório, que conduz à nulidade da sentença proferida.
C) Por outro lado, constata-se que o direito do Autor contra o Município do Seixal não se encontra prescrito, pois o direito do Autor prescreveu a 20 de junho de 2018, sendo que requereu a intervenção do Município a 17 de maio de 2018.
D) Ainda que considerando os cinco dias, previstos no n.° 2 do Art.° 323° do C.C., o prazo de prescrição interrompeu-se a 22 de maio de 2018, ou seja, quase um mês antes do prazo prescricional de que dispunha o Autor.
E) Porém, é certo que a intervenção do Município apenas veio a ocorrer a 11 de março de 2019 e a sua citação ocorreu em abril de 2019, no entanto, a citação tardia do Município, com toda a certeza que não se deveu a causa que possa ser imputável ao Autor.
F) Pelo que se terá de considerar a interrupção do prazo prescricional a 22 de maio de 2018, ou seja, decorridos 5 dias da data em que o Autor requereu a sua intervenção.
G) Posto isto, e tendo em conta que a absolvição do pedido da Ré F… se deveu ao facto de não poder responder por uma dívida prescrita e que, manifestamente não se encontra prescrita, não deverá a mesma ser absolvida.
H) A douta Sentença recorrida violou, assim o disposto nos números 2 e 3 do artigo 323° do Código Civil, art.° 415° do C.P.C e o princípio do contraditório.”

O Recorrido MS nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1-0 Douto Tribunal a quo notificou o autor, ora recorrente, da contestação e documentos apresentados pelo réu Município do Seixal através de ofício ao qual foi atribuído o n.° 005…, datado de 30-05-2019, com a designação “Junção da contestação e documentos” constando do mesmo e aposto na parte superior direita o número de registo RG097588896PT;
2 - Consultado o sítio de internet dos CTT - Correios de Portugal S.A., verificamos que aquele registo foi entregue no destinatário em 6-6-2019, às 11.33 horas, na morada que consta do ofício e que se reporta ao domicílio profissional da mandatária do autor;
3 - Tendo o acidente ocorrido em 20 de Junho de 2013 e o prazo prescricional dos direitos do Autor, ora recorrente, com término em Junho de 2018, o direito a exigir o pagamento da indemnização já se encontrava prescrito na data em que o Réu Município do Seixal foi citado para a acção em 11 de Abril de 2019;
4 - A regra do n.° 2 do artigo 323° do Código Civil, que o Autor invocou para corroborar a tese que a prescrição foi interrompida em 22 de Maio de 2018 aquando do requerimento para admissão da intervenção provocada do Município do Seixal, é a de que não basta para interromper a prescrição a mera introdução do feito em juízo:
5 - É indispensável também que a ação seja proposta de tal modo que o Réu venha a tomar efetivo conhecimento da acção onde se reclama o direito, tendo o Autor de atuar como tal e dirigir tal atuação ao Réu que desta há-de tomar conhecimento - pois à partida o que interrompe a prescrição não é a propositura da acão mas a efetiva citação do Réu:
6 - Cumpre ao titular do direito que o pretenda reclamar em juízo um mínimo de diligência no que respeita ao andamento da lide, mormente no que toca aos actos processuais que foram ou não sendo praticados, e não adotar uma postura totalmente passiva como se a partir daquele momento (propositura da ação) já nada fosse com ele; 
7 - Bem andou o Douto Tribunal a quo que entendeu que o prazo de prescrição do direito à indemnização operou em Junho de 2018 e assim sendo, na data em que o Réu Município do Seixal foi citado para a acção em 11 de Abril de 2019, já havia operado a prescrição.”

O DMMP não apresentou pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que se mantém:
A) No dia 30/06/2013, pelas 23H54 foi elaborada a "Participação de Acidente” pelo Comando Distrital de Setúbal CD STB - Divisão Policial - Seixal - CD STB SXL - Esqa de Trânsito do Seixal, de cujo teor se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“Dados do Acidente:
Data e Hora do Acidente: 2013-06-20 (...)
Natureza do Acidente: Colisão com veículo obstáculo na faixa de rodagem. Consequências do Acidente: Acidente com vítimas: n° de feridos leves (1)
(…)
Local do Acidente
Tipo: Via pública: ARRUAMENTO (...)
Distrito: Setúbal; Freguesia: Arrentela; Morada: Avenida 25 de abril, n° 35 Veículos
Veículo n° 1 - Matrícula 2..-…-... Ano Origem 2011
Classif. Veículo Motociclos - Cilindrada < = 125 cm3 Pot. Máxima até 11 KW
Marca Modelo: H…, JF31 Cor Principal: …; N° de Chassis: …
(---)
Proprietário: B… (...)
Descrição do Acidente:
Segundo declarações verbais do condutor do veículo n° 1, o acidente ter-se-á dado da seguinte forma:
O veículo n° 1 circulava na Av. 25 de Abril Torre da Marinha Seixal, no sentido Norte-Sul, quando ao aproximar-se do n° 35 de polícia, ultrapassou pela esquerda um veículo de transporte coletivo de passageiros, que se encontrava parado na respetiva paragem, a tomar e largar passageiros, após o que alguns metros mais à frente colidiu com a roda dianteira na sargeta de escoamento de águas, localizada junto ao limite esquerdo da via de circulação e ao separador central, a qual se encontra desnivelada alguns centímetros em relação ao pavimento, configuração esta que originou que o condutor do veículo n° 1 ao passar sobre a mesma, perdesse o controlo e, consequentemente, caísse ao solo.
Características do Local:
Características Técnicas: estrada com separador - Outra via, 1 via Esquerda.
Regime de Circulação: Sentido único - 50 km/h (limite local), 50 km/h (limite geral)
Estado do Tempo: Bom tempo
Feridos leves: Tipo: Condutor, Matrícula: 2…-…-..
Informações Complementares:
O condutor do veículo n° 1 foi assistido no local, por pessoal do INEM, que posteriormente o transportaram ao HGO-Almada. Este acidente foi comunicado a esta BTSR em 24.06.2013, pelas 11h30, na Esquadra de Investigação Criminal do Seixal, pelo condutor do veículo n° 1.» (cfr. fls. 1 a 122 [20 e 21] dos autos);
B) Em 15/06/2017, foi apresentada pela Ilustre mandatária do Autor, por via eletrónica, a petição inicial, endereçada ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Almada, autuada sob a forma de “Ação de Processo Comum”, com o n° 4730/17.0 T8ALM, no Juízo Central Cível de Almada - J3 (cfr. fls. 1 dos autos);
C) Em 23/06/2017, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Almada dirigiu, por carta registada com aviso de receção, o ofício n° 367370650, à Ré F… C.. DE SEGUROS S.A., com o assunto “Citação por carta registada com AR”, com o seguinte teor:

(cfr. fls. 1 a 122 [86] dos autos);
D) O aviso de receção, mencionado no ponto anterior, foi assinado por F… J…o M… S… com o CC …, em 27/06/2017 (cfr. fls. 1 a 122 [90] dos autos);
E) Em 15/03/2019, foi expedido pelo TAF de Almada o ofício n° 005.., dirigido ao Município do Seixal, com a designação "Citação por carta registada com AR” (cfr. fls. 290 a 291 dos autos);
F) Em 05/04/2019, o Município do Seixal requereu o envio de cópias dos documentos remetidos com a petição inicial por os mesmos se mostrarem ilegíveis (cfr. fls. 297 a 298 dos autos);
G) Em 09/04/2019, foi proferido despacho no qual se julga verificada a nulidade da citação e ordena a repetição da mesma (cfr. fls. 300 a 301 dos autos);
H) Em 10/04/2019, foi expedido pelo TAF de Almada o ofício n° 005…, por carta registada com aviso de receção, dirigido ao Município do Seixal, com a designação "Citação por carta registada com AR” (cfr. fls. 304 dos autos);
I) O aviso de receção, referido no ponto que antecede, foi rececionado pelo Município do Seixal em 11/04/2019, como se alcança da assinatura nele aposta (cfr. fls. 307 dos autos);
J) Pela apólice n° RC 2…, pelo período de 01/05/2013 até 01/05/2014, foi celebrado o contrato de seguro, entre a F… C… de Seguros SA e o Município do Seixal, com o objeto "Responsabilidade Civil decorrente da atividade do município de acordo com as condições particulares em anexo” (cfr. fls. 123 a 245 [51] dos autos).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da nulidade decisória, da violação do princípio do contraditório e do art.º 145.º do Código de Processo Civil (CPC), porque o A. não foi notificado da contestação apresentada pelo MS e não teve oportunidade de defender-se relativamente à invocada excepção e prescrição;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil (CC), porque o direito de indemnização do A. não está prescrito, pois o requerimento para a intervenção do MS foi apresentado em 17/05/2018, antes da data em que o direito indemnizatório do A. prescrevia, o que se verificava em 20/06/2018 e nos termos do art.º 323.º, n.º 2, do CC, a prescrição deve considera-se interrompida 5 dias após a apresentação daquele requerimento, o que se verificou em 22/05/2018.

Vem o A. invocar a nulidade decisória, porque não foi notificado da contestação apresentada pelo MS e não teve oportunidade de defender-se relativamente à invocada excepção e prescrição.
Conforme decorre dos autos, o A. interpôs uma acção declarativa de condenação contra a F…, C.. de Seguros S.A (F…) no Tribunal Judicial da Comarca de Almada (TJCA), em 14/06/2017.
Na PI o A. peticiona a condenação da F… no pagamento de uma indemnização, no montante total de €121.476,11, por danos patrimoniais e não patrimoniais, e, ainda, dos juros de mora, contados desde a data de citação até integral pagamento.
Na causa de pedir o A. alega a falta de manutenção da via e do nivelamento das sargetas, que diz ser a razão para o acidente de viação que sofreu quando circulava com o motociclo de sua propriedade, de matrícula 2..-…-…, em 20/06/2013, na Avenida 25 de Abril, Arrentela, no sentido Torre da Marinha.
Na contestação a F… suscitou a excepção de incompetência material.
Por decisão do TJCA, de 21/02/2018, foi julgada verificada a excepção de incompetência material do TJCA para conhecer da acção, absolvendo-se o R. F… da instância.
Em 11/04/2018, foram os autos remetidos ao TAF de Almada.
Por despacho de 04/05/2018, foi oficiosamente suscitada a excepção de ilegitimidade passiva, por falta de demanda do MS, excepção indicada pelo TAF na expressão de “inexistência do direito do A. de demandar directamente a Ré F…”.
O A. respondeu à excepção suscitada por requerimento apresentado em 17/05/2018, onde também requer a intervenção principal provocada do MS.
Por despacho de 11/03/2019, foi admitida a requerida intervenção e foi determinada a citação do MS.
Por oficio de 15/03/2019, foi feita a citação do MS. O MS veio indicar aos autos que as cópias remetidas no ofício de citação vinham ilegíveis e requereu nova citação.
Por despacho de 09/04/2019, foi julgada a nulidade da citação do MS e em 10/04/2019 foi expedido novo ofício de citação ao MS, que foi recepcionado em 11/04/2019.
Na contestação apresentada o MS suscitou a excepção de prescrição do direito de indemnização do A. Mais apresentou uma defesa por impugnação.
Por ofício de 30/05/2019, com a ref. 005…, foi o A. notificado da contestação apresentada pelo MS e para “apresentar réplica em resposta às exceções deduzidas na(s) contestação(ões)”. O indicado oficio foi enviado à Mandatária do A. e para a morada do seu escritório, indicada nos autos.
O A. nada respondeu e foi proferida a decisão sindicada.
Assim, basta atentar na tramitação ocorrida na presente acção para se concluir que o A. foi notificado da contestação apresentada pelo MS e para responder, querendo, à excepção de prescrição aí suscitada.
Tal notificação basta para garantir o direito do contraditório e de defesa do A.
Falece, pois a invocada nulidade decisória.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório e a violação do art.º 323.º, n.º 2, do CC, porque o direito de indemnização do A. não está prescrito, pois o requerimento para a intervenção do MS foi apresentado em 17/05/2018, antes da data em que o direito indemnizatório do A. prescrevia, o que se verificava em 20/06/2018 e nos termos do art.º 323.º, n.º 2, do CC, a prescrição deve considera-se interrompida 5 dias após a apresentação daquele requerimento, o que se verificou em 22/05/2018.
Como decorre dos autos, a presente acção foi intentada num tribunal materialmente incompetente para a conhecer. Igualmente, a presente acção foi intentada apenas contra a F…, quando, atendendo à causa de pedir apresentada na acção, exigia-se a demanda também contra o MS, ocorrendo aqui uma situação de litisconsórcio passivo necessário – cf. art.º 10.º, n.ºs 1, 9 do CPTA, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, aplicável à data.
Requerida a intervenção principal provocada do MS em 17/05/2018, foi esta intervenção admitida - nos termos dos art.ºs 10.º, n.º10, do CPTA, 261.º, n.º 1 e 316.º e ss. do CPC - e o MS foi citado em 11/04/2019.
Como decorre dos autos, o acidente gerador da responsabilidade que é reclamada ocorreu em 20/06/2013.
A prescrição é uma causa extintiva dos direitos que ocorre em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo e que aproveita todos os devedores obrigados e que dela possam retirar benefício – cf. art.º 301.º e 304.º do CC.
Como se explica no Ac. do STJ n.º 1472/04.OTVPRT-C.S1, de 04/03/2010, “Sendo a prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade.
Intervindo sempre e apesar disso, na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Arrancando a mesma, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno de uma tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormientibus non succurrit jus»(8).
Visando a mesma desde logo satisfazer a necessidade social da segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Assinalando, de facto, a doutrina à prescrição, em geral, uma multiplicidade de fins que concorrem, com maior ou menor relevo, para a conformação do respectivo regime jurídico.
Relevando, a respeito, a necessidade de intervir juridicamente sobre uma situação de facto em que a função do direito se acha comprometida pela inércia do titular, quando a sua duração passa a revestir-se de um grau de censurabilidade justificativo da sanção do ordenamento jurídico. Juntando-se também a esta outra razão de politica legislativa voltada para o objectivo de libertar o sujeito passivo da relação jurídica, garantindo-lhe a disponibilidade patrimonial e a mobilidade dos bens com o inerente aproveitamento dessas potencialidades para a realização de outros interesses, Não se encontra aqui presente tão-só a consideração do interesse pessoal do obrigado, mas uma exigência mais ampla de promoção do dinamismo económico e do fomento da circulação da riqueza (9).
Havendo, portanto, subjacente ao instituto em causa, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (10).
Parecendo, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito (11).
E, assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para alem da simples invocação do decurso do tempo.”
Determina o art.º 5.º da Lei n.° 67/2007, de 31/12, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas (RCEE), o seguinte: “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”.
Por sua vez, o art.º 498.º do CC estipula o seguinte: ”1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4.A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”
O alargamento do prazo prescricional previsto no art.º 498.º n.º 3, do CC, encontra justificação numa lógica de coerência do ordenamento jurídico, porquanto se para efeitos penais se pode discutir durante um prazo mais longo o direito de indemnização do lesado, ter-se-á que entender que esse mesmo prazo deve também ser considerado para a indemnização civil fundada no mesmo facto ilícito.
Porém, tal como julgado no Ac. do STA n.º 0145/04, de de 02/12/2004, “nos termos do disposto no artigo 498º, nº 1, do CCivil, é de três anos o prazo regra da prescrição do direito de indemnização pelo que para que o A. possa beneficiar do prazo de cinco anos, previsto no nº 3, da mesma disposição, para o exercício do direito de indemnização deve alegar e provar factos integradores do elemento objectivo e subjectivo de um tipo legal de crime, ainda que imputável a apenas algum ou alguns dos RR”.
Ou seja, para que o lesado possa beneficiar do prazo alargado que vem previsto no art.º 498.º, n.º 3, do CC, terá de alegar na PI que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal e, por outro, tem de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa – cf. entre outros os Acs. do STA n.º 0368/08.0BECTB, de 02/07/2020, do TRL n.º 6760/2008-7, de 07/10/2008 ou do TRP n.º 1079/08.2TVPRT.P1, de 07/07/2016.
Por seu turno, nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do CC, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Por conseguinte, atendendo aos termos dos citados preceitos legais, tem-se entendido, que o início do prazo prescricional não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito, bastando que aquele tenha a consciência da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade - a existência de facto ilícito e culposo e a verificação dos prejuízos, com nexo de causalidade entre aquele e estes.
Nestes termos, considera-se que o lesado passa a conhecer do seu direito indemnizatório e que o pode exercitar logo que saiba que determinado evento ilícito ocorreu, se concretizou, e desde que verifique a existência de danos, daí decorrentes. Exige-se uma mera percepção subjectiva, que se alheia à certeza do Direito, isto é, não tem o lesado de estar ciente dos fundamentos legais, da razão jurídica que justifica o seu Direito, bastando-lhe o conhecimento fáctico da situação que funda os prejuízos e a consciência da possibilidade legal de ser ressarcido desses prejuízos através de uma indemnização.
Conforme o Ac. do STA, P. 44595, de 20/04/1999, “o conhecimento do direito de indemnização de que fala o n.º 1 do art. 498º, do Cód. Civil, verifica-se sempre que ocorra um circunstancialismo objectivo seja susceptível de levar qualquer homem médio, colocado em situação idêntica, a tal conhecimento daquele direito, sem que o mesmo tenha que abranger a extensão integral dos danos” (cf. também, entre muitos, os Acs. do STA, P. 950/02, de 18/04/2002 ou P. 0597/04, de 01/06/2006, ou do TCAS n.º 8572/12, de 22/06/2017).
É também jurisprudência pacífica que “a lei tornou o início daquele prazo independente da extensão dos danos, concedendo ao lesado a possibilidade de formular pedido genérico de indemnização, na intenção de aproximar, quanto possível, a data de apreciação dos factos em juízo do momento em que estes se verificaram” (in Ac. do STA n.º. 37634, de 09/07/1998 ou n.º 0597/04, de 06/07/2004).
Portanto, para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado.
Logo, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido pelo interessado, o lesado – cf. art.º 306.º do CC.
Por último, refira-se, que o prazo de prescrição está sujeito a causas de suspensão e de interrupção.
Ocorrendo a interrupção, o tempo para a contagem da prescrição fica inutilizado e só volta a correr quando desaparecer a causa da interrupção ou o acto interruptivo. Ocorrendo a suspensão do prazo de prescrição, este reinicia a contagem findo o acto que determinou tal suspensão – cf. art.ºs 323.º, 326.º e 327.º do CC.
A interrupção da prescrição só ocorre pelos meios que a lei autoriza – cf. art.º 300.º do CC.
Assim, estipula o art.º 323.° do CC o seguinte: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
Se a interrupção da prescrição resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo da prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo – cf. art. 327.º, n° 1, do CC.
A citação ou a notificação judicial cumpre uma dupla função: (i) permite a comunicação pelo titular do direito ou credor à contraparte, ao devedor, que aquele pretende exercitar o seu direito e; (ii) confere ao devedor o conhecimento dessa intenção do devedor exercer o seu direito.
Portanto, para interromper a prescrição, a comunicação do credor ao devedor, ou o acto judicial que se introduz em juízo, tem de ser apto a proceder a uma efectiva comunicação quanto à intenção do devedor de exercer o seu direito e, por outro lado, tem de ter aptidão bastante para assim também puder ser compreendido pelo devedor – cf. entre outros os Acs. do STA n.º 0368/08.0BECTB, de 02/07/2020, do TRL n.º 6760/2008-7, de 07/10/2008 ou do TRP n.º 1079/08.2TVPRT.P1, de 07/07/2016.
Feito este enquadramento, como observação imediata, resulta que o prazo prescricional a aplicar ao caso é o de 3 anos e não o de 5, pois o A. e lesado não pode beneficiar do prazo alargado que vem previsto no art.º 498.º, n.º 3, do CC, porquanto nada alegou na PI quanto à natureza do ilícito como sendo um ilícito criminal. Na PI em ponto algum o A. diz que o facto causador dos danos além de constituir um ilícito civil, constitui, igualmente, um ilícito criminal.
Logo, porque a PI é totalmente omissa quanto à invocação do ilícito criminal, o A. e Recorrente não poderia beneficiar do prazo alargado de 5 anos.
O A. e Recorrente vem indicar o facto ilícito como se reportando à data de 20/06/2013 e intentou a acção declarativa de condenação contra a F…e no TJCA em 14/06/2017, muito depois dos indicados 3 anos.
Logo, quando a acção foi remetida ao TAF de Almada há muito que já estava prescrito o direito do A.
Basta esta constatação para fazer claudicar o presente recurso.
Mais ainda que assim não fosse e se pudesse defender que aqui se aplicaria o prazo alargado de 5 anos, como decorre do acima expendido, a interposição da acção judicial naquele TJCA só tinha apetência para dar a conhecer ao devedor F…e da intenção do A. e credor, de exercer o seu direito, porquanto nessa acção o MS não foi demandado.
Por seu turno, só nos casos expressamente autorizados pela lei ocorre a interrupção da prescrição – cf. art.º 300.º do CC.
Portanto, a previsão do art.º 323.° do CC só actua nos seus expressos termos. Não se permite aqui uma interpretação extensiva, por forma a abranger outras situações processuais como invoca o Recorrente.
Isto é, o requerimento para ser admitida a intervenção principal provocada não se inclui no campo da norma nem é equiparável à interposição de uma PI com real apetência para exprimir ao credor que o devedor tem intenção de exercer o seu direito. Neste último caso, a consequência expectável da interposição da PI era a citação oficiosa e que o legislador entendeu relativamente imediata dos demandados, os devedores. No segundo caso, o requerimento da parte tinha de ser alvo de um contraditório e de um despacho do juiz, não sendo concebido pelo legislador como uma vicissitude processual que desse lugar de forma oficiosa e com relativa rapidez à citação do novo interveniente. Logo, não há que aplicar o regime do art.º 323.º, n.ºs 1 e 2 do CC a uma realidade processual totalmente diversa da aí prevista.
Em suma, o presente recurso tem de claudicar.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada.
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 9 de Setembro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.