Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11202/14
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE UM INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA
EFEITO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE UM DESPACHO QUE DETERMINOU O DESENTRANHAMENTO DE UM REQUERIMENTO
JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DAS RAZÕES EM QUE SE FUNDA A RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA
Sumário: I – É admissível o recurso da decisão de 1ª instância que põe termo a um incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
II – Tal recurso, porque relativo a uma decisão tomada no âmbito de providências cautelares, tem efeitos devolutivos, aplicando-se-lhe o artigo 143º, n.º 2, do CPTA.
III – É admissível o recurso da decisão de 1ª instância que rejeita um requerimento e determina o seu desentranhamento.
IV- O julgamento de improcedência das razões em que se funda a resolução fundamentada, indicado no artigo 128º, n.º 3, do CPTA, é um julgamento que apela a um critério de evidência.
V - Naquele juízo apenas pode o Tribunal apreciar situações de erro manifesto, ostensivo, evidente, quer por inexistir uma situação de urgência, quer por não haver o indicado interesse público que se diz querer acautelar, ou por a imediata suspensão da execução não ser gravemente prejudicial a tal interesse.
VI – Se as razões invocadas são sérias e relevantes, deve improceder o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso de duas decisões do TAF de Sintra, uma que determinou o desentranhamento de um documento e outra que declarou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: «

«OMISSIS»

O Recorrido apresentou as seguintes conclusões nas suas contra-alegações:

«OMISSIS»

O DMMP no parecer de fls. 446 pronunciou-se pela inimpugnabilidade dos dois despachos recorridos.
Notificadas as partes deste parecer, nada vieram a arguir.
Sem vistos, vem o processo à conferência.

O Direito
Da questão prévia suscitada pelo DMMP da inadmissibilidade dos recursos
Diz o DMMP que ambos os despachos em crise são irrecorríveis.
Vem o Recorrente recorrer do despacho que determinou o desentranhamento e a devolução ao apresentante de um requerimento, em que alegadamente se deduzia a litigância de má-fé do Ministério da Justiça (MJ). Vem ainda o Recorrente impugnar o despacho que declarou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Nos termos do artigo 142º, n.º 5, do CPTA, dos despachos interlocutórios há recurso apenas a final, salvo no caso de subida imediata nos termos do CPC.
Ora, neste CPC determina-se a possibilidade de recurso das decisões de 1ª instância que ponham termo a incidentes processados autonomamente, como acontece com o de declaração de ineficácia – cf artigo 644º, n.º 1, alínea a), do CPC. Igualmente, pelo artigo 644º, n.º 2, alínea d), do CPC, há recurso dos despachos que rejeitem articulados, como acontece no caso em apreço (cf. anotação a estes artigos de Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2013, págs. 151 e 152 e 155 e 156).
Portanto, ambos os recursos são admissíveis.
Dos efeitos do recurso
Por despacho de fls. 24 foram fixados efeitos suspensivos aos recursos.
Contra esses efeitos pronuncia-se o Recorrido.
Tendo de ser entendida a decisão relativa ao incidente previsto no artigo 128º do CPTA como enquadrada no âmbito de uma providência cautelar, ter-se-á que lhe aplicar o regime do artigo 143º, n.º 2, do CPTA, fixando-se efeitos devolutivos ao recurso que venha interposto.
Defende a jurisprudência uniforme do STA, que o artigo 143º, n.º 2, do CPTA, quando refere a «adopção de providências cautelares», tem de ser lido como se referindo a todas as providências cautelares, sejam adoptadas ou não. Ora, seguindo esta jurisprudência, por maioria de razão, ter-se-á que entender que o incidente em apreço, porque tomado no âmbito destas providências cautelares, deve seguir aquele regime.
Porém, já o recurso do despacho que determinou o desentranhamento do requerimento, não gozará desse efeito, mas do efeito que lhe foi determinado (cf. artigo 143º, n.º 1, do CPTA).
Do mérito do recurso do despacho que determinou o desentranhamento de um requerimento.
Conforme decorre do requerimento de fls. 137 a 142, o ora Recorrente ao pronunciou-se sobre a resolução fundamentada invoca a litigância de má fé do MJ.
Portanto, nunca se poderia entender que essa invocação fora feita pela 1º vez no requerimento que se mandou desentranhar, como aduz o Recorrente.
Tal requerimento será o constante de fls. 172 a 407 deste apenso (que corresponderá face à certidão de fls. 5, às fls. 118 a 293 dos autos principais).
Apreciado tal requerimento fica manifesto que nele não vem o Recorrente deduzir novo incidente de litigância de má-fé, por razões diferentes daquelas que já havia deduzido no requerimento de fls. 137 a 142. Diversamente, através deste último requerimento o ora Recorrente apenas responde à resposta dada pelo MJ ao incidente deduzido.
Ora, tal resposta era claramente inadmissível, pois à resposta do MJ não cabia novo contraditório, já que ali nada se aduz quanto a novas questões, que extravasassem aquele requerimento de declaração de ineficácia.
Portanto, foi correcto o despacho recorrido que mandou desentranhar o requerimento apresentado pelo ora Recorrente.
Do mérito do despacho que declarou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida
Diz o Recorrente que o indicado despacho foi errado porque o MJ não provou a lesão que invocava e porque estava demonstrada a falta de lesão do interesse público, pois após a instauração do processo disciplinar esteve 3 meses suspenso, mas de seguida iniciou as funções por 9 meses sem que fosse demitido, sendo aceite pelos restantes guardas prisionais.
No pedido de declaração de ineficácia, indica o Recorrente que o acto de execução indevida foi a não autorização ao trabalho, que ocorreu a partir de 20.12.2013, que teve por com base a resolução fundamentada emitida pelo MJ.
Ora, nas razões invocadas na resolução fundamentada é claramente assumido como o interesse público para o prosseguimento do acto suspendendo, a imagem pública da Administração Prisional, o regular funcionamento interno dos seus serviços, a segurança e os efeitos nefasto para o ambiente no estabelecimento prisional, com uma perturbação anormal, decorrente da manutenção em funções de um guarda, o ora Recorrente, que praticou actos que foram punidos com pena de demissão. É invocado nessa Resolução, ainda, o alto grau de ilicitude do comportamento do guarda, ora Recorrente, e a possibilidade de se generalizar a convicção de que os comportamentos ocorridos poderiam ser desculpáveis ou pouco graves.
Foi invocada, portanto, nessa Resolução, a gravidade, censurabilidade e grau de ilicitude da conduta porque foi o Recorrente punido e a especificidade das funções que exerce, de guarda prisional
Ora, conforme deriva dos autos, o Recorrente foi punido por ter introduzido na prisão telemóveis e estupefacientes, a troco de dinheiro, sendo ele guarda prisional.
As indicadas condutas, praticadas por um guarda prisional são, na realidade, graves.
Manifestam essas condutas uma gravidade e ilicitude manifestamente incompatível com a manutenção do exercício das funções que o Recorrente cumpre.
Basta aquela gravidade para se dever ter por certo que a manutenção em funções do Recorrente, enquanto guarda prisional, é algo que conduz a uma insegurança e a uma crise no ambiente prisional, já que se permitiria que alguém que deve zelar pelos reclusos e pela ordem prisional se mantivesse em funções sob a suspeita de ter contribuído para a desordem, insegurança e ilicitude no meio prisional, ou sob a suspeita de não apresentar qualquer probidade para o exercício das funções nas quais estava investido.
Da mesma forma, a manutenção em funções de um guarda que foi disciplinarmente punido por condutas tão gravosas e indignas da sua profissão serão o bastante para se aceitar como possível ficarem atingidos a imagem e o prestígio da Administração prisional.
Ou seja, não era preciso fazer-se qualquer outra prova, para além daquela que já resulta do procedimento disciplinar, da pena que foi aplicada ao Recorrente e das razões que derivam expressas, por via disso, na resolução fundamentada.
O julgamento de improcedência das razões em que se funda a resolução fundamentada, indicado no artigo 128º, n.º 3, do CPTA, é um julgamento que apela a um critério de evidência.
Ao apreciar as indicadas razões não pode o Tribunal invadir a margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público. Naquele juízo apenas pode o Tribunal apreciar situações de erro manifesto, ostensivo, evidente, quer por inexistir uma situação de urgência, quer por não haver o indicado interesse público que se diz querer acautelar, ou por a imediata suspensão da execução não ser gravemente prejudicial a tal interesse. Mas não pode o Tribunal esmiuçar as razões invocadas, escrutinando da sua conveniência, maior ou menor importância ou razoabilidade, mais ou menos forte proveito ou gravidade, substituindo-se à Administração na valoração do interesse público a proteger, sob pena de se ferir inelutavelmente o princípio da separação de poderes. O juízo a fazer, como acima se disse, é apenas um juízo de evidência ou certeza quanto ao erro. Não é um juízo de valoração ou de ponderação relativamente às razões invocadas. Basta que as razões sejam invocadas e provadas pelo Recorrido, que a realidade as não desminta, para se deverem ter por verificadas, sem ter o Tribunal que ponderar se essas razões se devem ponderar como o faz o Recorrido, ou antes como pretende que o sejam o Recorrente.
Dito de outro modo, não sendo evidente, manifesto, que as razões invocadas na resolução fundamentada estão erradas ou inexistem, não deve o Tribunal considerá-las improcedentes.
No caso, como acima já se disse, as razões invocadas são sérias e relevantes. Aqui não há apenas um inconveniente ou um mero prejuízo, mas antes haverá prejuízos graves, sérios, relevantes e imateriais que urge acautelar.
Assim, face às razões ali alegadas está demonstrado pelo Recorrido que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público.
Neste sentido, cita-se o Ac. do STA n.º 637/10, de 25.08.2010, no qual se referiu nomeadamente o seguinte: «Resta agora conhecer do incidente tipificado no art. 128° do CPTA.
(…) A «ratio» deste mecanismo é facilmente apreensível: toda a suspensão da eficácia de um acto administrativo lesa de imediato o interesse público que ele prossegue (ao contrário do que o requerente alvitra, negligenciando até que há um valor inerente à execução célere dos actos); mas a «resolução fundamentada» só é justificável quando a referida lesão for grave. Ora, as «razões» demonstrativas dessa gravidade hão-de constar da «resolução»; e, ao invés, esta não deverá operar os seus efeitos típicos se as «razões» absolutamente faltarem, forem irreais ou não se concatenarem logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público» (in www.dgsi.pt, cf ainda, entre outros os Acs. do TCAS n.º 9232/12, de 07.02.3013, do TCAN n.º 244/08.7BEVIS-A, de 25.09.2008, n.º 01312/05.2BEBRG-C, de 04.10.2007, 01205/07.9BEVIS-A, de 14.02.2008, na mesma base de dados).
Quanto à circunstância de o Recorrente se ter mantido em funções durante 9 meses após aquele procedimento, não invalida que a manutenção, depois desse tempo, no exercício de funções de guarda seja algo nefasto à ordem e segurança no ambiente prisional.
Em suma, a decisão recorrida não errou quando julgou improcedente o incidente deduzido pelo Recorrente.
Decisão
Pelo exposto, acordam em:
- fixar o efeito devolutivo ao recurso da decisão de improcedência do incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida;
- negar provimento aos recursos, mantendo as decisões recorridas;
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe seja concedido.
Lisboa, 10/07/2014
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Rui Pereira)