Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12201/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO; FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO; INEXISTÊNCIA DE FIXAÇÃO DE FACTOS PROVADOS; NULIDADE
Sumário:i. A lei processual concede a intervenção processual do Ministério Público confinada à emissão de parecer sobre o “mérito do recurso”, isto é, sem que se encontre prevista a possibilidade de suscitar questões de forma ou de natureza processual, referentes à legalidade processual e, ainda, quando o litígio configure alguma das situações legalmente previstas, por estar em causa a defesa de “direitos fundamentais dos cidadãos”, de “interesses públicos especialmente relevantes” ou de “algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º [do CPTA]”.

ii.Decorre do art. 154.º, n.ºs 1 e 2, do CPC que a remissão para a fundamentação constante de outra peça processual só é possível quando se trate de despacho interlocutório, desde que não tenha havido oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

iii. O artigo 94.º, n.º 3, do CPTA, apenas permite que a fundamentação seja feita por remissão, desde que verificados os seguintes requisitos: 1) Esteja em causa uma decisão final proferida após alegações; 2) A mesma tem de reportar-se à fundamentação jurídica e não também à fundamentação de facto; e 3) A decisão para que se remete deverá constar de um outro processo (só assim se compreende a exigência, constante deste normativo legal, de junção de cópia da decisão para a qual se remete).

iv.O disposto no n.º 5 do artigo 663.º do CPC (bem como no art. 656º), apenas se aplica a decisões dos tribunais superiores e, além disso, exige que a decisão para que se remete conste de um outro processo (conclusão que decorre do elemento literal), sedno que no seu n.º 6 permite-se remeter para a matéria de facto dada como assente pela 1ª instância (normativo que este TCA, e face ao conteúdo do acórdão recorrido, nunca poderia utilizar)

v. Não tendo sido feito o julgamento da factualidade necessária em face do regime legal aplicável para a decisão que nele se tomou (indeferimento da reclamação para a conferência, mantendo a decisão proferida de absolvição da instância), este Tribunal de recurso está impedido de levar a cabo a sua actividade jurisdicional, ou seja, de sindicar essa decisão numa perspectiva de análise do raciocínio que presidiu à mesma.

vi. A falta total de discriminação dos factos provados (e não provados) determina a anulação oficiosa da sentença proferida pelo tribunal a quo, pois impede o tribunal ad quem de apreciar o recurso nos seus restantes aspectos
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O…………….-I………………S.A. (O…….) e A…..-T…….-ACESSO E…………T……………., S.A. (A. T……….)., intentaram no TAC de Lisboa a presente acção de contencioso pré-contratual – impugnação de actos relativos a procedimento de formação de contratos – contra a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P.. Indicaram como contra-interessados a P…….-C…………S, S.A. e a V………. P……….. C…………. P……….., SA.

Por saneador-sentença de 13.11.2014 o TAC de Lisboa julgou procedente a excepção de litispendência e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância.

Na sequência de acórdão deste TCAS de 12.02.2015 não foi conhecido o recurso interposto daquela decisão, tendo baixado os autos para ser proferida decisão sobre o requerimento de recurso enquanto reclamação para a conferência.

Em conferência, o TAC de Lisboa indeferiu a reclamação.

Inconformada, as AA. interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul. Foram apresentadas contra-alegações.



A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, tendo sido notificada nos termos dos artigos 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, pugnou pela remessa dos autos ao TAC de Lisboa, a fim de aí ser proferido o acórdão previsto no n.º 3 do artigo 40.º do ETAF.

Notificadas as partes, veio a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P. (Recorrida), sustentar a inadmissibilidade da pronúncia do Ministério Público e a inexistência de nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.



Com dispensa dos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação



Apreciando,

2. Para efeitos de decisão do presente recurso jurisdicional dá-se como provado o seguinte facto:

Facto Único: Em 27.03.2015 foi proferido no TAC de Lisboa o seguinte acórdão, do qual consta o seguinte:

Apreciando as questões litigadas, a formação de três Juízes, por estar de acordo com elas, sufraga as decisões tomadas pelo Juiz titular do processo sobre as excepções, pelos fundamentos de facto e de direito nele invocados e que se dão por reproduzidos, e, em consequência, absolve a entidade pública demandada e as contrainteressadas da instância (art. 89º, ex vi art. 102º, n.º 1, do CPTA e 576º, n.º 2, do CPC”.



3. Preliminarmente, vejamos a questão da admissibilidade do parecer apresentado pelo Ministério Público.

A Recorrida veio sustentar a inadmissibilidade da pronúncia do Ministério Público e a inexistência de nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, com a epígrafe “Intervenção do Ministério Público, conclusão ao relator e aperfeiçoamento das alegações de recurso” dispõe-se que: “1 - Recebido o processo no tribunal de recurso e efectuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º.

Com efeito, cabe sublinhar que este n.º 1 refere-se a uma pronúncia sobre o mérito do recurso, à semelhança, aliás, do que sucede com a intervenção prevista no artigo 85.° do mesmo Código, no âmbito da acção administrativa especial. Significa isto que tal intervenção não abrange a legalidade processual, sendo que o objecto do presente recurso jurisdicional também não incide sobre a questão processual suscitada. Como se afirmou no acórdão deste TCAS de 8.11.2012, proc. n.º 4578/08: “A lei processual concede a intervenção processual do Ministério Público confinada à emissão de parecer sobre o “mérito do recurso”, isto é, sem que se encontre prevista a possibilidade de suscitar questões de forma ou de natureza processual, referentes à legalidade processual.”

Nestes termos, considerando o objecto do presente recurso (tal como delimitado nas conclusões de recurso), a configuração do litígio e a pronúncia emitida pelo Ministério Público, é de sufragar o suscitado pela Recorrida quanto à inadmissibilidade do parecer emitido.

Termos em que, por legalmente inadmissível, acorda-se em determinar o seu desentranhamento e a consequente devolução ao apresentante.

Sem custas.



Continuando,

4. Sem embargo do anteriormente determinado, certo é que antes do conhecimento das questões suscitadas no âmbito do recurso interposto, à semelhança do que se tem vindo a fazer em idênticas situações com que somos confrontados, importa prioritariamente apreciar uma outra questão, a qual é de conhecimento oficioso e se apresenta de modo manifesto: falta absoluta de fundamentação do acórdão recorrido.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais encontra previsão no art. 154º do CPC e constitui, aliás, imperativo constitucional.

Com efeito, estatui o art. 205º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o seguinte: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”.

Desta norma constitucional decorre que a Constituição só excepciona do dever de fundamentação as decisões de mero expediente – neste sentido, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 1999, pág. 281 [“Hoje, o preceito constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente (…) não carece, por sua natureza, de ser fundamentado (já assim entendia ANSELMO DE CASTRO, DPC, cit., ps. 46-47) (…)”].

De acordo com o prescrito no art. 152º n.º 4, do CPC de 2013, são despachos de mero expediente aqueles que se destinam a “prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; (…)”.

É, aliás, neste contexto, que o art. 615º nº 1, al. b), do CPC de 2013, estipula que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, preceitos que são aplicáveis a quaisquer outras decisões judiciais por força do estatuído no nº 3 do art. 613º, desse diploma legal.

Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão, por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. A eficácia da decisão judicial e, em última análise, a legitimação do próprio poder jurisdicional dependem, pois, da forma como se mostra cumprido o princípio da motivação das decisões judiciais.

Ora, a falta – que tem de ser absoluta, ou seja, total – de julgamento dos factos necessários à decisão constitui nulidade de conhecimento oficioso.

Com efeito, e como esclarece Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e do Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. II, 6ª Edição, 2011, pág. 359, anotação 7 b) ao art. 125º (norma análoga ao art. 615º, do CPC de 2013):

Na verdade, no que concerne à matéria de facto provada, prevê-se n.° 4 do art. 712.° do CPC [que corresponde ao art. 662º n.º 2, al. c), do CPC de 2013], para os recursos para tribunais de 2.ª instância, como é o caso dos tribunais centrais administrativos, que, em recursos de decisões dos tribunais (…) de 1ª instância, eles poderão anular oficiosamente a decisão proferida pela 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Como é óbvio, se esta possibilidade existe quando se está perante uma mera deficiência, obscuridade ou contradição, por maioria de razão existirá esta possibilidade de anulação oficiosa quando exista uma total falta de discriminação dos factos provados.” (sublinhado nosso) – também neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 23.6.1988, proc. n.º 24 700, 12.11.2008, proc. n.º 546/08, 12.1.2011, proc. n.º 638/10, 16.11.2011, proc. n.º 453/11, e 16.1.2013, proc. n.º 343/12, e Acs. deste TCA de 22.9.2005, proc. n.º 1049/05, e 23.10.2008, proc. n.º 5018/00.

Cumpre ainda salientar que o art. 662.º, do CPC de 2013, permite ao Tribunal Central Administrativo alterar a matéria de facto fixada pela 1ª instância, desde que observados certos requisitos, mas não permite a total substituição na fixação dessa matéria de facto em caso de, em absoluto, nenhuma tenha sido aí fixada.

Assim, não é pelo facto de as partes não terem reclamado dos vícios da sentença – ou, tendo reclamado, não terem invocado o vício relativo à falta de fundamentação de facto, o qual é de conhecimento prioritário face aos invocados nas als. c) e ss. do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013 - que o tribunal superior ficará impedido de apreciar o recurso nos seus restantes aspectos, visto que as nulidades que afectem a apreciação da matéria de facto obstam à apreciação justa do recurso na sua totalidade.

Para efeitos da mencionada nulidade não interessa saber se os elementos constantes do processo, que o juiz tinha quando decidiu, justificam a decisão, mas antes verificar que esta não contém qualquer fundamentação.

Retomando o caso vertente verifica-se que o acórdão recorrido, ao indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão reclamada que havia julgado procedente a excepção de litispendência e, em consequência, absolveu a entidade demandada e os contra-interessados da instância, não é, de forma notória, um despacho de mero expediente, pois interfere de modo decisivo e final (no processo) no conflito de interesses entre as partes. E não sendo um despacho de mero expediente, o acórdão recorrido teria de estar fundamentado de facto, isto é, nele teria de ter sido especificada a matéria de facto e considerada pertinente para a discussão da causa, para além de ter sido consignada a pertinente fundamentação jurídica em que o dispositivo se terá que alicerçar.

Ora, da leitura do acórdão recorrido resulta desde logo que nele foi preterida por completo a operação de julgamento da matéria de facto para a apreciação da questão decidida, verificando-se uma omissão absoluta da matéria de facto necessária para justificar essa decisão, bem como uma omissão de referência às normas jurídicas – ou, pelo menos, dos princípios jurídicos – que permitiram a sua emissão. O que, consequentemente impede que a mesma seja por nós sindicada.

Por outro lado, esta conclusão não é posta em causa pelo seguinte trecho: “ (…) a formação de três Juízes, por estar de acordo com elas, sufraga as decisões tomadas pelo Juiz titular do processo sobre as excepções, pelos fundamentos de facto e de direito nele invocados e que se dão por reproduzidos,”.

É que esta remissão para a fundamentação da decisão anteriormente proferida é ilegal, razão pela qual tal fundamentação é irrelevante para aferir da suficiência da fundamentação do acórdão recorrido, que tem de ser apreciada apenas face à fundamentação que nele próprio está expressa. Pelo que o acórdão recorrido, que manteve a decisão proferida em tribunal singular, padece de total falta de fundamentação de facto.

Com efeito, e conforme decorre do art. 154º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, a remissão para a fundamentação constante de outra peça processual só é possível quando se trate de despacho interlocutório, desde que não tenha havido oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. Fora dessa situação terá que existir norma especial a permiti-lo.

Neste sentido se pronunciou Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., vol. I, págs. 293 e 294:

As decisões de qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (art. 158.° do CPC) [que corresponde ao art. 154º, do CPC de 2013]. A razão por que se proíbe esta adesão é a conveniência em impor ao juiz o estudo adequado das questões controvertidas que reclama a elaboração de uma decisão com ponderação dos argumentos invocados em favor de cada uma das teses em confronto. A justificação para tal proibição ser mantida é evidente para quem tem experiência de elaborar decisões judiciais, pois é frequente que, ao elaborar uma decisão com análise ponderada das teses em confronto se acabe por concluir que a solução adequada não é aquela que, numa primeira análise, parecia a correcta. Sendo esta a razão de ser desta proibição, ela deve estender-se à adesão a fundamentos invocados em peças distintas do requerimento ou oposição, designadamente pareceres juntos ao processo ou que constem do processo administrativo em que foi praticado o acto impugnado.

(…)

A proibição de simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes, destina-se a evitar que o juiz, reportando-se apenas aos fundamentos alegados, não dispense à questão controvertida o necessário estudo.

Porém, para os recursos jurisdicionais, na redacção do art. 715.°, n.º 5, do CPC anterior à reforma operada pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, estabelece-se que quando o tribunal superior confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado pelo tribunal recorrido, quer quanto à decisão quer quanto aos fundamentos, o acórdão pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada. No entanto, na redacção que este diploma deu àquela norma, alterou-se este regime, afastando-se a possibilidade de remissão para a fundamentação da decisão recorrida, preceituando-se que «quando a Relação entender que a questão a decidir é simples, pode o acórdão limitar-se à parte decisória, precedida da fundamentação sumária do julgado, ou, quando a questão já tenha sido jurisdicionalmente apreciada, remeter para precedente acórdão, de que junte cópia»” (sublinhados nossos).

O art. 94º n.º 3, do CPTA, permite que a fundamentação seja feita por remissão, desde que verificados os seguintes requisitos:

i) Esteja em causa uma decisão final proferida após alegações, situação que não se verifica no caso sub judice, pois o acórdão recorrido é um saneador;

ii) A mesma tem de reportar-se à fundamentação jurídica e não também à fundamentação de facto [neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, 2006, pág. 546, “Em casos especiais, o art. 94.º/3 do Código permite que a fundamentação de direito seja sumária (ou até per relationem)./Sucede assim (…) no caso de as questões jurídicas que se discutem na sentença serem de apreciação e decisão simples – porque, por exemplo, já foram resolvidas tantas vezes, do mesmo modo, nos tribunais administrativos ou, então, porque se trata de pretensão manifestamente infundada -, podendo o aresto, nesse caso, sumariar a fundamentação jurídica da decisão e remetê-la, até, para uma decisão judicial precedente, ficando esta anexa à sentença e sendo junta à sua notificação” (sublinhados nossos). Sendo certo que no caso em apreciação o acórdão recorrido também remeteu para a fundamentação de facto da decisão anteriormente proferida

iii) A decisão para que se remete deverá constar de um outro processo, pois só assim se compreende a exigência, constante deste normativo legal, de junção de cópia da decisão para a qual se remete, sendo certo que no caso em análise o acórdão recorrido remeteu para decisão que já constava dos autos (decisão impugnada) e não para decisão constante de um processo distinto.

Este normativo não é, portanto, aplicável in casu, pois nenhum destes requisitos – de verificação cumulativa – se mostra preenchido.

Relativamente ao art. 663.º, do CPC de 2013:

- o seu n.º 6 (o qual permite remeter para a matéria de facto dada como assente pela 1ª instância) apenas se aplica a decisões dos tribunais superiores (normativo que este TCA, e face ao conteúdo do acórdão recorrido, nunca poderia utilizar, o que confirma o entendimento segundo o qual, a fundamentação de facto de uma decisão da 1ª instância, nunca pode ser feita por remissão para outra peça processual, nomeadamente para uma decisão já constante dos autos);

- o seu n.º 5 (bem como o art. 656º) apenas se aplica a decisões dos tribunais superiores e, além disso, exige que a decisão para que se remete conste de um outro processo, conclusão que decorre do elemento literal (pois só assim se compreende a exigência, constante deste normativo legal, de junção de cópia da decisão para a qual se remete) e do elemento sistemático (o art. 713° n.º 5, do CPC de 1961, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, permitia que o acórdão se limitasse a remeter para os fundamentos da decisão impugnada, mas, na redacção que este diploma deu àquela norma, alterou-se este regime, afastando-se a possibilidade de remissão para a fundamentação da decisão recorrida, passando-se antes a permitir a remissão para precedente acórdão, de que se junte cópia, isto é, para decisão constante de processo distinto).

Assim, também estes normativos não são aplicáveis ao acórdão recorrido.

Em suma, fazendo nossas as palavras usadas no acórdão do TCAN de 11.01.2013, proc. n.º 339/11.0BEMDL:“a decisão da matéria de facto, em concreto dos factos provados, traduz-se num absoluto niilismo, numa redução a nada”.

Pelo que, tudo visto, como naquele não foi feito o julgamento da factualidade necessária em face do regime legal aplicável para a decisão que nele se tomou (indeferimento da reclamação para a conferência, mantendo a decisão proferida de absolvição da instância), este Tribunal de recurso está impedido de levar a cabo a sua actividade jurisdicional, ou seja, de sindicar essa decisão numa perspectiva de análise do raciocínio que presidiu à mesma. Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido deverá ser anulado porque omitiu os factos que considera provados e não provados, ordenando-se a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, a fim de aí ser proferida nova decisão em que se proceda ao julgamento da matéria de facto (e de direito).




III. Conclusões

Sumariando:

i. A lei processual concede a intervenção processual do Ministério Público confinada à emissão de parecer sobre o “mérito do recurso”, isto é, sem que se encontre prevista a possibilidade de suscitar questões de forma ou de natureza processual, referentes à legalidade processual e, ainda, quando o litígio configure alguma das situações legalmente previstas, por estar em causa a defesa de “direitos fundamentais dos cidadãos”, de “interesses públicos especialmente relevantes” ou de “algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º [do CPTA]”.

ii. Decorre do art. 154.º, n.ºs 1 e 2, do CPC que a remissão para a fundamentação constante de outra peça processual só é possível quando se trate de despacho interlocutório, desde que não tenha havido oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

iii. O artigo 94.º, n.º 3, do CPTA, apenas permite que a fundamentação seja feita por remissão, desde que verificados os seguintes requisitos: 1) Esteja em causa uma decisão final proferida após alegações; 2) A mesma tem de reportar-se à fundamentação jurídica e não também à fundamentação de facto; e 3) A decisão para que se remete deverá constar de um outro processo (só assim se compreende a exigência, constante deste normativo legal, de junção de cópia da decisão para a qual se remete).

iv. O disposto no n.º 5 do artigo 663.º do CPC (bem como no art. 656º), apenas se aplica a decisões dos tribunais superiores e, além disso, exige que a decisão para que se remete conste de um outro processo (conclusão que decorre do elemento literal), sedno que no seu n.º 6 permite-se remeter para a matéria de facto dada como assente pela 1ª instância (normativo que este TCA, e face ao conteúdo do acórdão recorrido, nunca poderia utilizar)

v. Não tendo sido feito o julgamento da factualidade necessária em face do regime legal aplicável para a decisão que nele se tomou (indeferimento da reclamação para a conferência, mantendo a decisão proferida de absolvição da instância), este Tribunal de recurso está impedido de levar a cabo a sua actividade jurisdicional, ou seja, de sindicar essa decisão numa perspectiva de análise do raciocínio que presidiu à mesma.

vi. A falta total de discriminação dos factos provados (e não provados) determina a anulação oficiosa da sentença proferida pelo tribunal a quo, pois impede o tribunal ad quem de apreciar o recurso nos seus restantes aspectos.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Anular oficiosamente a decisão recorrida; e

- Ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, a fim de que aí seja proferida nova decisão (acórdão) em que se proceda ao julgamento da causa nos termos apontados.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Junho de 2015

Pedro Marchão Marques

Maria Helena Canelas

António Vasconcelos