Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:889/04.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, notificada do acórdão por nós proferido, que negou provimento ao recurso por si interposto, veio, ao abrigo do preceituado no artigo 616.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC), requerer a sua reforma quanto a custas alegando que:

«1. Nos autos de Impugnação Judicial à margem referenciados, o Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 1.a instância, julgou a ação procedente, condenando a FP ao pagamento de custas.

2. Em sede de recurso, a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, não concedeu provimento ao recurso da FP condenando-a, ainda, em custas.

3. Ora, tendo em conta o valor da causa (€ 303.457,10), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente (em todas as instâncias), em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.a parte do n.° 7 do art.° 6.° do citado diploma legal.

4. Segundo o acórdão do TCA Sul, no processo n.° 07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

5. In casu, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça [nos termos da 2 a parte do n.° 7 do art.° 6° do RCP], quando, claramente - atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes -, a especificidade da situação o justificava.

6. No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.° 7 do art.° 530.° do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso.

7. Quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no art.° 8.° do CPC.

8. Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (art.° 530° n.° 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:

> A existência ou não de articulados ou alegações prolixas - vide al. a);

> A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso - vide al. b);

> O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas - vide al. c). 

9. A FP entende que adotou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa-fé.

10. Resulta claro que, no decurso deste processo, a FP apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais.

11. Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, decorre, do douto acórdão do TCA Sul (tal como da sentença do TT de Lisboa), não ser, a questão da causa, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso.

12. Por essa razão, não deve a FP ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado.

13. Assim, solicita a FP que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.° 7 do art.° 6.° do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas (em todas as instâncias), ao abrigo do n.° 1 do art.° 616.° do CPC.

14. Nestes termos pronunciou-se já o TCA Sul, no acórdão n.° 07373/14 de 13/03/2014, cujo teor acompanhamos e que, no n.° 8 do sumário, estipula:

“O direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o art°.20, n°.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa. Em hipótese deste tipo, sustentada a elaboração da conta em disposições da lei ordinária que conduzam a esse inadequado resultado, devem tais normas ser desaplicadas, por, na interpretação assim conducente, padecerem de inconstitucionalidade material. Ainda na mesma hipótese, a conformidade constitucional da interpretação normativa dessas disposições há-de passar por uma intervenção moderadora do juiz, atribuindo-lhe um sentido que permita ajustá-las a aceitáveis e adequados limites. Essa intervenção moderadora pode encontrar-se no princípio segundo o qual, dadas as particularidades do procedimento tributado, se não justifica o pagamento do remanescente que supere o valor de € 275.000,00, antes se legitimando a interpretação moderadora das normas (conforme à Constituição) e o seu ajustamento àquele mencionado limite, também ao abrigo do examinado princípio da proporcionalidade. É o caso da norma do art°.6, n°.7, do R.C.P., por referência à Tabela I, anexa ao mesmo diploma, na interpretação segundo a qual num processo tributário de impugnação que somente teve tramitação em 1.ª instância e no qual não se realizou qualquer diligência de prova, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas ao valor total de € 192.270,00), a qual deve declarar-se materialmente inconstitucional.".

15. Concluindo, poderemos afirmar que a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: Exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça.

16. Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida" a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado. 

17. Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a capacidade contributiva do utilizador médio dos serviços.

18. Dito de outra forma, resulta claro que montantes desta natureza dissuadem, ou, até, impedem, o acesso aos tribunais de quem procura a realização da justiça.

19. Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, nomeadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os art.°s 6.° n.°s 1,2 e 7, 26.° n.° 3 al.a c) e 25.° n.° 2 al.ª d) do RCP, por referência à tabela 1 anexa ao mesmo RCP, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.

20. Não carece de mais justificações a verificação de que ocorre uma situação em que a taxa calculada é de montante manifestamente excessivo, ou seja, em que há uma desproporção intolerável entre o montante do tributo e o custo do serviço prestado. E, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado, ocorre, também, uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais.

21. Desta forma, deverá ordenar-se a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.

Nestes termos e nos demais de Direito, se requer que seja determinada A REFORMA QUANTO A CUSTAS, determinando-se, consequentemente, a dispensa dos remanescentes das taxas de justiça neste processo.»


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A recorrida, notificada, nada disse.

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Aberta vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pelo mesmo foi dito que o pedido deve ser deferido.

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Vem a recorrente Fazenda Pública requerer a reforma do Acórdão quanto a custas, pedindo a dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Vejamos.

Estabelece o nº7 do artigo 6º do RCP, que «nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.»

In casu, considerando que o valor da presente acção ultrapassa o valor de 275.000€ (recorde-se que o valor da causa se fixou em 303.457.10 €) e que a mesma não assumiu especial complexidade, nem a conduta assumida pelas partes, em sede de recurso, se pode considerar reprovável, entende-se ser de deferir a pretensão da FP.

Nestes termos e pelos fundamentos apontados, impõe-se alterar o segmento decisório quanto a custas, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º7, do RCP.

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, em julgar procedente o pedido de reforma e, em conformidade, alterar a decisão proferida no acórdão proferido nos presentes autos em matéria de custas, do qual ficará a constar o seguinte:

«Custas na proporção do decaimento, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final».

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)