Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03512/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/23/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
JUROS COMPENSATÓRIOS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PRESSUPOSTOS
Sumário:1. Não tendo o sujeito passivo de IVA apurado e declarado nas respectivas declarações periódicas em tempo entregues o IVA devido pela aquisição intracomunitária de bens o que só veio mais tarde a acontecer por acção de fiscalização, há retardamento dessa liquidação imputável ao mesmo, que dá causa à liquidação de juros compensatórios, independentemente do direito que o mesmo tivesse à respectiva dedução do imposto;
2. Este direito à dedução do imposto coloca-se a jusante do dever de apuramento e de liquidação do mesmo imposto em tempo, na respectiva declaração periódica;
3. Tendo o sujeito passivo pago tais juros compensatórios liquidados mercê desse retardamento, ainda que posteriormente anulados pela AT mas sem reconhecer o erro de facto ou de direito naquela liquidação desses juros, não confere o sujeito passivo o direito a juros indemnizatórios incidentes sobre o montante pago e anulado, por falta da verificação desse pressuposto legal- erro imputável aos serviços.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Automóveis, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 14 de Abril de 2009, que julgou “a presente impugnação improcedente, e consequentemente absolvo a Fazenda Pública pedido”.
B) Na impugnação judicial, a ora recorrente, em especial no pedido formulado, peticionou pela revogação do despacho impugnado, pela restituição do montante de juros compensatórios indevidamente pagos e já objecto de anulação pela Administração Fiscal, e, finalmente, que lhe fosse reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios decorrentes do pagamento indevido daquele montante a título de juros compensatórios, bem como do atraso da Administração Tributária no seu pagamento.
C) Tal não foi reconhecido nem em sede administrativa nem no âmbito da decisão ora recorrida. Pelo que entende a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada no presente processo de impugnação assenta em erro de julgamento, concretamente no que respeita à análise da matéria de facto e de direito que lhe subjaz.
D) Resulta da sentença recorrida que, “O indeferimento do pedido de juros indemnizatórios fundamentou-se no entendimento que não foi por erro imputável aos serviços da administração fiscal que ocorreu a falta de liquidação de IVA, que a liquidação de juros compensatórios decorre do art. 89° do CIVA, não havendo lugar a juros indemnizatórios por não ter ocorrido qualquer erro imputável aos serviços”; e ainda que, “Nos presentes autos a impugnante contesta o indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios defendendo que se encontram reunidas as condições previstas no art. 43° da lei Geral Tributária, ao invés a administração tributária considera que não existiu erro imputável aos serviços razão pela qual não haveria lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios, sendo esta a questão a decidir".
E) Em resumo, o que cumpre analisar no âmbito do presente recurso é saber o que se deve entender, no âmbito do artº 43º da Lei Geral Tributária (LGT), por erro imputável aos serviços como condição de pagamento de juros indemnizatórios. Sendo que a ora Recorrente entende que, face à matéria de facto e de direito pressupostas, impõe-se uma outra interpretação do artigo 43º da LGT e, consequentemente, deve a decisão ser revogada no que respeita à matéria relativa a juros indemnizatórios.
F) Tendo a Administração Tributária procedido à liquidação de juros compensatórios, veio a mesma, posteriormente, determinar a restituição à ora Recorrente, em virtude da reclamação graciosa apresentada, do montante por esta pago a título desses mesmos juros compensatórios indevidamente pagos. Contudo, foi negada a pretensão da ora Recorrente em serem-lhe pagos os juros indemnizatórios correspondentes e calculados com base no valor desses juros compensatórios.
G) Tal recusa alicerça-se no facto de, na perspectiva da Administração Tributária, não ter existido erro imputável aos serviços. Contudo, se a Administração Tributária não tivesse emitido liquidações de juros compensatórios, naturalmente, a ora Recorrente não teria de ter suportado o encargo que efectivamente suportou com o seu pagamento. Pelo que, o referido erro imputável aos serviços fica desde logo demonstrado quando a reclamação graciosa é deferida, in casu, na parte correspondente aos juros compensatórios.
H) Como descrito, é precisamente este o entendimento perfilhado pela doutrina e jurisprudência. Pelo que, no caso concreto, querer afirmar não ter existido erro imputável aos serviços é querer desmentir o indesmentível. Em primeiro lugar, porque o erro efectivamente existiu, como o demonstram os factos provados, consistindo na ilegal liquidação de juros compensatórios e sua posterior anulação (se tal liquidação foi anulada, decerto que não o foi porque os serviços tinham a razão legal do seu lado); em segundo lugar porque os serviços não podem abster-se ou escusar-se às suas obrigações, sendo obrigação destes, entre outras, conhecer a lei, sua doutrina e a jurisprudência dos Tribunais Tributários.
I) Perante o erro dos serviços, a ora Recorrente, tendo procedido ao pagamento da ilegal liquidação de juros compensatórios, sofreu prejuízos na medida em que se viu privada do seu capital.
J) E assim, considera a ora Recorrente que os actos de liquidação de juros compensatórios ilegalmente praticados pelos serviços consubstanciam um erro imputável aos mesmos, tendo forçado um desembolso indevido, o que lhe direito a ser compensada através de juros indemnizatórios.
K) Face à jurisprudência referida no presente recurso, resta elucidar se se pode afirmar que a ora Recorrente concorreu para o surgimento do erro em análise, caso em que o mesmo, no limite, não se poderia configurar como imputável aos serviços.
L) A resposta a esta questão tem de ser aberta e irrestritivamente negativa na medida em que tal imputação e responsabilidade não poderão ser assacadas à ora Recorrente,
pela razão simples mas decisiva segundo a qual, como se refere expressamente na decisão de anulação dos juros compensatórios, emitida pela própria Administração Tributária: “Dado que nas transmissões intracomunitárias de bens o sujeito passivo tem direito à dedução do imposto, simultâneo com a obrigação de liquidação, de acordo com o 1 do art. 19° e 1 do art. 20º, ambos do RITI, afigura-se que não se está perante uma dívida tributária, conforme n° 4 do Preâmbulo do CIVA, esta sim sujeita a Juros compensatórios nos termos do art. 89º do CIVA”. Concluindo que, “Face ao exposto no presente relatório e dado que para uma situação de idêntica natureza em que estavam em causa juros compensatórios do exercício de 1992, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão em que se decidiu pela anulação dos juros compensatórios, sou de opinião que a pretensão constante da reclamação apresentada pelo contribuinte, deva ser atendida”.
M) Argumentação que toma evidente que a ora Recorrente não concorreu de forma alguma para que as liquidações ilegais fossem efectuadas. E, por isso mesmo, o tribunal a quo resolve erradamente a questão que lhe foi colocada.
N) Face ao exposto na decisão recorrida, o que dificilmente se percebe é como é que o acto de liquidação de juros compensatórios ilegal possa ter sido afectado por erro imputável à ora Recorrente, se é evidente que o erro em questão só pode ser imputado à entidade que liquidou juros compensatórios sem previamente confirmar a existência de uma dívida tributária, sobre a qual os juros incidem.
O) Sendo que tal erro consiste precisamente na aplicação do disposto no artigo 89.º do CIVA, sem que estivesse preenchido um dos pressupostos aí referidos, a saber, a existência de uma imposto - IVA - sobre o qual incidem os juros.
P) Trata-se, enfim, de uma situação de erro na subsunção dos factos na norma aplicável que incide inquestionavelmente sobre o aplicador da norma. E, além disso, reitera-se, é a própria Administração Tributária que refere, em face da situação de facto subjacente, não estar em causa uma dívida tributária, conforme n° 4 do Preâmbulo do CIVA.
Q) Assim sendo, deverá a sentença recorrida ser revogada com as devidas consequências legais, por violação das normas referidas.

TERMOS EM QUE, ATENTO O EXPOSTO, E EM ESPECIAL A VIOLAÇÃO DAS NORMAS INVOCADAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE DETERMINE O PAGAMENTO DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS EM CAUSA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por a anulação dos juros compensatórios assentar em erro imputável aos serviços, pelo que estes não poderão deixar de ser devidos, citando jurisprudência quer desta TCAS, quer do STA, que no mesmo sentido terão decidido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se existe erro imputável aos serviços enquanto pressuposto para a ora recorrente conferir o direito a juros indemnizatórios, relativamente aos juros compensatórios liquidados e pagos, e posteriormente anulados pela AT, em sede de reclamação graciosa.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- A administração tributária apurou que nos exercícios de 1995 e 1996 em sede de IVA a ora impugnante importou de um país terceiro mercadoria que foi directamente expedida e recepcionada em livre prática noutro Estado-membro e só posteriormente transferida para o território nacional. Os serviços consideraram ser uma operação enquadrada na alínea c) do n° 1 do art. 4° do RITI como uma operação assimilada a uma aquisição intracomunitária e apuraram o valor tributável de 590.562.313$00 e IVA no montante de 100.395.693$00 (cfr. fls. 36/54 do processo administrativo em apenso.
2- Em 03/02/1998 foi efectuada a notificação da liquidação de juros compensatórios referentes aos períodos 9502, 9503, 9504, 9505, 9506, 9507, 9508, 9509, 9510, 9511, 9512, 9601, 9602, 9603, 9604 e 9605 nos montantes de 150.878$00, 1.089.347$00, 1.179.439$00, 544.194$00, 55.945$00, 2.290.788$00, 496.228$00, 2.781.477$00, 326.650$00, 3.902.392$00, 4.329.135$00, 2.876.177$00, 923.583$00, 2.922.514$00, 1.219.321 $00 e 1.163.233$00, respectivamente (cfr. fls. 20/35 do processo administrativo em apenso).
3- As liquidações referidas no ponto anterior foram pagas em 31/03/1998 (cfr. fls. 20/35).
4- Em 26/06/1998 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação de juros compensatórios de IVA referentes aos anos de 1995 e 1996 no montante total de 26.251.301$00, no âmbito da qual foi pedida a anulação da liquidação dos juros, a determinação que houve erro imputável aos serviços e o pagamento de juros indemnizatórios (cfr. fls.2/19).
5- Em 13/09/2000 foi proferido despacho com o seguinte teor "Considerando os elementos trazidos ao processo no uso do direito de audição, e face aos fundamentos mencionados na informação dos serviços defiro o pedido quanto ao pedido de anulação dos juros compensatórios e indefiro-o quanto aos juros indemnizatórios” (cfr. fls. 90 do apenso).
6- O indeferimento do pedido de juros indemnizatórios fundamentou-se no entendimento que não foi por erro imputável aos serviços da administração fiscal que ocorreu a falta de liquidação de IVA, que a liquidação de juros compensatórios decorre do art. 89° do CIVA, não havendo lugar a juros indemnizatórios por não ter ocorrido qualquer erro imputável aos serviços (cfr. fls. 91 do apenso).
7- Em 27/09/2000 a ora impugnante foi notificada da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. documentos de fls. 92/93 do apenso).
8- Em 20/10/2000 foi apresentado recurso hierárquico (cfr. petição de fls. 130/143 do apenso).
9- O recurso hierárquico foi indeferido por despacho do Director-Geral dos Impostos datado de 22/05/2004 que remeteu para os fundamentos constantes da informação prestada pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o IVA (cfr. fls. 98/107 do apenso).
10- Na informação referida no ponto anterior consta o seguinte “(...) à data em que foram liquidados os juros compensatórios (24.01.98), não existia a norma do n° 15 do art. 71° do CIVA, que foi aditada pela Lei n° 87-B/98 de 31 de Dezembro (...) embora tenha sido reconhecido pela administração fiscal o direito por parte do sujeito passivo, à restituição dos juros compensatórios já pagos, não é condição suficiente para que se considere ter havido erro imputável aos serviços, uma das condições necessárias para que se verifique o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios, uma vez que, à data em que foram liquidados os juros compensatórios, não existia norma legal que permitisse considerar tais liquidações indevidas" (cfr. fls. 106 do apenso).
11- Em 18/06/2004 foi efectuada a notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 144/145 do apenso).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

Não existem factos com relevância para a discussão da causa que importe registar como não provados.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial no que ao pagamento dos juros indemnizatórios tange, única questão a decidir nos presentes autos, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ficou demonstrado o erro imputável aos serviços, tendo antes tal liquidação de juros compensatórios decorrido de falta atempada de liquidação de IVA por parte da ora recorrente, pelo que os mesmos não lhe são devidos.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem insurgir, por a posterior anulação pela própria AT dos juros compensatórios que lhe liquidou, implicar que foi erro dos seus serviços ao efectuarem essa liquidação, ou seja, face à lei, não havia lugar à liquidação dos mesmos, pelo que confere o direito a esses juros indemnizatórios.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar, que os factos tributários que deram origem à liquidação de IVA e de juros compensatórios em causa, ocorreram em data muito anterior à da entrada em vigor da actual LGT (reportam-se a IVA de 1995 e de 1996), bem como a liquidação e o pagamento destes também o foram antes de 1.1.1999, pelo que no presente caso nunca será de aplicar a disciplina do art.º 43.º da LGT, que como se sabe apenas entrou em vigor nesta data e não é de aplicação retroactiva, o que a ora recorrente, nem a AT e nem mesmo a sentença recorrida tomaram em consideração na fundamentação expendidas, mas sim a norma do art.º 24.º do CPT, então vigente, ainda que de semelhante redacção.

E esta norma do art.º 24.º do CPT, dispunha:
1 – Haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços.
2 - ...
...
E este erro imputável aos serviços não assenta na concretização do erro cometido por qualquer um concreto serviço ou funcionário, bastando-lhe que tenha existido um erro de facto ou de direito, que tenha levado a que a AT tenha liquidado certo tributo ou certos juros compensatórios, que venham a revelar-se indevidos por ilegais, com a consequente anulação em impugnação judicial ou em reclamação graciosa (excluindo contudo os casos em que a liquidação é anulada por vícios formais, sem que tenha chegado a conhecer-se dos vícios de fundo imputados ao acto, como constitui jurisprudência corrente).

Face à matéria provada dos pontos 1, 2 do probatório fixado na sentença recorrida e melhor se colhe do processo administrativo apenso, nos anos de 1995 e de 1996, a ora recorrente importou mercadoria de países terceiros que consideraram como operações enquadráveis na alínea c) do n.º1 do art.º 4.º do RITI, assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens e apuraram o valor do imposto em causa de Esc. 100.395,693$, o que foi apurado em sede de fiscalização efectuada, na falta de entrega pela mesma das correspondentes declarações periódicas, embora também se tenha reconhecido que no caso não havia lugar ao pagamento de qualquer imposto (IVA), por a contribuinte ter logo também o direito à integral dedução desse imposto ao abrigo do disposto nos art.ºs 19.º, n.º1 e 20.º, n.º1 do RITI, afigura-se que não se está perante uma dívida tributária, conforme n.º4 do preâmbulo do CIVA, esta sim sujeita a juros compensatórios nos termos do art.º 89.º do CIVA (cfr. inf. a fls. 73 do PA apenso, ainda que o despacho que recaiu sobre tal pedido de anulação dos juros compensatórios tenha tido por base “o despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na nota de 97.07.02 do seu Gabinete”, como se pode ver dessa mesma decisão de fls 70 do mesmo PA), sem que tenha tido por base, reconhecidamente, qualquer ilegalidade que afectasse tal liquidação.

Em suma, contrariamente ao invocado pela ora recorrente na matéria da sua conclusão N) e segs, houve em concreto uma liquidação de imposto (IVA) por tais operações, para colmatar a que o sujeito passivo em tempo oportuno não fez nas respectivas declarações periódicas entregues, como consta daquela matéria fixada no probatório da sentença recorrida, o que a ora recorrente nem veio colocar em causa de forma válida ao abrigo do disposto no art.º 690.º-A do CPC.

Nestes casos, como se pode colher de dois dos mais recentes acórdãos do STA sobre esta matéria(1), havendo lugar à liquidação de imposto pela aquisição intracomunitária de bens e serviços por um sujeito passivo que o não liquidou atempadamente, são devidos os correspondentes juros compensatórios pelo atraso verificado e independentemente do direito à dedução que o mesmo teria e que não foi oportunamente exercido, já que esta (a dedução) só pode ter lugar depois de validamente se ter liquidado o que havia a liquidar, sendo irrelevante no caso que os mesmos juros compensatórios tenham sido anulados em sede de reclamação graciosa fundando-se num despacho do Sr. Secretário de Estado, que como se sabe não constitui lei (cfr. art.º 1.º, n.º2 do Código Civil), sendo que a i/legalidade de tal anulação não se encontra em causa nos presentes autos.

A ser assim, como se aceita, convocando também a norma do art.º 8.º, n.º3 do Código Civil, então, nos termos do disposto no art.º 89.º do CIVA, existe retardamento da liquidação do imposto em causa por parte da contribuinte, sendo que os juros compensatórios visam compensar o Estado pelo retardamento de uma liquidação, sobre o qual incidem, independentemente da eventual dedução integral do imposto que no caso houvesse lugar, se atempadamente exercida, constituindo a base para a tributação desses juros o montante desse imposto liquidado pela AT em substituição do sujeito passivo que em devido tempo o não fez, não tendo cumprido com a sua obrigação legal de apuramento, declaração e pagamento do imposto atinente, nos termos do disposto nos art.ºs 19.º e segs do CIVA.

Tal falta de declaração desse imposto e consequente dedução, violadoras dessas normas legais por parte da ora recorrente, para além de poder fazer a mesma incorrer em responsabilidade contra-ordenacional, como no caso aconteceu, e cuja coima então pagou, como do PA apenso se pode colher de fls 61 e que se não encontra em causa nos presentes autos, também constituiriam o fundamento legal para a liquidação dos atinentes juros compensatórios por esse retardamento ao abrigo do disposto no art.º 89.º do CIVA, que assim lhe é imputável, e que em sede juros indemnizatórios em que nos encontramos, impediriam que anulados aqueles pela AT, como acima se frisou, estes (os indemnizatórios) não possam ser devidos, por falta do erro imputável aos serviços, enquanto pressuposto legal para a ora recorrente a eles conferir tal direito.

A opção por esta interpretação assenta também na norma do art.º 71.º, n.º15 do CIVA, apenas introduzida pelo art.º 32.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1999), então não vigente ainda à data da liquidação e nem do pagamento desses juros, ao expressamente vir dispor que, “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução, ou tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução serão aceites sem quaisquer consequências, desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber”, ou seja, veio alterar o anterior entendimento no sentido acima perfilhado de que tal falta do sujeito passivo tinha consequências não só ao nível contra-ordenacional mas também no que à liquidação dos juros compensatórios dizia respeito, pois se o entendimento resultante das norma até então vigente fosse já esse não havia necessidade da introdução desta norma com este conteúdo, o que preconiza a norma do n.º3 do art.º 9.º do Código Civil.

E mesmo esta redacção introduzida por esta norma, apenas pode produzir tais efeitos no âmbito contra-ordenacional, se o sujeito passivo fizer então entregar, já fora do prazo leagl, uma declaração de substituição da inicialmente entregue, naturalmente, com a liquidação do imposto dessas operações e o exercício simultâneo, do correspondente direito à dedução, que na declaração primitiva o não fizera, sendo pois a entrega desta declaração de substituição a condição para obter tal efeito da sua falta apenas relevar naquele âmbito, sob pena, se o não fizer, de relevar também na liquidação, designadamente na de juros compensatórios, consistindo a inovação do legislador neste n.º15 do art.º 71.º do CIVA, o de vir permitir ao sujeito passivo fazer entregar uma declaração de substituição, fora do prazo, a que lhe veio atribuir relevância, como se dentro do prazo fosse entregue, ainda que no âmbito limitado da liquidação apenas, desta forma clarificando e esclarecendo o regime que acima se perfilhou da interpretação das normas em causa, antes dessa inovação, ou seja, em suma, que tal falta de apuramento do imposto devido pelo sujeito passivo na respectiva declaração periódica em tempo entregue, tem efeitos não só no âmbito contra-ordenacional, mas também no de liquidação, designadamente dos juros compensatórios.

Como não se encontra em causa nos autos, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º1, alínea c) do RITI, aprovado pelo art.º 4.º do Dec-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro, a aquisição de bens expedidos ou transportados a partir de um país terceiro e importados noutro Estado membro, quando ambas as operações forem efectuadas por uma pessoa colectiva das referidas na alínea c) do n.º1 do seu art.º 2.º, consideram-se operações assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens, efectuadas a título oneroso, podendo o imposto suportado nessas aquisições ser deduzido em sede de apuramento do imposto a pagar nos termos do disposto nos art.ºs 19.º, n.º1 e 20.º, n.º1 do mesmo RITI, e ser reembolsado nos termos do disposto no art.º 21.º, n.º1 do mesmo diploma legal, como nesta parte bem defende a recorrente, mas desde que o mesmo tivesse sido apurado na respectiva declaração periódica oportunamente entregue pelo sujeito passivo, por força do disposto nos art.ºs 23.º, alínea a) do RITI e 19.º e segs do CIVA, o que a mesma não fez.

Como bem invoca a recorrente, citando aliás, a fundamentação contida na informação do procedimento de reclamação constante a fls. 73 do PA apenso, o ponto 4. do preâmbulo do CIVA, dispõe que “o método do crédito de imposto assegura, assim, que os bens utilizados na produção por uma empresa não sejam, em definitivo, tributados: as aquisições, são feitas com imposto, mas dão lugar a uma dedução imediata no respectivo período de pagamento (salvo excepções, muito limitadas, destinadas a prevenir desvios fraudulentos)”, o que pressupõe, naturalmente, que o sujeito passivo proceda ao seu dever de dever de declaração, de apuramento e de pagamento do imposto devido contido em, entre outras, nas normas dos art.ºs 19.º e segs do CIVA, o que a recorrente, no caso, não fez, pelo que não pode pugnar por essa absoluta neutralidade do imposto quanto aos bens ou serviços utilizados na transformação na sua produção, o que levaria a que, em último caso, tais faltas de declaração, apuramento e pagamento do imposto, por lei acometidas ao sujeito passivo, não tivessem quaisquer consequências, o mesmo sendo de dizer que todo o sistema do IVA, tal como legalmente se encontra estruturado, não seria mais do que uma miragem.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 23/03/2010

EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
LUCAS MARTINS (Concederia provimento ao recurso no pressuposto de que os juros compensatórios implicam a existência de dívida tributária, não paga em tempo oportuno, o que não sucede no caso vertente em que há simultaneidade do direito de dedução).


1- Cfr. os acórdãos do STA de 25.10.2000 e de 21.2.2001, recursos n.ºs 25461 e 24641, respectivamente. Em sentido contrário, cfr. o acórdão do STA de 27.11.1996, recurso n.º 20775.