Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1119/16.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC;
DESPESAS CONFIDENCIAIS;
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA.
Sumário:1) «Despesas não documentadas» são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique.
2) «Despesas invidamente documentadas» são aquelas que têm suporte documental, mas o mesmo, só por si, não permite identificar, em termos quantitativos e qualitativos quais os bens ou serviços que determinaram certo pagamento a determinada entidade.
3) As despesas não documentadas ou despesas confidenciais são sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. Por seu turno, as despesas não devidamente documentadas apenas são consideradas custos não dedutíveis – artigo 23.º-A/1/c), do CIRC.
4) O objectivo da tributação autónoma das despesas confidenciais parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.
5) A distinção entre despesas indevidamente documentadas e despesas não documentadas tem outras consequências, nomeadamente, no que respeita ao ónus da prova da efectividade da despesa.
6) No que respeita às despesas não devidamente documentadas, o juízo de não suficiência de suporte documental da despesa é meramente negativo, reportando-se a uma constatação do incumprimento de um ónus contabilístico do sujeito passivo.
7) Já o reconhecimento de uma despesa como não documentada, em ordem a sujeitá-la a tributação autónoma enquanto tal, não poderá prescindir da demonstração da efectiva ocorrência da mesma.
8) Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correcção/legalidade da mesma.
9) A situação de indistinção patrimonial, financeira e contabilística entre a impugnante e as outras empresas do grupo tornou possível a ocorrência de saídas de numerário, sem contrapartida e sem suporte documental. Tais fluxos, do ponto da vista da contabilidade da recorrente, constituem despesas não documentadas ou despesas confidenciais.
10) Tais despesas não têm destinatário conhecido ou cognoscível, dado que não existem documentos discriminativos da forma, local, data, pessoa em que foram realizados
Votação:VOTO DE VENCIDA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
T....., II S.A., melhor identificado nos autos, veio apresentar Impugnação Judicial, contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, no valor global de EUR 2.221.768,15.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls. 1011 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 22 de Setembro de 2018, julgou improcedente a impugnação.

Nas alegações de fls. 1102 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, T....., II S.A.,formula as conclusões seguintes:

«1.ª O presente recurso vem deduzido contra a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, no valor global de € 2.221.768,15, na parte que não concedeu provimento ao pedido de anulação das tributações autónomas que incidiram sobre despesas não documentadas identificadas como movimentos D3-73 (saída ou crédito de caixa no montante de € 2.000.000,00 realizado em 30/11/2012 e débito da conta 221006 fornecedor t....Lda.) e D3-84 (contabilização da saída de meios financeiros efetuada a crédito da conta Caixa e de débito de uma conta clientes gerais no valor de € 1.083.757,19), que ascendem ao montante de € 1.541.878,60.

2.ª No que respeita às tributações autónomas identificadas, o Tribunal considerou que a circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correção, por parte da Administração Fiscal, através da utilização simultânea de correções técnicas e métodos indiretos, como acontece no caso "sub judice”, acrescentando que, no que toca ao movimento D3-73, a ”Impugnante não apresentou quaisquer documentos comprovativos referentes à contabilização da saída de meios financeiros do lançamento em análise, nem foi comprovado o referido pagamento ao fornecedor B…., não existe uma conta corrente do fornecedor, na qual se possa aferir aquele valor de fornecimentos que de acordo com as alegações da Impugnante o movimento pretendeu regularizar”, pelo que, “a contabilização da saída de meios financeiros, no montante de €2.000.000,00, não está documentada, no entanto constitui um movimento financeiro de saída de um valor certo, pelo que se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no art. 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o valor do imposto em falta de €1.000.000,00 (€2.000.000,00 x 50%)”, e em relação ao movimento D3-84, que “dos documentos da contabilidade não se encontra justificação para a contabilização da contrapartida da saída de meios financeiros, efectuada a débito de uma conta de clientes, no montante de € 1.083.757,19, pelo que, desconhecendo-se o destinatário desta saída de meios financeiros efectuada por caixa, a mesma se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no artigo 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o montante do imposto em falta de € 541.878,60” .

3.ª O Tribunal a quo teceu várias considerações sobre a contabilidade da Recorrente, a qual, como a própria desde sempre admitiu, encontrava-se inquinada de erros e omissões, concluindo que se encontrava legitimado o recurso aos métodos indiretos, não se verificando qualquer ilegalidade no que toca à escolha do critério de quantificação e à fundamentação do mesmo, como propugnava a Recorrente, que assim viu tais pedidos serem considerados improcedentes, mas simultaneamente, considerou ainda que a tributação autónoma de alegadas despesas não documentadas igualmente impugnadas nos autos não padecia de qualquer uma das ilegalidades apontadas, o que não se pode aceitar.

4.ª Nos autos não foi dada como provada a realização de qualquer despesa correspondente aos montantes dos movimentos em crise, o que constitui pressuposto da tributação autónoma, sendo que o regime legal não admite a tributação de despesas presumidas.

5.ª A contabilidade da Recorrente encontra-se inquinada por erros e omissões, pelo que não pode servir de base de incidência a tributações autónomas que pressupõe a veracidade dos elementos contabilísticos, a qual se está afastada no caso concreto.

6.ª O n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC refere que “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.”.

7.ª No que diz respeito à alegada existência de movimento financeiro, verifica-se que o Tribunal deu como não provado que “o movimento D3-73 (saída ou crédito de caixa no montante de EUR 2.000.000,00 realizado em 30/11/2012 e débito da conta 22… fornecedor t....Lda.) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira”.

8.ª Se é verdade que o Tribunal a quo deu tal facto como não provado, também resulta da sentença em crise que, à contrario, não foi julgado como provado que tal movimento contabilístico se reportasse, de facto, a qualquer movimento financeiro, o que é pressuposto da tributação autónoma impugnada, ou seja, para haver lugar a tributação autónoma seria necessário que o Tribunal desse como provado que a ora Recorrente registou um movimento contabilístico que se reporta a um movimento financeiro de saída de fundos da sociedade “uma despesa”, o que não se mostra provado na sentença recorrida.

9.ª O que se mostra provado na sentença é que existiu um movimento contabilístico e que o sujeito passivo foi notificado para apresentar os documentos comprovativos do mesmo (extratos bancários, cópias de cheques, documentos de transferências), sendo que não juntou qualquer documento de suporte, tendo apenas reagido a tal pedido com a explicação de que tais lançamentos visavam regularizar pagamentos já efetuados à T… e não se reportavam a qualquer despesa.

10.ª A Recorrente apresentou a explicação de tal lançamento contabilístico financeiro (a qual afasta a existência de uma despesa) mas não juntou documentação que permitisse comprovar o movimento como ele era presumido pelos serviços de inspeção (porque de facto o mesmo não tinha a materialidade assumida pelos serviços pelo que não existia tal documentação), nem os serviços de inspeção lograram obter documentação que consubstanciasse tal prova.

11.ª Resulta provado nos autos que os valores recebidos dos clientes da Recorrente eram depositados nas contas bancárias da T....1, sendo que além do mais a Recorrente utilizava o contrato de recolha de valores celebrado entre o Banco …. e a T....1, o que também originava que se verificassem pagamentos de clientes da Recorrente à T....1. Ou seja, da factualidade provada resulta que a T....1 recebia diretamente pagamentos que eram destinados à ora Recorrente. Sucede que contabilisticamente tais montantes eram inscritos na conta de caixa da Recorrente que assim apresentava um saldo desfasado da realidade que foi corrigido pelo movimento contabilístico em crise nos autos

12.ª Como a ora Recorrente repetidamente esclareceu os lançamentos em causa são foi meros movimento contabilístico tendo em vista regularizar determinadas contas, o que aliás resulta igualmente da matéria de facto dado como provada, os quais não consubstanciam a realização de uma despesa.

13.ª O movimento contabilístico D3-73 representa o acerto de contas entre os montantes que estavam indevidamente contabilizados na conta de caixa (uma vez que não tinham qualquer existência física em tal suporte) e os montantes que foram depositados diretamente nas contas da T....1. Por esta razão, não há comprovativos que demonstrem tal fluxo financeiro porque o mesmo não teve a substância retratada pela contabilidade.

14.ª O Tribunal recorrido deu como não provado que o movimento D3-84 (contabilização da saída de meios financeiros efetuada a crédito da conta Caixa e de débito de uma conta clientes gerais no valor de EUR 1.083.757,19) tenha sido uma mera operação contabilística sem correspondência financeira.

15.ª Igualmente não resulta dos autos que tenha ficado demonstrada a ocorrência de uma efetiva despesa associada a tal movimento contabilístico, constatando-se, uma vez mais, que na origem da tributação autónoma em causa não está a identificação de uma despesa que havia sido deduzida e que os serviços de inspeção verificaram que não cumpria os requisitos porque não estava documentada, que é o que devia suceder.

16.ª O que efetivamente está em causa é outro movimento contabilístico – não uma despesa - identificado pelos serviços da administração tributária, no âmbito de uma inspeção, a qual revelou falhas graves na contabilidade, movimento esse que os serviços de inspeção qualificaram como despesa não documentada. Ou seja, os serviços de inspeção deparando-se com uma contabilidade completamente destruturada e fragmentada, repleta de erros e omissões, focaram-se em 2 movimentos contabilísticos, e sem conseguir estabelecer qualquer correspondência com concretas operações materiais, entenderam estar perante despesas não documentadas.

17.ª E tanto bastou para prosseguir com a tributação de tais alegadas despesas – que na verdade apenas são movimentos contabilísticos como se vem evidenciando – em sede de tributações autónomas.

18.ª A Recorrente não se pode conformar com esta tributação porque a mesma está em total oposição com os pressupostos legais e com o enquadramento factual da Recorrente no período que medeia a ocorrência do facto tributário e que, tendo sido dado como provado, carecia de ser devidamente ponderado e não foi.

19.ª Relativamente a este movimento, o saldo de caixa foi aumentando porque todos os recibos de origem numerário (cofre e clientes) eram, conforme mencionado, registados por contrapartida de caixa não se fazendo a correspondência depósito versus cliente e não sendo igualmente operacional fazer depósitos individualizados por cada recebimento de cliente, considerando designadamente o elevado número de recibos que eram emitidos (a titulo de exemplo refira-se que, em Dezembro de 2012 foram emitidos cerca de 1900 recibos, como consta da documentação junta aos autos), sendo, muitos deles, de valor residual.

20.ª Por força da remodelação do modelo de negócio, do modelo contabilístico implementado e das contingências próprias do negócio, durante o período em causa não foi possível identificar os valores recebidos no Banco (Depósito) por contrapartida de clientes porque o mesmo contempla várias centenas de clientes sendo ainda incluído o dinheiro que constava no cofre das máquinas, face às recolhas efetuadas.

21.ª Neste cenário, sucedia que o saldo de caixa não era creditado sempre que os valores eram depositados nas instituições bancárias, o que originou uma discrepância com os valores globais dos saldos de clientes que constava da gestão, designadamente uma duplicação de montantes.

22.ª Esse desencontro foi aferido pelo saldo global registado na conta de clientes e que se pretendeu corrigir com o movimento em causa, o qual teve como referência valores totais e não concretos saldos de clientes específicos porque a gestão os não individualizava.

23.ª Como sempre se assumiu, os procedimentos adotados não são corretos e não podem ser justificados pela fase de transição e reestruturação que a Recorrente e as empresas relacionadas se encontravam a passar. Todavia, a censurabilidade de tais condutas não pode ser sancionada através da tributação autónoma, havendo mecanismos e sedes próprios para o efeito.

24.ª Parece resultar que a justificação da tributação em crise passa em certa medida pela invocação de desígnios de combate à fraude fiscal, que teriam assim a virtualidade de tornar a mesma lícita e o imposto devido.

25.ª No presente caso não se materializam as preocupações que o legislador visou acautelar com a criação destas tributações autónomas na medida em que, por um lado a Recorrente não apresentou “despesas”, aliás a Recorrente não apresentou qualquer despesa, a qual foi presumida de um movimento contabilístico e, por outro, não há qualquer evidência nos autos que tenha havido um beneficiário porque de facto não o houve, bastando para o efeito considerar que não existe qualquer fluxo financeiro.

26.ª Ora, o regime da tributação autónoma das despesas exige que se esteja perante uma despesa e não uma presunção de uma despesa. Acresce que, verificando-se os vícios contabilísticos apontados, os mesmos constituem um obstáculo à tributação autónoma, o que não significa que se esteja a privilegiar o contribuinte que está em incumprimento, pois sempre haverá lugar à tributação por meios indiretos – como foi o caso – e à aplicação de sanções.

27.ª São despesas não documentadas as “despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o” (acórdão do STA, 204/10, 7/7/2010, Relatora Conselheira Dulce Neto).

28.ª Como se refere na decisão arbitral de 28.05.2014 proferida no processo n.º 20/2014-T, que refere que «(…) o reconhecimento de uma despesa como não documentada, em ordem a sujeitá-la a tributação autónoma enquanto tal, não poderá prescindir da demonstração da efetiva ocorrência da mesma. Com efeito “Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correção/legalidade da mesma de molde a com ela se possa confirmar ou vir a impugná-la, graciosa ou judicialmente, se a entender eivada de algum vício que a afecte na sua legalidade”, pelo que “As despesas confidenciais ou não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam. Daí a sua tributação autónoma”» (cf. referida decisão arbitral de 28.05.2014, disponível em www.caad.org.pt; sublinhado e destacado nossos).

29.ª É este o entendimento da doutrina e jurisprudência para a legal interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC, estando assim a aplicação da taxa de tributação autónoma às despesas não documentadas dependente da demonstração i) da existência de uma despesa efetiva; e (cumulativamente) ii) da impossibilidade de identificação do beneficiário de tal despesa.

30.ª O Tribunal Arbitral na já referida decisão arbitral de 06.09.2013 proferida no processo n.º 54/2013-T, numa situação de facto algo similar, conclui que, «(…) no caso em apreço, estamos perante um lançamento contabilístico não (devidamente) documentado, mas estaremos perante uma despesa? Tal como reconhece a Administração Tributária, o lançamento contabilístico efectuado pela Requerente não tinha suporte material, tratou-se de um artificio contabilístico sem correspondência com os meios monetários existentes nos cofres da empresa (se, à data dos factos, fosse realizado um teste de contagem físico ao dinheiro (moedas, notas, cheques, etc) que existia nos cofres da sociedade, chegávamos à conclusão, de que os valores reais eram muito inferiores aos que constam da sua contabilidade). Deste modo não se pode concluir, como a AT, que o património da empresa diminui com este “expediente”, pois não ocorreu uma efectiva despesa» (decisão arbitral disponível em www.caad.org.pt; o sublinhado corresponde a itálico no original; destacado nosso).

31.ª No caso sub judice o único suporte para a tributação autónoma realizada pela AT são precisamente movimento contabilísticos, os quais não espelham a existência de uma despesa efetiva, pelo que não está demonstrada a existência de despesa efetiva no valor de € 2.000.000,00 e € 1.083.757,19, não podendo ser aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC por inexistência de facto tributário e erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo nessa medida, ser revogada a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido de anulação das tributações autónomas impugnadas.

32.ª Como já aflorado, para existir tributação autónoma de despesas não documentadas a premissa é a existência de despesas efetivas, e, para além disso, é ainda necessário que respetivo beneficiário não seja identificável (sendo estas duas condições cumulativas).

33.ª Ora, atendendo às diferentes expressões utilizadas no artigo 88.º, n.º 1, - “despesas não documentadas” – e no então vigente artigo 45.º, n.º 1, alínea g), - “encargos não devidamente documentados” – e à ratio das tributações autónomas a jurisprudência(1) traçou uma distinção clara entre os dois conceitos, sendo as “despesas não documentadas” despesas que não têm qualquer suporte documental justificativo das mesmas e que por consequência não identificam o seu destinatário e os “encargos não devidamente documentados” encargos que têm documentação de suporte mas que por qualquer razão essa documentação carece de validade e não permite uma total justificação daqueles encargos, apesar de ser conhecido o seu destinatário.

34.ª Para além da distinção de conceitos que se afigura meramente teórica, a jurisprudência tributária retira efeitos práticos desta distinção, considerando que apenas as despesas não documentadas são objeto de tributação autónoma. Os “encargos não devidamente documentados” não são dedutíveis ao lucro tributável porque não reúnem os requisitos não sendo, contudo, passíveis de tributação autónoma.

35.ª Sem prejuízo de no presente caso, pelos motivos já expostos, não se encontrar sequer minimamente demonstrado que tenha havido qualquer saída de meios financeiros, a verdade é que, mesmo admitindo por cautela de patrocínio, sem conceder, que se verificam as alegadas despesas, ainda assim não estamos perante a situação retratada pelo tribunal a quo e da qual depende a tributação autónoma – a existência de despesas não documentadas - porquanto no presente caso foi desde logo identificado o destino dos fluxos.

36.ª Com efeito, os serviços de inspeção e igualmente o Tribunal indicam que com base nos lançamentos contabilísticos, as despesas tiveram como destinatário, num primeiro caso a T....1, e no segundo caso os clientes, pelo que não há desconhecimento quanto aos destinatários das despesas.

37.ª De facto, o que a Recorrente não logrou foi provar o fluxo financeiro correspondente ao movimento contabilístico porque como explicado supra o mesmo não se configurou dessa forma, não tendo sido possível reconstituir todos os movimentos financeiros associados ao mesmo, considerando o estado da contabilidade. E por não ter conseguido comprovar os movimentos financeiros precedentes que foram equivocadamente retratados contabilisticamente e que deram origem aos lançamentos que tiveram de ser retificados, foi presumida uma despesa não documentada que foi tributada autonomamente, tributação confirmada pelo tribunal recorrido.

38.ª Não obstante, desde o primeiro momento que foi identificado o destinatário dos movimentos, não cabendo dizer que o destino dos fluxos não foi comprovado e como tal tem-se de assumir que destinatário é desconhecido, o que qualificaria e despesa como não documentada porque tal raciocínio inquina todo o lançamento contabilístico e só por si demonstra que o mesmo não deva ter sido tributado, como sustenta a Recorrente. Efetivamente, ou bem que o lançamento contabilístico é válido para servir de base à tributação autónoma e o é, naturalmente em toda a sua extensão, ou seja, aceitando o destinatário que o mesmo evidencia, ou bem que não é válido para qualquer um dos fins.

39.ª O que não se pode aceitar é que se validem 2 movimentos contabilísticos para efeitos de qualificação como despesas não documentadas mas simultaneamente se negue o seu destino com base em que o mesmo não se mostra devidamente comprovado. É que não se mostra o destino, na mesma medida em que não se mostra demonstrada a própria despesa.

40.ª Ora, estando perfeitamente identificado o destinatário é forçoso concluir que não estamos perante uma despesa não documentada, mas perante uma despesa não devidamente documentada, a qual não é passível de tributação autónoma.

41.ª Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.04.2017 proferido no processo n.º 01320/16 que refere que “A terminologia empregue no art. 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental. Tendo neste caso sido possível identificar as pessoas que no relatório de inspeção se referem ser trabalhadores/prestadores de serviços que receberam tais quantias, identificados pelos nomes, estamos perante identificação dos prestadores de serviços incorreta, mas ainda assim, identificação daqueles. Tais despesas não podem ser objeto de tributação autónoma porque estão documentadas embora de forma insuficiente, não havendo elementos que as permitam enquadrar nos específicos tipos de despesas objecto de tributação autónoma e concretamente referenciados no referido art.º 81.º do CIRC” (Acórdão disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).

42.ª Tanto é bastante para não se poder concordar com a sentença recorrida que julgou verificadas as despesas não documentadas para efeitos da enunciada tributação autónoma, julgamento que padece de erro de facto e de direito, não se podendo manter.

43.ª A Recorrente está em crer que o já exposto é suficiente para conduzir à revogação da sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação das tributações autónomas, uma vez que não se verificam quaisquer despesas realizadas, não documentadas para efeitos de incidência do artigo 88º do Código do IRC.

44.ª Contudo, se por hipótese de raciocínio admitirmos que dos movimentos contabilísticos em apreço resulta provado a realização de despesas (o que não se concede), ainda assim não se poderia concordar com a tributação de tais despesas em sede de tributação autónoma.

45.ª Veja-se que nessa hipótese meramente académica as despesas se dariam por verificadas em função da existência de 2 movimentos contabilísticos. Movimentos esses insertados numa contabilidade que resultou demonstrado e provado que está inquinada de vícios e irregularidades que justificaram o recurso a métodos indiretos.

46.ª Ora, atendendo à realidade que se expôs, atendendo também ao facto de a própria inspecção reconhecer que há uma «impossibilidade de aferir os registos efetuados e o valor dos saldos por cliente, bem como quais os saldos de clientes que a saída de caixa em análise “supostamente” pretendia regularizar», e atendendo, por fim, ao facto de se aplicarem métodos indiretos de tributação fundados na existência de irregularidades que afetam a possibilidade de comprovar a matéria tributável, afigura-se que às referidas operações contabilísticas – que, ademais, nem sequer afetam o resultado líquido – não pode ser atribuída qualquer veracidade para efeitos de tributação autónoma.

47.ª Se bem que a Recorrente tenha que reconhecer haver fundamento para a aplicação dos métodos indiretos, já não pode aceitar que apenas para a tributação autónoma se aceitem os registos contabilísticos como globalmente credíveis, verdadeiros e imaculados de modo a que lhes possa ser atribuído o significado unívoco de que as operações em causa correspondem a despesas efetivas reais e não a lançamentos de retificação de saldos que não estavam corretos.

48.ª Considerando precisamente o estado em que se encontrava a contabilidade que a Recorrente nunca contestou e as vicissitudes que tinham ocorrido é que a Recorrente se insurge e não pode aceitar que um mero movimento contabilístico seja considerado imediatamente como a realização de uma despesa e não documentada para os efeitos de arrecadar receita.

49.ª Identificando-se esta realidade o que poderia ter tido lugar era precisamente uma tributação por métodos indiretos e não serem pura e simplesmente avançar-se com a tributação de movimentos contabilísticos como despesas que não representam o mínimo de correspondência com a realidade e a substância e emergem de mesmo substrato que, paralelamente, justificou o recurso a métodos indiretos para a fixação da matéria coletável.

50.ª Na sentença recorrida de facto afirma-se que é possível o recurso simultâneo à tributação por métodos indiretos e com base em métodos diretos. Contudo, a jurisprudência referida pela sentença recorrida a esse propósito permite alcançar uma solução diferente à aí propugnada, na medida em que aí se afirma que “a conclusão a extrapolar é a de que o recurso aos métodos indirectos não constitui qualquer inibição à utilização dos elementos revelados pela contabilidade, para apuramento da matéria tributável, dos mesmos contribuinte e exercício, desde que, obviamente, não correspondam a dados revelados pela (parte da) contabilidade tida por não fiável e não suprível por si, da mesma forma que, com o mesmo tipo de limitação, o recurso a correcções técnicas não é colidente com a utilização de métodos indirectos.

51.ª Ora, por um lado os movimentos contabilísticos em causa decorrem de elementos da contabilidade inquinada por erros e omissões como desde logo reconhece o Tribunal recorrido que refere que “a Impugnante não apresentou quaisquer documentos comprovativos referentes à contabilização da saída de meios financeiros do lançamento em análise, nem foi comprovado o referido pagamento ao fornecedor B…., não existe uma conta corrente do fornecedor, na qual se possa aferir aquele valor de fornecimentos que de acordo com as alegações da Impugnante o movimento pretendeu regularizar”, bem como que “a não exibição dos elementos solicitados, concretamente a não discriminação dos movimentos por clientes, implica a impossibilidade de verificar os registos e o valor dos saldos por cliente – cf. pág. 41 e 49 -, tendo o mesmo já sido referido pela própria inspeção que constatou que se verificava a «impossibilidade de aferir os registos efetuados e o valor dos saldos por cliente, bem como quais os saldos de clientes que a saída de caixa em análise “supostamente” pretendia regularizar», pelo que não se pode concordar com o Tribunal “a quo” o qual não fundamenta corretamente o afastamento dos métodos indiretos no presente caso.

52.ª Por outro lado, seguindo o Acórdão da sentença recorrida, a razão subjacente à aplicação dos 2 métodos de tributação, seria permitir sempre que possível uma tributação que não se baseie em presunções e que nessa medida se aproxime mais efetivamente da tributação pelo lucro real, o que neste caso não se verifica de todo. Com efeito, admitir as tributações autónomas no presente caso é defender a tributação com base numa presunção que se situa num extremo oposto dos desígnios da tributação pelo rendimento real…é tributar uma despesa presumida de um movimento contabilístico, resultante de uma contabilidade minada de irregularidades, erros e omissões, que afetam designadamente as contas de onde é retirado o movimento tributado!

53.ª Neste sentido veja-se a decisão arbitral de 20.09.2012 proferida no processo n.º 7/2011-T conclui que «No caso em análise, são factos assentes que foram usados artifícios contabilísticos de modo a mascarar o saldo anormal e inexistente de Caixa refletido nas demonstrações financeiras, para que o valor de 550.000 euros passasse despercebido nas mesmas. Esse excedente de caixa, gerado ao longo do ano de 2009 através das receitas da atividade não se encontrava disponível nas contas do ativo da empresa à data de encerramento do exercício em 31/12/2009. Ora é também facto assente que em termos contabilísticos não houve alteração do resultado líquido de exercício em termos contabilísticos, pois as contas movimentadas são ambas contas do ativo – crédito na “caixa de disponibilidades” para a conta “pagamento de dívidas”. Ou seja, os factos não se enquadram, por conseguinte, no conceito de despesa não documentada, por não afetarem o resultado líquido do exercício (…). Tudo ponderado, no caso em análise, as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há duvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas são antes um pressuposto de aplicação de métodos indiretos nos termos do art.º 87.º al. b) e 88.º da LGT».

54.ª A tributação autónoma em crise nos autos exige que se verifique uma despesa não se bastando com uma presunção decorrente de um qualquer movimento contabilístico que emerge de uma contabilidade inidónea.

55.ª Neste contexto, não pode a AT fazer-se valer da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT e pretender aproveitar os valores registados na contabilidade para tributar a Recorrente.

56.ª O artigo 75.º, n.º 1, da LGT, dispõe que “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

57.ª Quando se verifique que existem discrepâncias entre a contabilidade e a situação de facto do sujeito passivo não poderá a mesma ser considerada como elemento de prova.

58.ª De modo a seguir os objetivos de tributação pelo rendimento real, princípio geral e orientador da tributação, os serviços de inspeção não podem considerar, depois de todas as conclusões a que chegaram quanto à contabilidade da Recorrente, que apenas e concretamente tais elementos espelham uma situação real da Recorrente.

59.ª Neste sentido se pronunciou a referida decisão arbitral proferida no Processo 54/2013 – T, de 6 de setembro de 2013, na qual se esclarece que: “Ora, quando a contabilidade das empresas não merece credibilidade, quando os lançamentos efectuados não têm o devido e necessário suporte documental, determina a lei que deve a AT recorrer à aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria colectável (al. b) do artigo 87º e art.º 88º da LGT). O que a AT não pode fazer é, a coberto da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (que, como vimos é afastada no caso), “aproveitar” uma operação contabilística que considera artificiosa e imaterial para da mesma extrair a qualificação e tributação que incidiria sobre uma operação efectiva e substancial. Pelo contrário, se a AT considerou esta operação artificiosa e atenta a relevância da mesma, se considerou existirem irregularidades relevantes na contabilidade da Requerente, devia ter recorrido à determinação da matéria colectável por métodos indirectos”.

60.ª Nos termos e pelos fundamentos supra expostos a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto ao não recurso a métodos indiretos e do dever de fundamentação acrescido quanto à aplicação de tributações autónomas devendo ser revogada e, bem assim, serem anulados parcialmente os atos tributários impugnados, com as demais consequências legais.

61.ª Por fim, sempre cumpre referir que a admitir-se como possível a tributação autónoma impugnada nos autos e confirmada pelo Tribunal recorrido sempre tal decisão da administração tributária se teria de ser especialmente fundamentada, o que não sucedeu.

62.ª Com efeito, na presente situação verifica-se por um lado o já amplamente analisado recurso simultâneo a duas formas distintas de tributação, o que importa que se invoquem e sustentem os fundamentos de tal opção. Veja-se que não está em causa fundamentar singularmente uma correção efetuada ou o recurso a métodos indiretos, mas antes uma solução especial e combinado, do recurso a dois tipos de tributação que, em certa medida se apresentam como antagónicos, pelo que é forçoso concluir que se estará perante uma exigência especial de fundamentação que, no entendimento da Recorrente, não foi cumprida. Não basta para o efeito sustentar que as duas metodologias podem ser aplicadas no mesmo caso, como faz a sentença recorrida, sendo imperioso que se explique, face ao caso concreto, em que se sustentou a consideração de que uma parte da contabilidade merece credibilidade.

63.ª No presente caso atento todo o circunstancialismo, a administração tributária deveria ter explicado as razões subjacentes ao aproveitamento destes movimentos contabilísticos, sendo que a justificação que acompanha as tributações autónomas não faz qualquer menção particular às especificidades do caso, em especial, ao facto de haver simultaneamente o recurso a métodos indiretos. Não se vislumbra em tal decisão tributar tais movimentos contabilísticos qualquer consideração relacionada com o aproveitamento destes movimentos em concreto, nem são explanadas as concretas razões que levaram os serviços de inspeção a não ter dúvidas não só quanto à veracidade dos movimentos, mas inclusive sobre a materialidade subjacente aos mesmos.

64.ª Como bem se evidencia no Acórdão que a seguir se transcreve, o grau de exigência da fundamentação não é standard devendo antes ser determinado e cumprido em função do ato a que se destina. Na verdade, “o conceito de fundamentação exigível para cada tipo de acto depende da sua natureza, sendo de conteúdo variável em função do grau de complexidade do acto em causa, é instrumental e a sua suficiência deve ser aferida pelo comprometimento ou não da possibilidade de reacção contra o mesmo, e tem de ser contemporânea, ou seja, só vale a que no acto do seu nascimento teve lugar e que lhe subjaz e não outra, posteriormente aduzida, ainda que já então tivesse existência, mas que não foi invocada (…).- cf. Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, datado de 2.10.2012, proferido no processo 05284/12).

65.ª O cumprimento do dever de fundamentação por parte da administração tributária no presente caso teria tido a virtualidade de evidenciar que no presente caso não se encontravam verificados os pressupostos da tributação autónoma. Com efeito, se os serviços de inspeção tivessem cumprido o seu dever e tivessem teorizado sobre as razões que alegadamente sustentam a tributação autónoma teriam alcançado a conclusão que apenas estavam a tributar uma presunção e que no caso concreto a situação era ainda mais extrema porque estavam a basear todo o seu raciocínio em movimentos extraídos de uma contabilidade não fiável. Uma vez que os serviços de inspeção não fizeram nenhuma apreciação conjunta das correções que promoveram ignoraram aspetos fundamentais e que obstavam a correções propostas.

66.ª Se os serviços da administração tivessem cumprido com o seu ónus de fundamentar esta decisão teriam certamente compreendido as ambiguidades a que o mesmo leva e teriam encontrado outro caminho. Não só a Administração Tributária não deu a conhecer os seus fundamentos como além do mais não se apercebeu dos erros que cometia, falhando cabalmente com todos os fins do dever de fundamentação.

67.ª Assim, e atento todo o acima exposto, é inequívoco que a administração tributária não cumpriu com os seus deveres, omitindo por completo a justificação do recurso a tributações autónomas em face de uma contabilidade não merecedora de credibilidade, pelo que se mostram violados os artigo 268.º da CRP, 36.º do CPPT e 77.º da LGT, o que deveria ter comportado igualmente a anulação do ato tributário, o que não foi julgado verificado pelo Tribunal a quo.

68.ª Em qualquer caso, sempre deveria o Tribunal Recorrido ter considerado persistirem dúvidas quanto à quantificação do facto tributário porque tais dúvidas mostram-se evidenciadas ao longo de toda a sentença recorrida e em consequência julgado a impugnação judicial procedente, anulando o ato tributários impugnado, atento o disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, o qual estabelece que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado” (in dubio pro reo).

69.ª O depoimento da testemunha M...., pela sua clareza, coerência e assertividade (aliás reconhecida na sentença recorrida) é suficiente para formar a convicção de que não se verificou qualquer despesa e conduzir a um diferente desfecho, não tendo sido tal prova devidamente ponderada pelo Tribunal a quo que procedeu a um incorreto julgamento da mesma como se demonstrou ao longo das presentes alegações.

70.ª Por um lado, os autos refletem uma total inexistência de prova que sustente a ocorrência de despesas associadas aos movimentos contabilísticos, por outro lado oferecem evidências, elementos e provas da realidade subjacente à explicação da Recorrente, que o Tribunal não valorizou, estando entre estes últimos a informação transmitida durante o depoimento da testemunha que exerceu funções como ROC que refere que, na sequência da inspeção foi refeita a contabilidade do ano em causa, tendo-se confirmado que não havia de facto qualquer despesa, como aliás não se duvida.

71.ª O que significa que a dúvida sobre certo facto tributário aproveita ao contribuinte, devendo o respetivo ato tributário ser anulado, o que devia ter sucedido no presente caso. Não se tendo assim determinado na sentença recorrida, deve determinar-se de imediato a sua revogação nesta parte, por manifesto erro de julgamento, com as legais consequências.

72.ª Por todos os motivos expostos deve ser revogada a sentença recorrida, na parte que considerou improcedentes os vícios apontados às tributações autónomas ora objeto de recurso, e em consequência determinar-se a anulação dos atos tributários impugnados nessa medida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação das decisões administrativas e a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja o Recorrente dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.»
X
A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.


X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1. Em 9/3/2011, a T....II, SA, iniciou actividade, com sede na Estrada Nacional, M…. 2….e com o objecto social de “Comércio por grosso de tabaco, importação e exportação de tabaco, venda de produtos em comércio electrónico, venda de produtos na WEB, desenvolvimento da plataforma www……., com o capital de EUR 500.000,00 (cf. relatório de inspecção a fls. 211 e 212 dos autos).

2. A sociedade identificada no ponto que antecede, tem contabilidade organizada, está enquadrada no regime geral em sede de IRC, desde 1/1/2011 e em sede de IVA, com periodicidade mensal, desde 9/3/2011, tem como Conselho de Administração M....(Presidente), M…. e E…. (Vogais). (cf. Relatório de inspecção a fls. 213 dos autos).

3. No final de 2011, a T....II, SA, adquiriu, na totalidade, a actividade da firma T....(1), SA no que se refere ao comércio de tabaco e produtos a estes associados. (cf. Facto admitido pela impugnante e não contestado).

4. No ano de 2012, a T....Lda. – NIPC 506…., tem como objecto social comércio por grosso de tabaco, Comércio de Charutos, tabaco, cafés e comércio electrónico de produtos na Internet, com o capital social de EUR 50.000,00, o sócio gerente M…. com 90% das quotas e 10% pertencentes a B….– T…., Lda. (cf. relatório de inspecção à B…. SA contante de fls. 483 e seguintes dos autos).

5. A B….– T…., Lda. é representada por M… e E…. (cônjuges) (cf. relatório de inspecção à B…. SA constante de fls. 483 e seguintes dos autos)

6. No ano de 2012, a contabilidade da impugnante T....II, SA, e da B…. SA foi da responsabilidade do contabilista A…. (cf. fls. 486 verso e fls. 212 dos autos).

7. A T....Lda. é o principal fornecedor da T....II, SA que por sua vez é a principal cliente da T....Lda., ambas exercem as suas actividades no mesmo espaço físico, com serviços partilhados e têm em comum o mesmo administrador M… (cf. fls. 205 e seguintes, 483 e seguintes dos autos).

8. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2015… relativa ao exercício de 2012 e da Ordem de Serviço n.º OI2015….5 relativa ao exercício de 2013, emitidas pela Direcção de Finanças de Leiria, os Serviços de Inspecção Tributária deram início a uma inspecção externa à impugnante T....II, SA, em 25/6/2015 ao exercício de 2012 e em 3/3/2015 ao exercício de 2013 (cf. Ordens de Serviço e relatório a fls. 205 e seguintes dos autos).

9. Em 23/12/2015, a impugnante recepcionou os dois ofícios emitidos pela Divisão de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Leiria, com o assunto:
“Exibição de escrita e de documentos fiscalmente relevantes (artigos 59.º, n.º 4, 63.º e 88.º da LGT; 10.º, e 28.º a 30.º do RCPITA) (OI201501449)” constantes de fls. 300 a 308 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

10. Em resposta aos ofícios descritos no ponto que antecede, a impugnante emitiu as duas respostas constantes de fls. 303, 304 e 308 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

11. Em 29/3/2016, a Divisão de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de Leiria emitiu o Relatório de Inspecção Tributária constante de fls. 208 a 298 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta em síntese o seguinte: // “ (…) //
II.2 Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
As presentes ações são externas, de âmbito geral (alínea a) do n.º 1 do art.º 14 do RCPITA) incidem sobre os exercícios de 2013 e 2013, tendo por objectivo a análise da situação tributária global do sujeito passivo.
(…)
Código de Actividade 113-06 – Controlo dos sujeitos passivos com fluxos de pagamento com cartões de débito e crédito (Modelo 40) 2013
(…)
III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
III.1. Ano 2012
III.1.1 Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável – IRC
1 . Gastos não dedutíveis para efeitos fiscais
a) IRC
Conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, em vigor no ano de 2012, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável “o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incida sobre os lucros”.
No caso em concreto, foi acrescido ao quadro 07 da declaração modelo 22 (campo 724) o valor de EUR 25.000,00 quando deveria ter sido acrescido o montante de EUR 31.523,26, registado a debito na conta 8121, pelo que a correcção ao lucro tributável ascende a € 6.023,26 (€31.523,26 - €25.500,00).
- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07: € 6.023,26
b) Gastos diversos // (…)
b.1 Rendas e alugueres: Viaturas Comerciais
Na conta 626….: Rendas e alugueres - Viaturas Comerciais foram contabilizados como gastos do período o aluguer de viaturas de marca Peugeot, com as matrículas 7….e 7…., relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, no montante global de € 2.439,03, cujos documentos de suporte são as facturas que se resumem no quadro 2, emitidas pela B….. E I…. Lda. (…)
Da análise efectuada aos documentos da contabilidade verificou-se que as viaturas em causa haviam sido adquiridas pelo sujeito passivo no ano de 2011, e que as mesmas fazem parte dos bens do activo fixo da empresa (…) desde agosto de 2011 – Factura n.º… contabilizada em 31-8-2011 (diário de compras, documento n.º 17).
(…)
Face ao exposto, o sujeito passivo estava a duplicar gastos com as referidas viaturas, por via da rubrica de amortizações.

Assi, por infracção ao artigo 23.º do CIRC, em vigor no ano de 2012, o gasto registado na conta 626111: Rendas e alugueres – Viat. Comerciais, no montante de €2439,03, não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07: € 2.439,03
b.2) Outros Gastos com Viaturas

Da análise dos documentos da contabilidade verificou-se que foram contabilizados como gastos do período, designadamente reparações, combustível, IUC, portagens, relativos a diversas viaturas que não se encontram afectas à actividade do sujeito passivo, bem como gastos relativos a viaturas sem identificação da matrícula, conforme se constata do balancete e no mapa detalhado apresentado pelo contabilista. As situações identificadas e sua quantificação, encontram-se detalhadas no quadro seguinte.
(…)

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07: € 4.192,07
c) Gastos não documentados

Da análise efectuada à contabilidade verificou-se que na conta 43… – Activos Fixos Tangíveis: Equipamento Básico c/IVA Ded. Foram efectuados dois registos para os quais não existem documentos de suporte, cuja despesa global ascende a € 24.941,53 (valor sem IVA), conforme se demonstra no Quadro 4.

Importa referir que o sujeito passivo foi notificado para apresentar os documentos em falta, conforme consta do ponto 5 da notificação transcrita no capítulo II.3.7 deste relatório, não tendo até à presente data apresentado os documentos em causa.
(…)
Os referidos activos fixos deram origem a depreciações não aceites como gastos do período por se tratar de despesas não documentadas, nos termos do artigo 23.º do CIRC, em vigor no ano em análise

As despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer documento de suporte (despesas sem factura). Para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custos fiscal, sendo acrescidas na declaração modelo 22, quadro 07 (campo 716).
(…)
Da análise do Mapa de Depreciações e Amortizações verifica-se que os ativos fixos correspondentes aos registos em análise (incluídos na conta 43…) foram depreciados à taxa de 20%, no montante de € 4988,31, valor contabilizado como gasto do período na conta 64… – Gastos de dep. e amortização: Equip. Básico.

Face à inexistência de documentos de suporte dos registos contabilísticos efectuados, as depreciações contabilizadas, no montante de € 4.988,31 não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07 (campo 716): € 4.988,31
2. Anulação para efeitos do Método de Equivalência Patrimonial – MEP

Nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 18.º do Código de IRC, “Os rendimentos e gastos, assim como quaisquer outras vantagens patrimoniais, relevados na contabilidade em consequência da utilização do método de equivalência patrimonial não concorrem para a determinação do lucro tributável, (…).”

Da análise da contabilidade verificou-se que estão relevados na contabilidade rendimentos e gastos resultantes da aplicação do método de equivalência patrimonial, os quais concorreram para a determinação do lucro tributável, cujos efeitos no apuramento do lucro tributável não foram anulados por acréscimo/dedução ao quadro 07 da declaração modelo 22 do exercício de 2012.
(…)
Face ao exposto, por infracção ao n.º 8 do artigo 18.º do CIRC, importa anular os efeitos do método de equivalência patrimonial, a efectuar no quadro 07 da declaração modelo 22.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07 (campo 712):€ 115.772,68
- Valor a deduzir Mod. 22 – Quadro 07 (campo 758): € 2.894,20

3. Correcção do Valor das Compras/ correcção do Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)
a) Correcção do Valor das compras

Da análise efectuada ao balancete verifica-se que para a determinação do valor das compras não foram considerados os valores correctos relativos às devoluções de compras, contabilizadas na conta 317 (concretamente na subconta 3174), e os valores contabilizados na conta 319 (concretamente nas subcontas 3192 e 3194), respeitantes a correcções de facturas, com base em facturas emitidas pelo fornecedor T....Lda. cujos valores facturados são negativos.

Esta situação encontra-se reflectida na contabilidade através do registo contabilístico efectuado em 2012-12-30, constante SAF – T da contabilidade de 2012, com o identificador 2102-12-30 D3 0000000……, para o qual não existe documento de suporte nas pastas da contabilidade, nem justificação para os respectivos movimentos.

Neste movimento foram efectuados os registos a debito que se identificam seguidamente, cujas contrapartidas a crédito não é possível identificar, contudo não se encontram reflectidos na conta 3… – Compras como seria o correcto.
- Conta 31…: registo a débito no montante de e13.305,61 que anula parte do saldo da conta.
- Conta 31…: registo a débito no montante de €70,30 que anula o saldo de conta.
- Conta 31...: registo a débito no montante de €288.679,71 que anula o saldo da conta.
Estes registos a débito diminuem (conta 31…) ou anulam (contas 31… e 31…) o saldo das respectivas contas, sem que para isso exista qualquer justificação.

O sujeito passivo foi notificado (ponto 5 da notificação que faz parte do Anexo 1) para apresentar os documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos e transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito)

Até à presente data não foi apresentada qualquer justificação para o movimento identificado.

Por outro lado, não foi contabilizada a nota de crédito n.º 8…/3, emitida em 2012-12-28 pelo fornecedor T....Lda., com a designação de “rappel sobre as vendas de tabaco”, no montante de € 88.694,99, cuja fotocopia foi exibida pelo sujeito passivo. Este montante constitui um desconto concedido pelo fornecedor, pelo que na determinação do valor das compras este valor deveria ter sido deduzido, o que não se verificou.

Esta nota de crédito encontra-se registada nos ficheiros de gestão, quer do fornecedor quer do sujeito passivo, contudo não se encontra registada no Saf-T da contabilidade do sujeito passivo.

Face ao exposto, o valor das compras (conta 31), no montante de € 35.385.309,78, constante do balancete e que concorreu para o cálculo do custo das mercadorias vendidas, não se encontra correcto, conforme se demonstra no quadro seguinte.
(“texto integral no original; imagem”)

Da análise do quadro anterior verifica-se que o valor das compras corrigido ascende a € 34.994.559,17, sendo este o valor a considerar na correcção do cálculo do custo das mercadorias vendidas.

b) Correcção do CMV
(“texto integral no original; imagem”)

Da análise do quadro anterior verifica-se que o custo das mercadorias vendidas (CMV) corrigido é de €35.032,832,66 (linha 5, coluna B) ao qual corresponde uma correcção para menos no valor de €390.750,96 (linha 5 coluna C), relativamente ao montante contabilizado.

Assim, na sequência da redução do CMV, no montante de €390.750,96, o lucro tributável declarado aumenta no mesmo montante.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07 (Linha em branco): €390.750,96
(…)
III.1.2. Resumo Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável – IRC

Face ao exposto nos capítulos anteriores as correcções meramente aritméticas ao Lucro Tributável declarado ascendem a € 518.910,10, conforme se demonstra no quadro seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

III.1.3. Correcções Meramente Aritméticas ao Imposto – IRC: Tributações Autónomas

1. Despesas não documentadas (art. 88.º n.º1 do CIRC)
(…)
a) Conta 43..: Activos fixos tangíveis – Equipamento Básico c/ IVA ded.

Conforme analisado na alínea c) do n.º1 do capítulo III.1.1 (quadro 4) deste relatório, para que se remete leitura, a conta 4331: Activos tangíveis – Equipamento básico c/IVA Ded. reflecte dois registos para os quais não existem documentos de suporte. Contudo, da consulta do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012 foi possível identificar o fornecedor relativamente à despesa no montante de € 3.441,53 (valor sem IVA) pelo que a mesma não é sujeita a tributação autónoma em sede de IRC.

b) Conta 1..: Caixa Principal

De acordo com o conceito de despesas não documentadas, a saída em numerário de caixa sem qualquer documento justificativo ou de suporte configura uma despesa não documentada.

No caso em concreto, pela análise da conta 1... – Caixa principal foram identificados dois movimentos a crédito, que contabilisticamente representam saídas de meios financeiros da conta caixa, sem documento de suporte válido, cuja análise será detalhada seguidamente:
(…)
Da análise do movimento extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012 podemos verificar o seguinte:

- Diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de €2.000.000,00;

- Tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 2210...: Fornecedor T....Lda.;

- O identificador tem data de 2012-03-31, enquanto a data da gravação é de 2012-11-30.

O documento de suporte do registo em análise, existente na pasta da contabilidade do respectivo diário, cuja fotocópia se anexa (Anexo 5) permite verificar o seguinte:

- Trata-se de um documento interno de Diversos, com o número 73 (escrito manualmente), sem mais inscrições manuais;

- Tem em anexo o extracto do fornecedor de 2012-01-01 a 2012-2-29 que apresenta o saldo credor € 1.613.485,16, valor que não comportava, na data do identificador (2012-03-31), um pagamento a este fornecedor no montante de €2.000.000,00;
- Naquela data (2012-03-31) nenhuma das contas de terceiros relacionadas com o “suposto” beneficiário deste pagamento, apresentava saldo que comportasse o referido valor.

- Pese embora o identificador seja de 2012-03-31, a data da gravação é de 2012-11-30, sendo que nesta data se verificava na contabilidade um saldo na conta 221…: Fornecedor T....Lda. que comportava o referido pagamento.

- Conforme disposto no art.º 63-C da LGT que a seguir se transcreve, o sujeito passivo deveria dispor de documentos de prova do pagamento ao destinatário em análise.
(…)
O sujeito passivo foi notificado (ponto 5 alínea b) da notificação que faz parte do Anexo 1) para apresentar os documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos de transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito), cuja resposta se transcreve seguidamente:

“b) Podemos dizer que o lançamento efectuado no diário 3 n.º 73 de 30.11.12, no montante de 2.000.000 euros foi para registar os pagamentos efectuados a Tabaqueira. O contabilista utilizava o extracto bancário para justificar as saídas de caixa.”

A explicação apresentada não justifica o movimento em análise. Contabilisticamente o extracto bancário, associado a cópias de cheques ou documentos de transferências bancárias, justificará a contabilização das saídas de banco (conta 12).

Até à presente data não foram exibidos quaisquer documentos comprovativos referentes à contabilização da saída de meios financeiros do lançamento em análise, nem foi comprovado o referido pagamento ao fornecedor.

Note-se que se trata de um fornecedor (T…. Lda.) com relações especiais com o sujeito passivo (T… II) nos termos previstos no n.º 4 do art. 63.º do CIRC (em vigor no ano de 2012), designadamente pelos motivos subsequentes:
- A T....Lda. participa em 24,5% do capital do sujeito passivo.
- Têm em comum o administrador M….;
- A t....Lda. é o principal fornecedor do sujeito passivo.
- O sujeito passivo é o principal cliente da T....Lda.
- Desenvolvem a actividade no mesmo espaço, uma vez que o armazém do fornecedor se localiza na morada da sede do sujeito passivo, sendo na mesma morada que se localizam também os serviços administrativos de ambas as sociedades.

Credenciados pelo Despacho DI20150…., emitido em 2015-12-17 em nome da T....SA (nos anos em análise T....Lda.), notificado em 2015-12-18, e no sentido de analisar as relações comerciais estabelecidas entre o sujeito passivo e esta sociedade, com o objectivo de confrontar os elementos contabilísticos e de gestão de ambas as entidades, foram solicitados os elementos a seguir discriminados:
- Balancete analítico a 31-12-2012 e 31-12-2013.
- Saf-T da facturação (2012 e 2013).
- Todos os extractos da contabilidade referentes a 2012 e 2013, respeitantes à T....II SA (entenda-se o sujeito passivo).

Muito embora os serviços administrativos das duas entidades se situem o mesmo local, onde foram desenvolvidos os actos do presente procedimento de inspecção, até à presente data, dos elementos solicitados, apenas foram exibidos os Saf-T da facturação de 2012 e 2013.

Da análise dos extractos da gestão, quer da t....II (referente ao fornecedor T....Lda.) quer da T....Lda. (referente ao cliente t....II) não existe qualquer registo em relação com o registo contabilístico em análise.

Face ao exposto, a contabilização da saída de meios financeiros, no montante de €2.000.000,00, não está documentada, pelo que se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no art. 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o valor do imposto em falta de €1.000.000,00 (€2.000.000,00 x 50%).

b 2) Movimento 2012-12-30 D30000000…
(…)
Da análise do movimento supra, extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012, e com base nos balancetes analíticos a 31-12-2011 e 31-12-2012, constata-se o seguinte:
• Diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de € 1.083.757,19;
• Tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 211…: Clientes c/c – Clientes gerais;
• O saldo da conta clientes em 2012-01-01 era devedor no montante de €402.974,77;
• O saldo da conta clientes a 2012-21-31 é devedor, no montante de €1.490.895,84, agregando todos os movimentos das contas de clientes.
• Por consulta ao Saf-T de contabilidade verifica-se que esta conta (Cliente c/c – clientes gerais) abriu em 2012-01-01 com saldo nulo, comportando no exercício apenas os registos contabilísticos a débito e a crédito, respectivamente no valor de €1.083.757,19 e de €61.162,04, efectuados 2012-12-30.
• Da análise dos documentos da contabilidade verifica-se que não existe qualquer documento de suporte do registo efectuado e objecto da presente análise.

Nos termos do estipulado no SNC, a conta de clientes regista os movimentos com os compradores de mercadorias, produtos e serviços, podendo afirmar-se que está ligada às contas de vendas e prestações de serviços, ou seja, debita-se pelo aumento de dívidas a receber (provenientes de vendas/prestações de serviços) e credita-se pelas diminuições resultantes dos respectivos recebimentos.

O sujeito passivo foi notificado, conforme pontos 3 e 5 da notificação a que temos feito referência (Anexo 1)., para apresentar:
- Ponto 3: Extractos da contabilidade referentes a todos os clientes.
- Ponto 5: Documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos de transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito).

Até à presente data o sujeito passivo veio apenas prestar os seguintes esclarecimentos:
- Ponto 3:
“A contabilidade não regista a individualização por cliente. Tinha a gestão como suporte”.

A este propósito exibiu um balancete de clientes, balancete acumulado entre saldos iniciais de 2012 e Dezembro de 2012, onde apenas se verifica a existência de contas acumuladas (clientes gerais) e uma listagem do mesmo período, individualizando os clientes mas com valores acumulados, Assim, a AT nunca teve acesso aos extractos contabilísticos do ano de 2012 dos clientes do sujeito passivo.

A não exibição dos elementos solicitados, concretamente a não discriminação dos movimentos por clientes, implicou a impossibilidade de aferir os registos e o valor dos saldos por cliente, bem como quais os saldos de clientes que a saída de caixa em análise “supostamente” pretenderia regularizar, conforme resposta do sujeito passivo a seguir transcrita:

“c) Os proveitos das vendas eram registados por contrapartida de caixa o que deu origem a que o saldo de caixa estivesse elevado. O lançamento efectuado no diário 3 n.º 84 registado a 30.12.12 no montante de 1.083.757,19 foi para regularizar o saldo de caixa com base nos saldos de clientes que constava da gestão.”

De acordo com as regras do SNC, nada obsta a que os proveitos das vendas sejam registados por contrapartida de caixa (débito da conta 11X, por crédito da conta 7X), contudo estes montantes devem ser transferidos para contas de depósitos originando o crédito da mesma.

Contrariamente, no lançamento em análise, o sujeito passivo evidenciou contabilisticamente uma saída de caixa por contrapartida do débito de clientes.
(…)
- A conta de gestão exibida na resposta à notificação não evidencia o lançamento em análise, cujo resumo apresentamos no quadro infra.
(“texto integral no original; imagem”)

(…)
- A tratar-se de uma regularização de saldos de caixa, face às regras do SNC, o crédito de caixa nunca poderia ter por contrapartida o débito de uma conta clientes;
- A conta de clientes debita-se por transferências para bancos ou pagamentos, sendo que o sujeito passivo está obrigado a cumprir as regras contabilísticas e fiscais (veja-se art. 63.º-C da LGT supra e artigos 17.º e 123.º do CIRC).

Até à presente data, não foram prestados esclarecimentos adicionais, ou exibidos quaisquer outros documentos justificativos da contabilização da saída de meios financeiros, respeitantes ao lançamento em análise.

Pelo exposto, da análise dos documentos da contabilidade não se encontra justificação para a contabilização da contrapartida da saída de meios financeiros, efectuada a débito de uma conta de clientes, no montante de € 1.083.757,19, pelo que, desconhecendo-se o destinatário desta saída de meios financeiros efectuada por caixa, a mesma se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no artigo 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o montante do imposto em falta de € 541.878,60.

2. Encargos com viaturas (art. 88.º, n.º 3, al. a) do CIRC)

Conforme disposto no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC (em vigor no ano de 2012) (…)

Da análise efectuada aos documentos da contabilidade constatou-se que os encargos com viaturas ligeiras de passageiros ascendem a €5.647,92, cuja especificação se apresenta no quadro seguinte.
(…)
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC os encargos com viaturas ligeiras de passageiros são tributados autonomamente à taxa de 10%

3. Resumo das Tributações Autónomas

Face ao exposto nos pontos anteriores deste relatório, verifica-se que no ano de 2012 as tributações autónomas corrigidas ascendem a €1.554.201,73 (…) correspondendo a uma correcção ao imposto no montante de €1.552.651,63 (…).

III.2 Ano 2013
III.2.1. Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável – IRC
1. Gastos não dedutíveis para efeitos fiscais

Conforme disposto no n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, em vigor no ano de 2013 (…)

a) Conta 62512….: Valor do IVA não dedutível

Nesta conta foram registados gastos relativos a viagens a Paris, no montante global de
€3.089,30 (…)

(…) não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável uma vez que o mesmo não é comprovadamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07:€ 3.089,30

b) Gastos Diversos: Outros Gastos com Viaturas

Da análise dos documentos da contabilidade verificou-se que foram contabilizados como gastos do período, designadamente reparações, combustível, IUC, portagens, relativos a diversas viaturas que não se encontram afectas à actividade do sujeito passivo, bem como gastos sem identificação da matrícula, conforme se constata do balancete e no mapa detalhado apresentado pelo TOC. As situações identificadas e a sua quantificação encontram-se detalhadas no quadro seguinte.
(…)

Em anexo a este relatório juntam-se fotocópias do mapa detalhado dos gastos com as viaturas apresentado pelo TOC.

Face ao exposto por infracção ao art. 23.º do Código do IRC, em vigor no ano de 2013, os gastos contabilizados e quantificados no quadro anterior, no montante de €13.035,05, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável uma vez que os mesmos não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07: € 13.035,05

c) Depreciações não aceites como gastos

Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 34.º do Código do IRC, em vigor no ano de 2013, “não são aceites como gastos as depreciações e amortizações que excedam os limites estabelecidos nos artigos anteriores”.

Na conta 64…: Gastos de depreciação – outras viaturas foi contabilizado como gasto do período o valor global de €22.515,51, o qual inclui as depreciações das viaturas de matrículas 86…e 60…, relativamente às quais foram contabilizadas depreciações superiores ao limite fiscal, conforme consta do Mapa de Depreciações e Amortizações, e que a seguir se quantifica:
(…)
Face ao exposto importa corrigir o valor contabilizado na conta 64…., no montante de
€360,00, por corresponder a depreciações de viaturas superiores aos limites legais estabelecidos.

- Valor a acrescer Mod. 22 – Quadro 07 (campo 719): €360,00

III.2.2 Resumo das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

Face ao exposto nos capítulos anteriores as correcções meramente aritméticas ao lucro tributável declarado ascendem a € 16.484,30 (…)
(…)

IV – Motivo e Exposição dos factos que implicam o Recurso a Métodos Indirectos
(…)

IV.1. Ano 2012
IV.1.1 Divergências entre Saf-T da contabilidade, Extractos de Conta e Balancete (…)
1. Meios Financeiros
(…)

Atendendo às divergências detectadas, em função do suporte da análise (Saf-T, extractos e balancete), constata-se que as contas caixa e depósitos à ordem não permitem validar as entradas de meios financeiros.
(…)

a) Conta Caixa

A conta em análise apresenta três subcontas, cujos montantes acumulados bem como o respectivo saldo tem valores diferentes qu8ando se consultam os diferentes suportes exibidos.
(…)

b) Conta Depósitos à Ordem
(…)

Importa ainda realçar que no extracto em pdf a conta da CGD apresenta saldo credor, situação irregular dado a natureza desta conta.
Da análise dos extractos dos bancos relativos a cada uma das contas e da respectiva reconciliação bancária do mês de Dezembro, verifica-se o seguinte:
- Em cada conta, o saldo do extracto do banco coincide com o saldo do balancete à data de 31-12-2012.
- O saldo da contabilidade quer serve de base às reconciliações bancárias foi retirado do extracto exibido em pdf.

IV.1.12 Facturas de Compras Anuladas /Não contabilizadas

Nas pastas da contabilidade (diário de compras) encontram-se arquivadas facturas de compras, emitidas pela T....Lda. àt....Lda. e da T....II, verifica-se que em ambos os ficheiros está registada a factura n.º 2…_/12 de 2012-21-31, no montante de € 390.740,61, cujo registo contabilístico não existe no Saf-T da contabilidade da T....II nem nos extractos exibidos em ficheiro PDF, pelo que se conclui que a mesma não se encontra contabilizada pelo sujeito passivo.
As facturas em causa encontram-se identificadas e quantificadas no quadro seguinte. (…)
A situação identificada, que corresponde à não contabilização de diversas faturas de compras de mercadorias por parte do adquirente, constitui uma irregularidade contabilística com reflexos no apuramento do resultado líquido do exercício em análise.
Apesar do já referido na alínea b) do n.º 1 do capítulo III.1.3 deste relatório, para que se remete leitura, importa ainda reforçar que o fornecedor em causa, a T....Lda. (…), tem relações especiais com o sujeito passivo.
Atendendo ao desenvolvimento da actividade do fornecedor e do sujeito passivo e à coexistência das sociedades no mesmo espaço físico, na concretização do negócio, as facturas são emitidas pela T....à T....II apenas quando o tabaco já se encontra vendido por esta, ou pelo menos encomendado pelos respectivos clientes. Por esta razão, fica ainda mais difícil de explicar as facturas arquivadas nas pastas da contabilidade relativas às compras, não contabilizadas e com a menção manual de anuladas.
(…)
O sujeito passivo foi notificado (ponto 6 da notificação em Anexo 1) para justificar o arquivo, no diário de compras, das facturas com a indicação manual de anulados, emitidos pelo fornecedor T....Lda., bem como para justificar a diferença de procedimentos relativamente à anulação de outras aquisições, cujos respectivos documentos de anulação foram verificados. Conforme se transcreve da resposta, o sujeito passivo vem informar que “não há justificação aparente”.

IV.1.3. Erros no Saf-T

A análise do Saf-T da contabilidade permite identificar erros/irregularidades, concretamente referimo-nos à verificação do saldo dos movimentos contabilísticos, em que o valor a débito é diferente do valor a crédito, conforme se exemplifica:
(…)
O quadro seguinte identifica os movimentos cujo total a débito é diferente do total a crédito, bem como a respectiva diferença.
(“texto integral no original; imagem”)
(…)
O sujeito passivo foi notificado para justificar as divergências de valor superior a €10.000,00 (ponto 10 da notificação em anexo 1). A resposta à notificação não esclarece a anomalia detectada, uma vez que a explicação remete para problemas informáticos, conforme se transcreve:

“10) Aguarda-se esclarecimento. Foi-nos transmitido que o programa de contabilidade do TOC teve um problema no disco e houve lançamentos que perderam-se.

Estamos a tentar recuperar esses lançamentos repondo a contabilidade no programa PHC”

Até à presente data não foram apresentadas quaisquer explicações para as divergências detectadas no Saf –T da contabilidade.

IV.1.4. Inexistência de Contas Clientes
(…)
Foi notificado o sujeito passivo para apresentar os extractos de conta corrente referentes a todos os clientes (ponto 3 da notificação em anexo 1), contudo de acordo com a resposta obtida “A contabilidade não registava a individualização por cliente. Tinha a gestão como suporte”.

Da análise comparativa entre os valores da contabilidade e a conta de gestão em 31-12-2012, verificam-se as divergências identificadas no quadro seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

IV.1.5 Divergências entre conta de Gestão /Extractos da Contabilidade relativas àt....Lda.
(…)

IV.1.6 Análise de Inventários
(…)

Também no que respeita à análise de inventários, os elementos exibidos não permitem validar inventário do tabaco distribuído nas máquinas a 31-12-2011 e a 31-12-2012.

IV.1.7 Análise da Resposta à Notificação
(…)
IV.2 Ano 2013

IV.2.1 Divergências entre Conta de Gestão/ Extractos da Contabilidade relativas àt....Lda.
(…)

IV.2.2 Conta cliente 21222000…. – Consumidor final
(…)

IV.2.3 Análise das Contas de Caixa
D análise efectuada às linhas de movimentos contabilísticos (Saf-T) verifica-se que não é possível validar a entrada de meios financeiros com as vendas contabilizadas, nem com a demonstração de fluxos de caixa das actividades operacionais, porquanto existem transferências entre as diferentes subcontas, sem que o respectivo registo esteja evidenciado numa conta de transferências.
IV.2.4. Análise da Resposta à Notificação
(…)
IV.2.5. Acertos de Margens

Da análise da contabilidade verifica-se que no mês de Dezembro estão contabilizadas facturas, emitidas pela T....Lda. com o descritivo de “Ajustamento da Margem”, que se resumem no quadro seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

IV.2.6. Certificação Legal de Contas com Reservas
(…)

IV.2.7 Não Aprovação de Contas

Por acta avulso, lavrada em 21 de Julho de 2014, no Cartório Notarial de Alcobaça perante R…., notário, reuniram em assembleia geral do sujeito passivo os seus accionistas para deliberar, entre outros, sobre o relatório de gestão, o balanço, e as contas individuais, relativos ao exercício de 2013, bem como a proposta de aplicação de resultados, não tendo as mesmas sido aprovadas.

IV.2.8. Divergência de Inventários

V – Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indirectos
(…)
V.1. Volume de Negócios Estimado

V.1.1. Selecção e Justificação dos Critérios Utilizados

Ponderadas diferentes possibilidades de cálculo para a determinação do volume de negócios estimado, a metodologia mais apropriada resultou da utilização dos rácios disponíveis na base de dados da AT, por ser a forma de cálculo que teve por base um menor número de presunções para as varáveis utilizadas.

No caso em concreto, foram utilizados os rácios disponíveis para o sector do comércio por grosso de tabaco, calculados a nível da unidade orgânica, por serem os mais adequados, quer em termos de atividade efectivamente exercida pelo sujeito passivo, quer em termos territoriais.

Atente-se que toda a logística da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo se encontra concentrada na área territorial da unidade orgânica de Leiria. A título de exemplo refere-se que o seu principal fornecedor partilha o armazém de distribuição com o sujeito passivo.

Assim, de acordo com o art. 90.º da LGT, por remissão do art. 59.º do CIRC, determinou-se o volume de negócios estimado através do rácio R16 – Margem Bruta I do “CAE:46350 – Comércio por grosso de tabaco”.
(“texto integral no original; imagem”)
A utilização da MB I prende-se com o facto da actividade desenvolvida ser uma atividade comercial, cuja componente do volume de negócios está directamente relacionada com o custo das mercadorias vendidas, que representa cerca de 97,3% do volume de negócios em 2012 e cerca de 96,6% no ano de 2013.

Através do sistema informático da AT verificou-se que a Mediana do Rácio da Margem Bruta I, para o CAE 46350, foi de 4,95% e de 4,54%, nos exercícios de 2012 e 2013 respectivamente, com referência à unidade orgânica.

Justifica-se a utilização da medida estatística da mediana, porque enquanto medida de localização ou de tendência central, é pouco influenciada por factores extremos.

Ordenados os elementos de uma amostra, a mediana é o valor (pertencente ou não à amostra) que a divide ao meio, isto é, 50% dos elementos da amostra são menores ou iguais à mediana e os outros 50% são maiores ou iguais à mediana.

1. Ano de 2012
(“texto integral no original; imagem”)

2. Ano 2013
2.a) Correcção do Volume de Negócios

Conforme referido, com base no valor do rácio seleccionado, mediana da unidade orgânica para o sector de atividade do sujeito passivo, de 4,54%, e no valor do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas – CMVMC declarado, no montante de €40.109.189,78, foi possível determinar o volume de negócios estimado através da resolução da seguinte equação:
(“texto integral no original; imagem”)

Refira-se que o montante das correcções ao volume de negócios, apuradas por métodos indirectos, representa respectivamente cerca de 1,26% e 1,24% do volume de negócios declarado/corrigido.

Importa salientar neste capítulo que, da consulta ao Saf-T de 2013, por linhas de documentos comercias, se verifica o seguinte:

- O montante total de vendas sem IVA (respeitante a documentos no estado normal) ascende a €42.443.412,81.

- O montante respeitante a notas de crédito no estado normal, sem IVA incluído é de €527.708,230.

- O montante líquido de vendas deveria ter sido no valor de €41.915.614,51 (€42.443.412,81 - €527.708,230).

- O valor das vendas contabilizadas para efeitos de apuramento contabilístico e fiscal foi de €41.492.233,22.

- Existe uma divergência no valor de €423.381,29, resultante da diferença entre o valor líquido de vendas contabilizado no Saf-T e o valor registado na contabilidade (€41.915.614,51-41.492.233,22), que poderia constituir, por si só, uma correcção técnica de omissão de vendas e converge para o valor da omissão de vendas apuradas por métodos indirectos.

2.b) Apuramento da Matéria Tributável de IRC – Lucro Tributável corrigido

Atendendo ao Lucro Tributável declarado no quadro 07 da declaração Mod. 22 – IRC do exercício de 2013, às correcções meramente aritméticas efectuadas no capítulo III e quantificadas no Quadro 16, no montante de €16.484,35, e à correcção apurada por métodos indirectos quantificada no quadro anterior (Quadro 29), no montante de €524.517,02, o Lucro Tributável corrigido ascende a €634.619,31 (linha 5 do quadro infra), ao qual corresponde a correcção total a efectuar de €541.001,27 (linha 4 do quadro infra).
(…)
VIII – Juros compensatórios
(…)”

12. Em 22/3/2016, a ora impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes do requerimento de fls. 341 a 379 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual em síntese, consta o seguinte:
“ (…)
Todas as caracterizações da tributação autónoma bem como todas as finalidades que esta prossegue segundo a jurisprudência e a doutrina, nos conduzem à mesma conclusão: a tributação autónoma é um regime excepcional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, e por isso deve ser objecto de uma interpretação restritiva.
(…)
Ora, é facto assente que em termos contabilísticos não houve alteração do resultado líquido de exercício em termos contabilísticos, pois as contas movimentadas são ambos do activo. Ou seja, os factos não se enquadram, por conseguinte, no conceito de despesa não documentada, por não afectarem o resultado líquido do exercício.
(…)
Está à vista que a empresa não seguiu o procedimento que devia em termos do correcto registo, daí resultando a violação de regras contabilísticas e fiscais que têm como objectivo a comprovação da exactidão dos valores declarados, o que reconhece, como disse de início, não contestando a aplicação dos métodos indirectos como forma de determinação da matéria tributável para os exercícios em causa.
(…)
Atenta essa realidade, o dito movimento contabilístico não corresponde a qualquer saída efectiva de numerário no valor e no momento em que o mesmo foi efectuado, tendo a natureza de lançamento de rectificação da conta corrente com a tabaqueira B…. Concomitantemente o mesmo não representa um gasto, encargo ou despesa “a se”, que exista como expressão de uma concreta operação material, outrossim um acerto de saídas que deviam ter sido registadas “a montante” e que o não foram.

Nessa ordem, as comprovadas irregularidades na contabilidade da exponente, não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas antes são pressupostos de aplicação de métodos indirectos nos termos do art. 87.º, al. b) e 88.º da LGT.

Situação análoga ocorre com o acerto da conta clientes.
(…)

Quanto às correcções Indirectas:

A exponente reconhece as falhas contabilísticas que determinaram a aplicação dos métodos indirectos, sendo patente a falta de organização e de procedimentos adequados que o responsável pela contabilidade nunca implementou, tendo, ao invés, criado a aparência de que tudo estava bem registado e documentado. Com o relatório demonstra, a realidade é bem diferente.
(…)
Por isso se diz que as regras de avaliação directa se aplicam em sede de avaliação indirecta sempre que possível; por isso, os critérios de quantificação não deixam de atender a elementos de consideração da realidade concreta, levando a que a tributação se aproxime o mais possível da que resultaria de um acto de avaliação indirecta.
(…)”

13. Em 22/4/2016, a Direcção de Finanças de Leiria - Serviços de Inspecção Tributária, enviou ao mandatário da Impugnante por carta postal registada, o ofício n.º 1967, com o assunto: “Relatório de Inspecção Tributária – Artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA)” constante de fls. 204 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

14. Em 11/5/2016, a impugnante apresentou o pedido de revisão da matéria colectável nos termos constantes de fls. 371 a 391 do Processo Administrativo Tributário (de ora em diante designado de PAT), cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

15. Em 27/6/2016, realizou-se a reunião de peritos, da qual resultou a “Acta de Reunião do Pedido de Revisão” constante de fls. 418 a 425 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual não foi possível chegar a acordo quanto aos pressupostos, fundamentos e critério para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos.

16. Em 28/6/2016, o Director de Finanças de Leiria procedeu à fixação da matéria tributável nos termos do Despacho constante a fls. 428 do PAT, cujo conteúdo aqui se da por reproduzido.

17. Em 7/7/2016, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRC n.º 2016 8310…., relativa ao exercício de 2012, no valor de EUR 2.069.302,43, constante de fls. 199 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

18. Em 7/7/2016, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRC n.º 2016 83100…., relativa ao exercício de 2013, no valor de EUR 126.320,08, constante de fls. 202 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

19. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2016…, foi dado início a uma inspecção externa realizada à T...., S.A., para o exercício de 2012, da qual resultou o relatório de inspecção constante de fls. 483 a 509 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

20. A T....SA é que efectuava as aquisições de tabaco à tabaqueira (Nacional) fornecendo depois à T…. II, SA (impugnante) (cf. facto não controvertido e confirmado pelo depoimento da testemunha M....).

21. Os valores recebidos dos clientes da impugnante com a revenda do tabaco ao consumidor final, eram depositados nas contas bancárias tituladas pela impugnante e em contas bancárias tituladas pela T....I (cf. facto não controvertido e confirmado pelo depoimento da testemunha M....).

22. A Impugnante utilizava o contrato de recolha de valores celebrado entre o Banco ….e a T....I (cf. facto não controvertido e confirmado pelo depoimento da testemunha M....).

23. No ano de 2012, a contabilidade da Impugnante era feita outsourcing, não existindo integração dos registos efectuados na Gestão na Contabilidade (cf. facto não controvertido e confirmado pelo depoimento da testemunha M....).

24. Durante o ano de 2011, a Impugnante procedeu à instalação do Software PHC – programa de gestão e facturação e módulo de contabilidade, o módulo de contabilidade só ficou operacional em 2013 (cf. depoimento de J…..).

25. No programa de gestão cada cliente da impugnante funciona como um pequeno armazém de produto, onde podem ser registadas as entradas e saídas do mesmo (cf. depoimento de J…..).
*
Factos não provados:

A - O movimento D3-73 (saída ou crédito de caixa no montante de EUR 2.000.000,00 realizado em 30/11/2012 e débito da conta 221…. Fornecedor t....Lda.) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira.

B- O movimento D3-84 (contabilização da saída de meios financeiros efectuada a crédito da conta Caixa e de débito de uma conta clientes gerais no valor de EUR 1.083.757,19) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento das testemunhas M...., Revisora Oficial de Contas da Impugnante nos anos de 2012, a qual confirmou os factos não controvertidos constantes dos pontos 20 a 23 dos factos provados, contudo relativamente aos factos não provados A e B, apesar de ter prestado depoimento, o mesmo não pode ser valorado sem documentação de suporte às explicações adiantadas pela Impugnante, a testemunha referiu a propósito destes movimentos contabilísticos que foram feitos “com alguma coerência” e com “alguma certeza” do saldo que deveria estar na T…..

Não é possível, sustentar os movimentos contabilísticos em causa nas explicações adiantadas pela impugnante e que a Revisora Oficial de Contas reafirma em depoimento, face à ausência de prova documental das alegações quanto a datas, valores, fornecimentos, depósitos e transferências, ausência documental verificada pela Administração Tributaria na impugnante e também na empresa fornecedora T....(I).

Apesar dos factos poderem ser comprovados por prova testemunhal (artigo 393.º do Código Civil), os depoimentos devem revelar-se coerentes, assertivos e credíveis ao ponto de corroborarem os factos alegados pelas partes e que, no caso da Impugnante, se destinam a contrariar fortes indícios de saídas financeiras da sociedade sem qualquer controlo quanto ao seu destino, quer do ponto de vista de gestão quer da contabilidade. O nível de exigibilidade da verosimilhança dos depoimentos das testemunhas nestes casos tem de ser mais exigente e detalhado porque têm de substituir a força probatória da vasta documentação cuja inexistência foi amplamente corroborada pela AT no quadro de legalidade das suas competências.
No caso em apreço, a coerência e assertividade dos depoimentos não foi suficiente para o tribunal poder julgar provada a matéria de facto alegada pela Impugnante, designadamente o facto dado como não provado, como se referiu.

Por fim, foi ainda considerado o depoimento de J…, engenheiro informático que presta serviços a sociedade A…, responsável pela instalação do programa de gestão e contabilidade da Impugnante.

O depoimento de parte do Administrador M… relativo ao início de actividade da impugnante, às compras efectuadas pela Impugnante e ao seu fornecedor T…. e aos lucros obtidos pelas vendas foi considerado, na justa medida da confirmação dos factos levados ao probatório nos pontos 20, 21,22 e 24.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»

X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 1011 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 22 de Setembro de 2018, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, no valor global de EUR 2.221.768,15.
2.2.2. Para julgar improcedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«A Administração Fiscal identificou dois movimentos da conta 1… – Caixa Principal, que contabilisticamente representam a saída de meios financeiros, sem documento de suporte válido.
O primeiro diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de €2.000.000,00, tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 221….: Fornecedor T....Lda., contudo o identificador tem data de 2012-03-31, enquanto a data da gravação é de 2012-11-30.
O único documento de suporte deste registo contabilístico, existente na pasta da contabilidade do respectivo diário, junto ao relatório de inspecção como anexo 5, constitui um documento interno de “Diversos”, com o número 73 (escrito manualmente), sem mais inscrições manuais.
Tem em anexo o extracto do fornecedor de 2012-01-01 a 2012-2-29 que apresenta o saldo credor € 1.613.485,16, valor que não comportava, na data do identificador (2012-03- 31), um pagamento a este fornecedor no montante de €2.000.000,00. A Administração Tributária apurou ainda que naquela data (2012-03-31) nenhuma das contas de terceiros relacionadas com o “suposto” beneficiário deste pagamento, apresentava saldo que comportasse o referido valor.
O identificador é de 2012-03-31, a data da gravação é de 2012-11-30, sendo que nesta data já se verificava na contabilidade um saldo na conta 221…..: Fornecedor T....Lda. que comportava o referido pagamento. // (…) // (…) //
Da análise dos extractos da gestão, quer da Impugnante (referente ao fornecedor T....Lda.), quer da T...Lda. (referente ao cliente t....II) não existe qualquer registo em relação com o registo contabilístico em análise.
A Impugnante justifica o movimento financeiro com o facto de no final de 2011 ter adquirido a firma T....SA, esta empresa é que efectuava as aquisições de tabaco à tabaqueira nacional, fornecendo depois à impugnante, os valores pagos pelos clientes da Impugnante que eram registados na conta caixa e sucessivamente depositados nas contas bancárias da Impugnante e da B… SA, sem que fosse efectuada a respectiva saída de caixa correspondente aos depósitos no banco, alega que existiam valores tidos como em caixa, mas que na realidade se encontravam depositados no banco, a caixa apresentava um saldo manifestamente irregular e sem correspondência material, reflectindo valores já depositados em contas B… SA, como forma de amortização da conta corrente existente entre as empresas, pelo que o lançamento efectuado, foi realizado para proceder à regularização, a um acerto de saídas que deveriam ter sido registadas a montante.
Porém, a explicação apresentada não justifica o movimento em análise. Contabilisticamente o extracto bancário, associado a cópias de cheques ou documentos de transferências bancárias, justificaria a contabilização das saídas de banco.
// (…) // Face ao exposto, a contabilização da saída de meios financeiros, no montante de €2.000.000,00, não está documentada, no entanto constitui um movimento financeiro de saída de um valor certo, pelo que se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no art. 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o valor do imposto em falta de €1.000.000,00 (€2.000.000,00 x 50%)».
//
«No que se refere ao movimento D3-84, extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012, e com base nos balancetes analíticos a 31-12-2011 e 31-12-2012, a Administração Tributária apurou um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de € 1.083.757,19 que tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 2111…: Clientes c/c – Clientes gerais, mais apurou que o saldo da conta clientes em 2012-01-01 era devedor no montante de €402.974,77 e que em 2012-12-31 é devedor, no montante de €1.490.895,84, agregando todos os movimentos das contas de clientes.
A Administração Tributária verificou ainda, por consulta ao Saf-T de contabilidade, que esta conta (Cliente c/c – clientes gerais) abriu em 2012-01-01 com saldo nulo, comportando no exercício apenas os registos contabilísticos a débito e a crédito, respectivamente no valor de EUR 1.083.757,19 e de EUR 61.162,04, efectuados em 2012-12-30.
Mais uma vez, dos documentos da contabilidade verificou que não existe qualquer documento de suporte do registo efectuado e objecto da presente análise. (…) //
A Impugnante alega que os proveitos das vendas eram registados por contrapartida de caixa o que deu origem a que o saldo de caixa estivesse elevado e que o lançamento efectuado no diário 3 n.º 84 registado a 30.12.12 no montante de EUR 1.083.757,19 foi para regularizar o saldo de caixa com base nos saldos de clientes que constava da gestão.
Todavia, a conta de gestão exibida à Administração Tributária na resposta à notificação, não evidencia o lançamento em análise.
De acordo com as regras do SNC, nada obsta a que os proveitos das vendas sejam registados por contrapartida de caixa (débito da conta 1…, por crédito da conta 7…), contudo estes montantes devem ser transferidos para contas de depósitos originando o crédito da mesma.
Contrariamente, no lançamento em análise, a impugnante evidenciou contabilisticamente uma saída de caixa por contrapartida do débito de clientes. A tratar-se de uma regularização de saldos de caixa, face às regras do SNC, o crédito de caixa nunca poderia ter por contrapartida o débito de uma conta clientes.
A conta de clientes debita-se por transferências para bancos ou pagamentos, sendo que o sujeito passivo está obrigado a cumprir as regras contabilísticas e fiscais (veja-se art. 63.º-C da LGT supra e artigos 17.º e 123.º do CIRC).
Mais uma vez, não foram prestados esclarecimentos adicionais, ou exibidos quaisquer outros documentos justificativos da contabilização da saída de meios financeiros, respeitantes ao lançamento em análise.
A impugnante em resposta à Administração Tributária refere que o movimento foi realizado com base nos saldos de clientes que constavam da gestão, contudo a conta de gestão apresentada, também não apresenta saldos aptos a fundamentar o movimento (cf. quadro 9, ponto n.º 11 dos factos provados).
Acresce que a Impugnante, alega que a conta Caixa foi creditada no valor de EUR 1.083.757,19 por contrapartida do débito da conta de clientes, também ela conta do activo, como forma de regularização contabilística, ou seja, a Impugnante alega que o dinheiro saiu da caixa mas está em dívida pelos clientes no valor de 1.083.757,19, porém a explicação dada é que os valores registados em caixa correspondiam a entregas de dinheiro feitas pelos clientes.
O débito de uma conta clientes só acontece quando o cliente ficou em dívida com a empresa.
Quando a Impugnante presta um serviço, ou ela recebe imediatamente a contraprestação e debita a conta caixa se for em numerário ou a conta de depósitos à ordem se for em cheque ou transferência bancária, ou não recebe no momento da venda e então aí sim, debita a conta de clientes pelo valor da contraprestação que fica em dívida.
O documento n.º 2 “Balancete de conta corrente de clientes” apresentado com a petição inicial, não foi exibido à Administração fiscal e não corresponde a nenhum dos elementos anteriormente apresentados em sede de inspectiva
Pelo exposto, da análise dos documentos da contabilidade não se encontra justificação para a contabilização da contrapartida da saída de meios financeiros, efectuada a débito de uma conta de clientes, no montante de € 1.083.757,19, pelo que, desconhecendo-se o destinatário desta saída de meios financeiros efectuada por caixa, a mesma se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no artigo 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o montante do imposto em falta de € 541.878,60».
2.2.3. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente alega nos termos seguintes:
i) Preterição do dever de fundamentação do acto tributário, porquanto a AT omitiu por completo a justificação do recurso a tributações autónomas, em face da contabilidade não merecedora de credibilidade e errada aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, nos termos do qual, “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado” [conclusões 61) a 72)]
ii) Contesta a verificação dos pressupostos da aplicação do regime das tributações autónomas, porquanto não se mostra comprovada a ocorrência de uma despesa efectiva [conclusões 1) a 42)]
iii) Invoca que a tributação autónoma de despesas não documentadas, no caso, corresponde a tributação de rendimento presumido, pelo que caberia à AT aplicar os métodos indirectos, que permitiriam uma maior correspondência ao rendimento real [conclusões 42) a 60)].
Vejamos de per si os esteios da presente intenção recursória.
2.2.4. Com vista a aferir da alegada falta de fundamentação das correcções técnicas em causa, importa convocar o discurso argumentativo que as sustenta.
Estão em causa as correcções aritméticas seguintes (V. RIT):
Quanto à primeira correcção, do RIT consta o seguinte:
«III.1.3. Correcções Meramente Aritméticas ao Imposto – IRC: Tributações Autónomas
1. Despesas não documentadas (art. 88.º n.º 1 do CIRC) // (…) // b) Conta 1….: Caixa Principal.
De acordo com o conceito de despesas não documentadas, a saída em numerário de caixa sem qualquer documento justificativo ou de suporte configura uma despesa não documentada.
No caso em concreto, pela análise da conta 1… – Caixa principal foram identificados dois movimentos a crédito, que contabilisticamente representam saídas de meios financeiros da conta caixa, sem documento de suporte válido, cuja análise será detalhada seguidamente: (…)
Da análise do movimento extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012 podemos verificar o seguinte:
- Diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de €2.000.000,00;
- Tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 221…: Fornecedor T....Lda.;
- O identificador tem data de 2012-03-31, enquanto a data da gravação é de 2012-11-30.
O documento de suporte do registo em análise, existente na pasta da contabilidade do respectivo diário, cuja fotocópia se anexa (Anexo 5) permite verificar o seguinte:
- Trata-se de um documento interno de Diversos, com o número 73 (escrito manualmente), sem mais inscrições manuais;
- Tem em anexo o extracto do fornecedor de 2012-01-01 a 2012-2-29 que apresenta o saldo credor € 1.613.485,16, valor que não comportava, na data do identificador (2012-03-31), um pagamento a este fornecedor no montante de €2.000.000,00;
- Naquela data (2012-03-31) nenhuma das contas de terceiros relacionadas com o “suposto” beneficiário deste pagamento, apresentava saldo que comportasse o referido valor.
- Pese embora o identificador seja de 2012-03-31, a data da gravação é de 2012-11-30, sendo que nesta data se verificava na contabilidade um saldo na conta 221….: Fornecedor T....Lda. que comportava o referido pagamento.
- Conforme disposto no art.º 63-C da LGT que a seguir se transcreve, o sujeito passivo deveria dispor de documentos de prova do pagamento ao destinatário em análise. // (…)
O sujeito passivo foi notificado (ponto 5 alínea b) da notificação que faz parte do Anexo 1) para apresentar os documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos de transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito), cuja resposta se transcreve seguidamente:
“b) Podemos dizer que o lançamento efectuado no diário 3 n.º 73 de 30.11.12, no montante de 2.000.000 euros foi para registar os pagamentos efectuados a T….. O contabilista utilizava o extracto bancário para justificar as saídas de caixa.”
A explicação apresentada não justifica o movimento em análise. Contabilisticamente o extracto bancário, associado a cópias de cheques ou documentos de transferências bancárias, justificará a contabilização das saídas de banco (conta 1…).
Até à presente data não foram exibidos quaisquer documentos comprovativos referentes à contabilização da saída de meios financeiros do lançamento em análise, nem foi comprovado o referido pagamento ao fornecedor.
Note-se que se trata de um fornecedor (T….. Lda.) com relações especiais com o sujeito passivo (T…. II) nos termos previstos no n.º 4 do art. 63.º do CIRC (em vigor no ano de 2012), designadamente pelos motivos subsequentes:
- A T.... Lda. participa em 24,5% do capital do sujeito passivo.
- Têm em comum o administrador M….;
- A t.... Lda. é o principal fornecedor do sujeito passivo.
- O sujeito passivo é o principal cliente da T.... Lda.
- Desenvolvem a actividade no mesmo espaço, uma vez que o armazém do fornecedor se localiza na morada da sede do sujeito passivo, sendo na mesma morada que se localizam também os serviços administrativos de ambas as sociedades.
Credenciados pelo Despacho DI20150…., emitido em 2015-12-17 em nome da T.... SA (nos anos em análise T....Lda.), notificado em 2015-12-18, e no sentido de analisar as relações comerciais estabelecidas entre o sujeito passivo e esta sociedade, com o objectivo de confrontar os elementos contabilísticos e de gestão de ambas as entidades, foram solicitados os elementos a seguir discriminados:
- Balancete analítico a 31-12-2012 e 31-12-2013.
- Saf-T da facturação (2012 e 2013).
- Todos os extractos da contabilidade referentes a 2012 e 2013, respeitantes à T....II SA (entenda-se o sujeito passivo).
Muito embora os serviços administrativos das duas entidades se situem o mesmo local, onde foram desenvolvidos os actos do presente procedimento de inspecção, até à presente data, dos elementos solicitados, apenas foram exibidos os Saf-T da facturação de 2012 e 2013.
Da análise dos extractos da gestão, quer da t.... II (referente ao fornecedor T.... Lda.), quer da T....Lda. (referente ao cliente t.... II) não existe qualquer registo em relação com o registo contabilístico em análise.
Face ao exposto, a contabilização da saída de meios financeiros, no montante de €2.000.000,00, não está documentada, pelo que se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no art. 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o valor do imposto em falta de €1.000.000,00 (€2.000.000,00 x 50%)».

Quanto à segunda correcção, do RIT consta o seguinte:
«b 2) Movimento 2012-12-30 D300000000…. // (…)
Da análise do movimento supra, extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012, e com base nos balancetes analíticos a 31-12-2011 e 31-12-2012, constata-se o seguinte:
• Diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de € 1.083.757,19;
• Tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 2111…: Clientes c/c – Clientes gerais;
• O saldo da conta clientes em 2012-01-01 era devedor no montante de €402.974,77;
• O saldo da conta clientes a 2012-21-31 é devedor, no montante de €1.490.895,84, agregando todos os movimentos das contas de clientes.
• Por consulta ao Saf-T de contabilidade verifica-se que esta conta (Cliente c/c – clientes gerais) abriu em 2012-01-01 com saldo nulo, comportando no exercício apenas os registos contabilísticos a débito e a crédito, respectivamente no valor de €1.083.757,19 e de €61.162,04, efectuados 2012-12-30.
• Da análise dos documentos da contabilidade verifica-se que não existe qualquer documento de suporte do registo efectuado e objecto da presente análise.
Nos termos do estipulado no SNC, a conta de clientes regista os movimentos com os compradores de mercadorias, produtos e serviços, podendo afirmar-se que está ligada às contas de vendas e prestações de serviços, ou seja, debita-se pelo aumento de dívidas a receber (provenientes de vendas/prestações de serviços) e credita-se pelas diminuições resultantes dos respectivos recebimentos.
O sujeito passivo foi notificado, conforme pontos 3 e 5 da notificação a que temos feito referência (Anexo 1)., para apresentar:
- Ponto 3: Extractos da contabilidade referentes a todos os clientes.
- Ponto 5: Documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos de transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito).
Até à presente data o sujeito passivo veio apenas prestar os seguintes esclarecimentos:
- Ponto 3: // “A contabilidade não regista a individualização por cliente. Tinha a gestão como suporte”.
A este propósito exibiu um balancete de clientes, balancete acumulado entre saldos iniciais de 2012 e Dezembro de 2012, onde apenas se verifica a existência de contas acumuladas (clientes gerais) e uma listagem do mesmo período, individualizando os clientes mas com valores acumulados, Assim, a AT nunca teve acesso aos extractos contabilísticos do ano de 2012 dos clientes do sujeito passivo.
A não exibição dos elementos solicitados, concretamente a não discriminação dos movimentos por clientes, implicou a impossibilidade de aferir os registos e o valor dos saldos por cliente, bem como quais os saldos de clientes que a saída de caixa em análise “supostamente” pretenderia regularizar, conforme resposta do sujeito passivo a seguir transcrita:
“c) Os proveitos das vendas eram registados por contrapartida de caixa o que deu origem a que o saldo de caixa estivesse elevado. O lançamento efectuado no diário 3 n.º 84 registado a 30.12.12 no montante de 1.083.757,19 foi para regularizar o saldo de caixa com base nos saldos de clientes que constava da gestão.”
De acordo com as regras do SNC, nada obsta a que os proveitos das vendas sejam registados por contrapartida de caixa (débito da conta 1…, por crédito da conta 7….), contudo estes montantes devem ser transferidos para contas de depósitos originando o crédito da mesma.
Contrariamente, no lançamento em análise, o sujeito passivo evidenciou contabilisticamente uma saída de caixa por contrapartida do débito de clientes. // (…)
- A conta de gestão exibida na resposta à notificação não evidencia o lançamento em análise, cujo resumo apresentamos no quadro infra.
(“texto integral no original; imagem”)
(…)
- A tratar-se de uma regularização de saldos de caixa, face às regras do SNC, o crédito de caixa nunca poderia ter por contrapartida o débito de uma conta clientes;
- A conta de clientes debita-se por transferências para bancos ou pagamentos, sendo que o sujeito passivo está obrigado a cumprir as regras contabilísticas e fiscais (veja-se art. 63.º-C da LGT supra e artigos 17.º e 123.º do CIRC).
Até à presente data, não foram prestados esclarecimentos adicionais, ou exibidos quaisquer outros documentos justificativos da contabilização da saída de meios financeiros, respeitantes ao lançamento em análise.
Pelo exposto, da análise dos documentos da contabilidade não se encontra justificação para a contabilização da contrapartida da saída de meios financeiros, efectuada a débito de uma conta de clientes, no montante de € 1.083.757,19, pelo que, desconhecendo-se o destinatário desta saída de meios financeiros efectuada por caixa, a mesma se enquadra no conceito de despesas não documentadas previstas no artigo 88.º do Código do IRC e tributadas à taxa de 50% nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, sendo o montante do imposto em falta de € 541.878,60».
Vejamos se podemos acompanhar a tese da falta de fundamentação das correcções em exame.
O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» - n.º 1. «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» - n.º 2.
«A fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»(2). «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência (3).
Do acima exposto, cotejado com o teor da fundamentação das correcções, não se pode afirmar que as razões de sustentação das mesmas não constam dos autos, dado que os seus motivos mostram-se externados e acessíveis ao destinatário médio colocado na posição da impugnante, tal como resulta do RIT. Por outras palavras, seja no que respeita ao lançamento referido em primeiro lugar, seja no que se reporta ao lançamento referido em segundo lugar, existem fluxos financeiros, que resultam em diminuição da liquidez da empresa, registados na contabilidade, mas sem suporte documental e sem destinatário aparente.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
A recorrente invoca também o disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, nos termos do qual, «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». Invoca o depoimento de duas testemunhas, o qual, no seu entender seria suficiente para reverter o veredicto que fez vencimento na instância.
Salvo o devido respeito pela opinião contrária, a recorrente não impugna, nem contesta, a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada.
No que respeita à primeira, o RIT, acima citado, explicita os termos e fundamentos das correcções em exame, os quais, nos que respeita à matéria de facto aí descrita, não foram objecto de contestação por parte da recorrente.
No que se reporta à segunda (matéria de facto não provada), da mesma resulta o seguinte:
«O movimento D3-73 (saída ou crédito de caixa no montante de EUR 2.000.000,00 realizado em 30/11/2012 e débito da conta 221006 fornecedor t.... Lda.) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira.
//
O movimento D3-84 (contabilização da saída de meios financeiros efectuada a crédito da conta Caixa e de débito de uma conta clientes gerais no valor de EUR 1.083.757,19) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira».

As presentes asserções de facto, conjugadas com a descrição dos movimentos contabilísticos constantes do RIT, comprovam a ocorrência de saídas de numerário, através das contas de clientes e de fornecedores, sem qualquer documento de suporte, que justifique o lançamento em causa.
No que respeita à presente realidade, a recorrente não logrou demonstrar a ocorrência de dúvida fundada sobre a sua materialidade. O mesmo se diga em relação aos montantes em causa. A saída de numerário existe, sem que se comprove a existência de beneficiário ou contrapartida aparentes.
Donde se retira não existe dúvida fundada no que se refere à existência do facto tributário, pelo que o disposto no artigo 100.º/1, do CPPT não tem aplicação ao caso exame. O facto tributário mostra-se abundantemente comprovado e não sofre contestação por parte da recorrente. Esta última confirma, ao longo do processo, a situação de indistinção patrimonial, financeira e contabilística entre a “T…. I” ou “T…, Lda.” e a “T…. II”, ora recorrente. Tal situação permitiu as saídas de numerário, registadas, mas não justificadas, por qualquer suporte documental, sem contrapartida e sem beneficiário aparente.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. A recorrente contesta a verificação dos pressupostos da aplicação do regime das tributações autónomas, porquanto não se mostra comprovada a ocorrência de uma despesa efectiva [conclusões 1) a 31)]. Nas conclusões em apreço, a recorrente invoca que as correcções em causa não incidem sobre despesa efectiva; que a tributação autónoma de despesas não documentadas pressupõe a demonstração de que ocorreu uma despesa, que não estão em causa meros movimentos contabilísticos sem qualquer aderência à realidade ou suporte material; o ónus cuja demonstração recai sobre a AT, o qual, alega, no caso não foi cumprido, o que determinaria a ilegalidade das correcções em apreço.
Recorde-se que, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC, as despesas não documentadas «são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º». Está em causa tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários.
«O objectivo [deste forma de tributação] parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto»(4). «[O] legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros» (5).
«[E]mbora a tributação autónoma de encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, a tributação autónoma é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. O apuramento do montante tributável em sede de tributação autónoma é uma mera soma de valores correspondente a factos tributários autónomos (cada despesa ou encargo)»(6).
«[A] tributação autónoma consubstancia-se numa obrigação única, pois incide sobre factos tributários instantâneos e autónomos, que se esgotam em actos de realização de determinadas despesas realizadas, sem mais. Factos formados por um único acontecimento (despesa ou encargo), nesse momento dando origem ao imposto, o que não se confunde com o momento em que o imposto é devido»(7).
«Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). // Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo»(8).
«Na verdade, embora a tributação de determinados encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, tal tributação é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. Enquanto aquela incide, excecionalmente, sobre a realização de determinadas despesas, a última incide sobre determinados rendimentos, funcionando apenas como elo entre elas a circunstância dessas despesas serem dedutíveis no apuramento destes rendimentos, visando-se com a criação daquele imposto reduzir a vantagem fiscal resultante da dedução desses custos. Mas a existência do imposto aqui em análise em nada influi no montante do IRC, atuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam.
Assim, esgotando-se o facto tributário que dá origem a esta tributação autónoma, no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação, embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha apenas a efectuar no fim de um determinado período tributário (…)»(9).
Mas em que casos é que, perante despesas não documentadas, pode haver lugar à referida tributação autónoma? Antes de mais, impor aferir se estamos em presença de despesas indevidamente documentadas ou, ao invés, de verdadeiras despesas não documentadas.
A este propósito, é pacífico o entendimento segundo o qual, «Despesas não documentadas» são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique. «Despesas invidamente documentadas» são aquelas que têm suporte documental, mas o mesmo, só por si, não permite identificar, em termos quantitativos e qualitativos quais os bens ou serviços que determinaram certo pagamento a determinada entidade.
Qualquer destas despesas acarretam para o contribuinte a não dedutibilidade para efeitos fiscais (custos para determinação do lucro tributável).
As despesas não documentadas ou despesas confidenciais são sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. Por seu turno, as despesas não devidamente documentadas apenas são consideradas custos não dedutíveis – artigo 23.º-A/1/c), do CIRC.
«Ou seja, [em relação às despesas não documentadas], para além da sua não aceitação como custo fiscal são, ainda, sujeitas a tributação autónoma»(10).
«Temos assim dois conceitos semanticamente próximos – o de despesas “não documentadas”, a que se refere o artigo 88.º/1 do CIRC, e o de (encargos, onde se incluem) as despesas “não devidamente documentadas”, a que se refere [o artigo 23.º-A/1/c), do CIRC] – que, contudo, têm um conteúdo, natureza e efeitos jurídicos substancialmente distintos.
É que (…) a não aceitação de determinado encargo porquanto se entenda que – nos termos do [artigo 23.º-A/1/c), do CIRC] – o mesmo não se encontra devidamente documentado, não acarreta de forma necessária, direta e/ou automática, a tributação autónoma da correspondente despesa, como não documentada, nos termos do artigo 88.º/1 do CIRC.
Dito de outra forma, se todas as despesas “não documentadas”, para efeitos do artigo 88.º/1 do CIRC, serão despesas “não devidamente documentadas”, para efeitos do [artigo 23.º-A/1/c), do CIRC], o inverso já não será verdade»(11).
Mais se refere que as «[d]espesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação»(12).
A distinção entre despesas indevidamente documentadas e despesas não documentadas tem outras consequências, nomeadamente, no que respeita ao ónus da prova da efectividade da despesa.
«Com efeito, na medida em que a teleologia subjacente ao conceito de despesas não devidamente documentadas se prende com a sua insuficiência para comprovar a respetiva imprescindibilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o juízo de não suficiência de suporte documental da despesa é meramente negativo, reportando-se a uma constatação do incumprimento de um ónus contabilístico do sujeito passivo. Não carece tal juízo, portanto, que se demonstre que a despesa em questão ocorreu na realidade, já que a finalidade prosseguida, a sua desconsideração como encargo, não se vê afetada por tal circunstância.
Já o reconhecimento de uma despesa como não documentada, em ordem a sujeitá-la a tributação autónoma enquanto tal, não poderá prescindir da demonstração da efetiva ocorrência da mesma. Com efeito, “Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correcção/legalidade da mesma de molde a com ela se possa conformar ou vir a impugná-la, graciosa ou judicialmente, se a entender eivada de algum vício que a afecte na sua legalidade”, pelo que “As despesas confidenciais ou não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam. Daí a sua tributação autónoma”»(13).
Ou seja,
«Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A. Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.”.
Já no que diz respeito à tributação de despesas não documentadas (…), deverá a AT demonstrar que:
i. As despesas em questão ocorreram efetivamente;
ii. Que o respetivo beneficiário não é conhecido, nem cognoscível»(14).
Feito o presente enquadramento, a questão que se suscita consiste em saber se no caso a AT logrou fazer prova da verificação dos pressupostos da tributação autónoma das despesas em causa.
A recorrente considera que tal demonstração não foi feita.
Vejamos o que nos diz o RIT.
Importa recordar, de forma perfunctória, as correcções em causa.
«A Administração Fiscal identificou dois movimentos da conta 1… – Caixa Principal, que contabilisticamente representam a saída de meios financeiros, sem documento de suporte válido.
O primeiro diz respeito a um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de €2.000.000,00, tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 221006: Fornecedor T....Lda., contudo o identificador tem data de 2012-03-31, enquanto a data da gravação é de 2012-11-30.
O único documento de suporte deste registo contabilístico, existente na pasta da contabilidade do respectivo diário, junto ao relatório de inspecção como anexo 5, constitui um documento interno de “Diversos”, com o número 73 (escrito manualmente), sem mais inscrições manuais.
Tem em anexo o extracto do fornecedor de 2012-01-01 a 2012-2-29 que apresenta o saldo credor € 1.613.485,16, valor que não comportava, na data do identificador (2012-03- 31), um pagamento a este fornecedor no montante de €2.000.000,00. A Administração Tributária apurou ainda que naquela data (2012-03-31) nenhuma das contas de terceiros relacionadas com o “suposto” beneficiário deste pagamento, apresentava saldo que comportasse o referido valor.
O identificador é de 2012-03-31, a data da gravação é de 2012-11-30, sendo que nesta data já se verificava na contabilidade um saldo na conta 221006: Fornecedor T....Lda. que comportava o referido pagamento. // (…) // Da análise dos extractos da gestão, quer da Impugnante (referente ao fornecedor T.... Lda.) quer da T.... Lda. (referente ao cliente t.... II) não existe qualquer registo em relação com o registo contabilístico em análise.
A Impugnante justifica o movimento financeiro com o facto de no final de 2011 ter adquirido a firma T.... SA, esta empresa é que efectuava as aquisições de tabaco à tabaqueira nacional, fornecendo depois à impugnante, os valores pagos pelos clientes da Impugnante que eram registados na conta caixa e sucessivamente depositados nas contas bancárias da Impugnante e da B…. SA, sem que fosse efectuada a respectiva saída de caixa correspondente aos depósitos no banco, alega que existiam valores tidos como em caixa, mas que na realidade se encontravam depositados no banco, a caixa apresentava um saldo manifestamente irregular e sem correspondência material, reflectindo valores já depositados em contas B… SA, como forma de amortização da conta corrente existente entre as empresas, pelo que o lançamento efectuado, foi realizado para proceder à regularização, a um acerto de saídas que deveriam ter sido registadas a montante.
Porém, a explicação apresentada não justifica o movimento em análise. Contabilisticamente o extracto bancário, associado a cópias de cheques ou documentos de transferências bancárias, justificaria a contabilização das saídas de banco.
A Impugnante não apresentou quaisquer documentos comprovativos referentes à contabilização da saída de meios financeiros do lançamento em análise, nem foi comprovado o referido pagamento ao fornecedor B…., não existe uma conta corrente do fornecedor, na qual se possa aferir aquele valor de fornecimentos que de acordo com as alegações da Impugnante o movimento pretendeu regularizar.
Acresce que, os registos de valores na conta caixa entraram na sua esfera, uma vez que recebia todos os dias na sua conta e na conta do fornecedor avultadas somas de dinheiro pela venda do tabaco, mas esses valores não estão na conta caixa, nem nas suas contas bancárias, a impugnante admite a saída do meio financeiros, porém não apresenta prova do seu destino.
A regularização da conta Caixa teria como contrapartida a conta depósitos à ordem. // (…) //
No que se refere ao movimento D3-84, extraído do Saf-T da contabilidade do exercício de 2012, e com base nos balancetes analíticos a 31-12-2011 e 31-12-2012, a Administração Tributária apurou um lançamento a crédito da conta 1…: Caixa, no montante de € 1.083.757,19 que tem por contrapartida um lançamento a débito da conta 2111…: Clientes c/c – Clientes gerais, mais apurou que o saldo da conta clientes em 2012-01-01 era devedor no montante de €402.974,77 e que em 2012-12-31 é devedor, no montante de €1.490.895,84, agregando todos os movimentos das contas de clientes.
A Administração Tributária verificou ainda, por consulta ao Saf-T de contabilidade, que esta conta (Cliente c/c – clientes gerais) abriu em 2012-01-01 com saldo nulo, comportando no exercício apenas os registos contabilísticos a débito e a crédito, respectivamente no valor de EUR 1.083.757,19 e de EUR 61.162,04, efectuados em 2012-12-30.
Mais uma vez, dos documentos da contabilidade verificou que não existe qualquer documento de suporte do registo efectuado e objecto da presente análise»(15).
Do probatório, sem impugnação eficaz por parte da recorrente, resulta o seguinte:
«A - O movimento D3-73 (saída ou crédito de caixa no montante de EUR 2.000.000,00 realizado em 30/11/2012 e débito da conta 2210… fornecedor t.... Lda.) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira».
«B- O movimento D3-84 (contabilização da saída de meios financeiros efectuada a crédito da conta Caixa e de débito de uma conta clientes gerais no valor de EUR 1.083.757,19) foi uma mera operação contabilística sem correspondência financeira».

Salvo o devido respeito pela opinião contrária, estão em causa despesas efectivas, incorridas através de saídas de recursos financeiros sem suporte documental e que, no entanto, obtiveram registo contabilístico, através das contas da contabilidade identificadas. Na primeira correcção, trata-se de saídas de dinheiro, através de depósitos bancários, com contabilização em contas de fornecedores. Na segunda correcção, trata-se de saídas de dinheiro, através de depósitos bancários, com contabilização em contas de clientes.
A efectividade das despesas incorridas resulta das próprias alegações da recorrente, que na petição inicial de impugnação assume as saídas de recursos financeiros que não obtiveram registo contabilístico concomitante, considerando que tal se deve à falta de rigor contabilístico e ao modo de funcionamento dos seus colaboradores comerciais (artigos 12.º a 32.º da p.i.). Como aí se refere, «Na actividade de venda de tabaco, seja por máquinas, seja ao balcão, a principal forma de pagamento dos clientes é através de numerário, pelo que os vendedores da empresa todos os dias entregam avultadas somas de dinheiro que é retirado das máquinas e recebem directamente de clientes. // Tais valores eram registados na conta de caixa e, sucessivamente, depositados não só nas contas bancárias tituladas pela exponente, mas também em contas bancárias de que era titular a T....I, SA, sem que fosse efectuado o correspondente output da conta de caixa correspondente ao depósito bancário»(16).
A situação de indistinção patrimonial, financeira e contabilística entre a “T…, I” ou “T…, Lda.” e a “T…., II”, ora recorrente, tornou possível a ocorrência de saídas de numerário, sem contrapartida e sem suporte documental. Tais fluxos, do ponto da vista da contabilidade da recorrente, constituem despesas não documentadas ou despesas confidenciais.
Tais despesas não têm destinatário conhecido ou cognoscível, dado que não existem documentos discriminativos da forma, local, data, pessoa em que foram realizados.
No que respeita à afirmação de que o lançamento referido em primeiro lugar respeita ao fornecedor T.... Lda., a mesma é desmentida ao longo do RIT, atendendo a que não existe documentação ou outros elementos que a suportem.
Como ser refere no RIT, sem impugnação eficaz, por parte da recorrente,
«Note-se que se trata de um fornecedor (T… Lda.) com relações especiais com o sujeito passivo (T…. II) nos termos previstos no n.º 4 do art. 63.º do CIRC (em vigor no ano de 2012), designadamente pelos motivos subsequentes:
- A T....Lda. participa em 24,5% do capital do sujeito passivo.
- Têm em comum o administrador M….;
- A t.... Lda. é o principal fornecedor do sujeito passivo.
- O sujeito passivo é o principal cliente da T....Lda.
- Desenvolvem a actividade no mesmo espaço, uma vez que o armazém do fornecedor se localiza na morada da sede do sujeito passivo, sendo na mesma morada que se localizam também os serviços administrativos de ambas as sociedades.
Credenciados pelo Despacho DI20150…, emitido em 2015-12-17 em nome da T.... SA (nos anos em análise T.... Lda.), notificado em 2015-12-18, e no sentido de analisar as relações comerciais estabelecidas entre o sujeito passivo e esta sociedade, com o objectivo de confrontar os elementos contabilísticos e de gestão de ambas as entidades, foram solicitados os elementos a seguir discriminados:
- Balancete analítico a 31-12-2012 e 31-12-2013.
- Saf-T da facturação (2012 e 2013).
- Todos os extractos da contabilidade referentes a 2012 e 2013, respeitantes à T....II SA (entenda-se o sujeito passivo).
Muito embora os serviços administrativos das duas entidades se situem o mesmo local, onde foram desenvolvidos os actos do presente procedimento de inspecção, até à presente data, dos elementos solicitados, apenas foram exibidos os Saf-T da facturação de 2012 e 2013.
Da análise dos extractos da gestão, quer da t....II (referente ao fornecedor T.... Lda.) quer da T....Lda. (referente ao clientet....II) não existe qualquer registo em relação com o registo contabilístico em análise».
No que respeita ao lançamento referido em segundo lugar, do RIT, sem impugnação eficaz parte da recorrente, consta o seguinte:
«O sujeito passivo foi notificado, conforme pontos 3 e 5 da notificação a que temos feito referência (Anexo 1)., para apresentar:
- Ponto 3: Extractos da contabilidade referentes a todos os clientes.
- Ponto 5: Documentos comprovativos (extracto bancário, cópias de cheques, documentos de transferências de dinheiro ou outros) de suporte ao registo contabilístico em análise, e justificar os respectivos movimentos (débito e crédito).
Até à presente data o sujeito passivo veio apenas prestar os seguintes esclarecimentos:
- Ponto 3:
“A contabilidade não regista a individualização por cliente. Tinha a gestão como suporte”.
A este propósito exibiu um balancete de clientes, balancete acumulado entre saldos iniciais de 2012 e Dezembro de 2012, onde apenas se verifica a existência de contas acumuladas (clientes gerais) e uma listagem do mesmo período, individualizando os clientes mas com valores acumulados, Assim, a AT nunca teve acesso aos extractos contabilísticos do ano de 2012 dos clientes do sujeito passivo.
A não exibição dos elementos solicitados, concretamente a não discriminação dos movimentos por clientes, implicou a impossibilidade de aferir os registos e o valor dos saldos por cliente, bem como quais os saldos de clientes que a saída de caixa em análise “supostamente” pretenderia regularizar (…)»:
Por outras palavras, a situação de indistinção financeira e patrimonial das empresas do grupo de que faz parte a recorrente permitiu a existência de fluxos financeiros negativos, sem contrapartida e sem destinatário aparente, na esfera da recorrente. Tais fluxos resultaram em perdas para o património e para a liquidez da empresa, pelo que constituem gastos ou custos incorridos não documentados.
De onde se extrai que a AT cumpriu com o ónus de demonstração da existência de despesa efectiva não documentada, ou seja, despesa confidencial.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. A recorrente invoca que a tributação autónoma de despesas não documentadas, no caso, corresponde a tributação de rendimento presumido, pelo que caberia à AT aplicar os métodos indirectos, que permitiriam uma maior correspondência ao rendimento real [conclusões 42) a 60)].
A tese da recorrente sintetiza-se nos termos seguintes:
«quando a contabilidade das empresas não merece credibilidade, quando os lançamentos efectuados não têm o devido e necessário suporte documental, determina a lei que deve a AT recorrer à aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria colectável (al. b) do artigo 87º e art.º 88º da LGT). O que a AT não pode fazer é, a coberto da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (que, como vimos é afastada no caso), “aproveitar” uma operação contabilística que considera artificiosa e imaterial para da mesma extrair a qualificação e tributação que incidiria sobre uma operação efectiva e substancial. Pelo contrário, se a AT considerou esta operação artificiosa e atenta a relevância da mesma, se considerou existirem irregularidades relevantes na contabilidade da Requerente, devia ter recorrido à determinação da matéria colectável por métodos indirectos».
Vejamos.
Em face do ordenamento jurídico português, cabe distinguir entre a tributação autónoma, incidente sobre gastos detectados, mas não suportados em elementos justificativos e a determinação do rendimento por métodos indirectos, a qual, na falta de credibilidade da contabilidade impossibilitante da avaliação directa, determina, verificados os pressupostos elencados na lei, a necessidade da fixação da matéria colectável através de métodos indirectos (artigos 87.º e 88.º da LGT).
Os pressupostos da avaliação indirecta não estão demonstrados, no que respeita às despesas em causa, porquanto as mesmas não correspondem a rendimento, mas antes a despesa incorrida não documentada, a qual é tributada, enquanto facto tributário instantâneo e autónomo, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. O que nada tem que ver com a determinação do rendimento, segundo os critérios dos artigos 89.º a 90.º da LGT. É que, recorde-se, «a tributação autónoma consubstancia-se numa obrigação única, pois incide sobre factos tributários instantâneos e autónomos, que se esgotam em actos de realização de determinadas despesas realizadas, sem mais. Factos formados por um único acontecimento (despesa ou encargo), nesse momento dando origem ao imposto, o que não se confunde com o momento em que o imposto é devido»(17).
Por outras palavras, «[n]a tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa»(18).
Não sofre dúvida que «a tributação das despesas não documentadas pretende compensar o pagamento oculto de rendimentos a outro sujeito passivo, não identificável pela administração tributária»(19). Mais se refere que «[a] tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento»(20). A norma incide sobre a capacidade contributiva efectiva manifestada através de realização de gastos sem contrapartida, por parte do sujeito passivo e tem em vista prevenir a fraude, a evasão e-ou a elisão fiscais que as despesas não documentadas implicam. Não se trata de uma norma presuntiva, mas antes de uma norma de incidência, cujos pressupostos de aplicação decorrem da previsão legal e que assenta na avaliação directa do facto tributário. Não há presunção, na medida em que a tributação autónoma da despesa oculta implica a demonstração de que o gasto sem contrapartida ocorreu.
Uma vez que se tributam certas categorias de despesas e não o rendimento do sujeito passivo não existe qualquer fungibilidade entre a tributação autónoma de despesas não documentadas e a determinação da matéria colectável por métodos indirectos. A segunda tem em vista apurar o rendimento percebido em certo período, pelo sujeito passivo, com vista à sua tributação. Motivação a que é alheia a primeira, centrada na prevenção de comportamento fiscal abusivo, consistente na afectação de uma parte do património da empresa a fins não empresariais.
Pelo que, também, a presente linha de argumentação soçobra tendo em vista sustentar o juízo de ilegalidade da liquidação em causa.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.7. No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir o seguinte.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»(21).
«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»(22).
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».
No caso em exame, o valor da causa corresponde a €2.221.768,15.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].
«A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil).
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado art.º 6.º, n.º 7, do RCP, deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil»(23).
No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.
Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.
Termos em que se procederá no dispositivo.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)
(1º. Adjunto)
Lurdes Toscano
(2º. Adjunto)
Catarina Almeida e Sousa (Com voto de vencida)


Voto de vencida

Não acompanho a decisão e, como tal, contrariamente ao presente acórdão, teria concedido provimento ao recurso jurisdicional.

Em síntese, considero o seguinte:

- com vista à incidência da tributação autónoma, fundamental é que estejamos perante uma efectiva despesa;

- da análise que faço dos autos, em concreto da matéria de facto, entendo que esta demonstração não vem feita pela AT, ou seja, sobre a parte a quem incumbia tal ónus de prova (74º da LGT);

- com efeito, dos elementos carreados para os autos, concretamente do RIT, não retiro a comprovação da efectiva saída de valores da esfera da Impugnante, ora Recorrente, apesar de as operações em causa estarem contabilisticamente registadas;

- entendo, assim, que falta um pressuposto para que a AT pudesse sujeitar os valores em causa a tributações autónomas;

- acresce que, como as partes reconhecem, a contabilidade da Impugnante sofre de anomalias e irregularidades que lhe retiraram a presunção de verdade e possibilitaram, até, o recurso a métodos indirectos;

- daí que que, na minha opinião, não se apresenta justificado que, para efeito de tributação autónoma, a AT tenha actuado a coberto de uma presunção de veracidade das declarações da Impugnante, veracidade esta amplamente questionada no RIT.

Lisboa, 08/05/19

Catarina Almeida e Sousa


-------------------------------------------------------------------
(1) Vide entre outros Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.04.2017 proferido no processo n.º 01320/16, Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 12.04.2007 proferido no processo n.º 00297/04 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.12.2003 proferido no processo n.º 01283/03.

(2) Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
(3) Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.

(4) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 203.
(5) J. L. Saldanha Sanches apud Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, AAFDL, 2017, p. 107.
(6) Paula Rosado Pereira, apud Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, cit. p. 107.
(7) Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, cit., p. 108.
(8) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19.12.2012
(9) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19.12.201

(10) Voto de vencido aposto ao Acórdão do STA, de 22.02.2017, P. 0837/15.
(11) Decisão arbitral proferida no P. 20/2014-T, de 28.05.2014.

(12) Decisão arbitral proferida no P. 20/2014-T, de 28.05.2014.
(13) Decisão arbitral proferida no P. 20/2014-T, de 28.05.2014.

(14) Decisão arbitral proferida no P. 20/2014-T, de 28.05.2014.

(15)V. Sentença recorrida.

(16) Artigos 15.º e 16.º da petição inicial.

(17) Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, cit., p. 108.

(18) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19.12.2012
(19) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, p.230.
(20)Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, p. 229.
(21) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(22) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.

(23) Acórdão do TCAS, de 23.04.2015, P. 08416/15