Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12330/15
Secção: CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/12/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:EXPULSÃO, LIMITES
Sumário:
É afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente no território português, salvo nos casos previstos no art. 135º da Lei nº 23/2007.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· DAIANE ……………………………, solteira, maior, de nacionalidade brasileira, melhor id. a fls. 2 dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa

Processo cautelar contra

· MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

Pediu o seguinte:

- Suspensão de eficácia da decisão de 30/01/2015, tomada pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que determinou a sua expulsão do território nacional e a interdição de regressar a Portugal por um período de três anos.

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Por decisão cautelar (1) de 12-5-2015, o referido tribunal decidiu indeferir o pedido.

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Inconformada, a requerente recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

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O recorrido contra-alegou.

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O Ministério Público foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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Este tribunal tem sempre presente o seguinte: (1º) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida socioeconómica submetida ao bem comum e à suprema dignidade de cada pessoa; (2º) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa lei fundamental; (3º) os princípios estruturantes do Estado de Direito (ex.: a juridicidade, a segurança jurídica para todas as pessoas e a igualdade jurídica de todos os seres humanos); (4º) as normas que exijam algo de modo definitivo; (5º) as normas que exijam uma otimização das possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto, através de uma ponderação racional e justificada; e (6º) a máxima da unidade e coerência do nosso sistema jurídico, bem como, sempre que possível e necessário, as máximas metódicas da igualdade e da proporcionalidade. (2)

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Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

FACTOS PROVADOS aditados por este TCAS, com base nos documentos entretanto juntos:

h) A autora é mãe de uma criança nascida em Portugal em 2015, de nacionalidade portuguesa, cujo pai é cidadão português por nascimento.

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Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO: OS FACTOS PROVADOS E O DIREITO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e apreciar o seu mérito.

Vejamos, pois.

A decisão cautelar recorrida entendeu o seguinte:

-A requerente está, evidentemente, em situação irregular em Portugal desde 2007, sem autorização de residência, pelo que não há qualquer fumus boni iuris (cf. art. 134º/1/a) da Lei 23/2007);

-O despacho suspendendo está fundamentado;

-Como interpôs este processo dentro do prazo legal, irreleva o facto de não ter sido informada pela E.R. das possibilidades de se socorrer de meios jurisdicionais de tutela;

-O facto de estar grávida de homem português, com quem pretende fazer vida em comum, não foi levado por ela à instrução feita pela E.R., pelo que o despacho suspendendo não padece de falta de instrução prévia.

Portanto, é correto que a recorrente estava e está ilegalmente em Portugal, caindo na previsão do art. 134º/1/a) da Lei 23/2007: é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente no território português.

A recorrente não o nega, mas contra-ataca, dizendo que o TAC violou o art. 118º/3 CPTA (confundindo isso depois com o art. 615º/1/d) CPC), ao não permitir produção de prova; que se verificam os requisitos do art. 120º/1/b) CPTA; que se julgou mal ao considerar o despacho como fundamentado.

Mas, quanto a isso, não tem razão. (1) Não existem factos alegados controvertidos e relevantes, pelo que não havia necessidade de mais instrução, (2) o despacho suspendendo está fundamentado como se viu e (3) é evidente que a recorrente está ilegalmente em Portugal.

Há, pois, fumus boni iuris muito forte (art. 120º/1/a) do CPTA a contrario).

No entanto, está agora provado que a autora/recorrente é, há poucos meses, mãe de um menor português, aqui nascido, filho de pai português de nascimento.

Isso quer dizer que este pode ser um caso de aplicação do limite previsto na al. b) do art. 135º/1 da cit. Lei, cuja última alteração consta da Lei 63/2015: ter a seu cargo filhos menores a residir em Portugal, sobre os quais exerça efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação. Bastará que a interessada o requeira e prove ou ajude a provar, utilizando os novos meios impugnatórios graciosos previstos no novo CPA (arts. 165º ss) para a alteração das circunstâncias em que o ato administrativo foi emitido (“revogação administrativa”).

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, sem prejuízo de a interessada poder eventualmente se valer do art. 135º/1/b) da Lei cit.

Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 21-8-2015

(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

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(1) Segundo o CPC, sentença é o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estru­tura de uma causa. O procedimento ou processo cautelar não é nem incidente, nem causa principal, pelo que, segundo o CPC, a decisão cautelar não é uma sentença.

(2) Robert Alexy, “A construção dos direitos fundamentais”, in Direito & Política, nº 6, 2014, pp. 38-48; Robert Alexy, “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, pp. 817-834; Paulo Pereira Gouveia, “O método e o juiz da intimação…”, in O Direito, Ano 145º, 2013, I/II, pp. 51-91.