Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:694/11.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO E GERÊNCIA DE DIREITO
RENÚNCIA
Sumário:I. - Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.
II. – A renúncia às funções de gerente, que foi levada a registo é oponível a terceiros, e também à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A..., revertido no âmbito processo de execução fiscal n.º 334420100... e apensos, originalmente instaurado contra a sociedade G... - Cofragens Lda., para cobrança coerciva de dívidas de IRC, IVA, e coima fiscal, no montante global de € 92.208,40, dela veio interpor o presente recurso.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o oponente não praticou actos de gerência, sendo parte ilegítima.

II. Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente havia ou não exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e se foi por sua culpa que o património da sociedade se delapidou.

III. O oponente foi gerente da sociedade uma vez que a mesma se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes nomeados, sendo um deles, o ora oponente, não tendo logrado provar que nunca exerceu a gerência até porque assinou contratos, sendo que o seu nome, enquanto gerente, vinculava a sociedade devedora originária perante terceiros, descontando como membro do órgão estatutário, isto é, como gerente pois só sendo gerente é que poderia efetuar os descontos para a Segurança Social naquela modalidade, pelo que a AT provou que o oponente era gerente desde 07/08/2001.

IV. No decurso dos presentes autos e através da prova testemunhal, foi também possível verificar que o Oponente, era trabalhador da sociedade, e nas obras/empreitadas das cofragens, fazia o seu trabalho sem qualquer orientação do Sr. G..., dando ordens aos trabalhadores contratados pela empresa, neste sentido parece-nos também ter ficado devidamente demonstrado, que não era um simples trabalhador, visto que orientava as obras e os trabalhos juntamente com o Sr. J..., conforme a testemunha deixou bem explicito nas suas declarações.

V. Nomeadamente ao tempo da gravação 11:31, o Sr. P..., quando questionado sobre o facto de quem eram as pessoas que orientavam os trabalhos na obra (excluindo o Sr. G...), portanto se seria o Oponente ou o Sr. J... que dirigiam a obra, o mesmo declarou “Em principio eram os dois que orientavam a obra”, no tempo 11:59, referiu “O Senhor A... também estava à frente da obra”.

VI. Pelo que se entende que o Oponente dirigia o trabalho em obra no exercício da sua função de gerente.

VII. Mas, para além do oponente, eram gerentes o seu sogro e o seu cunhado, sendo que o seu sogro faleceu em 13/05/2008, tendo tomado os destinos da devedora originária desde essa data, no intuito de cumprir os contratos realizados pelo seu sogro.

VIII. Ora, neste circunspecto, o oponente é também herdeiro de G..., indiretamente do seu sogro, sendo que a herança, em 1.ª linha e nos termos do art.º 2068.º do CC, responsabiliza pelas dividas.

IX. Na verdade, tal como foi referido a sociedade não tinha bens e a insuficiência do património da sociedade reflectiu-se na esfera da devedora originária e, consequentemente, na dos herdeiros, podendo estes serem revertidos.

X. Contudo, o oponente foi revertido por ter sido gerente e no período da sua gerência ter sido posto a pagamento a dívida exequenda, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, isto é, em 2010, pelo que é parte legítima.

XI. Por outro lado, também, não conseguiu provar que a insuficiência do património não foi por culpa sua, uma vez que a sua actuação não foi diligente, tendo desprotegido os credores.

XII. Mas, ainda que se admitisse que o oponente, actuou esporadicamente na sua condição de gerente, tal não seria suficiente para a eximir da responsabilidade porque “a jurisprudência tem vindo também a entender que a lei não exige, para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais das sociedades, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas por que se desenvolve a actividade da sociedade, bastando que pratiquem actos exteriorizadores da vontade e que vinculem a sociedade”. – vide Ac. do TCAN, de 06/07/2006, proferido no proc. n.º 00129/98

XIII. Em sede de oposição, é ao responsável subsidiário que incumbe o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.

XIV. Por outro lado, o oponente não provou a inexistência da prática de atos de gerência tais como as fichas bancárias em que se ateste a impossibilidade do oponente ter acesso a dados de contas bancárias e legitimidade na sua movimentação, nem outros quaisquer documentos que comprovassem que não exerceu a gerência bem pelo contrário, pois ao assinar cheques significa que tem acesso às contas bancárias e, ao emiti-los vinculou a sociedade a sociedade, com a sua assinatura, perante terceiros.

XV. A atuação do oponente como gerente da sociedade, fez, assim, crer a terceiros que era responsável pelas obrigações que advinham em resultado do exercício da atividade da sociedade.

XVI. “Quanto à responsabilidade dos oponentes, não podendo esquecer que o regime é o do art.º 24.º da LGT, para ilidir a culpa o oponente teria que fazer uma prova positiva de que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu. E tal só será alcançado se o oponente alegar factos, por exemplo, respeitantes à situação financeira económica da empresa, à sua actuação concreta para alcançar os objectivos para que a sociedade se constituiu. Quais sejam esses factos em concreto, apenas cada gerente o poderá saber pois dependem das particularidades de cada sociedade, da actividade que desenvolvida, da conjuntura em que laboraram. Certo é que nada valem para aquele efeito as afirmações de foi um gerente rigoroso ou sóbrio, ou criterioso, ou diligente ou cumpridor”.
– vide Ac. do TCAN de 07/12/2005, rec. 0086/01

XVII. Ora, o oponente não logrou fazer esta prova, não se podendo concluir que não tenha agido com culpa quanto ao facto de o património social se ter revelado inexistente quando a dívida exequenda foi instaurada.

XVIII. Na verdade, não pode a Fazenda corroborar com a posição assumida pelo Tribunal a quo quando considera que o oponente é parte ilegítima.

XIX. Neste desiderato, não pode ser considerado o oponente como parte ilegítima da execução fiscal, pelo que a douta sentença deverá ser substituída por uma outra que considera o oponente como parte legítima da execução fiscal.

XX. Assim, a responsabilidade do oponente, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, “nada tem que ver com o facto constitutivo da obrigação tributária não cumprida, mas com deveres funcionais de administração, mais concretamente, pela inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção do credor tributário e que foi a causa da insuficiência do património social para a satisfação daquele crédito” – vide PAULO MARQUES, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, 2011, Coimbra Editora, pág. 176

XXI. “A culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um administrador ou gerente pressuposto medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater familiae, na tradição jurídica), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a actuação daquele enquanto representante da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais” - vide Ac. do TCAS de 06/10/2009, proferido no proc. n.º 03267/09).

XXII. Nos termos do n.º 1 do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
“a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;
E
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.”

XXIII. O oponente, ao alegar que não teve intervenção nos destinos da sociedade, como era seu dever tendo legitimidade para tal, apenas indica que norteou a sua atuação, enquanto administrador da devedora originária, por condutas omissivas, ou seja, que se demitiu dos seus deveres, nomeadamente de vigilância.

XXIV. O ora oponente, na sua atuação enquanto administrador da sociedade violou o dever diligência, tal como vimos a aludir, pelo que é parte legítima na presente oposição.

XXV. Pelo facto de não ter provado de que não era gerente de facto ou por quem era exercido esse cargo, através de ata e, por se ter afirmado e provado que o oponente era gerente à data da constituição da dívida exequenda, foi por sua culpa que a sociedade devedora originária não cumpriu com as suas obrigações.

XXVI. Ou seja, a culpa “…traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo”. - vide Ac. TCAS de 23/06/2009, proferido no Proc. n.º 02890/09

XXVII. Face ao exposto, demonstra-se a culpa do oponente, nomeadamente por omissão de deveres legais que lhe estavam cometidos por força da sua qualidade de gerente na devedora originária.

XXVIII. Efetivamente, é à gerência (enquanto órgão cujas funções são definidas por lei que força criá-lo para permitir à sociedade atuar no comércio jurídico) que incumbe (pode e deve) praticar todos os actos necessários para o cumprimento dos deveres impostos por lei à sociedade e os necessários ou convenientes para realizar o seu objecto social (art. 259º do CSC).

XXIX. Sendo a vontade da sociedade sempre formada e declarada pelos gerentes, quer tenha ou não havido prévia deliberação dos sócios.

XXX. Determina o art. 64º do CSC um dever geral de diligência de carácter objectivo, indiferente às circunstâncias pessoais do gerente, não podendo este desculpar-se invocando desconhecimento, incapacidade ou incompetência para gerir empresas. – vide Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, pág. 149 e 150.

XXXI. Ora, sendo a sociedade administrada e representada pelos gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade, nos termos do art.º 252.º n.º 1 do CSC.

XXXII. Tendo sido os gerentes designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, nos termos do art.º. 252.º n.º 2 do CSC.

XXXIII. Por outro lado, as funções de gerente subsistem enquanto não terminar por destituição ou renúncia, sem prejuízo de o contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas, nos termos do art.º 256.º do CSC.

XXXIV. Em que, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes e, se a sociedade tiver apenas dois, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro, nos termos do art.º 257.º n.º 1 e 5 do CSC.

XXXV. Assim sendo, o oponente poderia nunca tendo exercido a gerência de facto, renunciado à mesma, nos termos do art.º 258.º do CSC, em momento anterior a 2008, o que não fez.

XXXVI. O oponente era gerente da sociedade devedora originária, ou seja, pelo facto de ser gerente praticou os atos que foram necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, nos termos do art.º 259.º do CSC.

XXXVII. E, os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, nos termos do art.º 260.º n.º 1 do CSC.

XXXVIII. Neste pendor, o oponente é parte legítima da presente execução.

XXXIX. Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados nos art.ºs 252.º, 259.º, 260.º, 261, 78.º todos do CSC bem como do art.º 24.º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença recorrida padece do erro de julgamento sobre a matéria de facto por não ter valorado toda a factualidade alegada e tendente a demonstrar que o ora Recorrido foi gerente de facto da sociedade devedora originária e, com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, concluiu pela ilegitimidade daquele para contra si prosseguir a execução fiscal.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) Em 23/06/2010, os serviços de finanças de Lisboa-1 instauraram à sociedade “G... Cofragens Ld.ª”, o processo de execução fiscal n.º 334420100..., para cobrança coerciva de uma coima, perfazendo o crédito exequendo o valor global de € 264,99 (duzentos e sessenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos) e cuja decisão condenatória foi proferida em 2010 - autuação do processo de fls. 44 e certidão de dívida de fls. 45 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

b) Posteriormente, em datas não apuradas, foram-lhe apensos outros processos de execução fiscal, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA, referentes ao ano de 2006 e 1.º trimestre de 2007, cujas datas de pagamento voluntário ocorreram em 30/06/2010 e 31/11/2010, bem como para cobrança coerciva de dívidas de IRC, referentes aos anos de 2006 e 2007, cujas datas de pagamento voluntário ocorreram em 02/06/2010 e 10/11/2010, perfazendo a quantia exequenda, em 11/02/2011 (data em que foi emitido o ofício para citação do Oponente), o montante de € 98.208,40 (noventa e oito mil, duzentos e oito euros e quarenta cêntimos) - certidões de dívida, juntas de fls. 46 a fls. 57 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos.

c) Por despacho, datado de 18/01/2011, o chefe do serviço de finanças de Lisboa-11, ordenou a reversão do crédito tributário, id. na alínea antecedente, contra o ora oponente A..., na qualidade de sucessor do responsável subsidiário G... e na qualidade de responsável subsidiário - projecto de reversão junto a fls. 72 dos autos e despacho para audição prévia, junto a fls. 73 e 74 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) No projecto de reversão, com interesse para os autos, consta a seguinte fundamentação da reversão:

“1. Relativamente ao facto tributário:
Verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da Alina a), do n.º1, do artigo 24.º, os gerentes e administradores serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade, mediante prova de culpa a efectivar pela Administração Tributária.
Ora, como fica demonstrado pela informação carreada para os presentes autos, era ao gerente G... . que competia a negociação dos trabalhos a realizar, quem recebia e quem pagava os valores que o giro comercial envolvia, quem assinava toda a documentação e a encaminhava para o contabilista.
2. Relativamente à obrigação de pagamento:
Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu igualmente na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da alínea b), do n.º1, do artigo 24.º, os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Contudo, as liquidações oficiosas datam de 2010, após o óbito deste gerente e após a habilitação de herdeiros, que determinou a cessão das quotas e a nova constituição dos detentores do capital.
Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente, temos que é responsável pelo pagamento das discriminadas em anexo: G... ., que responde pelo pagamento de € 97.943,41 relativo ao seu período de gerência.
Nos termos do n.º2 do artigo 29.º da LGT, as obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se mesmo que não tenham sido ainda liquidadas, em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício de inventário.
É por isso inquestionável que os sucessores dos responsáveis subsidiários podem ser responsabilizados pelas dívidas que sejam apuradas nessa responsabilidade, à luz do exposto no artigo 153.º do CPPT; podendo por essa via ser intervenientes no processo de execução fiscal, ainda que à data do óbito não estivesse efectivada a reversão das dívidas em cobrança coerciva.
Face ao disposto no artigo 23.º e no artigo 60.º da LGT, proceda-se à notificação dos interessados para efeitos do exercício do direito de audição (…)”- citado projecto de reversão de fls. 72 dos autos.

e) No referido despacho para audição prévia, com interesse para os autos, consta a seguinte fundamentação da reversão:

“PROJECTO DA REVERSÃO: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artigo 23.º, n.º2 da LGT):
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1,alínea a) da LGT).
- citado despacho, junto a fls. 73 e 74 dos autos.

f) O ora oponente regularmente notificado do projecto de reversão bem como para o exercício de audição prévia, pronunciou-se, em síntese, no sentido de nunca ter exercido a gerência de facto - requerimento junto a fls. 78 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

g) Em 04/02/2011, foi proferido, pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa-11 despacho de reversão contra o ora oponente, relativamente à dívida exequenda, identificada em b) - despacho de reversão, junto a fls. 79 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

h) Com relevância para os autos, consta do citado despacho de reversão, a seguinte fundamentação:

“DESPACHO
(…) Verifica-se que o contribuinte supra identificado, após notificação para exercer o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, do projecto de decisão de responsável subsidiário da devedora originária G... cofragens Lda. (…), por dívidas que ascendem a € 98.208,40 informou que não exercia a gerência da sociedade, actuando como mero trabalhador da mesma.
Da análise à prova produzida tendo em consideração, os requisitos legais verifica-se que:
Com base na certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, estão nomeados como gerentes da sociedade os sócios G... ., J... e A....
Da informação recolhida junto do TOC, que informou que o Sr. A... sempre teve conhecimento e participava nos negócios e administração da sociedade.
Que após o falecimento do sócio G..., informou a gerência das correcções efectuadas ao IRC dos períodos de 2005 a 2008 e adicionais de IVA para o mesmo período, de que iriam ser notificadas das liquidações para procederem à sua regularização.
Conforme consta no contrato de trabalho a termo certo entre a sociedade e J... verifica-se que o Sr. A... actua na qualidade de gerente mediante assinatura do mesmo.
Assim, não havendo bens da devedora originária que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.º2 do artigo 153.º do CPPT (…)” – citado despacho de reversão.

i) Em 11/02/2011, foi expedido ofício-citação destinado a dar a conhecer ao Oponente o conteúdo do despacho de reversão e citando-o para os termos do processo de execução fiscal - ofício junto a fls. 81 e 82 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

j) Com relevância para os autos, transcreve-se parte da fundamentação dos citados ofícios destinados a comunicar o despacho de reversão e citação:

“(…) Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (n.º2 do artigo 23.º da LGT):
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT) - citados despacho de reversão e de citação.

MAIS SE PROVOU QUE:

k) A sociedade devedora originária G...– Cofragens Ld.ª foi constituída em 07/08/2001 por três sócios: G... ., J... e A..., tendo sido designados gerentes os três sócios - certidão de registo comercial da sociedade, junto a fls. 59 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

l) A sociedade obrigava-se pela assinatura de um só gerente - citada certidão de registo comercial.

m) Em 13/05/2008, faleceu o sócio gerente G... . - assento de óbito junto a fls. 28 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

n) Sucederam na quota do sócio gerente G... ., os seguintes herdeiros: M..., J... e H... - citada certidão do registo comercial.

o) O ora oponente manteve as funções nominais de administrador da sociedade até 14/07/2008, data em que renunciou formalmente à gerência, facto que levou ao registo em 05/08/2008 – citada certidão de registo comercial da sociedade devedora originária.

p) Em 15 de Dezembro de 2008, em Assembleia – Geral da sociedade, na qual compareceu a totalidade do capital social, foi deliberado dissolver a sociedade e proceder à sua liquidação e extinção - Acta n.º 9, junta a fls. 29 e 30 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

q) Em 28/10/2009 foi pago pela sociedade devedora originária uma dívida de IRC, referente ao ano de 2008, no montante de € 2.888,60 e, na mesma data, foi paga uma coima, aplicada por falta de cumprimento de uma obrigação cujo prazo terminou em 09/10/2009, no montante de € 250 – recibos de pagamento juntos de fls. 33 a fls. 35 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

r) Em 2 de Maio de 2005, o ora Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade G... - Ld.ª um contrato de trabalho a termo certo com J... - contrato junto a fls. 68 e 69 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

1 - Que no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários ou, no período em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, o ora oponente praticou actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária, nomeadamente, representando a sociedade, em actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas, preenchendo e assinando títulos de crédito como representante da referida sociedade, contratando com fornecedores, clientes ou funcionários, de forma reiterada e pagando-lhes o respectivo salário, ou ainda auferindo rendimentos, na qualidade de gerente da sociedade ou assinando declarações fiscais e outros requerimentos junto da AT, para além do único contrato de trabalho, identificado pela AT.

2 - Que foi por culpa do ora Oponente que, o património da sociedade se tornou insuficiente para fazer face ao pagamento das dívidas exequendas.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Quanto ao facto não provado, identificado em 4.2.1., resultou a convicção do Tribunal de a AT, se ter limitado a fazer uma prova meramente formal, isto é, da inscrição do oponente como gerente “de direito”, no registo comercial.
Para além dessa prova formal, apontou o OEF, um único acto, praticado pelo Oponente; a assinatura de um contrato de trabalho no ano de 2005 (recorde- se que as dívidas tributárias se reportam aos anos de 2006 e 2007 e os prazos de pagamento voluntário terminaram em 2010).
Contudo e conforme se analisará infra, é necessário que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a gerência de facto da sociedade ser atestada pela prática de actos isolados.
Ora, salvo o devido respeito, não existe suporte documental donde se possa retirar a ilação da gerência “de facto”, por parte do Oponente, representando a sociedade, em actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas, nos exercícios de 2006 e 2007 (períodos em que se verificaram os factos constitutivos dos créditos tributários) e no exercício de 2010 (período em que se verificou o respectivo prazo de pagamento voluntário, conforme consta das certidões de dívida juntas aos autos).
Isto é, nada consta dos autos, para além de um único contrato de trabalho e o depoimento do TOC da sociedade, prestado no serviço de finanças (e portanto em audiência não contraditória), porquanto o TOC regularmente notificado para comparecer em Tribunal para ser inquirido, não o fez atempadamente.
Efectivamente, não constam dos autos quaisquer outros documentos, nomeadamente contratos de trabalho, com fornecedores ou clientes, assinados pelo Oponente, em representação da sociedade, não constam dos autos documentos relativos à gestão diária da sociedade como encomendas, facturas, ou outros, em que conste a assinatura do Oponente, não foram juntos aos autos títulos de crédito assinados pelo Oponente, nem foram juntos aos autos quaisquer declarações fiscais assinadas pelo Oponente.
E, sendo certo que, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental (prova que, de acordo com a jurisprudência pacífica existente nesta matéria, terá que ser contemporânea do despacho de reversão), resta concluir que, não tendo a AT reunido e coligido documentos suficientes que permitam fazer a prova da gerência de facto, por parte do Oponente, no período em apreço, o referido facto foi dado como não provado.
Quanto ao facto elencado em 4.2.2., resultou a convicção do Tribunal da Fazenda Pública não ter feito qualquer prova relativamente à culpa do Oponente, pois que, não obstante a Fazenda Pública ter revertido a dívida exequenda contra o Oponente, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º1, do artigo 24.º da LGT, resulta da análise das certidões de dívida que o prazo legal de pagamento das dívidas (2010) se verificou após o termo do período do exercício do cargo do Oponente (que renunciou à gerência em Agosto de 2008).
Do exposto se conclui que a reversão só poderia ter sido efectuada ao abrigo da alínea a), do n.º1 do artigo 24.º da LGT, inexistindo a favor da FP qualquer presunção legal de culpa, pelo que, lhe cabia demonstrar a culpa do oponente na insuficiência de património da sociedade o que não fez.


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento de facto, erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que o Opoente era gerente de facto e de direito da sociedade devedora originária das dívidas que estão a ser exigidas no processo de execução fiscal.

A sentença recorrida para julgar procedente a oposição concluiu que, de acordo com a factualidade apurada e com a corrente jurisprudencial hoje firmada, não fez a Fazenda Pública prova da gerência de facto, por parte do oponente nos exercícios fiscais em apreço (anos da constituição dos factos tributários e da ocorrência dos respetivos prazos legais de pagamento).

Nas conclusões IV, V e VI, pretende a Recorrente que considere provado que o Oponente dirigia o trabalho em obra no exercício da sua função de gerente.

Assim, o recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira. tem por objeto, para além do mais, o erro de julgamento de facto, em que pede a reapreciação da prova gravada.

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, nº 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT], cabendo à Recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;
d) com exatidão, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Nas alegações de recurso a Recorrente a indicou nas respetivas conclusões, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e as exatas passagens da gravação do depoimento para fundar a sua discordância; e a decisão que, no seu entender pretende aditar, pelo que se considera minimamente cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

Importa, ainda, analisar o depoimento da testemunha ouvida para verificar se tal matéria deveria merecer decisão diferente, atenta a fundamentação vertida na sentença.

Independentemente das considerações que aqui cumpriria tecer sobre os poderes de cognição do tribunal de recurso sobre o controlo da decisão de facto, nomeadamente sobre a livre apreciação da prova do julgador, com base os princípios angulares da imediação e da oralidade, da audição do depoimento da testemunha ouvida retira-se, através do uso de expressões que antecederam os excertos transcritos pela Recorrente nas alegações de recurso, como: alguém tinha que mandar (…) acho que (…) em princípio eram os dois que orientavam a obra (…), que a testemunha ouvida, respondendo a instâncias da ora Recorrente, depõe não com base em factos que conhecia direta e pessoalmente mas em ilações do que assim sucederia num quadro de vivência normal, com base em mera experiência da vida comum, ou juízo de probabilidade, no âmbito do funcionamento normal de uma empresa como aquela que ele próprio gere, mas fora do contexto do que efetivamente terá sucedido naquela sociedade em concreto. Embora não tenha sido levado à motivação da decisão de facto, a testemunha ouvida era armador de ferro e gestora de uma outra empresa, exercendo atividade em algumas das mesmas obras/empreitadas, conjuntamente com sociedade G... - Cofragens Lda., devedora originária da dívida que está a ser exigida no processo de execução fiscal.

Desde já diremos que o depoimento em causa não foi valorado pela MMª Juíza do tribunal a quo, no sentido pretendido pela Recorrente e a nosso ver bem.

As frases em causa, transcritas nas alegações de recurso, se bem que proferidas pela testemunha ouvida, não podem deixar de ser consideradas pouco precisas, desenquadradas da atividade desenvolvida pelo Opoente numa obra/empreitada determinada, concretamente identificada, nem foram balizadas em um limite temporal determinado. Não é referido mês ou sequer o ano em que o evento teve lugar.

Desde já adiantaremos que, quanto a esta questão, a sentença não padece, pois, da censura que lhe foi feita pela Recorrente.

Com efeito, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Pretende a Recorrente o aditamento aos factos provados que o Opoente dirigia o trabalho em obra no exercício da sua função de gerente. Assim formulado, constata-se que a matéria ali retratada formula juízos conclusivos e nela está contida matéria que se integra no thema decidendum do pleito.

Além das outras razões aduzidas, tanto basta para se indeferir o aditamento proposto pela Recorrente.

Em face do exposto, indefere-se a requerida alteração à matéria de facto fixada na sentença, que em consequência se mantém.


Vejamos agora quanto ao alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que o Opoente era gerente de facto e de direito da sociedade devedora originária das dívidas que estão a ser exigidas no processo de execução fiscal.

Tal como considerado na sentença recorrida, é de jurisprudência reiterada e pacífica que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da ocorrência dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei vigente à data em que foi proferido o despacho de reversão ou ainda ao tempo do em que o prazo de pagamento voluntário dos tributos se completou.

As dívidas exequendas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal são relativas a IRC e IVA dos anos de 2006 e 2007, com prazo de pagamento voluntário em junho e novembro de 2010, respetivamente, e ainda dívidas provenientes de coimas aplicadas à empresa no ano de 2010, e encargos com processos de contraordenação.

A Lei Geral Tributária (LGT) entrou e vigor em 1 de janeiro de 1999 (cf. artigo 6º do DL nº 398/98, de 17 de dezembro), pelo que relativamente às dívidas de tributos é aplicável ao caso o regime instituído pela LGT, de competir ao revertido a prova da não culpa na falta de pagamento.

Relativamente à responsabilidade pelas dívidas de tributos, diz-nos o artigo 24º da LGT, com a redação dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de dezembro:

1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação.
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)

Em qualquer caso, o artigo 24/1 da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência/administração, com os poderes e exercício de funções de gestor, i. é, tem de gozar de poderes para representar a empresa face a terceiros e de poderes administrativos da sociedade.

Na verdade, e como acabamos de ver, a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente/administrador com autonomia e exteriorizando a vontade da empresa nos respetivos negócios jurídicos, vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros.

Ora, como vimos já, as dívidas de tributos em cobrança coerciva e revertidas contra o Opoente, ora Recorrido, têm como data limite de pagamento voluntário os meses de junho e novembro de 2010.

Da alínea o) dos factos provados, e que não foi impugnado pela Recorrente, consta: o ora oponente manteve as funções nominais de administrador da sociedade até 14/07/2008, data em que renunciou formalmente à gerência, facto que levou ao registo em 05/08/2008.

Todavia, na conclusão X das alegações de recurso, alega a Recorrente que o oponente foi revertido por ter sido gerente e no período da sua gerência ter sido posto a pagamento a dívida exequenda, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, isto é, em 2010, pelo que é parte legítima.

E a Recorrente esgrime ainda um outro argumento, que aliás foi também objeto de análise na sentença, relativo a o Opoente, ora Recorrido ser responsável pela dívida na qualidade de sucessor do falecido sogro.

Com efeito, na conclusão VIII, defende a Recorrente que o oponente é também herdeiro de G..., indiretamente do seu sogro, sendo que a herança, em 1.ª linha e nos termos do art.º 2068.º do CC, responsabiliza pelas dividas.

Enquanto nos factos provados na sentença e não impugnados pela Recorrente, foi levado ao probatório: sucederam na quota do sócio gerente G... ., os seguintes herdeiros: M..., J... e H... - citada certidão do registo comercial.

Todas estas questões, como se disse, foram objeto de análise na sentença recorrida

Com efeito, diz a sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

5.2
Da Ilegitimidade do Oponente, quanto às dívidas tributárias relativas a Impostos:

É hoje pacífica a jurisprudência, no sentido de relativamente à responsabilidade subsidiária se aplicar a Lei vigente ao momento em que se verificam os respectivos pressupostos, visto se estar perante norma de cariz substantivo (neste sentido vide Jorge Lopes de Sousa, em “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 2000, pág. 862 e jurisprudência aí citada) e atento o princípio tradicional da não retroactividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º1 do Código Civil, aplicável também às chamadas leis de direito probatório material.
Assim, em obediência aos princípios, supra citados, que regulam a aplicação da lei no tempo e sendo os tributos em apreço relativos aos anos de 2006 e 2007, é aplicável in casu a Lei Geral Tributária, diploma que entrou em vigor em 01/01/1999 (artigo 6.º do Decreto Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro que a aprovou).
Dispõe o artigo 24.º, n.º1 da L.G.T. que “os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades (…) são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

Como se extrai da leitura do artigo 24.º da L.G.T., a culpa de que se cuida em sede de responsabilidade subsidiária dos gerentes, não se reporta ao incumprimento da obrigação de pagar os impostos.
A culpa aqui relevante é reportada à omissão da diligência exigível a um gerente de que cure do património da empresa, de forma a assegurar que, desse património, se possam pagar os credores da sociedade.
Trata-se, assim, de um juízo, em termos de nexo de causalidade adequada de que o incumprimento, por parte do gerente/administrador, das disposições legais destinadas à protecção dos credores foi a causa ou foi determinante para a delapidação ou insuficiência do património social para a satisfação dos créditos sociais (cfr. ac. do STA de 29/01/1990 em Ac. Dout. n.º 372, pag. 323) e ac. do STA de 12/11/1997, não publicado, proferido no recurso n.º 21 469).

Por isso, a responsabilidade subsidiária é, no regime da LGT, atribuída em função do exercício efectivo do cargo de gerente e, em princípio, reportada ao período do respectivo exercício (só não o é, na previsão da parte final da alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT).

O que varia, no regime da LGT (alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 24.º) é o ónus da prova relativamente à culpa na falta de pagamento do tributo, que a Lei faz incidir sobre a Fazenda Pública, no caso do facto constitutivo se verificar no período de exercício do cargo do gerente ou cujo prazo legal de pagamento termine depois deste; e que faz incidir sobre o gerente no caso do prazo legal de pagamento terminar no período de exercício do cargo de gerência.
Quanto à prova da gerência efectiva, de acordo com a jurisprudência firmada até ao ano de 2007, provada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto.

Contudo, o acórdão do Pleno do STA de 28/02/2007 (proferido no Rec. n.º 1132/06) veio inverter a anterior corrente jurisprudencial, isto é, passou a entender-se que, não existe qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente o efectivo exercício da função não sendo possível hoje sustentar que, a Fazenda Pública beneficie da presunção judicial da gerência de facto e não tenha que fazer prova para poder reverter a execução contra o gerente “de direito” ou gerente nominal.

Após este acórdão, que como se disse inverteu a jurisprudência, outros se lhe seguiram no mesmo sentido, nomeadamente os acórdãos do STA, de 11/03/2009, proferido em sede dos processos n.ºs 0709/08 e 045/09, de 02/03/2011, proferido no processo n.º 0944/10, bem como o acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, proferido no processo n.º 06977/13 e o acórdão do TCA Norte de 12/02/2015, proferido no processo n.º 0378/05.

Por elucidativo, passamos a transcrever o sumário do acórdão do TCA Norte de 27/03/2008:
“(…) Nos casos em que esta pretenda activar a responsabilidade subsidiária de um gerente deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência, isto é, comprovada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função.
Não obstante, este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas, não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
Por fim deve ter-se em conta que, se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, deste deve dar-se por não provado. Mas a regra (do artigo 346.º do Código Civil) não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”
Ora, de acordo com a factualidade apurada e com a corrente jurisprudencial hoje firmada, temos de concluir não ter a Fazenda Pública feito prova da gerência de facto, por parte do oponente nos exercício fiscais de 2006/ 2007 e de 2010 (anos da constituição dos factos tributários e da ocorrência dos respectivos prazos legais de pagamento).
Sublinhe-se que o ora Oponente havia renunciado formalmente às suas funções em Julho/Agosto de 2008 e o prazo de pagamento voluntário das dívidas, que ora se executam coercivamente ocorreu sensivelmente dois anos após a referida renúncia, isto é, em Junho e Novembro de 2010.
É, pois, relativamente inócua a alegação, de que, o ora Oponente, durante o período de 7 anos de gerência nominal subscreveu, em 2005, um contrato de trabalho a termo com um assalariado, pois que, este acto isolado em data anterior à da constituição dos factos tributários, não comprova a representação da sociedade por parte do Oponente, a qual terá que ser aferida mediante a prática de actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas: “Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados pelo Oponente (ac. do TCAN de 02/02/2012, proc. n.º 00273/09 BEPNF).
No mesmo sentido se pronunciou o TCAN em 27/10/2016 (proc. 02205/09.0 BEPRT): “Tendo o gerente nomeado e por conta do exercício das mesmas funções apenas intervindo numa resposta a uma notificação da AT dirigida à sociedade e feita na sua pessoa mas não se inserindo tal acto numa actividade continuada, antes se tratando de um acto isolado, não é possível extrair por presunção judicial a efectividade da gerência (ac. do TCAN de 27/10/2016, proc. 02205/09.0 BEPRT).

Aliás, o próprio Órgão de Execução Fiscal, em sede do projecto de reversão, reconheceu que as dívidas exequendas apenas poderiam ser revertidas contra G... ., por ter sido o único gerente que exerceu aquelas funções “de facto”, tendo concluído que o ora Oponente apenas poderia ser chamado a juízo na qualidade de sucessor legal de G... ., nos termos do disposto no artigo 29.º n.º2 da LGT (não obstante este não ter sucedido na quota da sociedade do falecido, conforme consta do probatório).
Contudo, o ofício do projecto de reversão, notificado ao ora Oponente, imputou-lhe o exercício da gerência, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º1, alínea b), em clara contradição com o projecto de reversão, subscrito pelo chefe de finanças.

Sublinhe-se ainda que, conforme se afirmou, em sede de probatório, não há quaisquer documentos juntos aos autos que comprovem que o ora oponente auferiu remunerações ao serviço da sociedade devedora originária ou que dirigiu, de alguma forma, os destinos desta, dando orientações aos funcionários, contratando com fornecedores, atendendo clientes, fazendo encomendas ou pagando facturas.
Não foram juntos aos autos quaisquer títulos de crédito, subscritos pelo Oponente nem se comprovou que a(s) conta(s) bancária(s) da sociedade era(m) movimentada(s) por este.

Por último, a testemunha inquirida em audiência não contraditória, no serviço de finanças (TOC da sociedade), na qual terá afirmado que “antes do falecimento do Sr. G... era este que assumia as decisões a tomar na sociedade e a gestão era por si controlada. Contudo, os sócios J... e A... sempre tiveram conhecimento e participavam nos negócios e administração da sociedade” , faltou à audiência contraditória de inquirição de testemunhas e não houve oportunidade de o questionar em que consistia a “participação nos negócios” da sociedade por parte do ora Oponente.

De todo o exposto se conclui que, de acordo com a factualidade apurada e com a corrente jurisprudencial hoje firmada, não fez a Fazenda Pública prova da gerência de facto, por parte do oponente nos exercícios fiscais em apreço (anos da constituição dos factos tributários e da ocorrência dos respectivos prazos legais de pagamento).

O oponente é, pois, parte ilegítima, procedendo assim a oposição, quanto ao fundamento da ilegitimidade, quanto às dívidas em epígrafe.

Tal como decidiu a sentença sob recurso, considerando que na data de vencimento das dívidas exequendas, o Opoente, ora Recorrido, tinha já renunciado à gerência da sociedade, cabia à Fazenda Pública o ónus da prova da gerência efetiva da sociedade por parte do revertido, o que não fez.

Com efeito o Recorrido renunciou às suas funções de gerente em 2008, renúncia essa que foi levada ao registo e, logo, é oponível a terceiros, incluindo à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Além da problemática da culpa na insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos tributários, para responsabilização do Recorrido pelas dívidas da sociedade necessário seria que a ora Recorrente tivesse efetuado prova de o Recorrido ter atuado ou exercido efetivamente funções de gestor da sociedade após a renúncia.

A isto acrescentamos ainda que para prova da gerência efetiva ou de facto da sociedade não bastaria levar ao probatório que o Recorrido tinha orientado obras, não se distinguindo o exercício desta função da de um encarregado de obra e sem qualquer enquadramento na janela temporal do ano de vencimento das dívidas.

Com efeito, para prova da gerência efetiva mais seria necessário, que agisse como um órgão atuante da sociedade, exteriorizando a vontade social perante trabalhadores e terceiros, praticando atos que obrigassem a empresa e realizando negócios. Tal falta de prova tem que ser valorada contra a Fazenda Pública, sobre quem recaía o respetivo ónus, como bem analisou e decidiu a sentença recorrida.

Não estavam, pois, reunidos os pressupostos para a responsabilização subsidiária do Opoente, ora Recorrido, pelas dívidas da sociedade.

Por fim uma brevíssima nota quanto à alegada responsabilização do Opoente na qualidade de herdeiro de seu sogro G... : além de não haver notícia nos autos de a dívida exequenda ter sido, ainda em vida, revertida contra o “de cujus”, é verdade que as dívidas daquele transmitem-se aos seus sucessores, mas dentro dos limites das forças da herança. Para tal necessário seria ainda saber se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (artigo 29/2 LGT).

Mais além, o Opoente, ora Recorrido, não foi citado para os termos da execução na qualidade de sucessor do “de cujus”, pelo que se trata de argumento que não pode aqui ser atendido. Nesta parte sempre o recurso estaria fadado ao insucesso.

A sentença sob recurso encontra-se bem fundamentada e não merece a crítica que lhe foi feita, pelo que será de confirmar.


Sumário/Conclusões:

I. - Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.
II. – A renúncia às funções de gerente, que foi levada a registo é oponível a terceiros, e também à Autoridade Tributária e Aduaneira.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 13 de maio de 2021

Susana Barreto