Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:166/17.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:Não existe omissão de pronúncia quando o tribunal não aprecia certa linha de argumentação aduzida por uma das partes. A questão da inconstitucionalidade da interpretação de norma relevante na decisão do litígio deve ser apreciada pelo tribunal sob pena de a sentença incorrer em omissão de pronúncia. Uma vez declarado prejudicado o conhecimento da questão de inconstitucionalidade não existe omissão de pronúncia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

M........., M........., J........., M........ e P........ solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ........ e ........ e, consequentemente, a anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), do ano de 2015.

O Tribunal Arbitral, por decisão de 22 de Novembro de 2017, julgou procedente o pedido formulado pelos Requerentes, bem assim como o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio deduzir impugnação contra a referida decisão arbitral, tendo nas alegações apresentadas, formulado as seguintes conclusões:

«1.ª A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, distribuído e autuado sob o n.º 172/2017-T, padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido duas questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado [artigo 28.º/1-c) do RJAT];

2.ª Por via do pedido de pronúncia arbitral, visaram os Impugnados colocar em crise liquidações de IMI e as subsequentes Reclamações Graciosas que lhe foram desfavoráveis;

3.ª A Impugnante deduziu Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no qual sustentou a legalidade daqueles atos, tendo: (i) explanado a evolução do conceito de Classificação ao longo do tempo; (ii) efetuado a distinção dos diversos conceitos patentes no artigo 15.º da Lei 107/2011; (iii) demonstrado a real natureza jurídica da "classificação Património Mundial da UNESCO”; (iv) defendido que o funcionamento do benefício fiscal em causa estava indissociavelmente recortado sobre o conceito fiscal de prédio (artigo 2.º do CIMI), sendo que o Centro Histórico do Porto não constitui um prédio fiscal, mas antes uma universalidade; (v) e suscitado a inconstitucionalidade da interpretação feita pelos Impugnados;

4.ª Cada uma destas questões (i) foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado, (ii) encontrava-se inequivocamente inserida em capítulos autonomizados e, por conseguinte, (iii) era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor medianamente atento;

5.ª O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam ao seguinte:

            «Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte: - Os actos tributários das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis, referentes ao ano de 2015, são ilegais, na medida em que os dois prédios urbanos em causa estão classificados como “Monumentos Nacionais” em decorrência dos mesmos estarem inseridos no conjunto comummente designado por “Centro Histórico do Porto”, considerado “Património Mundial” pela UNESCO em 1996, pelo que tais prédios reúnem os pressupostos estabelecidos na lei para usufruírem da isenção de IMI consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF».

6.ª Contudo, não só o Tribunal Arbitral Singular omitiu por completo aquela questão no "Relatório" da decisão arbitral, não só este "elenco de questões" fixado pelo tribunal veio a omitir a questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio, como ainda a própria fundamentação da decisão não dedicou uma palavra sequer àquela questão não despicienda;

7.ª A problemática em torno da questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio constitui uma verdadeira questão e não um mero argumento;

8.ª Ainda que o Tribunal Arbitral Singular tenha aderido à tese propalada pelos Impugnados, permanece por conhecer se a interpretação sobre o benefício fiscal aqui em causa poderá ser aplicado a uma universalidade de prédios, quando bem se sabe que uma universalidade não se subsume no conceito fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do IMI;

9.ª Nenhuma relação de dependência jurídica existe entre a interpretação defendida pelos Impugnados e a questão do conceito fiscal de prédio enquanto pressuposto da atribuição da isenção de IMI, que justificasse a preterição ou omissão em que incorreu aquele areópago, questão essa que permaneceu inteira quando o Tribunal Arbitral Singular aderiu à tese defendida pelos Impugnados,

10.ª Tão-pouco o Tribunal Arbitral Singular justificou - como se lhe impunha - a razão ou as razões que o levaram a não conhecer desta questão em causa suscitada pela Impugnante;

11.ª Como tal, a decisão arbitral sub judice incorreu numa omissão de pronúncia que redundou numa "decisão surpresa”;

12.ª Além da questão do conceito fiscal de prédio enquanto pressuposto da atribuição da isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF, a Impugnante suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita pelos Impugnados, defendendo que a interpretação veiculada por aqueles era desconforme aos princípios da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da participação na decisão, a par de padecer de uma inconstitucionalidade orgânica;

13.ª Muito embora o Tribunal Arbitral Singular tenha feito referência àquela questão, no "Relatório" da decisão arbitral, certo é que não a apreciou (leia-se, omitiu pronúncia), porquanto «(...) o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de IMI vertentes, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação»;

14.ª Não colhe minimamente o argumento da prejudicialidade invocado pelo Tribunal Arbitral Singular para não emitir pronúncia sobre as questões constitucionais suscitadas pela Impugnante, por considerar que estas ficaram prejudicadas pela declaração de ilegalidade das liquidações;

15.ª A justificação dada pelo Tribunal Arbitral Singular subverte a subordinação do Estado Português à CRP e à hierarquia das fontes de direito (artigo 8.º da CRP e artigo 1.º da Lei Geral Tributária).

16.ª No caso sub judice a Impugnante: (i) atacou a afirmação inicial dos Impugnados segundo a qual o artigo 44.º/1-n) do EBF não exige a classificação individual dos prédios classificados como Monumento Nacional; (ii) e apresentou ainda como razão contrária para atacar aquela afirmação inicial dos Impugnados a desconformidade daquela mesma afirmação/interpretação com os princípios constitucionais da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da participação na decisão, a par de uma inconstitucionalidade orgânica;

17.ª A razão contrária apresentada pela Impugnante não redundava num mero argumento e, menos ainda, prejudicado face à afirmação inicial, uma vez que, perante uma razão contrária assente na desconformidade constitucional da afirmação inicial dos Impugnados, se impunha ao Tribunal Arbitral Singular que sujeitasse aquela afirmação inicial ao crivo dos cinco aludidos princípios constitucionais invocados e desenvolvidos pela Impugnante, a par da inconstitucionalidade orgânica;

18.ª A razão contrária apresentada pela Impugnante assumia a forma de verdadeiras questões, a saber: (i) Uma classificação generalizada de 'Monumento Nacional' é um princípio absoluto? (ii) Uma classificação generalizada de 'Monumento Nacional' sobrepõe-se sempre ao princípio da igualdade tributária? (iii) Uma classificação generalizada de 'Monumento Nacional' violará o princípio da justiça fiscal? (iv) Uma classificação generalizada de 'Monumento Nacional' sobrepor-se-á à capacidade contributiva revelada pelo património imobiliário? (v) Poderá falar-se de uma efetiva violação dos princípios da autonomia local e da participação da decisão perante uma classificação generalizada de 'Monumento Nacional'? (vi) Registar-se-á aqui uma situação de inconstitucionalidade orgânica? ;

19.ª A alegada desconformidade da afirmação inicial dos Impugnados com os cinco principias constitucionais invocados pela Impugnante, a par da inconstitucionalidade orgânica, configura(va) um fundamento que pode(ria) conduzir à improcedência do pedido formulado pelos primeiros;

20.ª A tese da prejudicialidade invocada pelo Tribunal Arbitral Singular só teria razão de ser se acaso tivessem sido os próprios Impugnados a suscitar, a título subsidiário, a inconstitucionalidade de uma interpretação em torno do artigo 44.º/1-n) do EBF que fosse contrária àquela que eles próprios defendiam;

21.ª Aquilo que se passou foi exatamente o contrário: foi a Impugnante que suscitou a inconstitucionalidade em torno da interpretação desde o início proposta pelos Impugnados;

22.ª A decisão arbitral sub judice ao enveredar pela injustificada tese da prejudicialidade incorreu numa verdadeira omissão de pronúncia que redundou numa “decisão surpresa", conforme já se entendeu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 2015-04-23 no âmbito do processo n.º 08224/14;

23.ªAcresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão (i.e., a de convencer os seus destinatários), o Tribunal Arbitral Singular coartou irremediável e incompreensivelmente um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Impugnante: o recurso para o Tribunal Constitucional [artigo 70.º/1-b) da Lei 28/82, de 15 de novembro);

24.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


X

Os Recorridos, não apresentaram contra-alegações.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do Artigo 146.º do CPTA, não ofereceu aos autos parecer.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A decisão arbitral recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A. Os Requerentes são comproprietários dos prédios urbanos sitos na Rua…………., n.ºs 97-98 e 100, inscritos na matriz sob o artigo ….e …… da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, Nicolau e Vitória, do concelho do Porto (cfr. fls. 15 a 28 do processo administrativo);

B. Os referidos imóveis, do Centro Histórico do Porto, fazem parte da lista do Património Mundial da UNESCO, conforme Aviso n.º 15173/2010 publicado no Diário da República n.º 147 de 30 de julho de 2010 (cfr. fls. 29 do processo administrativo);

C. Conforme resulta das certidões emitidas pela Direcção Regional da Cultura Norte, os imóveis estão classificados como monumento nacional, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 7 do art.º 15.º da Lei n.º 107/2001, de 2011.09.08, DR 209, por fazerem parte integrante da lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como "Centro Histórico do Porto" (cfr. fls. 40 e 41 do processo administrativo);

D. Os Requerentes foram notificados dos seguintes actos de liquidação de IMI relativo ao ano de 2015:

            • n.º……….., no valor de 406,72 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;

            • n.º………., no valor de 406,72 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Julho de 2016;

            • n.º……….., no valor de 504,55 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;

            • n.º………., no valor de 504,50 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €);

            • n.º………, no valor de 398,94 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;

            • n.º………….., no valor de 248,35 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Julho de 2016;

            • n.º……….., no valor de 142,29 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;

            • n.º…………., no valor de 122,15 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016 - cfr. cópias de notas de liquidação juntas com as reclamações graciosas.

E. Os Requerente procederam ao pagamento dos actos de liquidação subjacentes à petição arbitral.

F. Em 23 de Agosto de 2016, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações supra melhor identificadas, tendo dado origem aos processos instaurados com os n.ºs ........ e ........ (cfr. processo administrativo).

G. A 4 de Janeiro de 2017, os Requerentes foram notificados dos despachos que indeferiram cada uma das reclamações apresentadas.

VI. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

VII. Motivação da matéria de facto dada como provada

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.»


X

2.2. De Direito

2.2.1. Nos presentes autos, é impugnada a decisão arbitral, proferida no P. 172/2017-T, no âmbito do qual foi julgado procedente o pedido de pronúncia no sentido da anulação das liquidações de IMI de 2015, deduzido pelos impugnados.

2.2.2. A impugnante assaca à decisão arbitral em crise os vícios seguintes:
i)     A omissão de pronúncia sobre a questão relativa à dependência do funcionamento do benefício fiscal em causa sobre o recorte do conceito fiscal de prédio [conclusões 1) a 11)].
ii)    A omissão de pronúncia sobre a questão da conformidade com os princípios constitucionais da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da participação na decisão, da interpretação do artigo 44.º/1/n), do EBF, segundo a qual a aplicação do benefício fiscal no mesmo previsto não exige a classificação individual dos prédios classificados como Monumento Nacional, a par da sua inconstitucionalidade orgânica [conclusões 12) a 24)].

2.2.3. Enquadramento

Como se consigna no Acórdão deste TCAS, de 13.11.2014, P. 07294/14, «Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo assim um campo de aplicação muito limitado. São eles, taxativamente, os seguintes: a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art. 16.º daquele diploma».

A presente intenção impugnatória centra-se sobre a invocada omissão de pronúncia sobre as questões referidas em 2.2.2., pelo que cumpre referir o seguinte.

«O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»1. «”Resolver todas as questões que a partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido»[1].«O tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. // Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as questões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio»[2]. Mais se refere que «embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes[3], a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão»[4].

Em síntese, dir-se-á que «não padecerá do vício de nulidade por omissão de pronúncia a sentença em que o juiz apreciando na decisão todos os problemas ou questões fundamentais objecto de litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, por aquela nulidade pressupor, necessariamente, uma omissão absoluta da questão (ões) fundamental (ais) colocada (as). Ou seja, só há omissão de pronúncia e, consequentemente, nulidade da sentença, se no processo tiver sido suscitada por qualquer uma das partes uma questão e esta não seja apreciada pelo Tribunal nem, por este, seja expressamente declarada prejudicada»[5].

Feito o presente enquadramento, importa aferir do bem fundado dos vícios imputados à sentença em crise.

2.2.4. No que respeita à invocada nulidade por omissão de pronúncia em relação à questão relativa à dependência do funcionamento do benefício fiscal em causa sobre o recorte do conceito fiscal de prédio, a tese da impugnante assenta em que o tribunal não apreciou a questão da relação de implicação entre o conceito fiscal de prédio e o benefício fiscal inscrito no artigo 44.º/1/n), do EBF, pelo que incorreu, nesta parte, em omissão de pronúncia.

Apreciação. Nos termos do artigo 44.º/1/n), do EBF, «Estão isentos de Imposto Municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável».

O argumento esgrimido pela impugnante, na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, consistia em considerar que a classificação do Centro histórico do Porto não preenche o âmbito previsivo do preceito do artigo 44.º/1/n), do EBF, dado que não ocorreu a classificação de um prédio, tal como o mesmo é definido no âmbito do CIMI.

Recorde-se que o tribunal impugnado considerou que «a principal questão a decidir é a seguinte: - Os actos tributários das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis, referentes ao ano de 2015, são ilegais, na medida em que os dois prédios urbanos em causa estão classificados como “Monumentos Nacionais” em decorrência dos mesmos estarem inseridos no conjunto comummente designado por “Centro Histórico do Porto”, considerado “Património Mundial” pela UNESCO em 1996, pelo que tais prédios reúnem os pressupostos estabelecidos na lei para usufruírem da isenção de IMI consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF». O tribunal respondeu de forma afirmativa à questão colocada. Por seu turno, a impugnante considera que a resposta devia ser negativa, dado que falta no caso o acto de classificação individual dos prédios em presença como património histórico-cultural, com vista à integração do âmbito previsivo do artigo 44.º/1/n), do EBF.

Tal como resulta da sua enunciação, a invocada questão corresponde, afinal a uma linha de argumentação aduzida pela impugnante, com vista a sustentar a legalidade das liquidações contestadas; linha que o tribunal impugnado não acolheu. Recorde-se que da sentença impugnada consta a asserção de que «(…) entendemos claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal».

Do exposto se extrai que a sentença em apreço não atendeu à argumentação da impugnante, porquanto considerou prevalecente a solução encontrada de que os imóveis em presença, atendendo a que se situam no centro histórico do Porto, beneficiam da classificação como “monumentos nacionais”, uma vez que o referido centro histórico faz parte da lista do Património Mundial da Unesco. Ou seja, nas palavras da sentença em exame, «os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de "monumentos nacionais" e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF».

A desconsideração de linhas de argumentação aduzidas pela impugnante por parte da sentença em causa não configura vício de omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre conhecer. É que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido ou das excepções, não se confundindo com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem o dever de se pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente não configurando tal uma situação de omissão de pronúncia)»[6].

Do exposto se infere que a alegada omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre conhecer não se comprova nos autos. Não ocorre nenhuma preterição do contraditório, dado que o tribunal procedeu a subsunção dos factos ao direito, com vista à resolução da questão suscitada nos autos.

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.5. No que respeita à invocada nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da conformidade com os princípios constitucionais da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da participação na decisão, da interpretação do artigo 44.º/1/n), do EBF, segundo a qual a aplicação do beneficio fiscal no mesmo previsto não exige a classificação individual dos prédios classificados como Monumento Nacional, a par da sua inconstitucionalidade orgânica, a impugnante sustenta que o tribunal reclamado incorreu no vício de omissão de pronúncia sobre questão jurídica de que cumpre conhecer, porquanto julgou prejudicado o conhecimento da mencionada questão da conformidade constitucional do entendimento veiculado pelos impugnados acerca da interpretação do artigo 44.º/1/n), do EBF, que esteve na base da declaração de ilegalidade da liquidações questionadas.

Apreciação. Não é passível de dúvida que «[é] uma verdadeira questão, e não um mero argumento, a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional»[7]. No caso, a impugnante censura a conformidade constitucional do entendimento prevalecente na instância de que a designação de um sítio como Monumento Nacional equivale à sua classificação como Monumento Nacional; censura que esteou do ponto de vista dos princípios constitucionais materiais de relevo fiscal, com incidência na autonomia das autarquias locais e no plano reserva constitucional de competência legislativa da Assembleia da República. Porém, a sentença considerou prejudicado o conhecimento das mencionadas questões de inconstitucionalidade. O que consubstanciaria omissão de pronúncia, decisão surpresa e coartaria o direito de recurso para o Tribunal Constitucional, com base na questão da inconstitucionalidade da norma aplicada para resolver o litígio, sustenta a impugnante.

Sem razão, porém.

É que, pese embora tratar-se de questão de conhecimento oficioso suscitada por uma das partes do litígio, o tribunal não deixou de emitir pronúncia sobre a mesma, considerando o seu conhecimento prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações por vício substantivo. Tal pronúncia expressa do tribunal pode, eventualmente, consubstanciar erro de julgamento, porquanto, como alega a impugnante, a relação de prejudicialidade não se comprova, no caso, mas não pode a mesma servir de fundamento para declarar a nulidade da sentença em crise por vício de omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre ao tribunal conhecer. «Se esta posição for errada [a declaração de prejudicialidade], haverá erro de julgamento que, se a decisão admitir recurso, poderá ser corrigido pelo tribunal superior, que também tem o dever de conhecer das questões de conhecimento oficioso»[8]. Mas o eventual erro de julgamento, a existir, não constitui fundamento a dirimir através da presente impugnação, pelo que o mesmo não será apreciado nesta sede.

Mais se refere que o juízo de prejudicialidade emitido pelo tribunal recorrido não constitui preterição do direito à audição prévia da parte, nem coarcta os direitos de defesa da parte perante o Tribunal Constitucional. Tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de certa interpretação da norma do artigo 44.º/1/n), do EBF, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, o tribunal entendeu que tal questão não era de apreciar, dado o vício material que inquina as liquidações em presença. Tal vício tornaria inútil a referida indagação. Do explanado não se detecta qualquer ofensa, seja ao princípio da contraditório, seja ao direito de suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, os quais se mantêm, no caso, incólumes.

Do exposto se infere que a alegada omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre conhecer não se comprova nos autos.

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente, por infundada, a presente impugnação de decisão arbitral.

Custas pela impugnante.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta)



 (2.ª Adjunta)

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[1] José Lebre de Freitas et aliud, CPC, anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, p. 680.
[2] Acórdão do STA, de 17/09/2015, P. 0637/15.
[3] Artigo 608, nº.2, do CPC.
[4] Acórdão do TCAS, de 22/10/2015, P. 08101/14.
[5] Acórdão do TCAS, de 07/05/2020, P. 141/19.0BCLSB
[6] Helena Cabrita, A sentença Cível, Almedina, 2019, p. 235.
[7] Acórdão do TCAS, de 07/05/2020, P. 141/19.0BCLSB.
[8] Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 6.º Ed., 2011, p. 365.