Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:585/07.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
Sumário:[art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC)]
Sendo as liquidações de taxa de comercialização de produtos de saúde emitidas centralmente pelo I..., é de aplicar a norma contida no n.º 2 do art.º 12.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

O I... – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (doravante I... ou Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 14.05.2012, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A...& ...A, SL – sucursal em Portugal (doravante Recorrida), que teve por objeto as liquidações de taxa de comercialização de produtos de saúde, relativas aos anos de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, no valor global de 1.679.871,32 Eur.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1.ª O tribunal "a quo" considerou-se competente para conhecer da presente impugnação e não considerou competente o tribunal do domicílio da sociedade impugnante, por entender que o I... é um serviço periférico local, por cobrar um tributo parafiscal, regendo o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, e o n.º 1 do artigo 12.º do CPPT.

2.ª Tal decisão é desconforme com o direito positivo nesta matéria, bem como é contrária ao princípio que norteia a atribuição de competências no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

3.ª Desde logo, a situação dos autos não se enquadra na previsão do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, porque, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, para o preenchimento da previsão desta norma, o facto relevante não é a natureza do tributo, porque a mesma se aplica a todos os tributos, incluindo os parafiscais, mas sim o facto de a entidade que administra o tributo não ser nenhuma das previstas nos n.ºs 1 e 3 do mesmo artigo e de essa entidade dispor de órgãos territorialmente competentes.

4.ª Se a entidade que administra o tributo dispuser de serviços desconcentrados, esses órgãos desconcentrados são, pelo n.º 4 do mesmo artigo 6.º, considerados órgãos periféricos locais; se não dispuser, o preceito não se aplica.

5.ª O I... não dispõe de órgãos territorialmente competentes para a liquidação e cobrança dos tributos, sendo esta actividade efectuada a nível central na sua sede.

6.ª Pelo que, também ao contrário do defendido na douta sentença recorrida, o I... é considerado um dos "outros serviços" (por oposição aos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do CPPT), pelo que lhe é aplicável o n.º 2 do mesmo artigo 12.º do CPPT.

7.ª A douta decisão recorrida é ainda desconforme com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente com o Acórdão proferido em 24 de Setembro de 2008 no Processo n.º 068/08 e com o Acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 2003 no Processo n.º 01782/02.

8.ª A douta sentença recorrida é igualmente desconforme com o princípio subjacente à atribuição de competência territorial na jurisdição administrativa e fiscal, segundo o qual é competente o tribunal da residência habitual ou sede do particular/autor, salvo no caso de órgãos com competência territorial limitada, em que é competente o tribunal da sede do órgão, o qual visa assegurar uma distribuição equilibrada dos processos judiciais pelo território nacional.

9.ª Pelo que, também à luz deste princípio, a douta decisão recorrida andou mal, violando os já referidos preceitos legais - n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, e com o n.º 2 do artigo 12.º do CPPT - bem como os artigos 103.º, n.º 1, e 17.º, nºs 1 e 2, a), na medida em que a excepção da incompetência relativa em razão do território foi tempestivamente arguida, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que considere competente o foro da sede da sociedade Impugnante, que é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

10.ª Decorre da questão da incompetência relativa supra suscitada que o tribunal recorrido tomou conhecimento do mérito de uma causa para a qual não dispunha de competência em razão do território, conhecendo de questões de que não podia conhecer, porque para o efeito não dispunha de competência.

11.ª Assim, a douta sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, facto que para os devidos efeitos aqui se invoca.

12.ª Além disso, a douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado, como devia, sobre matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, violando, assim, o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, bem como o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º daquele Código.

13.ª Com efeito, a douta sentença recorrida não considerou provados os factos constantes da decisão quanto à reclamação graciosa - transcritos no ponto 86, desta peça – apesar de os mesmos constarem do processo administrativo tributário e ser serem factos notórios, bem como apesar de os mesmos relevarem para a boa decisão da causa.

14.ª A douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa - os referidos na conclusão anterior - violando, deste modo, a alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, os artigos 514.º e 535.º e o n.º 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e Processo Tributário; deve, por isso, tal decisão ser revista, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, ou anulada e ordenada a baixa do processo à primeira instância, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

15.ª A douta sentença recorrida fez errada aplicação do direito, no que se refere à questão da caducidade do direito de liquidação, porque não considerou as causas de suspensão do prazo legal de caducidade.

16.ª A douta sentença recorrida considerou erradamente as hipóteses de suspensão do prazo de caducidade que já lhe haviam sido invocadas na decisão da reclamação graciosa, quando devia ter considerado ter ocorrido essa suspensão e julgado totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação efectuada, pelo que violou, assim, o preceituado nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária.

17.ª Com efeito, a mesma sentença fez uma interpretação demasiado restritiva do preceituado nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, em termos que colidem com o princípio da legalidade tributária, na medida em que os referidos preceitos não exigem que esteja em causa uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial - as quais poderiam ser interpretadas como dizendo apenas respeito ao litígio em causa - antes tendo optado por uma redacção aberta que permite abarcar qualquer tipo de reclamação ou impugnação, sejam elas procedimentais ou judiciais ou extraprocedimentais ou extrajudiciais.

18.ª O tribunal recorrido deveria, por isso, ter considerado improcedente a alegada caducidade do direito de liquidação e julgado válidos os actos de liquidação de tributos e juros compensatórios referentes ao período de Abril de 2000 a Novembro de 2001.

19.ª Ao decidir diferentemente, o tribunal recorrido violou o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, bem como o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º daquele Código; a alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, os artigos 514.º e 535.º e o n.º 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e Processo Tributário; e as alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária e os mencionados princípios (artigos 267.º, n.º 1, da Constituição, 10.º do Código do Procedimento Administrativo, e 59.º e 60.º da Lei Geral Tributária),

20.ª Por último, a douta sentença recorrida considerou que os actos tributários impugnados enfermam de falta de audição prévia, quando a mesma, pelo facto de esses actos terem assentado, sem alterações da iniciativa do I..., em elementos contabilísticos fornecidos pela Impugnante, devidamente certificados pelo respectivo técnico oficial de contas, estava dispensada, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

21.ª Ainda que se entendesse que esta dispensa não ocorre, teria de considerar-se que se está perante uma formalidade que se degrada em não essencial, visto que apenas está em causa a prática de um acto essencialmente vinculado, que consiste a aplicação de uma taxa a certo volume de vendas resultante de documentos fornecidos pela própria Impugnante,

22.ª Estes elementos constam de documentos fiscalmente relevantes que a Impugnante não poderia alterar ou que, no máximo, só poderia rectificar mediante a adopção dos procedimentos estabelecidos na lei, não existindo qualquer indício de que, promovida a audição, o tributo liquidado seria diferente.

23.ª Além disso, a Impugnante não questiona sequer o valor do tributo liquidado nem a sentença recorrida demonstra que a decisão poderia ter sido diferente no que respeita ao quantum do tributo, se tivesse sido promovida essa audição.

24.ª A sentença recorrida reconhece que, embora a Impugnante se tenha oposto a alguma factualidade, não teve razão nessa invocação, donde flui que, quanto a este aspecto factual, a audição prévia nenhuma utilidade teria.

25.ª No entanto, a mesma sentença afirma que a Impugnante alegou com sucesso a questão da irretroactividade da lei fiscal no que respeita às liquidações referentes aos meses de Janeiro a Março de 2000 e a caducidade do direito de liquidação no que respeita às liquidações dos meses de Abril de 2000 a Novembro de 2001.

26.ª Sucede que este facto não demonstra só por si a utilidade da audição prévia, segundo um juízo de prognose, porque a factualidade considerada assente pela douta sentença recorrida (alíneas R. e S. dos factos assentes) desmente cabalmente esse juízo de prognose, porque a Impugnante invocou essas duas questões na sua reclamação graciosa e o I... indeferiu integral mente a reclamação, rebatendo expressamente essas mesmas questões.

27.ª Tendo o I... assumido essa posição em sede de reclamação graciosa, não se vê como se poderá conjecturar que, se a audição prévia tivesse sido realizada, as liquidações teriam sido diferentes, visto que, com toda a probabilidade, o I... teria quanto a essas questões tomado a posição que tomou na reclamação graciosa e não outra.

28.ª Mesmo que se entendesse que a audição prévia poderia ter tido utilidade quanto às liquidações de Janeiro a Março de 2000, relativamente à questão da irretroactividade, e quanto às liquidações de Abril de 2000 a Novembro de 2001, no que respeita à questão da caducidade, nunca a sentença recorrida poderia ter considerado procedente o alegado vício de preterição do dever de audição prévia quanto a todas as liquidações, incluindo as de Dezembro de 2001 a Dezembro de 2004, em que as duas referidas questões não se colocavam.

29.ª Com efeito, pelo menos quanto as estas liquidações e à luz do princípio da proporcionalidade, nunca a douta sentença recorrida poderia ter considerado procedente o alegado vício, porque neste caso nem sequer se colocavam as questões - consideradas improcedentes pelo I... na fase graciosa - que a sentença recorrida veio a julgar procedentes (embora com as críticas que fizemos ao longo desta peça, que aqui se dão por reproduzidas).

30.ª Assim, a douta sentença recorrida, atenta a posição assumida pelo I... no indeferimento da reclamação graciosa nunca poderia considerar, num juízo de prognose, que a audição prévia pudesse ter utilidade, mas, ainda que assim não se entenda, a mesma audição nunca revestiria qualquer utilidade no que se refere às liquidações dos meses em que não se suscitavam sequer as alegadas questões da irretroactividade e da caducidade.

31.ª O tribunal recorrido deveria, por isso, ter considerado totalmente improcedente a liquidação de tributos e juros compensatórios, ou, pelo menos, deveria ter julgado válidos os actos de liquidação e juros referentes ao período de Dezembro de 2001 a Dezembro de 2004.

32.ª Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou o artigo 60.º da Lei Geral Tributária e decidiu em sentido oposto a jurisprudência anterior proferida em casos semelhantes, bem como violou o princípio da proporcionalidade ínsito ao princípio do Estado de Direito.”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, onde formulou pedido subsidiário de ampliação do objeto do recurso, tendo concluído nos seguintes termos:

“a) Inconformado com a douta Sentença proferida vem o I..., I.P. - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (doravante I...) da mesma interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo-Sul - Secção do Contencioso Tributário.

b) Em face do disposto no artigo 12º, n.º 1, do CPPT, o Tribunal a quo é o territorialmente competente.

c) Não se verifica a invocada nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia pois, desde logo, o Tribunal a quo especificamente analisou e decidiu os aspectos que o Recorrido considera omissos.

d) De todo o modo, ainda que assim não fosse, não se verifica omissão de pronúncia pois não se está, neste caso, perante “uma questão que o juiz deva apreciar” (artigo 125.º do Código do Processo e Procedimento Tributário) ou perante uma “questão que tenha sido submetida à sua apreciação” (artigo 660.º do Código do Processo Civil, actual artigo 608.º do Código de Processo Civil), por não ter sido problematizado - questionado - com aparência mínima de razoabilidade, o que, prima facie, resulta da lei (e, neste caso, da própria lei invocada pelo I..., I.P.);

e) Não há, também, qualquer défice instrutório relativamente a factos manifestamente insusceptíveis de alterar a decisão adoptada relativamente à questão da contagem - incluindo eventuais suspensões - do prazo de caducidade, uma vez que estes factos serão, nesse caso, manifestamente irrelevantes e despropositados para efeitos da decisão - como expressamente declarado na Sentença -, e que não têm, por isso, de ser investigados;

f) O facto de haver outros processos em curso contra actos de liquidação do tributo em causa, ou o facto de uma associação (a AIC - Associação dos Industriais de Cosmética), representativa de empresas do sector em que se insere a ora Recorrida ter promovido diligências, no plano “político”, para que a "taxa” em discussão fosse abolida ou, pelo menos reduzida, não constituem, juridicamente, factos suspensivos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo em causa à Recorrida (ou a outros destinatários da tributação em causa), ao abrigo das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, ou ao abrigo de qualquer outra disposição legal;

g) Ora, consubstanciando, quer a taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, quer a taxa sobre a comercialização de produtos de produtos cosméticos e de higiene corporal, impostos, aplicam-se às mesmas, naturalmente, o regime da caducidade do direito à liquidação dos impostos, constante dos artigos 45.º e seguintes da Lei Geral Tributária.

h) É também evidente, como bem decidiu o Tribunal a quo que com referência a este mesmo prazo não se verificam as causas de suspensão do prazo de caducidade a que alude o artigo 46.º da Lei Geral Tributária;

i) Com efeito, sempre sem conceder no que se refere à aplicabilidade do artigo 46 º, da Lei Geral Tributária no caso concreto, é forçoso concluir que não tendo a Recorrida sido notificada do fim do procedimento de inspecção, a mesma só terá ficado concluída com a emissão das primeiras liquidações oficiosas notificadas à Recorrida, tendo duração, injustificada, superior a seis meses;

j) Do exposto resulta, portanto, que, ainda que fosse aplicável às taxas ora em apreço a suspensão do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 46.º da Lei Gerai Tributária, como a inspecção externa durou mais de seis meses, cessou o efeito suspensivo do mesmo prazo de caducidade, contando-se este desde o seu início (neste sentido, António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, 2001, p. 221);

k) Deste modo, a liquidação das mesmas taxas enferma de vício de violação de lei, por ofensa do disposto nos artigos 45.º e 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, não merecendo, neste segmento, a Sentença em apreço, qualquer censura;

l) De igual modo, no caso em apreço não se verifica nenhum dos motivos que podem justificar a omissão de audiência da Recorrida em momento anterior ao da prática dos actos de liquidação;

m) Com efeito, como bem decidiu o Tribunal a quo, não é possível afirmar, em abstracto e em concreto, que a decisão não poderia ter sido distinta caso a Recorrida tivesse tido a oportunidade de se pronunciar.

n) Em face do exposto dever-se-á concluir que o Tribunal a quo fez a única interpretação e aplicação possível do disposto no artigo 60.º, da LGT, não merecendo a Sentença recorrida qualquer censura.

o) Não obstante, conforme referido supra, na douta Sentença recorrida foram julgados improcedentes alguns dos argumentos invocados pela Recorrida na petição inicial;

p) Pelo que, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, o ora Recorrido requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 636.º (ex artigo 684.º-A,) do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

q) Antes de mais, importa sublinhar que a Sentença recorrida padece de insuficiência factual - emergente de défice instrutório, relativamente à matéria de facto relacionada com as questões de inconstitucionalidade - por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade - e relativas à violação dos artigos 23.º e 25.º, 28.º e 90.º, do Tratado da Comunidade Europeia, cujas consequências deverão ser as previstas no artigo 712 º, nº 4, do Código de Processo Civil (aplicável ex. vi. artigo 281.º do CPPT).

r) Em face do exposto, neste concreto segmento, cuja apreciação apenas por mera cautela se admite necessária, a Sentença é ilegal por insuficiência instrutória e consequente erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 265.º (actual artigo 6.º) e 511.º (actual 596.º), do CPC, e 13.º, 114º e seguintes do CPPT.

s) A primeira questão a apreciar é a da qualificação do tributo em causa como imposto sobre o consumo - como entendeu o Tribunal a quo - ou antes como um imposto sobre o rendimento - como entende a Recorrida.

t) Resulta da doutrina citada nas alegações e que aqui se considera reproduzida para todos os efeitos legais, que os impostos sobre o rendimento incidem, sobre a diferença entre as componentes positivas e negativas do resultado, sendo que, no caso concreto, o imposto em apreço incide sobre a componente positiva do conceito de "lucro" ao incidir sobre o volume de vendas.

u) Saliente-se, ainda, que, ao contrário do que é característico dos impostos sobre o consumo, não existe qualquer mecanismo de repercussão jurídica, e não é possível qualquer repercussão económica na justa medida em que o aumento do preço no produtor implicaria um proporcional aumento do valor da taxa e assim sucessivamente.

v) Em face do exposto, dever-se-á concluir que o imposto em causa incide sobre um dos componentes do “lucro", e não é passível de repercussão, jurídica ou económica, pelo que deverá ser qualificado como imposto sobre o rendimento.

w) Assim, os actos de liquidação em apreço violam o disposto no artigo 104.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, na justa medida em que sendo a Recorrente já tributada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, qualquer outro imposto sobre o rendimento implica uma tributação não conforme com o lucro real, tendo a Sentença, neste segmento, violado as mesmas disposições legais e incorrido em erro de julgamento.

x) Consubstanciando o tributo em análise um imposto sobre o rendimento, como atrás se demonstrou, é também forçoso concluir que as normas legais que o prevêem (artigo 72.º da Lei n.º 3- B/2000 e artigo 1º do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro) ofendem não só o princípio da tributação das empresas pelo lucro real (cfr. artigo 104.º, n,º 2, da Constituição da República Portuguesa), mas também o princípio da igualdade (cfr. artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa) - na sua vertente de proscrição de impostos que atentem contra a capacidade contributiva dos contribuintes - e da não confiscatoriedade, preceitos estes violados pelo Tribunal a quo.

y) Admitindo, contudo, e por mera cautela de patrocínio que o mesmo tributo pudesse configurar um imposto sobre o consumo, o mesmo seria inconstitucional, por violação do referido artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, por não ser possível a sua repercussão, jurídica ou económica (cfr. SÉRGIO VASQUES, Os impostos Especiais de Consumo, 2001, Almedina, p. 83-85).

z) Em face do que se deixou exposto, as normas que prevêem o imposto em causa - artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro são inconstitucionais por violarem o disposto nos artigos 13.º, e 104.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, disposições legais estas que também são violadas nos actos de liquidação em apreço e, bem assim, pela Sentença em apreço na parte de que se recorre, e que os manteve na ordem jurídica

aa) Este imposto é inconstitucional por onerar de forma desproporcional e desigual estes concretos sujeitos passivos em comparação com a generalidade dos contribuintes, sendo-lhe exigido um esforço adicional no financiamento das despesas públicas pelo que, também por este motivo as referidas disposições legais e os actos de liquidação em apreço, são inconstitucionais por violação do disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

bb) Acresce que, quer o artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, quer o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro, atentam contra a liberdade de empresa e o direito de propriedade, protegida constitucionalmente - artigo 61,º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - por se traduzirem numa oneração do património que excede em muito a legalmente prevista na tributação do rendimento das pessoas colectivas (tributação do seu rendimento em valores de 50%), pelo que, também nesta medida, os tributos em apreço são inconstitucionais por violação das indicadas disposições constitucionais, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, neste segmento,

cc) O facto de as empresas se dedicarem à comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal implicará que o seu lucro seja tributado, sem qualquer justificação ou motivo plausível, de uma forma mais gravosa do que o lucro da generalidade das empresas, o que é inadmissível à luz do princípio da igualdade - cfr. artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa,

dd) E como apenas estão obrigadas ao pagamento destes tributos as entidades que coloquem no mercado os produtos de cosméticos e de higiene corporal, esta imposição traduz-se também numa concreta limitação da liberdade de empresa (assim resultando violado o artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa) e do direito de propriedade (em clara violação do disposto nos artigos 13.º e 62.º, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que tem natureza claramente discriminatória.

ee) Os actos tributários ora contestados são, pois inconstitucionais e ilegais, por os mesmos decorrerem da aplicação de normas inconstitucionais (o artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, e o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro), por violação, também, dos artigos 2.º 13.º, 18.º, nº 2, 61.º, 62.º e 266º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, preceitos estes também violados pelo Tribunal a quo nesta concreta parte da Sentença,

ff) Os actos de liquidação são, também, ilegais e a Sentença na parte em análise incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 28.º do Tratado da Comunidade Europeia (actual artigo 34º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), pois, à luz da interpretação de diversos acórdãos do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia - "Dassonvile”, de 11 de Julho de 1974 (processo nº 8/74), e “Cassis Dijon”, de 20 de Fevereiro de 1979 (processo nº 120/78) - o facto de a produção nacional dos produtos cosméticos e de higiene corporal se situar nuns meros 2% a 3% do que é comercializado no mercado português, implica estarmos na presença de medida de efeito equivalente a restrição à importação.

gg) Os actos de liquidação são, ilegais e a Sentença na parte de que se recorre incorre em erro de julgamento por violação dos artigos 23º, nº1 e 25º do Tratado da Comunidade Europeia (actuais artigos 28º e 30.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), pois, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia - de que são exemplos os acórdãos de 1 de Julho de 1969 (processo nº 24/68), de 5 de Fevereiro de 1976 (processo nº 87/75) e, sobretudo, pela flagrante semelhança com a situação em análise no presente processo, o acórdão de e 7 de Maio de 1987 (processo nº 193/85) - o imposto em causa redunda num encargo de efeito equivalente a direito aduaneiro na justa medida em quede a produção nacional dos produtos cosméticos e de higiene corporal se situa nuns meros 2% a 3% do que é comercializado no mercado português (conforme as diligências probatórias requeridas e referidas na conclusão ii) a iv) visavam demonstrar),

hh) Por fim, no que à violação do direito comunitário respeita os actos de liquidação são ilegais e o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 90.º do Tratado da Comunidade Europeia (actual artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia - de que são exemplos o acórdão “CELBI”, de 2 de Agosto de 1993 (processo nº C-266/91) e o acórdão proferido no processo nº C- 517/04 - na justa medida em que a receita cobrada pelo I... é utilizada principalmente, na realização de análises laboratoriais de produtos cosméticos e de higiene corporal de origem nacional, pelo que este imposto consubstancia uma imposição interna, pois beneficia produtos nacionais (conforme as diligências probatórias requeridas e referidas na conclusão ii) a iv) visavam também demonstrar).

ii) Existe ainda vício de violação de lei, e o erro de julgamento, por desrespeito do artigo 90º do Tratado da Comunidade Europeia (actual artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) por força da circunstância da existência de outros produtos, comercializados em Portugal, que estando em concorrência, ainda que parcial, indirecta ou potencial, com os produtos cosméticos sujeitos à taxa sobre produtos cosméticos e de higiene corporal, que não vêem as receitas obtidas com a sua comercialização oneradas por esta taxa (vd., a esse propósito o acórdão, atrás citado, do Tribunal de Justiça, de 7 de Maio de 1987, proferido no processo número 193/85) - cite-se, a esse propósito, os produtos “lenços de papel perfumados” ou a "papel higiénico humedecido".

jj) Mantém interesse, além disso, em face das disposições do Tratado da Comunidade Europeia cuja violação é suscitada, e da indicada jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia sobre as mesmas, proceder (obrigatoriamente atento o disposto nos artigos 234.do Tratado da Comunidade Europeia e 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, as quais serão violadas caso não se promova tal reenvio, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais), ao reenvio prejudicial, que é obrigatório à luz do Tratado, das questões interpretativas já identificadas no pedido da petição inicial.

kk) Acresce que inspecção externa que deu origem às liquidações oficiosas impugnadas foi efectuada pelo I..., I.P. ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro.

II) Sucede, porém, que esta entidade não tem competências legais para o efeito, mas apenas para promover a liquidação e cobrança deste tributo (cfr. artigos 2.º, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 2002, e 1.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária), e tão-só para determinar a realização de procedimentos de inspecção por parte da Inspecção-Geral das Finanças (artigo 2.º, n.º 4, do Decreto- Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro).

mm) Na verdade, o n.º 4 do artigo 2o do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro impõe expressamente uma "articulação” com a Inspecção-Geral das Finanças, a qual só pode ser interpretada no sentido de exigir que a função inspectiva seja exercida pela Inspecção-Geral das Finanças, ao abrigo da sua Lei Orgânica (cfr. artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 294/98, de 11 de Agosto), pelo que os actos de liquidação decorrentes de tal procedimento de inspecção, realizado por quem não está legalmente habilitado, são ilegais e devem ser declarados nulos ou anulados em conformidade, tendo, também neste aspecto, o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento e violado a referida disposição legal.

nn) Mas mais: o I..., I.P. considera que não carece de exteriorizar a motivação subjacente aos actos de liquidação cuja legalidade se contesta por essa liquidação ter, alegadamente, por base elementos contabilísticos fornecidos pela Recorrente.

oo) Ora, é evidente que não é pelo facto de uma liquidação se sustentar em documentos contabilísticos do contribuinte que este fica conhecedor da motivação do acto de liquidação, pois esse facto, por si só, não transmite a esse contribuinte a fundamentação de facto (e de direito) do acto de liquidação e do acto de determinação da base tributável que precede o acto de liquidação stricto sensu,

pp) Da mesma forma que os elementos recolhidos (e eventualmente pedidos) em inspecção realizada nas instalações da empresa, não permitem, como é óbvio, presumir que esta ficou a conhecer os fundamentos da decisão posterior de liquidação de imposto, sendo que se assim fosse a Administração tributária ao promover correcções técnicas ou aritméticas na sequência de inspecção externa nunca estaria obrigada a fundamentar essas mesmas correcções ou, em última análise, os actos de liquidação subsequentes.

qq) Impunha-se, pois, que para que a Recorrente ficasse a conhecer esses fundamentos, o I..., I.P., tivesse indicado, de entre esses elementos, aqueles ou parte deles que, em concreto, se baseou para o apuramento da base tributável, segregando devidamente essa informação por períodos temporais e em função da diversidade de taxas possíveis, uma vez que nem todos os produtos estão sujeitos às taxas do I..., I.P., nem os que o estão ficam necessariamente sujeitos às mesmas taxas - o que nunca sucedeu, resultando assim violados também pelo Tribunal a quo nesta parte da Sentença os artigos 268º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 77.º, da Lei Geral Tributária e 123.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, 124.º, n.º 1, e 125.º, do Código de Procedimento Administrativo.

rr) Relativamente à liquidação dos juros compensatórios impunha-se a audição da ora Recorrente no procedimento correspondente, na medida em que a liquidação de juros compensatórios se funda na culpa do contribuinte, por atraso na autoliquidação de imposto.

ss) Assim, deveria também sobre este aspecto ter tido a oportunidade pronunciar-se sobre a (in)existência dos pressupostos, de facto e de direito, de que depende a respectiva liquidação, tendo, também neste concreto aspecto, sido violados os preceitos legais indicados na conclusão anterior, o que se invoca para todos os efeitos legais.

tt) Acresce que, a liquidação de juros compensatórios incluída em cada uma das liquidações oficiosas cuja legalidade se contesta padece de falta de indicação dos pressupostos, de facto e de direito, da sua exigibilidade, o que implicaria a demonstração a imputabilidade sujeito passivo do atraso inerente à liquidação e /ou entrega de imposto, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, sendo consequentemente violado o desposto nos artigos 268.º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, 77.º da Lei Geral Tributária e 123º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, 124 º, n.º 1, e 125.º, do Código de Procedimento Administrativo.”

O Recorrente respondeu à matéria da ampliação, tendo formulado, a este propósito, as seguintes conclusões:

“1.ª As conclusões das alegações da Impugnante não cumprem o ónus estabelecido no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, na medida em que não são sintéticas como o exige a lei, devendo ser convidada a sintetizá-las nos termos do n.º3 do mesmo artigo, sob cominação legal.

2.ª Uma vez sintetizadas as conclusões, deve ser dada oportunidade ao I... de sobre elas se pronunciar, nos termos do n.º 4 do artigo 639.º do Código de Processo Civil.

3.ª Não colhe a alegação de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade nem o da tributação pelo lucro real.

4.ª Não existe qualquer insuficiência de prova ou défice instrutório, na medida em que a sentença recorrida apurou os factos necessários à decisão tomada na parte objecto do presente recurso.

5.ª Não ocorre violação de qualquer norma do Tratado da Comunidade Europeia nem do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

6.ª Não se mostram reunidos os pressupostos do reenvio a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia nem existe qualquer justificação para a realização dessa diligência, com toda a demora processual que a mesma implica.

7.ª As liquidações efectuadas não enfermam de falta de fundamentação quanto ao tributo nem quanto aos juros compensatórios.

8.ª Não ocorreu preterição do dever de audição prévia porque a mesma estava, no caso dispensada; ou, caso assim não se entenda, terá de considerar-se que a mesma se degradou em formalidade não essencial, à luz dos princípios da prevalência da substância sobre a forma e do aproveitamento do acto.

9.ª O I... dispunha da competência legal para realizar a acção de recolha de documentos em causa nestes autos e não tinha de fornecer à Impugnante qualquer relatório, porque o RCPIT não é sequer aplicável ao caso dos autos.

10.ª A douta sentença recorrida, na parte objecto da ampliação a que ora se responde, não merece reparo.”

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) O Tribunal Tributário de Lisboa é territorialmente incompetente para a apreciação da impugnação?

b) Padece a sentença recorrida de excesso de pronúncia?

c) Padece a sentença recorrida de omissão de pronúncia?

d) É insuficiente a decisão da matéria de facto da sentença recorrida?

e) Verifica-se erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação, por não terem sido consideradas as causas de suspensão do prazo legal de caducidade?

f) Verifica-se erro de julgamento quanto à circunstância de o Tribunal a quo ter considerado enfermarem os atos impugnados de vício por falta de audição prévia, dado tratar-se de situação de dispensa da mesma ou de situação de degradação de formalidade em não essencial?

E, subsidiariamente, considerando a ampliação do objeto do recurso formulada pela Recorrida:

g) É insuficiente a decisão da matéria de facto da sentença recorrida, relativamente à matéria de facto relacionada com as questões de inconstitucionalidade, verificando-se erro de julgamento nessa parte?

h) Padece a sentença recorrida de erro de julgamento, quanto à violação do direito comunitário?

i) Há falta de competências legais do I... para realização de inspeções externas como a que deu origem às liquidações impugnadas?

j) Há falta de fundamentação das liquidações impugnadas?

k) Houve preterição do direito de audição prévia quanto à liquidação de juros compensatórios?

l) Há falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. A impugnante é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, à comercialização de produtos de higiene e proteção sanitária divididos em 3 grandes grupos: higiene infantil (fraldas e toalhitas), higiene feminina (pensos e protetores) e higiene de adultos incontinentes (resguardos, fraldas, pensos e toalhitas) (artigo 10.º da petição inicial; por acordo).

B. No dia 14/12/2004, a impugnante recebeu notificação, através do ofício do I... n.º 52965, de 10/12/2004, de que, "por deliberação de 10/12/2004 do Conselho de Administração deste lnstituto, foi ordenada a realização, pelos serviços competentes do I..., de uma inspeção externa às instalações da A…. e A…., SL, com vista a recolha de elementos tendentes a liquidação oficiosa das taxas sobre a comercialização de produtos de saúde devidas pelo exercício da respetiva atividade, nos termos do artigo 72.º da Lei n.º 3-8/2000, de 4 de abril, mantida em vigor pelo artigo 58.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, e pelo artigo 55.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de dezembro, e do n.º 1 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, que terá lugar a breve trecho", mais sendo notificada para "no prazo legal de 10 dias, (...) apresentar no I... os balancetes mensais das contas da Classe 7 do Plano Oficial de Contabilidade, desagregadas ate ao 5º digito, devidamente certificada pelo Técnico Oficial de Contas, referentes aos exercícios de 2000 a 2003" (Doc. 10 da petição inicial).

C. No dia 23/12/2004, a impugnante solicitou a notificação de diversos elementos que não constavam da comunicação anterior (Doc. 11 da PI).

D. Em resposta, veio o I... informar, através do ofício n.º 3807, de 21/01/2005, que "para além de o I... fazer parte da administração tributária, por força do n.º 3 do artigo 1.º da Lei Geral Tributaria, o citado n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 312/2002 atribui ao I... a competência para determinar a «realização das inspeções e outras ações que se mostrem necessárias, com o objetivo de verificar e fiscalizar a correção dos elementos, documentos e declarações fornecidos para a determinação da taxa devida" (Doc. 12 da PI).

E. Mais informou que "embora o preceito legal refira que o I... pode fazê-lo «em articulação» com a lnspeção-Geral de Finanças, este facto não lhe retira a competência para o fazer isoladamente, visto que a lei não estabelece uma competência conjunta, mas apenas articulada". Indicou ainda o I... que "o Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de dezembro, constitui lei especial nos termos e para os efeitos do artigo 1,º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributaria (RCPIT)", e que, "sem prejuízo de se considerar não aplicável ao caso vertente o citado Regime Complementar, (.,..) nos termos da alínea b) do artigo 13.º do RCPIT, designa-se procedimento de inspeção externa aquele em que os atos de inspeção decorram, total ou parcialmente, em instalações ou dependências do sujeito passivo" (Doc. 12 da PI).

F. Em anexo ao citado oficio n.º 003807, de 21/01/2005, foram juntos pelo I... os seguintes elementos:

a) carta aviso emitida ao abrigo do disposto nos artigos 59.º, n.º 3, alínea l) da Lei Geral Tributaria e do artigo 49.º do RCPIT, que incluía um folheto informativo contendo os direitos, deveres e garantias que assistiam a impugnante; e

b) o parecer e despacho homologado pelo Conselho de Administração do I..., datado de 10/12/2004, nos termos do qual se determinou a realização da ação de inspeção externa (Doc. 12 da PI).

G. Posteriormente, a impugnante recebeu notificação, através do ofício n.º 001044, de 07/01/2005, do I..., de que em 13/01/2005, se deslocariam técnicos credenciados do mesmo Instituto as suas instalações, para procederem a recolha de diversos elementos no âmbito da referida inspeção externa (Doc. 13 da PI).

H. No dia 13/01/2005, a impugnante recebeu nas suas instalações a visita dos técnicos credenciados pelo I..., que procederam à recolha dos elementos solicitados pelo mesmo Instituto, a exceção do mapa de faturação detalhado por família de produtos (Doc. 14 da PI).

I. Nessa mesma data e em comunicação dirigida ao I..., a impugnante informou que procedeu ao envio dos balancetes mensais das contas da Classe 7 do Piano Oficial de Contas, referentes aos exercícios de 2000 a 2003, através dos inspetores daquele Instituto que visitaram as instalações da empresa naquele dia (Doc. 15 da PI).

J. No dia 17/01/2005, a impugnante enviou ao mesmo Instituto, conforme acordado com os referidos técnicos, os detalhes da faturação dos anos de 2000, 2001 e 2002 (Doc. 16 da PI).

K. Por ato datado de 27/12/2005, o I... procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos de saúde devida pela impugnante, relativa ao ano de 2000, no montante de 238.592,92, acrescida de juros compensatórios no valor de 70.983,03, com base no volume de vendas declarado no valor de 11.929.645,77, nos termos que constam de fls. 145, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 3 da PI).

L. Por ato datado de 27/12/2005, o I... procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos de saúde devida pela impugnante, relativa ao ano de 2001, no montante de 264.513,00, acrescida de juros compensatórios no valor de 60.178,52, com base no volume de vendas declarado no valor de 13.225.649,97, nos termos que constam de fls. 147, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 4 da PI).

M. Por ato datado de 27/12/2005, o I... procedeu a liquidação da taxa de comercialização de produtos de saúde devida pela impugnante, relativa ao ano de 2002, no montante de 279.106,57, acrescida de juros compensatórios no valor de 43.961,20, com base no volume de vendas declarado no valor de 13.955.328,34, nos termos que constam de fls. 149, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 5 da PI).

N. Por ato datado de 27/12/2005, o I... procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos de saúde devida pela impugnante, relativa ao ano de 2003, no montante de 318.800,26, acrescida de juros compensatórios no valor de 31.076,47, com base no volume de vendas declarado no valor de 15.940.013,17, nos termos que constam de fls. 151, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 6 da PI).

O. Por ato datado de 27/12/2005, o I... procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos de saúde devida pela impugnante, relativa ao ano de 2004, no montante de 352.640,95, acrescida de juros compensatórios no valor de 20.018,41, com base no volume de vendas declarado no valor de 17.632.047,33, nos termos que constam de fls. 153, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 7 da PI).

P. No dia 30/12/2005, a impugnante recebeu notificação das referidas liquidações oficiosas da taxa sobre a comercialização de produtos de saúde e respetivos juros compensatórios, referente aos anos de 2000 e 2001, e das liquidações oficiosas da taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, e respetivos juros compensatórios, referente aos anos de 2002 a 2004, no valor global de 1.679.871,32 (Docs. 3 a 7 da PI).

Q. Após ter a impugnante solicitado o envio de elementos adicionais, o I..., através do ofício n.º 007259, de 02/02/2006, informou que "os atos de liquidação consubstanciam-se nas notificações remetidas a essa empresa e contem toda a sucinta fundamentação de facto e de direito exigida por Lei, sendo certo que, como neles se refere, os volumes de vendas foram fornecidos por essa empresa a esse Instituto (...)" e "o mesmo acontece com a fundamentação dos juros compensatórios" (Doc. 18 da PI).

R. No dia 28/04/2006, a impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações indicadas no ponto K (Doc. 2 da PI).

S. No dia 19/02/2007, a impugnante recebeu notificação da decisão de indeferimento desta reclamação, através da deliberação n.º 042/CA/2007 do Conselho de Administração do I... (Doc. 1 da PI)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A prova testemunhal ouvida nestes autos serviu, no essencial, para corroboração dos factos já resultantes dos aludidos documentos, sendo que, no mais, não relevaram para a prova de qualquer facto concreto. Com efeito, as testemunhas A…., S…. F de, G… e R… pronunciaram-se genericamente sobre as funções do I..., a caracterização da taxa em questão, a proveniência dos produtos comercializados pela impugnante e sobre a qualificação das toalhitas, servindo para o enquadramento das questões suscitadas pela impugnante, pese embora nada relevando em termos de prova de pontos da matéria de facto”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

T. A...& ...A, SL – sucursal em Portugal, à data da propositura da presente impugnação, tinha sede na Quinta…, Rua….., 6, Edifício…., primeiro piso, P…. (cfr. fls. 3, dos autos – numeração em suporte de papel).

U. O I..., à data da propositura da presente impugnação, tinha sede no Parque de Saúde de Lisboa, Av….., ……..Lisboa (cfr. documentos n.ºs 1 e 3 a 7, juntos com a PI).

V. As liquidações referidas de K) a O) em foram emitidas centralmente pelo I... (cfr. documentos n.ºs 3 a 7, juntos com a PI).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da incompetência do TTL em razão do território

Entende o Recorrente que, in casu, ao contrário do que se julgou na sentença recorrida, não é o TTL o tribunal territorialmente competente para conhecimento da impugnação, não sendo uma situação subsumível ao art.º 12.º, n.º 1, do CPPT, devendo sim considerar-se como competente o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra.

Por seu turno, contra-alegou a Recorrida, considerando tratar-se de situação subsumível ao n.º 1 do art.º 12.º do CPPT.

Antes de mais, refira-se que o conhecimento da questão da incompetência do TTL em razão do território apresenta-se como prioritário perante o conhecimento de quaisquer outras questões, atenta a precedência lógica que lhe está subjacente.

Apreciando.

Nos termos do art.º 12.º, do CPPT:

“1 - Os processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1.ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o ato objeto da impugnação ou onde deva instaurar-se a execução.

2 - No caso de atos tributários ou em matéria tributária praticados por outros serviços da administração tributária, julgará em 1.ª instância o tribunal da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da transmissão”.

Antes de mais, considera-se ser para estes efeitos pertinente referir que o conceito de “administração tributária”, constante do n.º 2 supracitado, é um conceito amplo, que não se limita a uma conceptualização organicista limitada à estrutura da atual Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Com efeito, atenta a diversidade de tributos existentes no nosso ordenamento, integram a administração tributária todas as entidades que liquidem esses mesmos tributos. Aliás, esta conceptualização encontra-se expressa no art.º 1.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT), bem como no já referido art.º 12.º do CPPT.

Para o preenchimento do conceito de “serviço periférico local” há que atentar no disposto no art.º 6.º do DL n.º 433/99, de 26 de outubro, diploma que aprovou o CPPT, de cujo, à época, n.º 4 (correspondente ao atual n.º 6) decorre que “[n]os tributos, incluindo parafiscais, não administrados pelas entidades referidas nos n.ºs 1 e 3 [as então DGCI e DGAIEC], consideram-se órgãos periféricos locais os territorialmente competentes para a sua liquidação e cobrança e órgãos periféricos regionais os imediatamente superiores”.

Ou seja, o âmbito de aplicação deste n.º 4 pressupunha a existência de uma estrutura orgânica descentralizada, implicando a existência de órgãos locais, regionais e centrais.

Atento este enquadramento, resulta que a regra prevista no n.º 1 do art.º 12.º do CPPT se aplica no caso em que existam órgãos periféricos locais que emitam a liquidação, sendo, nesse caso, de atender à respetiva área.

Não obstante, quando os atos de liquidação sejam emitidos por outro tipo de órgãos (quer por não existirem órgãos periféricos locais quer por serem da competência de órgãos centrais), há que atentar no n.º 2 do mesmo art.º 12.º.

É justamente este o caso dos autos.

Com efeito, o I..., à data da emissão das liquidações, emitia centralmente as mesmas.

Tratando-se de situação em que as liquidações são emitidas centralmente, cumpre apelar ao disposto no n.º 2 do art.º 12.º do CPPT (cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.11.2014 – Processo: 0611/14).

Assim, resulta da leitura conjunta do art.º 12.º, n.º 2,do CPPT, com o mapa anexo ao DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro (mapa alterado pelo DL n.º 182/2007, de 9 de maio; cfr. art.º 39.º, ex vi art.º 50.º, ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), que é competente em primeira instância para conhecimento dos presentes autos o Tribunal Tributário de Sintra, a funcionar agregado com o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra, sob a designação de TAF de Sintra (cfr. art.º 3.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 182/2007, de 9 de maio).

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, atenta a precedência lógica que a questão da incompetência territorial representa, inquinando, pois, toda a sentença recorrida o facto de a mesma ter sido proferida por quem não detinha competência para o efeito.

Atenta a simplicidade da questão apreciada, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Dar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, revogar a decisão recorrida e julgar territorialmente competente para conhecer da impugnação o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra;

b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal referido em a) para que aí prossigam, se a tal nada mais obstar;

c) Custas em 1.ª instância pela Recorrida, fixando-se a taxa de justiça do incidente de incompetência territorial em 1 (uma) UC (art.º 7.º, n.º 4, e tabela II, do RCP);

d) Custas na presente instância pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda 275.000,00 Eur.;

e) Registe e notifique.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019




(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Catarina Almeida e Sousa)