Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04704/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO.
JUROS DE MORA.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS DE MORA (CFR.ARTº.6, DO DEC.LEI 73/99, DE 16/3).
Sumário:1. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.199 e 202, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.510, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.206, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.204, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
2. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
3. Os juros de mora (resultantes da mora debitoris) pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr.artº.805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (cfr.artº.805, nº.2, al.a), do C.Civil).
4. No âmbito do direito tributário, não há confusão entre os juros compensatórios e os juros de mora, ambos passíveis de ser devidos à Fazenda Pública. Os primeiros pressupõem o atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, devido a motivo imputável ao contribuinte. Por sua vez os juros de mora pressupõem que o imposto, já liquidado, não foi pago no prazo fixado na lei ou pela Administração Fiscal (cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.).
5. O regime dos juros de mora está previsto no artº.44, da L.G.Tributária, e no dec.lei 73/99, de 16/3, diploma que consagra, além do mais, a incidência, as isenções e a taxa a aplicar na liquidação destes juros.
6. No artº.6, do citado dec.lei 73/99, de 16/3, prevê-se a possibilidade de os devedores poderem impugnar a liquidação de juros moratórios nos termos e com os fundamentos previstos actualmente no C.P.P.T. (cfr.artºs.97, nº.1, al.a) e 102, nº.1, al.a), do C.P.P. Tributário).


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mmo. Juiz do TAF de Sintra, exarado a fls.44 e 45 do processo, através do qual lhe indeferiu liminarmente, devido a intempestividade, a reclamação que deduziu ao abrigo do artº.276, do C.P.P.T., no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2007/102322.5, o qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.60 a 62 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida fez errada interpretação dos factos e do direito aplicáveis ao caso;
2-A dívida, com origem no ano fiscal de 2002, nunca foi notificada à recorrente, e apenas em 2010, por sua iniciativa, a execução foi notificada à sua mandatária em Portugal;
3-Entre Angola e Portugal, para a transmissão de fluxos financeiros, aprovados pelo BCA, entre os dois países são necessários 7 a 15 dias úteis;
4-A reclamação e prova de pagamento no processo executivo “in casu” foram apresentados em 21 de Outubro de 2010, como consta dos autos, e não em 22 de Outubro, como reza a sentença recorrida;
5-A matéria dos juros de mora está expressamente regulada na L.G.T. e no C.P.P.T., não sendo claro que os juros compensatórios se integrem “tout court” na dívida (pelo capital) do imposto exequendo;
6-Deveria ter sido julgada, e deferida, a convolação da reclamação em impugnação judicial, por estar em prazo e atento o princípio da economia processual, sendo o C.P.C., subsidiariamente aplicável em sede de direito tributário;
7-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, julgando-se os factos e provas mediante convolação dos autos para a forma adequável de impugnação.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e a consequente manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica (cfr.fls.71 e 72 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.74 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
O despacho recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.44 dos autos):
1-Em 14/02/2007, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.1503-2007/102322.5, para cobrança coerciva de I.R.S., do ano de 2002, no valor total de € 6.667,21, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 25/01/2007, sendo a importância de imposto no valor de € 5.992,15 e de juros compensatórios € 675,06 (cfr.documentos juntos a fls.17 e 18 dos presentes autos; documentos juntos a fls.1 e 2 do processo de execução apenso);
2-Em 18/08/2010, o executado apresentou o requerimento constante de fls.4 do processo de execução apenso, quanto à existência de dívidas, tendo sido prestada a informação constante do fax de fls.8 dos autos, acompanhado dos DUC- Guias Modelo 50 para pagamento das importâncias em dívida acrescido dos respectivos juros de mora, os quais foram pagos em 17/09/2010 (cfr.documentos juntos a fls.9 a 13 dos presentes autos);
3-A presente petição de reclamação foi apresentada em 22/10/2010 (cfr.data de entrada aposta a fls.4 dos presentes autos, rosto da petição).
X
Levando em consideração que o recorrente põe em causa a matéria de facto que fundamentou o despacho liminar objecto do presente recurso, e dado que a factualidade em análise se baseia em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
4-Em 17/9/2010, a executada A..., com o n.i.f. 145 807 509, efectuou o pagamento da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2007/102322.5, no montante total de € 9.481,93, na citada quantia se incluindo € 2.400,12 de juros de mora, mais tendo a A. Fiscal fixado o termo final do prazo de pagamento voluntário da dívida exequenda no pretérito dia 30/9/2010 (cfr.documentos juntos a fls.9 a 13 dos presentes autos; informação exarada a fls.19 e 20 dos presentes autos);
5-Em 21/10/2010, a p.i. a que alude o nº.3 supra do probatório foi enviada para o 1º. Serviço de Finanças de Cascais através de fax (cfr.documento junto a fls.4 dos presentes autos);
6-A p.i. que originou os presentes autos tem como fundamento a ilegal liquidação dos juros de mora incorporados na dívida exequenda já paga pela reclamante e ora recorrente, terminando a pedir a condenação da Fazenda Pública no recálculo de juros no limite legalmente previsto, bem como a restituição à executada do valor pago em excesso (cfr.p.i. junta a fls.5 a 7 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados em cada número do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o despacho objecto do presente recurso indeferiu liminarmente, devido a intempestividade, a reclamação que o recorrente deduziu no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2007/102322.5, o qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais.
X
O recorrente discorda do julgado alegando em síntese, como supra se alude, que a reclamação e prova de pagamento no processo executivo, “in casu”, foram apresentados em 21 de Outubro de 2010, como consta dos autos, e não em 22 de Outubro, como reza a sentença recorrida. Que deveria ter sido julgada, e deferida, a convolação da reclamação em impugnação judicial, por estar em prazo e atento o princípio da economia processual, sendo o C.P.Civil subsidiariamente aplicável em sede de direito tributário (cfr. conclusões 1 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de facto e de direito do despacho recorrido.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tais vícios.
No que diz respeito à factualidade que o recorrente esgrime nas conclusões de recurso e relativa à data da apresentação da p.i. de reclamação constante da fundamentação de facto do despacho recorrido, remetemos para o nº.5 da matéria de facto aditada ao probatório e supra exarada.
Passemos ao exame do alegado erro de julgamento de direito do despacho recorrido.
Haverá, portanto, que analisar da propriedade do meio processual empregue pela reclamante/recorrente e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, atento o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.137, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão.
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.199 e 202, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.510, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.206, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.204, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.690 e seg.).
No caso concreto, dos nºs.4 e 6 do probatório, conclui-se que a recorrente, nos pedidos formulados no final da p.i. que originou o presente processo, visa a liquidação de juros de mora efectuada no processo de execução fiscal nº.1503-2007/102322.5, no montante de € 2.400,12 e cujo pagamento já foi por si efectuado.
Os juros de mora (resultantes da mora debitoris) pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr.artº.805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (cfr.artº.805, nº.2, al.a), do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª.edição, 1992, vol.II, pág.112 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1990, vol.II, pág.446 e seg.).
No âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. Os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, assim aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.).
Não há confusão entre os juros compensatórios e os juros de mora, ambos passíveis de ser devidos à Fazenda Pública. Os primeiros pressupõem o atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, devido a motivo imputável ao contribuinte. Por sua vez os juros de mora pressupõem que o imposto, já liquidado, não foi pago no prazo fixado na lei ou pela Administração Fiscal (cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.172; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.612 e seg.).
Actualmente o regime dos juros de mora está previsto no artº.44, da L.G.Tributária, e no dec.lei 73/99, de 16/3, diploma que consagra, além do mais, a incidência, as isenções e a taxa a aplicar na liquidação destes juros.
No artº.6, do citado dec.lei 73/99, de 16/3, prevê-se a possibilidade de os devedores poderem impugnar a liquidação de juros moratórios nos termos e com os fundamentos previstos actualmente no C.P.P.T.
Voltando ao caso dos autos, atentos os pedidos formulados pelo recorrente no final da p.i. que originou o presente processo, a forma processual legalmente prevista consiste na impugnação da liquidação de juros de mora, consagrada nos artºs.97, nº.1, al.a) e 102, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, “ex vi” do citado artº.6, do dec.lei 73/99, de 16/3.
Mais se dirá que se deve aproveitar a p.i. apresentada pela recorrente mandando seguir a forma de processo de impugnação, ao abrigo do mencionado princípio da economia processual, ordenando-se a convolação na aludida forma de processo. Assim é, porquanto se revelam compatíveis os pedidos formulados e, por outro lado, é tempestiva a petição apresentada (cfr.nºs.3, 4 e 6 do probatório; artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, deve conceder-se provimento ao recurso deduzido, embora com a presente fundamentação, devido à procedência da nulidade processual de erro na forma do processo e consequente convolação para a forma processual correcta, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, DEVIDO A ERRO NA FORMA DO PROCESSO, EM VIRTUDE DO QUE SE ANULA TODO O PROCESSADO POSTERIOR À P.I. E SE ORDENA A CONVOLAÇÃO DOS PRESENTES AUTOS PARA A FORMA DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
X
Condena-se o recorrente em custas somente em 1ª. Instância.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Junho de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)

(Lucas Martins - 2º. Adjunto)